Língua Portuguesa, Poema, Poesia, Português

O povo e a rua

A rua sem o povo não é nada| Foto: Raulino Júnior
Depois de anos separados
O povo e a rua voltaram a se casar
E tiveram filhos
Filhos, estes, com vontade de mudar um Brasil casmurro
Que não quer ver a própria realidade
Que bota maquiagem para gringo ver
Depois de anos separados
O povo e a rua perceberam que juntos são mais fortes
Que para dar um basta em atos descabidos
Basta um basta! com atos práticos
E que a apatia e a inércia
Só servem para reforçar absurdos pandêmicos
Depois de anos separados
O povo e a rua constataram que a união entre eles é eficaz
E que todo preconceito é falta de conhecimento
E que toda falta de conhecimento dá vazão à ignorância
E que toda ignorância gera a violência
E que a violência é a principal arma de quem não tem argumentos
Depois de anos separados
O povo e a rua compreenderam que a liga entre eles dá linha
Dá linha de subversão
Dá linha de resistência
Dá linha de poema
E que a rua sem o povo não é nada
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Cultura, Jornalismo Cultural, Música, MPB, Poesia, Resenha, Você Viu?

Blogue DESDE QUE EU ME ENTENDO POR GENTE lança seção “Você viu?” analisando DVD de Arnaldo Antunes

#VOCÊ VIU?

O objetivo da seção “Você viu?” é analisar produtos que já fizeram parte (e ainda fazem, né?) do movimentado mercado cultural do Brasil; sem discriminações, mas com alguns preconceitos. Afinal, somos preconceituosos por natureza. Fique à vontade!

ARNALDO ANTUNES REÚNE EM DVD TODO O SEU LEGADO

O DVD Arnaldo Antunes Ao Vivo no Estúdio (Brasil, 2007, gravadora Biscoito Fino) mostra toda a versatilidade de Arnaldo Antunes, um artista modernista por natureza e muito preocupado com a qualidade de seus trabalhos. O registro foi produzido pelo próprio Arnaldo, em parceria com Betão AguiarChico Salem e Marcelo Jeneci. Quem assinou a direção de vídeo foi Tadeu Jungle e a gravação foi realizada no tradicional Estúdio Mosh, em São Paulo. Arnaldo estava, portanto, cercado por um elenco que, assim como ele, tem uma vasta experiência no cenário musical do Brasil. Isso, certamente, foi um dos motivos para que a obra saísse tão bem acabada.

Arnaldo Antunes Ao Vivo no Estúdio é o primeiro DVD oficial da carreira de Arnaldo (antes, o cantor lançou o do “projeto” Tribalistas (2002) e teve o VHS de seu primeiro trabalho solo (Nome, de 1993) transformado em DVD pela Sony/BMG (2006)). As músicas apresentadas no audiovisual foram, predominantemente, compostas por Arnaldo Antunes com alguns parceiros e dão a dimensão de toda a sua subjetividade. O DVD tem 24 faixas e conta com participações especiais de Nando ReisEdgard ScandurraBranco Mello e Tribalistas (leia-se Carlinhos Brown e Marisa Monte que, com Arnaldo, formaram o trio em 2002). Nos extras, três faixas bônus, galeria de fotos e um clipe multitake da música Hotel Fraternité.

Arnaldo trouxe um clima de sarau para a gravação do DVD. As intervenções poéticas realizadas durante o espetáculo comprovam isso. O modo peculiar de cantar, meio que falando, contribui para que o poeta e o cantor se confundam no palco. Uma das maiores evidências disso se dá na interpretação de O Silêncio, em que Arnaldo dá uma longa pausa no meio da música (de propósito) e quebra o silêncio com a declamação de Desafinado, de Tom Jobim; logo após, retoma a canção original. Para corresponder ao viés modernista de Arnaldo, pode-se afirmar, usando um neologismo, que ele “declanta” (declama e canta) suas músicas e essas “declantações” fazem parte da identidade do artista Arnaldo Antunes e o torna singular entre os intérpretes brasileiros.

O DVD traz canções emblemáticas da carreira do ex-Titãs, como a melancólica Socorro e Saiba, que foi gravada por Adriana Calcanhoto no CD Adriana Partimpim, lançado em 2004 e voltado para o universo infantil. Falando em criança, Arnaldo faz uma releitura interessante de Acabou Chorare, sucesso dos Novos Baianos. A regravação de Qualquer Coisa, de Caetano Veloso, foi uma boa sacada e transborda de lirismo. Num determinado momento da música, Arnaldo insiste em repetir o verso “Sem essa aranha”. Por quê? Vai saber! Coisas do Arnaldo.

O show do DVD é apresentado de forma bem intimista. Tanto é que os convidados saem de uma diminuta plateia, o que reforça ainda mais essa atmosfera de proximidade desejada pelo artista. Dentre as participações especiais, a de Nando Reis é a mais primorosa. A música Não vou me adaptar relembra os bons tempos dos Titãs e mostra a felicidade dos dois amigos em dividirem os vocais. Por outro lado, o dueto de Arnaldo e Edgard Scandurra em Judiaria parece o primeiro ensaio de adolescentes numa banda de garagem e lembra muito as caras e bocas de Júnior Lima e seus companheiros da fracassada Nove Mil Anjos, para quem fazer rock’n’roll é demonstrar cara de mau. A presença de Branco Mello é insossa, embora a canção Eu não sou da sua rua, composta por ele e por Arnaldo, tenha uma boa mensagem. Já os Tribalistas só pecam por não mostrar nenhuma novidade nas músicas apresentadas. Os arranjos de Um a um e Velha Infância são os mesmos do CD lançado em 2002. A impressão que dá é a de que Arnaldo os convidou apenas para constar. Mas, como a intenção do artista era fazer uma síntese de sua trajetória musical, é compreensível o convite aos seus colegas de tribo.

O DVD Arnaldo Antunes Ao Vivo no Estúdio apresenta um inventivo Arnaldo Antunes, sempre disposto a se reinventar. A começar pelo próprio nome da obra, que parece guardar uma contradição: é “ao vivo” e “no estúdio”. Até as esquisitices do artista, que volta e meia pula no palco como se estivesse brincando amarelinha, são válidas porque servem para quebrar o ar sisudo de Antunes e emprestam humor às canções. Não dá para negar que Arnaldo fez uma boa autossíntese no registro audiovisual.


# Se você viu, deixe a sua opinião sobre o produto cultural.

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O poeta de todos os lugares | Escritor baiano usa nomes de cidades, lugarejos e elementos do relevo para fazer poesia

| Perfil

Bastam dois dedos de prosa com José Luzenário de Souza para que a simpatia entre interlocutores se estabeleça. O escritor baiano de 46 anos, natural do município de Canavieiras, é daquelas pessoas que conseguem chamar a atenção sem fazer muito esforço para tal. Isso se dá, principalmente, por causa da literatura que produz e do entusiasmo que tem ao falar do próprio trabalho. Os olhos do canavieirense, radicado no bairro do Cabula, em Salvador, brilham quando ele descreve a novidade literária que criou. E não é para menos: José Luzenário é um poeta que brinca com nomes de cidades, povoados, lugarejos e elementos do relevo para se expressar poeticamente. O leitor está curioso para saber como isso acontece? Então, veja o poema abaixo:



Política de gente BIZARRA(PE)

A BOA FAMÍLIA (MG)

dos ALBERTOS (MG)

e suas crianças AMARELAS(CE)

Continua sem ALMOÇO(PA)

Sem ASSISTÊNCIA (SP)

Sem CONSULTA (SP)

Aos FARRAPOS (RS)

Feito os MAMONAS (MG)

“PELADOS (PE) em SANTOS(SP)”

E o político ARRUDIADOR (CE)

diz que é GENEROSO (PR)

Só se for com a ZORRA (CE)

 

Entendeu como se dá o processo criativo do artista? José garante que os nomes que aparecem em maiúscula nos seus textos se referem a algum topônimo nacional. O Desde fez uma rápida pesquisa na internet e encontrou grande parte dos nomes do poema acima como sendo de lugares do Brasil. Para quem quiser conferir a veracidade, fica o desafio. O que é indubitável e indiscutível é a criatividade presente na literatura produzida pelo escritor. Até o próprio nome artístico dele, José Luzenário de SOUSA (PB), faz menção à brincadeira.

 

A ideia_ De acordo com José Luzenário, a ideia de colocar nomes de lugares nos textos poéticos surgiu de uma provocação: “Uma vez, na praça da Piedade, ouvi uma senhora conversando sobre a  Itália e ela dissecava o país com precisão cirúrgica, tal qual um açougueiro. Eu imaginei : será que essa senhora conhece o Morro do Pai Inácio? Itacaré? A Ponta de Nossa Senhora? A partir daí, senti necessidade de arranjar uma forma de mostrar a cara do Brasil em meus trabalhos. Olhando o mapa do nosso país, comecei a brincar com os nomes exóticos das cidades e as minhas descobertas fizeram com que o negócio ficasse sério. Hoje, visto meus poemas de cidades e as cidades de poesia”, filosofa.

Para chegar à obra-prima, o escritor faz uma verdadeira odisseia cartográfica. Além de fazer bastante pesquisa na internet para garimpar os nomes dos lugares, o quarto dele é repleto de mapas. Na adolescência, alguns hábitos de leitura já evidenciavam essa inclinação do escritor para, digamos assim, o estudo da superfície terrestre: “Aos 15 anos, quando comecei a escrever, lia muita história em quadrinhos e adorava livros de geografia. Por isso, amo o mapa do Brasil. Às vezes, passo horas ‘namorando’ os lugares”, revela. Mas a principal referência que usa para encontrar os nomes dos lugares é o Guia Cartoplam de Rodovias do Brasil, que tem pouco mais de 9000 localidades. 

 

Para produzir os textos, José busca inspiração em coisas simples, como o cotidiano do povo brasileiro, a natureza, as notícias de jornais e de TV, os casos que lhe deixam indignado e até histórias vividas por pessoas que ele conhece. Disso tudo, nasce uma poesia que faz um retrato do Brasil e dos brasileiros, já que toda e qualquer temática “cabe no poema”.

Origem_ Nascido numa família grande (ele tem 29 irmãos por parte de pai e seis por parte de pai e mãe), José Luzenário foi, entre os seis irmãos, o único que conseguiu ingressar no ensino superior. Em 1985, foi aprovado no curso de Administração de Empresas da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), situada em Ilhéus. Entretanto, devido a dificuldades financeiras, não pôde concluir a graduação.  Foi para Recife, passou na 1ª fase (e perdeu na 2ª) do curso de Engenharia Florestal, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).  Em 1988, chegava a Salvador.

A leitura sempre foi uma atividade prazerosa e constante na vida do escritor. Dentre os mestres da literatura que admira, está o poeta modernista Manuel Bandeira, que considera um baluarte. Contudo, quando o assunto é livro predileto, ele cita um escritor pouco conhecido do público: Neimar de Barros, com sua obra Deus Negro.

Apesar de ter verdadeira paixão pelas letras, José Luzenário tem consciência de que literatura no Brasil ainda não é reconhecida como deveria. Por isso, para aumentar a própria renda, trabalha de forma autônoma, vendendo roupas femininas.

Projetos_ Convidado para participar da 22ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que acontece de 9 a 19 de agosto deste ano, José Luzenário diz que a expectativa é grande e que quer “escancarar a cara do Brasil pra Deus e pra o NOVO MUNDO (MT)”. Na ocasião, pretende lançar os livros Poesia Popular Brasileira 1- De SOUSA(PB) a SANTANA (AP) de PARANACITY (PR) a NOVA IORQUE (MA) e Poesia Popular Brasileira 2- De CABRAL (SE) a FAZENDA DILMA (PA) do IRAQUE (SE) a CAFARNAUM (BA). Obras que, por sinal, estão à venda no site www.clubedeautores.com.br e foram contempladas com o selo de reconhecimento pela a equipe do Clube de Autores. Na página eletrônica, é possível também ler as primeiras páginas dos livros do poeta. Para ter acesso, o internauta deve colocar o nome do autor ou da obra na seção de “busca”.

Em 2012, José tem a intenção de publicar mais quatro livros, sendo que um deles é totalmente diferente do que já fez. Ou seja, nada de nomes de lugares nos versos. O maior sonho do autor é ver todas as crianças nas escolas. “Quero ver mais sorriso que tristeza no rosto das inocentes crianças. Adulto sabe se defender; criança, não. Além disso, sonho com um planeta ecologicamente mais equilibrado e humano”. Para o leitor, ele deixa uma última mensagem: “SAÚDE (BA) e LUZ (MG) PARATY (RJ)”.

# Antologia:

Racismo separa mais que ARAME (MA) farpado

Se existe BREU BRANCO (PA)

é porque as cores se misturam

independentes de BRANCOS (SE)

negros ou ÍNDIO (GO)

Com isso eliminamos o CORDÃO(SE)

o CERCADINHO (BA)

que separa o RIO PRETO DA EVA (AM)

o CALDEIRÃO DOS MULATOS (BA)

a morenaça de BRANQUINHA (AL)

e o CALDEIRÃO DO NEGO (BA)

BELO MONTE (AL)

Nem no MONTE NEGRO (RO)

Nem no MONTE BELO (MG)

e nem em BELMONTE (BA)

Com a triste USINA (PA)

Como vai ficar o BELO MONTE(AL)

Nem se fosse um RIACHINHO (TO)

Queira Deus

Que eles tirem BARRAGEM DO CAMINHO (BA)

RIO DO BRAÇO (BA)

A BOCA DA MATA (AL)

ENGOLE (MA)

o BRAÇO DO RIO (ES)

Carrega GALINHA MORTA (BA)

lá para o MORRO DO AZEITE (MS)

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