2021: Paulo Freire é 100!, Cultura, DESDEnhas, DEZde, Jornalismo Cultural, Resenha

Carta de Paulo Freire aos Professores alerta para o aprendizado mútuo e fala de formação permanente

  Ensinar é aprender, professor deve estudar sempre, ler é fundamental: ideais freireanos para quem ousa ensinar

Paulo Freire deixou um legado imensurável para a educação. Foto: reprodução do site Brasil de Fato

Por Raulino Júnior||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Hoje, o Desde dá início à série 2021: Paulo Freire é 100!, que tem como objetivo fazer resenhas de algumas obras do educador pernambucano, que, se estivesse vivo, completaria 100 anos neste 19 de setembro de 2021. A ação integra o Pacotão do DEZde, projeto que comemora os dez anos do blog. Íamos começar resenhando o livro Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar, publicado em 1993, mas a potência de uma das cartas presentes no livro é tão grande, que resolvemos falar dela isoladamente. Trata-se da primeira delas, conhecida como Carta de Paulo Freire aos Professores. Nela, o Patrono da Educação Brasileira dá dicas para professores e professoras e explora muitos dos seus ideais para educação. Para quem ousa ensinar, a leitura da carta é indispensável.

Logo no início do texto, Freire afirma: “…não existe ensinar sem aprender”, p. 19. E, assim, reflete sobre a importância de o professor estar aberto para aprender com o educando, de saber que todo mundo tem algo a ensinar e de ter a consciência de que o processo de ensino proporciona um aprendizado mútuo. A ideia de que o professor é quem sabe tudo e o estudante chega na escola ou nos espaços de produção de conhecimento sem saber nada é tão ultrapassada que não deveria nem ser mais pauta de debates. Infelizmente, ainda é necessário reafirmar. Por isso, Paulo Freire alerta: “O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente através da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer”, p. 19.

Nas linhas seguintes, Freire toca numa questão importantíssima, que sempre é debatida: a formação de professores. Tal formação deve ser contínua, para o professor não ensinar o que não sabe e mostrar competência na sua prática. O fato de aprender quando ensina não é prerrogativa para abdicar dos estudos. O recado do mestre é enfático: “O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe. A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. Sua experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer uma formação permanente do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de sua prática”, p. 19.

Para analisar criticamente a sua prática, o professor, além de se capacitar o tempo todo, deve colocar a leitura como prioridade na sua vida. Leitura de tudo. Leitura do mundo. Para Freire, “o ato de estudar implica sempre o de ler, mesmo que neste não se esgote. De ler o mundo, de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita. Mas ler não é puro entretenimento nem tampouco um exercício de memorização mecânica de certos trechos do texto”, p. 20. E arremata: “Estudar é desocultar, é ganhar a compreensão mais exata do objeto, é perceber suas relações com outros objetos. Implica que o estudioso, sujeito do estudo, se arrisque, se aventure, sem o que não cria nem recria”, p. 23. Ou seja, quem ousa ensinar deve ter a consciência de que estudar será uma prática frequente no seu cotidiano. Não se esgota nem chega ao fim. É permanente. É uma retroalimentação, como ler e escrever.

Outro aspecto importante que Paulo Freire destaca na sua carta é sobre a mecanização do ensino. Ensinar não é transferir conhecimento, é possibilitar reflexões críticas acerca de vários assuntos. É formar cidadãos. Para o pernambucano, “ensinar não pode ser um puro processo, […], de transferência de conhecimento do ensinante ao aprendiz. Transferência mecânica de que resulte a memorização maquinal que já critiquei. Ao estudo crítico corresponde um ensino igualmente crítico que demanda necessariamente uma forma crítica de compreender e de realizar a leitura da palavra e a leitura do mundo, leitura do contexto”.

Às vezes, na prática pedagógica, o professor tem pressa, quer que tudo aconteça imediatamente. Paulo Freire afirma que todo o processo que voltado para a educação tem que ser paciente: “…ler, estudar, é um trabalho paciente, desafiador, persistente”, p. 24. Para o educador, a qualidade da educação vai chegar ao ideal quando a prática for feita com alegria e prazer: “Se estudar, para nós, não fosse quase sempre um fardo, se ler não fosse uma obrigação amarga a cumprir, se, pelo contrário, estudar e ler fossem fontes de alegria e de prazer, de que resulta também o indispensável conhecimento com que nos movemos melhor no mundo, teríamos índices melhor reveladores da qualidade de nossa educação”, p. 25-26.

No finalzinho do texto, ao falar sobre a dificuldade que as pessoas dizem ter com a escrita, o patrono da nossa educação diz: “Ninguém escreve se não escrever, assim como ninguém nada se não nadar”, p. 26. Isso vale também para o ensinar. Ninguém ensina se ficar parado, sem buscar aprender, sem ler, sem estudar. Ensinar pressupõe movimento. Em todos os sentidos. Esse é o recado que Paulo Freire deixa para professores e professoras na sua carta. Quem ousa ensinar, tem que se mobilizar. Assim, mobiliza o outro e todo mundo sai do lugar em que estava.

Referência:
 

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Cultura, DEZde, Jornalismo Cultural, Texto de Quinta

Saio do interior/Vou morar na capital/Esqueço as minhas raízes/E me acho o maioral: o ser humano e a sua grande pequenez

 Tem gente que vai pra nunca mais*

Por Raulino Júnior ||Texto de Quinta|| 

“Tem gente que é metido a besta”. Quem é interiorano, já deve ter ouvido essa frase. Os mais velhos costumam dizê-la para se referir às pessoas que mudam de comportamento, de postura e de personalidade quando se mudam, quando vão morar num lugar que é considerado mais desenvolvido do que aquele de origem. Será que a pessoa muda, de fato, ou apenas achou uma oportunidade para botar a asinha de fora? Para mostrar ser quem realmente é? Hum… Questionamentos que dão uma pesquisa de doutorado. De qualquer forma, se achar melhor que os outros a ponto de esquecer de onde veio é de uma pequenez tão grande. Tem gente que só se acha porque não se encontra. Aí, fica perdido.

Quantos exemplos que corroboram o que está sendo dito aqui você tem na cabeça? Não é difícil mesmo encontrar casos. É muito comum. A pergunta que fica é: por quê? Por que uma pessoa, bem-sucedida (e, talvez, seja até por isso!), renega o lugar que contribuiu para a sua formação cidadã e humanística? O lugar de sua base, de suas raízes? O lugar que formou parte de sua identidade? Por quê? Por quê? Por quê? Quem tiver a resposta, sinaliza. Eu não consigo entender.

Buscar uma vida melhor é um direito de todos. Ninguém está no mundo para estacionar, para ser sempre a mesma coisa. Migrar faz parte desse pacote. A gente não encontra mais sentido em continuar no nosso lugar de origem e vai atrás de novos ares, para manter o equilíbrio, a satisfação pessoal e alcançar os nossos objetivos. Legítimo e natural. Isso sempre tem que ser a nossa meta. Contudo, fazer disso um trampolim do esquecimento de onde você veio é tão esquisito que não tem nem o que pensar. É só lamentar.

A sociedade brasileira adora uma diferença, uma escala, uma dicotomia entre “ser melhor” e “ser pior”. Isso explica o comportamento das pessoas que saem do interior para morar na capital e, por isso, se acham superiores. Essa superioridade se configura no desprezo a tudo que se relaciona com a cidade onde nasceu e/ou viveu parte considerável da vida. Há um distanciamento consciente, um silêncio que faz barulho, por dizer muita coisa. Tem gente que, no fundo, acaba sendo de lugar nenhum.

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Crônica, Cultura, Desde Já, DEZde, Jornalismo Cultural

Meu sapato de palestra

Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Durante muito tempo, ele foi meu companheiro. Não sei precisar com exatidão, mas, com certeza, esteve comigo por mais de dez anos. Quando o evento era especial, lá estava ele nos meus pés (e aos meus pés! Kkkkkk!). Era o meu sapato oficial de palestra. Tanto as que eu dava quanto as que assistia. Se tinha um seminário, não sabia que roupa colocar, mas sabia o que ia calçar. Na verdade, era o sapato de todo evento que eu considerava importante.

Me sentia poderoso com ele. Mais seguro e mais bonito. Primeiro dia de faculdade? Era ele! Congresso? Ele! Passeio para equipamentos culturais? Meu sapatinho sempre comigo! Sabe aquela peça do vestuário que anda sozinha de tanto você usar? Pois é. O meu sapato de palestra andou (e muito!) por Berimbau, Feira de Santana e Salvador. Muitas emoções!

Tenho muitas fotos com ele. E ele combinava com tudo: calça, bermuda, short… Independentemente do estilo! Esportivo, social, clássico. O sapato se adaptava a toda e qualquer situação. Multiuso!

Infelizmente, no dia 8 de dezembro de 2020, tive que me desfazer dele. Velhinho, já não dava o mesmo gás, não cumpria a sua função de proteger os pés. A costura arrebentou, havia um furo na frente, não tinha mais conforto. Quando chovia, entrava água. Literalmente. Resisti até onde pude. Enfim… Ficaram as lembranças.

Sigamos.

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