Lançada em 2018, produção documenta experiências que contribuem para uma educação pública de qualidade
Sementes da Educação: para “semear, inspirar transformações” na educação pública do Brasil. Foto: divulgação
Por Raulino Júnior
Já imaginou se, no Brasil, tivesse uma escola rural que associasse a prática do campo com os conteúdos das disciplinas formais e os pais dos estudantes fossem parceiros desse processo? E uma outra que usasse como método alguns ciclos de formação humana, com base nas fases de vida dos educandos? E um instituto de educação que desse liberdade para cada estudante montar a sua própria grade curricular? Já pensou numa escola com proposta pluricultural, focada na arte e na valorização da cultura ancestral indígena e africana? E numa universidade que estimulasse a inclusão e a interdisciplinaridade? Pensou?! Então, fique feliz, porque isso tudo existe em território nacional e foi documentado na série
Sementes da Educação, pela equipe da
Oz Produtora, de São Paulo. Com 13 episódios de 26 minutos, a produção audiovisual tem como objetivo mostrar a potencialidade da educação pública, evidenciando algumas experiências que, mesmo diante das dificuldades, conseguem manter a qualidade do processo de ensino e de aprendizagem.
A série foi realizada com recursos do
Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), vinculado à
Agência Nacional do Cinema (ANCINE), e integra a programação do canal
CINEBRASiLTV. Contudo, pode ser vista, gratuitamente, na plataforma
Videocamp. Para isso, a pessoa interessada em assistir deve fazer um cadastro. Lá, está disponível toda a primeira temporada da série, cujas gravações foram feitas em 2016 e o lançamento em 2018. Como protagonistas, instituições do Ceará, Goiás, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.
Agora, prestes a estrear a segunda temporada,
Hygor Amorim (diretor geral e criador da série) e
Recy Cazarotto (produtora executiva e codiretora) concederam entrevista ao
Desde e falaram sobre as novidades da produção, os desafios e os caminhos para, na opinião deles, termos uma educação pública de mais qualidade. Confira a seguir. As entrevistas foram feitas por e-mail.
Hygor Amorim é graduado em
Imagem e Som pela
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), fundador da
Oz Produtora, que atua no mercado desde 2002, empreendedor em startup, criador e diretor da série de animação infantil
Mytikah – O livro dos heróis. Hygor estudou em escolas públicas e particulares, em Minas Gerais e em São Paulo.
Hygor Amorim: “O ato de inovar não está intrinsicamente ligado à recursos digitais como muitos pensam”. Foto: Ederson Guilherme Antonio Silva
Desde que eu me entendo por gente: De onde vem o seu interesse por educação e pela escola pública?
Hygor Amorim: Aprendi com meus pais a importância da educação. Entendendo que no Brasil temos mais de 80% dos alunos do ensino básico na escola pública, é por ela que temos melhores possibilidades de futuro para as novas gerações.
Desde: A série Sementes da Educação foi criada por você. Como e por que ela foi pensada?
HA: Na Oz, acreditamos que o audiovisual muda o mundo. Entendemos que o processo de mudança, para melhor, passa pela transformação da educação. Dessa forma, dedicamos nossos projetos a esse tema, fazendo nossa parte ao distribuir conteúdos que inspirem as transformações tão necessárias.
Desde:O critério estabelecido para escolher as instituições que participam é o fato de terem práticas inovadoras. Contudo, como vocês chegaram a cada instituição? Houve abertura de inscrições?
HA: Convidamos especialistas em educação para participar desse processo, reunimos centenas de exemplos de escolas inovadoras e realizamos a seleção final, incluindo critérios de diversidade regional, faixa etária dos alunos e também em relação ao relato inovador e contexto onde a transformação ocorreu.
Desde: Noque difere a segunda temporada da primeira?
HA: A segunda temporada tem um recorte temático voltado para o impacto das escolas além dos muros, o papel da comunidade, as redes, a integração entre os saberes da escola e da comunidade local.
Desde: Na Geniuscon.2018, você disse que a série é dedicada a todas as crianças do Brasil, que, sabemos, serão responsáveis pelo futuro do país. Para você, que documentou experiências de instituições que fazem acontecer mesmo diante de uma realidade, às vezes, complexa, o que falta para que a nossa educação pública seja completamente de qualidade e contribua para que os estudantes possam sonhar com um futuro melhor?
HA: Essa é uma excelente pergunta e também muito complexa. Acredito que são diversos fatores que, somados, farão a diferença na transformação da nossa educação pública para o nível necessário e desejado. Entre eles, estão: valorização dos educadores, foco na autonomia do estudante, quebra de paradigma sobre o modelo educacional, mudança do modelo educacional falido atual para um novo estágio, onde as interações colocam os alunos e seus desafios no centro do processo de descobertas e aprendizagem, ressignificação do aprendizado. Enfim, é um processo de transição necessário, que tornará a escola um momento desejado pelos estudantes.
Registro dos bastidores da gravação do episódio 13, da segunda temporada, na Escola Municipal Waldir Garcia, em Manaus (AM). Foto: Amanda Castro
Desde: Como uma instituição de educação pode inovar, mesmo com poucos recursos?
HA: O ato de inovar não está intrinsicamente ligado à recursos digitais como muitos pensam e, sim, voltado para mudanças nas relações humanas. Muitas vezes criamos soluções e inovações diante dos desafios e obstáculos, a velha relação entre crises e oportunidades. No Brasil, não será diferente, temos um senso de urgência claro para a necessidade de transformação da educação. O importante é dar o primeiro passo, criar um pequeno grupo de pessoas com intenção de gerar a mudança, estudar exemplos, aplicar, considerando sempre o seu contexto e aprender com os resultados. É um ciclo contínuo de hipóteses, testes e aprendizados onde cada escola pode encontrar seu caminho transformador.
Desde: Qual a importância da integração da escola com a comunidade da qual ela faz parte para o sucesso da prática pedagógica?
HA: São vários benefícios obtidos por essa integração, fazendo uma referência a Paulo Freire, uma das maiores referências de pensadores da educação, ao conectar as famílias (comunidade) à escola, trazemos o conceito da problematização, onde o afeto, acolhimento e amor passam a ser parte do processo de aprendizagem e evolução. Os desafios das comunidades passam a ser parte do processo de cocriação dos aprendizados e evolução social. O que temos hoje é a educação bancária, conceito também cunhado por Freire, que busca eliminar a capacidade crítica dos estudantes e os acomoda à realidade.
Desde: É uma pergunta retórica: por que o nome Sementes da Educação?
HA: Pelo significado de semear, inspirar transformações através dos exemplos apresentados na série.
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Recy Cazarotto: “As pessoas com os mesmos desejos e objetivos se atraem e fazem a mudança acontecer”. Foto: reprodução Oz Produtora
Desde que eu me entendo por gente: Como foi produzir uma série com uma temática tão importante?
Recy Cazarotto: Para mim, pessoalmente falando, foi não só uma honra, pela relevância temática da série, como foi também uma oportunidade de crescimento profissional incrível. A segunda temporada de Sementes da Educação é minha primeira série como produtora executiva e também como codiretora de sete episódios. Está sendo uma dupla responsabilidade deliciosa de encarar. Quando enviei todos os episódios finalizados para o canal fazer a aprovação, bateu uma sensação indescritível de missão cumprida e de estar no caminho certo. O trabalho ainda não terminou. É preciso programar o lançamento com o canal, a partir da definição da data de estreia, e prestar contas do aporte financeiro para a ANCINE. Em paralelo, já estamos desenhando o recorte da terceira temporada para validar com o canal e recomeçar o processo de submissão do novo projeto à ANCINE, pois, enquanto aceitarem a série Sementes da Educação como um espelho da educação pública de qualidade, nós estaremos aqui produzindo novas temporadas para dar conta de registrar a quantidade de escolas e educadores incríveis que temos espalhados pelo Brasil.
Desde: Séries dessa natureza, muitas vezes, não interessam a órgãos federais de fomento. Como se deu o apoio da ANCINE?
RC: Não cabe à ANCINE analisar o mérito artístico e temático das obras e decidir ou não pelo apoio, a menos que os recursos destinados sejam através de editais específicos que deixem isso claro desde o início, o que não foi o caso das duas temporadas de Sementes da Educação. Em ambos os casos, a ANCINE financiou integralmente os projetos através do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), um fundo próprio, gerido pela Agência e que se alimenta através de impostos do próprio setor. Para esse financiamento acontecer, era preciso existir um projeto, ser avaliado em pareceres técnicos e orçamentários (não artísticos), e existir um contrato de licenciamento de janela de exibição entre a proponente (Oz Produtora) e um canal de televisão (CINEBRASiLTV). Dando tudo certo, o projeto é aprovado, financiado e tem até sete anos para devolver o recurso financeiro investido pelo FSA. As duas temporadas seguiram esse caminho.
Desde: Quais foram as dificuldades durante a produção? E as facilidades?
RC: As dificuldades da primeira temporada giraram em torno da inexperiência com esse tipo de produção. Por mais estrada que a Oz tivesse na época, esta era a primeira série produzida pela produtora nestas proporções. Outras dificuldades giraram em torno do orçamento, que era baixo para a ambição da série, e de agenda das escolas para marcar as diárias de gravação. As facilidades iam de encontro à sinergia da equipe entre si e com o propósito da Oz de produzir conteúdos com caráter educativo e inspiradores.
Já para a segunda temporada, as dificuldades foram no sentido de aprovação do projeto, pois os avanços das avaliações técnicas da ANCINE demoravam cada vez mais para sair, e agora, durante a etapa de pós-produção que todos enfrentamos a pandemia de covid-19, não tivemos o trabalho totalmente paralisado, pois todas as gravações já haviam sido realizadas e o processo de pós-produção foi adaptado ao formato home office. Entretanto, mesmo com a adaptação, tivemos um atraso nas entregas para aprovação final do canal CINEBRASiLTV
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Equipe da Oz Produtora com especialistas nos bastidores da gravação do episódio 3 (segunda temporada), no Núcleo de Ação Educativa Descentralizada – Espaço Concórdia, em Campinas (SP). Foto: Amanda Castro
Desde: Você já se interessava por educação ou o interesse partiu depois da série?
RC: Venho construindo meu repertório sobre educação desde o final do ensino médio. Cresci em São Paulo e sempre estudei em escola pública, do ensino infantil ao superior, mas foi no 3º ano do ensino médio, tendo contato com alguns professores recém-contratados, que conheci a
Rede Emancipa de Cursinhos Populares. Considero a Rede Emancipa como um divisor de águas na minha vida e sou extremamente grata a eles por transformarem minha visão sobre a educação pública, gratuita e de qualidade como um direito fundamental das pessoas e de total responsabilidade dos nossos governantes. Ter a oportunidade de, anos depois, trabalhar com duas temporadas de uma série que foca exatamente nesses temas, é não só um privilégio, como uma reafirmação pela luta a favor da educação pública brasileira de qualidade.
Desde: Vocês documentaram experiências positivas, inovadoras. Para você, o que faz essas experiências acontecerem, mesmo, muitas vezes, num contexto de dificuldades?
RC: Durante as gravações da segunda temporada da série, tive a oportunidade e privilégio de entrevistar o educador e pedagogo
José Pacheco e ele disse uma frase que me marcou: “Escolas são pessoas. É preciso repetir: escolas são pessoas, não são muros, salas ou outros espaços”. Apesar de estar conhecendo muitas pessoas diferentes com a mesma paixão pela educação, quando ouvi essa frase foi como se tudo se encaixasse e passasse a fazer sentido. As pessoas com os mesmos desejos e objetivos se atraem e fazem a mudança acontecer. Não é fácil e a gente também registra isso na série, mas quando as pessoas certas se encontram e estão dispostas a comprar essa batalha, as mudanças acontecem. É preciso ter gente motivada a trilhar um mesmo caminho e, quanto mais gente, mais potência e inovação.
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Assista ao vídeo com o material promocional da primeira temporada da série