Cultura, DEZde, Jornalismo Cultural, RauLendo: leituras em pauta

HQs abordam protagonismo de pessoas negras na ciência e são mais um recurso para implementar a Lei 10.639/2003 na sala de aula

Imagem: montagem feita no aplicativo Layout

Por Raulino Júnior||RauLendo: leituras em pauta||

Se o assunto é ciência, tem povo negro envolvido. Essa premissa fica evidente durante a leitura das histórias em quadrinhos Meninas e Mulheres na Ciência Entrevistas Além do Tempo, que são fruto da pesquisa de pós-doutorado do pedagogo Carlos Antonio Teixeira, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). De uma forma bastante interessante e didática, Carlos apresenta aos leitores histórias de homens e mulheres que contribuíram (e contribuem!) para o avanço da ciência no Brasil e em algumas partes do mundo. Além do interesse por essa importante área do conhecimento (que, no atual contexto em que estamos, se tornou ainda mais fundamental!), os personagens citados na narrativa têm outra característica em comum: são, predominantemente, negros.
Em Meninas e Mulheres na Ciência, o autor conta a história de Cibele, uma adolescente que quer ser cientista. O interesse dela desperta a curiosidade de dois amigos, Lúcia e Adriano, que começam também a se interessar pelo tema e fazem pesquisas para saber quais foram as principais cientistas negras brasileiras do passado e do presente. Assim, conhecem Enedina Alves MarquesViviane dos Santos BarbosaSônia GuimarãesLélia GonzálezAnita CanavarroJaqueline Góes e tantas outras.

Já Entrevistas Além do Tempo é uma daquelas histórias de aventura que prende os leitores e que despertam a vontade de participar dos acontecimentos. Os amigos Miguel, Júlia e Artur têm que fazer uma pesquisa sobre cientistas negros e negras, do Brasil e dos Estados Unidos, que contribuíram para o bem da humanidade. Através de um sonho de Miguel, entram numa máquina do tempo (a Wardrobe Time One) e viajam para várias fases da História. Com esse feito, conseguem entrevistar Katherine JohnsonDorothy Vaughan e Mary Jackson (as matemáticas da NASA); Ben Carson e Vivien Thomas (do Hospital Johns Hopkins); Marcelle Soares-SantosAlan Alves BritoRita de Cássia dos AnjosDenise Rocha Gonçalves e Eliade Ferreira Lima. O final é bem surpreendente!

As duas HQs são um ótimo motivo para professores implementarem o que está preconizado na Lei 10.639/2003 porque têm linguagem de fácil compreensão, usam um gênero textual que crianças e adolescentes gostam e estão disponíveis em PDF. Embora se saiba da importância da Lei como instrumento de combate ao racismo, ainda é muito tímida a forma como as unidades de ensino da educação básica introduzem os conteúdos relacionados à história e cultura afro-brasileira na sala de aula. Isso precisa ser revisto. E com urgência!

Referência:

TEIXEIRA, Carlos Antonio; VERGUEIRO, Waldomiro de Castro Santos. Meninas e mulheres na ciência. São Paulo, SP: Relevos Borges, 2020.

TEIXEIRA, Carlos Antonio; GRANIERI, Vicente de Paulo. Entrevistas além do tempo. São Paulo, SP: Relevos Borges, 2021.

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39 anos sem Elis e com Elis

Em 19 de janeiro de 1982, parentes, amigos, fãs e admiradores ficaram menos felizes por causa da partida precoce daquela que é considerada “a maior cantora do Brasil”

Furacão Elis: biografia narra a história da cantora que marcou a Música Popular Brasileira. Imagem: captura de tela

Por Raulino Júnior ||RauLendo: leituras em pauta||

“O novo sempre vem” e Elis Regina é sempre uma novidade. A cantora, que saiu de Porto Alegre para ganhar todo o Brasil, surpreende a cada imersão feita na sua obra ou em produtos dos quais é protagonista. Em entrevistas e apresentações para a TV, documentários, livros: tem sempre uma nova Elis, com a sua presença marcante e altiva. E sendo sempre ela, oito ou oitenta. Assim acontece quando a gente se depara com a leitura dos primeiros capítulos da biografia Furacão Elis, escrita por Regina Echeverria e que foi originalmente publicada em 1985 (três anos após o mestre dá a partida para a Pimentinha, que tinha 36 quando foi cantar em outros planos).

Regina fez mais de 100 entrevistas para contar a história de Elis Regina Carvalho Costa, filha de Ercy Carvalho e Romeu Costa. O livro-reportagem tem linguagem simples, convidativa e muitos detalhes (fala de um aborto que Elis fez, quando ficou grávida de Solano Ribeiro), o que mostra muito bem por que Regina é referência no que faz, uma vez que é uma das biógrafas mais renomadas do país. A obra pega a gente logo no início. Já na apresentação, inclusive. Os capítulos esmiúçam a vida de Elis, mostrando como a sua personalidade forte já era presente desde a tenra idade, como ela se tornou um sucesso em Porto Alegre e a gravação do seu primeiro LP, Viva a Brotolândia, aos quinze anos. Pouco tempo depois, já sustentava a família com seus ganhos.

Nas entrevistas que dá, João Marcello Bôscoli, primogênito de Elis, diz que o seu maior medo era de a mãe ser esquecida. Porém, diante das homenagens que são feitas ano após ano, ele próprio constatou que isso é impossível. Elis vive porque Elis é sempre. Para contribuir com isso, em breve, vai ter resenha do livro de Echeverria por aqui, na seção Desde Então. “O novo sempre vem” e “antiguidade é posto”.

Referência:

ECHEVERRIA, Regina. Furacão Elis. São Paulo: Editora Globo, 1994.

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Lima, Dias e Gil: crônicas de um inquérito na barca

Lima Barreto e seu olhar contemplativo: crítica acima de tudo

Por Raulino Júnior ||RauLendo: leituras em pauta||

Lima Barreto é um dos mais inspiradores e geniais escritores que o Brasil já teve. Caso alguém duvide disso, uma passada de olho nas suas crônicas, só para dar um exemplo de parte da sua produção, faz a dúvida ir para o espaço. O carioca, que nasceu sete anos antes da Abolição da Escravatura (13 de maio de 1881) e morreu no ano da Semana de Arte Moderna (1922), fazia um retrato contundente da sociedade da época nos seus textos. Com olhar apurado, irônico e debochado, Lima conseguiu desnudar a hipocrisia daquele Rio do início do século XX nas crônicas que deixou para a posteridade. Algumas merecem destaque, como A Polícia Suburbana, de 1914 (“Os policiais suburbanos têm toda a razão. Devem continuar a dormir. Eles, aos poucos, graças ao calejamento do ofício, se convenceram de que a polícia é inútil. Ainda bem”), As Enchentes, de 1915 (“Infelizmente, porém, nos preocupamos muito com os aspectos externos, com as fachadas, e não com o que há de essencial nos problemas da nossa vida urbana, econômica, financeira e social”), Elogio da Morte, de 1918 (“A covardia mental e moral do Brasil não permite movimentos de independência; ela só quer acompanhadores de procissão…”, “Se nós tivéssemos sempre a opinião da maioria, estaríamos ainda no Cro-Magnon e não teríamos saído das cavernas”) e Não as Matem, de 1915 (“Todos os experimentadores e observadores dos fatos morais têm mostrado a inanidade de generalizar a eternidade do amor. Pode existir, existe, mas, excepcionalmente; e exigi-la nas leis ou a cano de revólver, é um absurdo tão grande como querer impedir que o sol varie a hora do seu nascimento. Deixem as mulheres amar à vontade. Não as matem, pelo amor de Deus!”). Ler Lima Barreto não é apenas ter contato com uma literatura social, criativa e política, é ler o Brasil de ontem e, infelizmente, ainda o de hoje. Mesmo passando por dificuldades e sofrendo todo tipo de exclusão, Lima conseguiu sobrepujar tudo isso e ser farol. Para sempre.

 

Referência: 

BARRETO, Lima. Crônicas. 1911-1922. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bi000173.pdf>. Acesso em: 20 maio 2020.
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Dias Gomes critica a Igreja Católica em peça de 1966

Dias Gomes, assim como Lima Barreto, descreveu o Brasil de forma muito peculiar, com críticas e humor. O Pagador de Promessas (1960) atesta isso e O Santo Inquérito (1966) também. A peça critica a Igreja Católica, destacando a violência da Inquisição e mostrando como a força religiosa pode fazer uma pessoa se sentir culpada, mesmo sem culpa. Branca Dias, a protagonista, prova isso na pele, ao ser punida por algo que não sabe, porque não cometeu nenhum ato que justificasse o seu julgamento. Padre Bernardo representa um líder religioso típico: manipulador e sempre cheio de razão. Contudo, Dias Gomes ultrapassa a dicotomia da mocinha e do vilão, compondo uma Branca altiva e debochada. Claro que, muitas vezes, ela cai na ingenuidade. Isso dá frescor à história, tornando a dramaturgia ainda mais interessante. O baiano, nascido em Salvador, em 1922 (ano da morte de Lima), sabia prender o leitor com as suas histórias. A leitura de O Santo Inquérito faz a gente querer virar a página o tempo todo, para saber as emoções que virão e como a injustiça com Branca e sua família vai acabar. É uma pena que o final reflete muito a realidade. A lei dos homens, muitas vezes, vence. “Até quando as fogueiras reais ou simplesmente morais (estas não menos cruéis) serão usadas para eliminar aqueles que teimam em fazer uso da liberdade de pensamento?”, questiona Dias Gomes numa das passagens do texto.

Referência:

GOMES, Dias. O santo inquérito. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1985. Disponível em: <http://escoladacrianca.com.br/ws/wp-content/uploads/2017/03/dias-gomes-o-santo-inquerito.pdf>. Acesso em: 20 maio 2020.

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Auto da Barca do Inferno por [Gil Vicente, Midgard Editores]

Auto da Barca do Inferno virou clássico

Auto da Barca do Inferno (1517), do dramaturgo português Gil Vicente, é uma obra que caracteriza muito bem o teatro de tipos, aquele em que os personagens reúnem características mais evidentes de determinadas classes sociais. Em geral, eles não têm uma personalidade formada, determinante. Vicente narra uma história que tem como intuito moralizar, mas que mostra que ninguém está tão distante de fazer coisas ruins e de ter atitudes reprováveis. É um teatro bem humano. As pessoas morrem e chegam a um lugar em que tem duas barcas, uma comandada pelo Diabo (que leva para o Inferno) e outra pelo Anjo (a que vai para o Céu). Obviamente, ninguém quer ir para o Inferno. É aí que Gil Vicente deita e rola para criticar os costumes: traição, falsidade, ganância. O maniqueísmo que a obra traz não é bobo. Mostra o trânsito entre o bom e o mau, natural a todo ser humano. A narrativa não é tão empolgante. É, inclusive, maçante em alguns momentos, por ter ações muito repetitivas, que não desafiam a expectativa do leitor. Virou clássico e isso não se explica.

Referência:

VICENTE, Gil. Auto da barca do Inferno. Luso Livros. Disponível em: <https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/1901197/mod_resource/content/1/Auto%20da%20Barca%20do%20Inferno%20%281517%29%2C%20de%20Gil%20Vicente.pdf>. Acesso em: 20 maio 2020.

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O Caso Escola Base e a falta de uma regra básica do Jornalismo

Escola Base: caso marcou a história do jornalismo brasileiro. Imagem: site da Editora Casa Flutuante

Por Raulino Júnior ||RauLendo: leituras em pauta|| 

Não precisa fazer nenhuma pesquisa para afirmar que, de 1994 para cá, é quase impossível ter um estudante ou profissional de Jornalismo, no Brasil, que não conheça o Caso Escola Base. Se tem, as faculdades estão falhando. O emblemático episódio começou a figurar nas manchetes dos jornais, rádio e TV em março daquele ano e, por falta de um requisito básico da prática jornalística, a apuração, “matou” socialmente seis pessoas. Explico: Icushiro ShimadaMaria Aparecida Shimada e Paula Milhim, donos da Escola de Educação Infantil Base, localizada em São Paulo, foram acusados de abuso sexual por Cléa Parente e Lúcia Tanoue, mães de estudantes da instituição. Além deles, Maurício Alvarenga (marido de Paula e motorista do transporte escolar) e o casal Mara França e Saulo Nunes (pais de aluno da Escola Base) também foram acusados de fazer parte de um suposto esquema de pedofilia. O fato é que a imprensa, capitaneada pela Rede Globo, dona do furo jornalístico (Cléa e Lúcia entraram em contato com a emissora com o objetivo de que a denúncia não deixasse de ser investigada e, claro, buscando uma notoriedade para o caso), tomou a queixa das mães como verdade e uma série de reportagens que exploravam o episódio de forma sensacionalista foram veiculadas a partir de então. O estopim foi a reportagem da Globo, conduzida por Valmir Salaro, no Jornal Nacional, em 29 de março de 1994. A única “prova” sobre o “crime” que os jornalistas tinham era o depoimento das mães e as declarações de Edélcio Lemos, delegado do caso, que também deixou de cumprir a sua função com responsabilidade. Por falta de provas, o inquérito foi arquivado, mas os acusados ficaram com marcas que ressoam até hoje.

No intuito de descobrir como o caso marcou a vida dos envolvidos, o jornalista e editor-chefe do portal Casa dos FocasEmílio Coutinho, lançou, em 2016, o livro-reportagem Escola Base: onde e como estão os protagonistas do maior crime da imprensa brasileira (Editora Casa Flutuante, 135 páginas). Com prefácio de Heródoto Barbeiro, a obra traz um significativo trabalho de investigação de Emílio. Em dez capítulos, o jornalista descortina a história e mostra para o leitor o que aconteceu com as pessoas que participaram diretamente dela. A narrativa é interessante e quem lê se coloca o tempo todo no lugar de Coutinho, na difícil jornada de busca dos personagens, uma vez que, na época de lançamento do livro, o episódio já tinha 22 anos de ocorrido. O casal Shimada, por exemplo, já morreu. E será que todo mundo quis falar sobre o caso ou, como alguns jornalistas que cobriram, na época, as pessoas preferiram o silêncio? No livro, Emílio Coutinho narra todas as aventuras para colher os depoimentos e consegue uma entrevista exclusiva com Valmir Salaro, um dos poucos profissionais que reconhecem o erro. A leitura vale a pena.

Em tempo: Emílio Coutinho está prestes a lançar mais um livro sobre o caso, mas com outra perspectiva. Trata-se de O Filho da Injustiça, parceria do jornalista com Ricardo Shimada, filho do casal Shimada. De acordo com uma postagem do próprio Emílio, no portal Casa dos Focas, o livro “mostrará outro aspecto dessa história e colocará o leitor na pele de umas das vítimas mais próximas da Escola Base”. Vamos aguardar.

Referência:

COUTINHO, Emílio. Escola Base: onde e como estão os protagonistas do maior crime da imprensa brasileira. São Paulo: Editora Casa Flutuante, 2016.

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Hebe Camargo: vida, obra e outras gracinhas

Hebe Camargo: na capa da biografia, a foto de Petronio Cinque faz a gargalhada de Hebe ecoar. Imagem: site do Grupo Editorial Record.

Por Raulino Júnior||RauLendo: leituras em pauta||

Se estivesse viva, a apresentadora Hebe Camargo estaria com exatos 90 anos e quatro meses de idade. Certamente, cheia de vida, como era comum vê-la sempre que entrava no ar na TV ou nas inúmeras entrevistas que concedeu em mais de 60 anos de carreira. A paulista de Taubaté estreou na vida em 8 de março de 1929 e viu a cortina se fechar em 29 de setembro de 2012, vítima de uma parada cardíaca. Apesar de ter nascido na cidade que virou sinônimo de “mentira”, devido a um caso de falsa gravidez de uma mulher, que ganhou repercussão na mídia, em 2012, Hebe Camargo carregou uma verdade durante toda a sua vida: era a melhor apresentadora da televisão brasileira. E era mesmo! É oportuno até fazer uma brincadeira com o nome dela, para ratificar essa qualidade: HEBEst! Quem assistia aos programas de Hebe, podia constatar isso. Segura, carismática, inteligente e a que melhor sabia usar as deixas para introduzir um merchan.
Em 2017, a editora BestSeller colocou no mercado o livro Hebe: a biografia, de autoria de Artur Xexéo. A obra segue o feijão com arroz de publicações dessa natureza, cheia de linearidade e sem nenhum esforço criativo por parte do autor. O fato de Hebe ser a personagem do livro é o que faz a biografia ser interessante. Hebe era gigante e, dificilmente, um produto em homenagem a ela ficará ruim. Por sinal, em 26 de setembro, estreia o filme Hebe – A Estrela do Brasil (direção de Maurício Farias e roteiro de Carolina Kotscho), com Andréa Beltrão no papel da artista.
Em mais de 200 páginas, Xexéo conta como Hebe começou a carreira, a fase de cantora, atriz e a consagração como apresentadora. As curiosidades da vida da Rainha da TV, os amores, as decepções, as brigas, os embates com políticos e os desafios estão presentes no documento. Nele, o leitor fica sabendo que Hebe quase seria “Beatriz”. Contudo, uma tia fez o pai mudar de ideia. Com tanta vivacidade, a dama da TV brasileira não poderia ter outro nome mesmo. Na mitologia grega, “Hebe” é a deusa da juventude. Para quem gosta de cultura nacional e televisão, vale muito a pena conhecer um pouco mais da vida dessa artista cheia de “gracinha”.
Referência:
XEXÉO, Artur. Hebe: a biografia. 7ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018.
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Tropicália: a história de uma revolução musical

Tropicália e seus personagens na capa do livro de Carlos Calado. Imagem: reprodução do site da Editora 34.

Por Raulino Júnior ||RauLendo: leituras em pauta||

A riqueza musical do Brasil é indiscutível. De tempos em tempos, surgem movimentos que são capazes de transformar a nossa realidade sociopolítica e cultural, mudando tudo. Assim foi a Tropicália, uma revolução artística que sacudiu o país na década de 60, do século passado. Capitaneado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, o Tropicalismo, como também ficou conhecida a subversão artística dos jovens, teve manifestações nas artes plásticas e na literatura, mas foi na música que ganhou corpo e notoriedade.
Carlos Calado, jornalista e crítico musical brasileiro que acompanha a cena fonográfica nacional desde a década de 80, registrou, no livro Tropicália: a história de uma revolução musical, toda a pulsação artística do movimento. Com fotos, muitos depoimentos e algumas boas curiosidades, Calado apresenta uma narrativa interessante e cheia de detalhes sobre a Tropicália. A viagem tem sido rica e surpreendente. Vai ter, em breve, resenha sobre a obra aqui no blog, na seção Desde Então. Até lá!
Referência:

CALADO, Carlos. Tropicália: a história de uma revolução musical. 1ª ed. São Paulo: Ed. 34, 1997. (Coleção Ouvido Musical).
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Passo a passo para o respeito

Reprodução da capa do Manual de Comunicação LGBTI+

Por Raulino Júnior ||RauLendo: leituras em pauta||

Da inadequada sigla GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes) à LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais). O “+” se refere a outras orientações sexuais, identidades e expressões de gênero), muita coisa mudou, mas muita coisa ainda precisa mudar. É com o intuito de fazer com que as coisas mudem, que a rede GayLatino e a Aliança Nacional LGBTI lançaram recentemente a 2ª edição do Manual de Comunicação LGBTI+, cujo objetivo é “contribuir para diminuir preconceitos e estigmas e colaborar para o melhor entendimento de termos que são recorrentes entre a população LGBTI+, mas que podem não ser usuais no dia a dia de comunicadores(as) e estudantes, a fim de contribuir para um jornalismo mais inclusivo e atento às realidades”. O documento, que foi organizado por Toni Reis (presidente da Aliança Nacional LGBTI), é rico em informações e apresenta os conceitos de forma muito didática, para ninguém se confundir. Por isso, o tempo todo, o livreto pede para o leitor “substituir preconceito por informação correta”.
E, pelo didatismo da obra, isso pode ser feito sem muito esforço. Basta ler. O leitor vai se deparar com a explicação de conceitos que podem parecer simples, mas que carregam uma carga ideológica importante. Um exemplo introdutório é o uso de “orientação sexual” no lugar de “opção sexual”. Justificativa: ninguém opta por sua orientação sexual. A atração sexual, afetiva e emocional, nesse caso, é involuntária. Além disso, o manual traz uma boa reflexão sobre identidade e expressão de gênero, mostrando o lado científico da coisa, e explica o motivo do uso da Bandeira do Orgulho LGBTI+ e o que cada cor representa. Questões relacionadas a preconceito, discriminação e estereótipos também são tratadas no documento, com destaque para a LGBTIfobia institucionalizada. Tudo que foi conquistado até agora, no Brasil e no mundo, é abordado no texto do impresso. Contudo, o mais importante que a leitura evoca é aquilo que todo mundo quer: respeito.

Explicação didática sobre identidade e expressão de gênero e orientação sexual. Imagem: reprodução do Manual

Toda a sociedade deveria ler o manual, independentemente de trabalhar na área de comunicação ou não. Com conhecimento, ninguém vai sair por aí falando “homossexualismo”, “o travesti” e tantas outras inadequações.

Referência:

REIS, Toni (org.). Manual de Comunicação LGBTI+. 2ª ed. Curitiba: Aliança Nacional LGBTI/GayLatino, 2018.
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Conta Raul!

O Raul que me contaram: a história de Raul Seixas contada através de entrevistas com colegas, amigos e familiares. Foto: divulgação

Por Raulino Júnior ||RauLendo: leituras em pauta||

Em agosto de 2015, mais precisamente no dia 20, a TV Brasil exibiu o especial Raul: “Esse caminho que eu mesmo escolhi”, no programa Caminhos da Reportagem. A produção foi capitaneada pelo jornalista Tiago Bittencourt e uma equipe de mais de dez profissionais. Do programa, nasceu o livro O Raul que me contaram: a história do Maluco Beleza revisitada por um programa de TV (Martin Claret, 2017, 451 páginas), de autoria de Tiago. Em entrevista para o programa Sem Edição, aqui do Desde, o jornalista explicou a razão de transformar o audiovisual em material impresso: “Foi de uma necessidade. Você faz um programa de uma hora como esse, você grava vinte horas, trinta horas, talvez. Você grava muito mais! Tivemos 23 entrevistados, só da nossa equipe de Brasília, fora os apoios de outras praças. 23 entrevistados: umas quarenta, cinquenta horas deve ter gravado. Era muito material, muita história que eu achei que a gente não devia perder. Como é que a gente vai não perder esse material? Vamos trazer as entrevistas na íntegra. O livro é isso: são as entrevistas na íntegra, em que eu trago os meus relatos em relação à produção do programa, a como chegamos a essas pessoas, como elas me receberam, o ambiente que foi aquilo, qual é a relação, por que ela entrou na história. Não temos só pessoas conhecidas, temos desconhecidas no meio de Raul também. Ou seja: a gente contou a história de Raul dentro do contexto da história do programa. Por isso que tem entrevistas também com a nossa equipe de produção”.

A narrativa do livro é dinâmica e causa muito interesse, principalmente porque traz depoimentos de pessoas que conviveram diretamente com Raul, como Sylvio PassosCarlebaMarcelo NovaKika Seixas e o guitarrista Sydney Valle, o “Palhinha”, que faz questão de não endeusar o roqueiro baiano. A cada página virada, o leitor fica curioso para descobrir mais sobre Raul Seixas, para idealizar quem foi esse artista que mexeu com a música brasileira e deu contribuições valorosas para a nossa cultura. A obra também se torna rica com as histórias de bastidores que Tiago traz e com as estratégias criadas, e não explícitas, para arrancar as informações mais importantes dos entrevistados. Na entrevista com Marcelo Nova, Tiago utiliza técnicas que nenhuma faculdade de jornalismo seria capaz de ensinar. É fruto da prática mesmo. Para quem gosta de música, de cultura nacional, de jornalismo, de comunicação e de TV, o livro de Tiago vai agradar em cheio.

Referência:

BITTENCOURT, Tiago. O Raul que me contaram: a história do Maluco Beleza revisitada por um programa de TV. 1. ed. São Paulo: Martin Claret, 2017.

Assista à edição do programa Caminhos da Reportagem que deu origem ao livro:

Assista à entrevista que Tiago Bittencourt concedeu ao programa Sem Edição:

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O Avesso da Cena: prazer pelos bastidores

Imagem: reprodução do perfil de Romulo Avelar no Facebook

Por Raulino Júnior ||RauLendo: leituras em pauta||

O que um produtor cultural faz? Tem diferença, no que diz respeito ao trabalho que é realizado, entre produtor e gestor cultural? Quais são as etapas de uma produção? Como gerir grupos culturais? Essas e outras perguntas são respondidas no livro O Avesso da Cena: notas sobre produção e gestão cultural, de Romulo Avelar. A obra, lançada em 2008, está na sua 3ª edição e se tornou consulta obrigatória para quem trabalha no universo cultural. Romulo, administrador, produtor e gestor cultural, usa uma linguagem simples para abordar questões fundamentais sobre a área.

O Avesso da Cena é rico em depoimentos de artistas, gestores e produtores de todos os cantos do Brasil. Avelar consegue fazer uma boa costura e mostrar para o leitor como o trabalho dos bastidores é tão importante quanto aquilo que vai para a cena. O autor compartilha as próprias experiências no ramo e, vez ou outra, entrecorta a narrativa com seus artigos reflexivos. Um dos mais interessantes é o intitulado “‘Você sabe com quem está falando?'”, que fala sobre a famosa tradição da carteirada. O livro tem passagens técnicas e discussões necessárias acerca da trajetória da política cultural do país. Quem lê, é obrigado a percorrer outros caminhos, para o processo de leitura fazer ainda mais sentido. A caminhada é muito prazerosa. Siga em frente.

Referência:
 
AVELAR, Romulo. O avesso da cena: notas sobre produção e gestão cultural. 3. ed. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2013.
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