Cultura, Forró, Reportagem

CLIMA JUNINO TOMA CONTA DA FACOM

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Hoje, quem chegou à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA), percebeu algo diferente: o prédio estava decorado num clima junino, com direito a bandeirolas e correntes de papel crepom. Tudo isso foi feito para abrilhantar a segunda edição do AgenciAÇÃO, evento promovido pela Agência Experimental, instância universitária. E, para surpresa dos organizadores, muitos faconianos, sem combinação prévia, foram para a faculdade de camisetas e blusas com estampa quadriculada. A intervenção cultural, que este ano teve a festa de São João como tema, trouxe para a comunidade universitária atrações de diferentes comunidades de Salvador. A primeira a se apresentar na área externa da Facom foi a banda Forrossá, oriunda do bairro São Caetano. Criada em 2010, a Forrossá abriu o arraiá num clima bem intimista e durante o show tocou sucessos de Luiz Gozanga, Flávio José e Adelmário Coelho. O vocalista Pretto Trindade, 22 anos, formado em música pela UFBA, elogiou a ação: “É muito interessante ter este contato cara a cara com pessoal”. O cordelista Luar do Conselheiro, 27 anos, do bairro Boca do Rio e uma das atrações do AgenciAÇÃO, também aprovou a iniciativa dos membros da Agência Experimental. ” Eu acho que juntar o acadêmico e o popular é o que existe de mais atual”, opinou. Luar deixou sua marca no evento ao declamar o cordel “A história fará a sua homenagem à figura de Antonio Conselheiro”, do repentista pernambucano Ivanildo Vila Nova. Além disso, ele criou o cordel ABC do AgenciAÇÃO, que foi distribuído para as pessoas que prestigiaram o evento. O forrozeiro Jó Miranda, 31 anos, veio do Cabula para mostrar aos universitários o forró de raiz. A sua participação no evento foi bem peculiar, uma vez que tocou muito forró instrumental. Para ele, a intervenção foi importante pela visibilidade que deu às atrações. “O AgenciAÇÃO é totalmente válido, possível e bom para a cultura em geral. Tanto pra quem toca quanto pra quem prestigia, já que grande parte da mídia não dá espaço pra gente”, desabafou. Última atração do evento, a banda Flor do Cangaço, liderada pela vocalista Juciara Carvalho, 47 anos, tocou clássicos do forró e apresentou a música de trabalho Com os olhos cheios d’água, composta por Alexandre Leão,Targino Gondim e Manuca Almeida. Oriunda do bairro Caminho de Areia, a Flor do Cangaço já participou de outras experiências semelhantes ao AgenciAÇÃO, como afirma Juciara: “A gente já fez parcerias com o SESI (Serviço Social da Indústria) e participamos do projeto Amigos do Madragoa, que apresenta uma mistura musical de chorinho e forró. Fazer parte do AgenciAÇÃO foi maravilhoso e gratificante”.

Toda a Facom parece ter entrado no clima de São João e, para trazer ainda mais esse universo para a faculdade, os organizadores apostaram em brincadeiras tradicionais, como o Correio do amor. Comidas e bebidas típicas também não faltaram na intervenção cultural. O evento atraiu estudantes de outros institutos da UFBA, como André Amorim, de 23 anos, que cursa oceanografia. “Eu gostei de tudo que vi a acho a proposta muito válida”, avaliou. Houve elogios de gente da própria Facom, como os de Eduardo Coutinho, 19 anos, estudante de jornalismo. “A proposta do evento é legal, foi bem organizado e é o que faltava na Facom. Acho que deveria acontecer mais de uma vez no semestre”, sugeriu.

A Agência Experimental em Comunicação e Cultura conseguiu, mais uma vez, unir a cultura comunitária de Salvador com o ambiente universitário. Fez isso de uma forma muito competente e transformou o AgenciAÇÃO num evento obrigatório dentro da Facom. Agora, é só esperar os próximos passos. O caminho da roça já foi aberto.

# Visite o site da Agência Experimental em Comunicação e Cultura da UFBA: www.agencia-experimental.blogspot.com.

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UM LIVRO CHEIO DE BOAS HISTÓRIAS

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A Vida Que Ninguém Vê - Saraiva
O livro A vida que ninguém vê, de Eliane Brum, é uma obra recheada de histórias interessantes. Com uma escrita bastante peculiar, a autora convida o leitor a embarcar numa viagem repleta de acontecimentos comuns, mas vividos por pessoas que não são percebidas pela sociedade. O livro nasceu da reunião de crônicas publicadas na coluna A vida que ninguém vê do jornal Zero Hora. A obra consta de sumário, prefácio (assinado por Marcelo Rech), posfácio de Ricardo Kotscho, um relato da autora sobre jornalismo, uma seção de agradecimentos e, por último, os créditos das imagens que ilustram o livro. Eliane Brum é jornalista, formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Coleciona uma série de prêmios nacionais e internacionais pelas suas reportagens, entre eles o Esso, o Vladimir Herzog, o Ayrton Senna e o da Sociedade Interamericana de Imprensa. Foi vencedora, em duas edições (2006 e 2008), do prestigiado Prêmio Comunique-se. Eliane trabalhou no tradicional jornal Zero Hora (onde começou a carreira jornalística) e, durante dez anos, foi repórter especial da revista Época. Em março deste ano, a jornalista se desligou da revista para se dedicar a projetos independentes. Porém, o desligamento não foi total, porque Eliane mantém a coluna Nossa sociedade no site do periódico, que é publicada todas as segundas. Além de A vida que ninguém vê, Eliane Brum é autora dos livros Coluna Prestes – o avesso da lenda (1994, Artes e Ofícios) e de O olho da rua (2008, Editora Globo). Inquieta, produziu o documentário Uma história Severina (2005), que também foi bastante premiado.
Quem abre o livro A vida que ninguém vê, se depara com histórias emocionantes, em que o humano torna-se mais humano, em que a simplicidade é uma protagonista constante, em que viver, independentemente dos percalços que possam existir, vale a pena. Isso se dá pela própria carga da narrativa, pelo uso de metáforas e, claro, pelo talento de Eliane em escrever e em saber prender o leitor nas suas linhas. Mas isso não é feito premeditadamente, acontece de maneira natural. A leitura é feita de uma forma rápida e prazerosa. A autora capricha no uso de frases tocantes e dialoga, com muita propriedade, com os elementos literários. As crônicas do livro ganham força dramática pelas descrições e detalhes colocados por Eliane em cada parágrafo. Durante a leitura, a vontade de quem lê é a de conhecer cada personagem citado pela escritora, é a de caminhar pelos caminhos cheios de situações curiosas de Porto Alegre, é a de saber quais são os outros relatos que serão apresentados por Eliane Brum no decorrer da obra. O grande mote da autora foi, justamente, o de escrever sobre pessoas comuns, mas que possuíam narrativas instigantes. E, nesse aspecto, Eliane se sentiu muito confortável em registrar as histórias, porque é uma jornalista que sempre busca o diferente, o não-feito. Dessa forma, consegue dar um ângulo novo para assuntos considerados banais e, assim, faz as reportagens serem mais interessantes.
Isso fica bastante evidente com a leitura de A vida que ninguém vê. A autora consegue transformar em clássicos temas debatidos com exaustão pelos veículos de comunicação. Nesse sentido, histórias de pessoas que nunca voaram, da solidão presente num quarto de hospital, de crianças que perambulam pedindo esmolas no trânsito, entre outras, ganham vivacidade nas mãos de Eliane Brum. Todas as crônicas devem e merecem ser lidas, mas a que mais impressiona — principalmente, pela qualidade literária — é a intitulada Eva contra as almas deformadas. Nela, Eliane usa toda a sua singeleza e perspicácia para narrar uma história que trata de preconceito e discriminação. Em contrapartida, traz lições de perseverança dadas pela personagem principal do caso. Para os mais curiosos, o melhor conselho é se debruçar sobre a obra e ler. Qualquer tentativa feita aqui, mínima que fosse, não daria a dimensão do texto apresentado por Eliane no livro, muito menos de toda a idiossincrasia presente na história de Eva. Quem lê a obra, conclui facilmente que se trata de um texto produzido por uma pessoa que tem muito amor pelo que faz, uma pessoa que tem prazer em descobrir histórias. Isso é confirmado, desnecessariamente (porque, quem embarca na leitura, percebe), pelo texto de Ricardo Kotscho apresentado no posfácio e também pela própria Eliane, no seu relato sobre jornalismo (que é uma verdadeira declaração de amor à profissão).
Eliane Brum, que é uma das jornalistas mais premiadas de sua geração e até mesmo do país, usou de toda a sua sensibilidade para escrever o livro A vida que ninguém vê. Não bastaria, apenas, ter uma boa técnica jornalística para produzir as crônicas. Era preciso que essa técnica viesse aliada a um fazer diferente e a uma preocupação com o mundo circundante. Não uma preocupação piegas, mas um olhar diferente para pessoas tão iguais como outras quaisquer. Enfim, a obra de Eliane Brum é um marco na história do jornalismo literário e uma obra-prima para aqueles que têm paixão por essa atividade profissional.
BRUM, Eliane. A vida que ninguém vê. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2006. 208 p.
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