Crônica, Cultura, Desde Já, Jornalismo Cultural, Toca o Desde

O antirracismo nosso de todos os dias

Foto: autorretrato

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Na música Divino, Maravilhoso, Caetano Veloso e Gilberto Gil dizem que “é preciso estar atento e forte”. Quem é negro, no Brasil, leva isso como um mantra. Para combater a violência racista é preciso mesmo estar atento (porque ela se configura de diversas maneiras) e forte (para seguir resistindo). Embora o racismo não seja uma prática da negritude, somos nós, negros, que encapamos as lutas para que ele deixe de existir. Por mais que tenhamos brancos aliados, só a gente sabe onde a dor é mais doída e como a exclusão se perpetua na sociedade e nos atinge apenas por termos a pele escura.

Não tem um dia sequer que a negritude brasileira não sofra racismo. Um dia! Não é exagero e não precisa de pesquisa para evidenciar isso, basta estar atento e forte. E, para toda prática de racismo, um combate. É assim que deve ser. O Disque 100 está aí para ser usado. O artigo 20 da Lei 7.716/1989 também. Por isso, é importante ter muita atenção para as violências disfarçadas de brincadeira que fazem parte do nosso dia a dia. Não podemos esquecer que o racismo é um acordo tácito e, às vezes, explícito de silenciamento de potencialidades. Esse acordo tem várias facetas e brechas. Inventaram a injúria racial, gente! De acordo com a lei, é quando ofende a honra de um indivíduo apenas, não de uma coletividade. Isso dá vazão para discursos como este: “Não fui racista! Pratiquei injúria racial!”. Assim, um bocado de coisa acontece e fica por isso mesmo. 

Uma das práticas mais evidentes do racismo é quando um negro é seguido numa loja. Quem é negro já passou por isso ou conhece alguém que já tenha passado. Esse preconceito está presente nos shoppings e nos comércios de rua de todas as cidades brasileiras. E aí: seria injúria ou seria racismo? Vale a reflexão. 

Na televisão, a gente pouco se vê. Estranho. Num país que tem mais de 50% da população negra, não é possível que não existam pessoas negras a fim de trabalhar na TV. Isso é só mais um traço evidente do racismo, da falta de oportunidades para quem é negro. Brigar por esse espaço deve ser uma constante. Como? Pressionando as emissoras, enviando e-mail, comentando nas redes sociais. Precisamos ser antirracistas todos os dias e ser antirracista é brigar por nossa existência em todos os espaços. O mercado de trabalho precisa se ampliar, ser verdadeiramente diverso. Todo mundo ganha com isso. Equipes formadas por pessoas com vivências diferentes serão sempre mais interessantes. Todos os ambientes sociais devem refletir o país, que é plural.

“Precisamos ser antirracistas todos os dias e ser antirracista é brigar por nossa existência em todos os espaços”

Quantos apelidos a gente ouviu calado? Quantas vezes fomos associados a coisas ruins? Embora a hora de gritar já tenha chegado há muito tempo, com pessoas que vieram antes de nós, temos que gritar sempre! Pedir um basta a tudo que nos violenta! Tudo que é voltado para a cultura negra é alvo de preconceito, de discriminação, de chacota. Negam a nossa existência desde que o Brasil é Brasil. O que temos que fazer? Resistir! Se falam do nosso cabelo, a gente reafirma a nossa identidade! Bota ele pra cima, mostra por que o black é power e segue fazendo revolução. Se desprezam a nossa cultura, a gente a enaltece, mostrando como os povos negros foram precursores e responsáveis por quase tudo que faz parte do nosso cotidiano. A base da música brasileira é o candomblé! Pouca gente reconhece isso. 

O racismo faz a população negra ficar em alerta o tempo todo. Quem vai à padaria da esquina sem o documento de identificação? O branco vai, o negro nem cogita. O negro não pode colocar um guarda-chuva grande na mochila. Caso o faça, é “confundido” com marginal. Isso acontece com frequência e nada é feito para mudar. Lembra daquela conversa de que o racismo é um acordo? É por aí…

Uma reflexão muito apropriada da filósofa estadunidense Angela Davis se popularizou e é usada nas discussões sobre a violência racista. Angela diz o seguinte: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”. É exatamente isso. Não ser racista é ficar num lugar de imobilidade, de continuar aceitando as coisas como elas estão/são. Ser antirracista é buscar a ação, a mudança, porque atitudes valem mais do que discursos bonitos nas redes sociais digitais e fora delas. Estamos de olho! Que a gente esteja sempre atento e forte, porque muita coisa tem que se transformar. Nada ainda está divino, maravilhoso.

Sigamos.
Texto originalmente produzido para o 1° Concurso Literário: Crônicas Antirracismo, promovido pela Editora Telha
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Cultura, Jornalismo Cultural, Reportagem, Toca o Desde, Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil

O rádio e o seu poder de convergência

 Veículo de comunicação atravessou décadas e se adaptou às inovações tecnológicas

Imagem reproduzida do Blog de Assis Ramalho

Por Raulino Júnior

Na década de 50 do século passado, quando a TV chegou ao Brasil, muita gente especulou e acreditou que os dias do rádio estavam contados. Afinal, a TV era “um rádio com imagem”. Seguia a programação que tinha se consolidado naquele veículo e as pessoas ainda podiam ver os profissionais, sem precisar imaginar como eles eram. Tudo era muito mais atraente. Porém, como se pôde constatar ao longo do tempo, a derrocada do rádio não aconteceu. Tanto que, passados 72 anos da presença da TV no Brasil, ele coabita com a caixinha eletrônica e com novas tecnologias. De acordo com pesquisa realizada pela Kantar IBOPE Media, através do estudo Inside Radio 2021, 80% dos brasileiros ouvem rádio. Isso é fruto do poder de convergência do veículo, que soube se adaptar às mudanças ocorridas na sociedade e acompanhar as inovações tecnológicas. Esse é o assunto abordado hoje na série de reportagens Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil, que comemora os onze anos do Desde.
 
O hábito de ouvir rádio em família, com todo mundo reunido, não demorou de ser modificado. Com a popularização do aparelho e já tendo modelos portáteis, a escuta passou de coletiva à individual. Isso se deu pelo fato de o rádio se adaptar facilmente às transformações ocorridas na sociedade e nunca ficar para trás. Na tese No tempo do Rádio: Radiodifusão e Cotidiano no Brasil. 1923 – 1960, defendida em 2002, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Lia Calebre reforça isso ao dizer que “ao mesmo tempo em que o rádio ficava mais popular a indústria aumentava a oferta e a diversidade de modelos dos aparelhos. Os novos rádios deveriam oferecer qualidade de sintonia e, ao mesmo tempo, serem um objeto de decoração da sala de estar, até mesmo por ocupar lugar de destaque na mesma. Os fabricantes de aparelhos receptores esforçam-se em exaltar as qualidades de seus produtos e as facilidades cotidianas que eles proporcionam”, p. 71.
 
Com o advento da internet no Brasil, lá pelos idos de 1995, o rádio viu uma forte ameaça surgir, mas não se fez de rogado e, mais uma vez, adaptou-se. A partir daí, temos o nascimento das webrádios e a presença do rádio na web. Embora pareça redundância, não é. São categorias diferentes. No livro O Rádio na Era da Convergência das Mídias, publicado pela Editora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, em 2012, a autora Rachel Severo Alves Neuberger esclarece: “A rádio tradicional, no caso, pode oferecer seus serviços radiofônicos ao vivo ou por podcast (programação gravada) e muitos outros serviços que utilizem, inclusive, a interação com o seu público, com elementos hipermidiáticos (som, imagem fixa e em movimento, além de texto pela web). É a chamada “rádio na web”, já que está naquele ambiente, assim como nas ondas do ar. Geralmente, as rádios pequenas têm colocado apenas um link em tempo real (por streaming), enquanto as rádios com maior porte buscaram utilizar a web de forma mais completa, a fim de ampliar seus serviços e criar um vínculo mais próximo com seu público, até por ferramentas de redes sociais. Em termos de ‘webrádio’, pode-se dizer que é um novo formato de rádio, uma vez que não existe de forma física, apenas virtual. Nesse caso, a rádio também pode estar somente em streaming ou utilizando-se de todos os recursos disponíveis na web, como componentes gráficos, tabelas, fotografias, textos escritos, imagens de vídeo e outros elementos que complementam a informação”, p. 123.
 
Daí em diante, o rádio passou a fazer parte de todas as tecnologias digitais da informação e da comunicação, mantendo-se sempre moderno. Está na TV, nos tablets, nos aparelhos de telefonia móvel e, obviamente, se digitalizou. “Em termos de recepção, é muito provável que não haja mais aparelhos novos exclusivos para se ouvir rádio, uma vez que, por exemplo, os telefones celulares multimídia, smartphones, tablets, já apresentam a possibilidade de navegação na Internet e acesso ao rádio e à televisão”, afirma Neuberger, na página 139 do seu livro. E acrescenta: “Como se nota, o rádio está sempre buscando novas saídas para as dificuldades que vão surgindo ao longo dos seus quase 90 anos de existência no Brasil. Quando se pensa que não há mais sobrevida para o veículo, ele ressurge das próprias tecnologias que poderiam sufocá-lo enquanto veículo de comunicação”, p. 133. O rádio pode tudo. 
 

Eduardo Vicente: “Espero que o futuro do rádio seja muito diferente do presente do rádio”. Imagem: reprodução do Facebook

Eduardo Vicente, professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV (CTR), da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), espera que o rádio do futuro seja mais colaborativo. “Não sou um grande fã do modelo atual do rádio, principalmente no Brasil, que é esse modelo de emissão privada. As emissoras públicas têm um espaço muito pequeno no Brasil e as comunitárias são muito limitadas. Eu espero que o rádio no futuro tenha mais esse caráter, que mais e mais produções feitas por indivíduos ou pequenas produtoras estejam dentro do universo de consumo sonoro das pessoas. Especialmente, através do podcast, é claro. Eu não acho que a estrutura das emissoras de rádio vai mudar. Espero só que elas tenham muito mais disputa fora do dial, que exista muito mais gente produzindo conteúdo e muito mais disposição de ouvir múltiplos conteúdos, de múltiplas origens do que nós temos hoje. Então, é isso que eu espero no futuro do rádio. Espero que o futuro esteja com a pluralidade de vozes”. Ao pensar o futuro do rádio como empresa, como mídia, no sentido de uma indústria de comunicação, o docente acha que é incerto. “Eu gosto de questionar a ideia que sempre se repete de que o rádio não morreu, de que as pessoas sempre previam o fim do rádio e esse fim nunca acontecia e o rádio tinha essa capacidade de se reinventar e de continuar. Eu concordo plenamente com essa ideia. Desde o Rudolf Arnheim, nos anos 30, se fala nesse final do rádio. E desde então, o rádio, de alguma maneira, está presente, mas em alguns momentos, acho que é importante considerar o que custou pro rádio continuar presente? Quer dizer, o que ele perdeu? No caso brasileiro, por exemplo, o que deixou de estar nesse rádio convencional ou o quanto ele se tornou uma mídia extremamente concentrada na mão de poucos grupos ou dependente dos interesses de gravadoras musicais ou produtores musicais. No caso do jabá, desse rádio que só toca o que é pago pra tocar. Ou dependente de grupos religiosos ou políticos. No caso de muitas emissoras que foram ou arrendadas ou se tornaram a voz chapa branca, institucional, ecoando os discursos e interesses de determinados grupos. Então, o rádio sobreviveu, mas ele sobreviveu com independência? Ele sobreviveu com autonomia de tocar o que quer, de produzir coisas ligadas a todos os gêneros possíveis do rádio, como documentário, como ficcional? A minha resposta é não e a resposta evidente é não. Hoje, o rádio tem um foco muito mais limitado do que já teve no passado. Nesse sentido, espero que o futuro do rádio não seja a continuidade dessa situação. Espero que o futuro do rádio permita uma maior abertura  dessa indústria pra outras vozes, uma maior democratização dessa indústria. Espero que o futuro do rádio seja muito diferente do presente do rádio”, filosofa.
 
COM A PALAVRA, BRUNO ROGÉRIO TAVARES
 

Imagem: reprodução do Facebook

Bruno Rogério Tavares é professor e coordenador do curso de Rádio, TV e Internet da Universidade Cruzeiro do Sul. Também é docente do mesmo curso na Faculdade Cásper Líbero. As duas instituições ficam no estado de São Paulo. É formado em Comunicação Social – Rádio e TV, pela Universidade São Judas Tadeu; mestre em Comunicação Social, pela Universidade Metodista de São Paulo e doutor em Comunicação e Semiótica, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nesta entrevista exclusiva para o Desde, feita pelo LinkedIn, ele diz o que explica o poder de convergência do rádio e opina sobre como será o rádio do futuro e o futuro do rádio. “Passa obrigatoriamente pela consolidação do mercado de podcast e pela implantação do modelo de transmissão de rádio digital no Brasil para emissoras FM”.

Desde que eu me entendo por gente – O que explica o poder de convergência do rádio?

Bruno Rogério Tavares: Apesar de não transmitir imagens no modelo original, o rádio tem o poder de sugerir imagens para os ouvintes, estimulando a criatividade e a imaginação. Essa característica permite ao rádio convergir com diferentes linguagens e plataformas midiáticas, o que amplia o alcance da mensagem, pois o rádio é meio de comunicação de massa que não faz exclusão de ouvintes pela escolaridade. A oralidade, uma das características da linguagem radiofônica, permite uma maior flexibilidade no consumo dos conteúdos, como por exemplo os podcasts, que muitas vezes são gravados com imagens (o que seria correto chamar de videocast), mas que boa parte do público consome apenas no formado de áudio.
 
Desde – Na sua opinião, como será o rádio do futuro? 
 
BRT: O rádio do futuro estará presente nos mais diferentes dispositivos e convergindo cada vez mais com a internet das coisas. O bluetooth provocou uma revolução, ampliando a mobilidade e o acesso ao conteúdo radiofônico das emissoras AM e FM, além de permitir que rádios web ampliassem o alcance da transmissão. Provavelmente, não teremos um aparelho exclusivo para ouvir rádio.
 
Desde – E o futuro do rádio?
 
BRT: O futuro do rádio passa obrigatoriamente pela consolidação do mercado de podcast e pela implantação do modelo de transmissão de rádio digital no Brasil para emissoras FM. Em termos de conteúdo e programação, o rádio ainda será o companheiro do ouvinte, com espaço para comunicadores que saibam dialogar e fazer companhia com o ouvinte, levando informação, entretenimento e prestação de serviços. Em um mundo globalizado e conectado, o conteúdo local terá cada vez mais espaço.
 

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Clique em Tocando com Frequência para ficar por dentro da nossa série. No dia 7 de dezembro, a gente publica a última matéria falando sobre a história do rádio no Brasil. Dessa vez, vamos falar sobre a importância do rádio para a música e sobre as músicas que citam esse veículo de comunicação nas suas letras. Até lá! #TocaODesde com a gente!

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