Acessibilidade, Cultura, Jornalismo Cultural, Reportagem, Reportagem Especial

Um olhar mais do que necessário

Em oficina na sede da ABI, jornalista Ednilson Sacramento deu dicas de como fazer a abordagem, na Comunicação, sobre pessoas com deficiência

Ednilson Sacramento: acessibilidade na mídia. Foto: Gabriel Conceição

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
Na manhã de ontem, profissionais de Comunicação e interessados na temática da acessibilidade se reuniram na sede da Associação Bahiana de Imprensa(ABI), em Salvador, para ouvir as dicas e experiências do jornalista Ednilson Sacramento, durante a oficina Pauta eficiente: como abordar a deficiência na imprensa. Idealizada por Ednilson, a atividade é um desdobramento de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), da graduação em Jornalismo, defendido em 2017, na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA). “Falta formação para abordar a pauta na imprensa”, afirmou Sacramento, que abriu a oficina falando sobre a condição da pessoa com deficiência no Brasil e de sua própria história: “Atualmente, curso Produção Cultural na Facom e faço parte do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COMPED). Eu não nasci com a deficiência, adquiri com o tempo”. Ele teve uma perda gradual da visão, ocasionada por uma retinose pigmentar. Aos 33, 35 anos, não sabe dizer ao certo, houve a perda definitiva. Hoje, aos 57, ele usa a experiência de vida e os conhecimentos adquiridos na academia (além de jornalista, é bacharel em Humanidades, pela UFBA, e licenciado em História, pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC)) para elucidar questões sobre como deve ser o tratamento ideal, na imprensa, para pessoas com deficiência.
“Deficiência não significa ineficiência”

Durante o encontro, Ednilson disse que o que se costuma ver nas coberturas jornalísticas é uma abordagem biomédica da pessoa com deficiência, em vez da abordagem social. Na primeira, segundo ele, apenas a doença prevalece; já na segunda, que é a mais adequada, a pessoa é vista como pessoa. Soa até estranho afirmar isso, mas, por incrível que pareça, é necessário enfatizar. Por isso, a primeira recomendação que passou foi voltada para a linguagem utilizada nas matérias. Ela deve ser condizente com as singularidades da pessoa. Em vez de “preso em cadeira de rodas”, o ideal é usar “pessoa em cadeira de rodas”. A pessoa sempre tem que ser colocada em primeiro lugar. “Deficiência não significa ineficiência”, destaca o jornalista. O uso de “cadeirante” é aceito, mas a palavra não é formal. Não se deve usar termos como “deficiente”, “diferente”, “especial”, “aleijado”, “vítima”, “retardado”, “excepcional” e a expressão “portador de necessidades especiais” para se referir a pessoas com deficiência. O adequado é “pessoas com deficiência” mesmo. Para as pessoas que não têm deficiência, o que deve ser usado é “pessoas sem deficiência”, e não “pessoa normal”.O tom, muitas vezes dramático de algumas reportagens em que há o protagonismo de pessoas com deficiência, principalmente no audiovisual, é outra coisa que não faz sentido. “A ideia não é não pautar, é não fazer uso dessa atmosfera dramática”, pontuou Ednilson. Na ocasião, citou o programa Teleton, do SBT. De acordo com ele, a abordagem da edição de 2018 foi um pouco melhor.A importância do uso da janela com interpretação da Língua Brasileiros de Sinais (LIBRAS), legenda para surdos e ensurdecidos e audiodescrição (narração que descreve em palavras as cenas sem diálogos), nas produções audiovisuais, foi destaque na oficina. De acordo com Ednilson, o princípio da redundância, que consiste no fato de repetir uma informação, mesmo que ela esteja posta de forma escrita, é uma medida que auxilia bastante também. Para conteúdos imagéticos, a descrição é a maneira mais adequada para garantir a acessibilidade. Nesse sentido, é importante informar as cores que aparecem na imagem, usar períodos curtos, evitar uso de adjetivos e anunciar o tipo de imagem (card, fotografia, cartaz, ilustração).

Para entrevistar uma pessoa com deficiência, os profissionais de Comunicação devem seguir as mesmas recomendações de quando a entrevista é com uma pessoa sem deficiência. Só precisam se preocupar em perguntar se a fonte vai precisar de alguma acomodação específica ou de um intérprete. Caso o local da entrevista seja desconhecido, é fundamental saber se há estrutura física com acessibilidade.

Destaque para as redes públicas

Quem acompanhou a oficina, achou a atividade bastante significativa. Para I’sis Almeida, 23 anos, bacharela em Artes pela UFBA e estudante de Jornalismo da mesma instituição, a formação preenche uma lacuna constante na academia e na sociedade. “Essa formação é essencial. A gente tem a infelicidade de não ter na nossa graduação, na grade curricular. Não somente o caso das pessoas com deficiência, a gente não tem uma formação em como saber abordar os casos de racismo na mídia, a gente não sabe como lidar com as questões de gênero, com as questões de classe, com as questões LGBTs e uma série de outras questões que dizem respeito, para mim, sobretudo, aos direitos humanos e à dignidade humana. Para mim, a importância é para além da área da Comunicação, mas principalmente para a Comunicação, porque eu acho que a Comunicação é, praticamente, a mãe de tudo. Você não educa uma criança, sem comunicar. Então, eu acho que o jornalista, hoje, precisa ser o profissional que está formado, adaptado pra lidar com os mais diversos níveis de público”. Questionada sobre como pretende usar os conhecimentos adquiridos na oficina, a estudante não titubeia: “Eu tenho um portal que é direcionado para adolescentes e adultas negras e isso já me orientou, me escureceu [por ideologia, ela não costuma usar “esclareceu”] mais como dentro do nosso portal a gente vai poder aplicar estratégias para que o nosso conteúdo seja inclusivo. Mais especificamente, na graduação, acho que a única forma que a gente tem é cobrando à diretoria, à coordenação que isso seja incluído na grade curricular”. O portal a que I’sis se refere é o Black Fem, do qual é uma das coordenadoras.

I’sis Almeida: “A importância é para além da área da Comunicação”. Foto: Raulino Júnior

A jornalista e assessora de imprensa da ABI, Joseanne Guedes, 30 anos, destacou a importância de a entidade abrigar o evento e trazer a temática para a mesa de discussão: “A ABI é uma entidade que reúne os profissionais ligados à atividade da imprensa, à atividade da comunicação e é importante a gente sempre estar ‘linkado’ com essas pautas, uma pauta de relevância extrema, trazida por Ednilson. Nós temos uma deficiência muito grande na nossa formação. Eu acho que a sociedade, de um modo geral, não está acostumada a lidar com essas temáticas. Então, a ABI, nesse sentido, firmou essa parceria com Ednilson como uma forma de trazer essa capacitação para os profissionais. A gente precisa estar sempre atento sobre como utilizar as nomenclaturas corretas e também a dar um tratamento digno e conveniente para essas pessoas com deficiência”.

Na opinião de Ednilson, as redes públicas de comunicação têm feito um trabalho que se aproxima do ideal, quando se trata da cobertura abordando pessoas com deficiência: “Hoje, no Brasil, a gente tem uma cobertura um pouco mais condizente com as novas tendências dos direitos humanos, do respeito à diversidade, nas redes públicas de comunicação. A gente ainda tem uma dificuldade com os veículos privados, que parece que ainda não atentaram para uma cobertura que dê a representação devida a alguns segmentos. Aí vale para pessoas com deficiência, indígenas, quilombolas e outras tantas. O terreno das redes públicas de comunicação tem sido muito mais fértil. A gente tem uma série de veículos que buscam enquadrar um pouco o seu noticiário para essas minorias, mas as redes públicas, sem sombra de dúvidas, têm avançado nesse sentido”, reconhece.

Para Ednilson, levar a oficina para a ABI foi uma forma de dar uma contrapartida para os colegas de profissão e para a sociedade: “Eu acho que esse pequeno contributo que eu tenho trazido é um retorno que eu estou dando, não só para a comunidade como um todo, mas para os profissionais que geram opiniões, que mudam decisões. É uma proposta que atinge não só a sociedade em particular, mas a classe de Comunicação”. Ele pretende lançar um guia para jornalistas, tratando da temática. Enquanto não consegue parceria para editar a obra, multiplicará os conhecimentos através das oficinas.

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