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Cara-pintada na Ditadura

Romance faz imersão em duas importantes épocas da história do Brasil

Obra mostra protagonismo estudantil na Ditadura e no Movimento Caras-Pintadas

Por Raulino Júnior||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora||

Um adolescente de 16 anos, integrante do Movimento Caras-Pintadas, é transportado para o ano de 1969 e se depara com um Brasil assolado pela violência e desmandos da Ditadura Militar. Nesse contexto, vivencia situações semelhantes com as que estava acostumado nas manifestações de que fazia parte, se aproxima da luta armada e faz um paralelo entre o movimento estudantil de 1969 e de 1992. Além disso, observa as transformações sofridas na sua cidade [São Paulo] ao longo desse tempo. Esse é o enredo que amarra o excelente romance Carapintada (assim mesmo, tudo junto, por preferência do autor), de Renato Tapajós, que foi publicado pela primeira vez em 1993.

Com uma ficção muito realista, Tapajós consegue também transportar o leitor para duas importantes épocas da história do Brasil. Durante a leitura, fica perceptível o trabalho de pesquisa para trazer os fatos de cada período histórico à tona. No romance, que soa muito atual, a Ditadura é marcada pela violência e falta de humanidade peculiares a ela. Não há maquiagem na história. Tudo que a gente lê sobre esse período sombrio está lá. A personagem Kioko representa bem isso, porque foi perseguida e violentada pelos policiais do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), sendo pendurada no pau de arara e recebendo choque. Isso tudo para que ela entregasse o seu marido, que era chefe de uma organização contrária ao regime. Rodrigo, o protagonista do romance, representa muito bem os jovens do Movimento Caras-Pintadas: destemido, consciente de suas responsabilidades e cheio de vontade de transformar o país. Num dos trechos do romance, reflete: “…cada vez que alguém toma uma decisão, está sempre jogando com a própria vida”, p. 80.

Outra passagem curiosa do livro, e que parece um exercício de profecia de Tapajós, principalmente considerando os recentes acontecimentos políticos do Brasil, é quando ele, através de Rodrigo, já registra que tinha gente que não acreditava que esse período nefasto aconteceu. Na página 50, ao ouvir Kioko contar sobre tudo que sofreu, Rodrigo solta: “Tem um tio meu, irmão da minha mãe, que não acredita que houve tortura no Brasil”. Mais atual, impossível, não é? O tempo é um elemento importante dentro da narrativa, tanto que Rodrigo se atrapalha várias vezes, uma vez que está visitando o passado, mas já com noção de tudo que vai acontecer depois dali. E ele não revela ao novos amigos [estudantes que estão lutando contra o regime ditatorial] que voltou no tempo.

Carapintada é muito bom. É uma obra importante para introduzir os temas que aborda para o público adolescente. O teatro e o cinema poderiam prestar mais atenção nela e adaptar a história para os palcos e para as telonas. Diante de tudo que a gente viveu, com gente pedindo a volta da Ditadura e elegendo pessoas que já provaram que estão preocupadas apenas com o benefício próprio, essa questão se torna urgente.

Referência:

 TAPAJÓS, Renato. Carapintada. 9. ed. São Paulo: Ática, 2004.
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