Crônica, Cultura, Desde Já, Jornalismo Cultural, Toca o Desde

A verdade de cada pessoa

Imagem: reprodução do blog Armazém de Texto

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Recentemente, estive numa cerimônia de formatura de estudantes que concluíram o Fundamental I (anos iniciais) e me chamou a atenção ver, no final da festa, uma mãe distribuindo presentes para cada professora que contribuiu para a formação escolar de sua filha. Achei aquilo lindo e fiquei pensando sobre a verdade de cada pessoa. Explico: a mãe em questão também é professora e tem como marca ser dedicada, carinhosa e adorar presentear. Aquele gesto do final da formatura é uma verdade dela, sem forçação, sem lacre. É dela. Faz parte da natureza dela. Sei porque a conheço e constato isso. A ação não tem nada a ver com ter ou não condições financeiras para comprar os presentes. Talvez, as outras mães até tivessem também, mas aquela atitude não seria uma verdade para elas. Pensar no que é a sua verdade é bem importante, porque te livra de culpas e ajuda muito na saúde. Principalmente, a mental.
Qual é a sua verdade? A minha, não é presentear. Definitivamente. Não sei. Não significa que não dê presentes, mas me sinto desconjuntado ao fazê-lo. Acho sempre que erro na escolha. Até já falei sobre isso por aqui. Contudo, é uma verdade minha publicar vídeos nos meus perfis nas redes sociais digitais cantando músicas que gosto sem me preocupar se estou afinado, se as pessoas acham a minha voz bonita, se elas vão gostar… Não ligo. O meu prazer está em fazer, no processo. Faço e me sinto satisfeito. Não sou cantor profissional. Não vivo disso. Não tenho a obrigação de cantar bem. Na verdade, não tenho obrigação de nada nesse sentido. “Taquarar” é uma verdade minha, que me faz muito bem. Vivo essa verdade. Se as pessoas gostam, fico feliz; se não gostam, não fico triste. É verdade mesmo!
Quando a coisa não tem verdade, não se perpetua. E se for adiante, sempre soa falso. Isso fica  evidente em campos artísticos e religiosos, por exemplo. Tem artista que persegue o oportunismo, que está sempre indo na onda. Não deixa legado. Não deixa nada. Às vezes, só fama. Sem nenhuma verdade. Tem gente que professa uma religião que nunca foi uma verdade na sua vida. Nunca. De uma hora para outra, muda, para atender a exigências sociais, para mostrar que é engajado, militante e coisa e tal. Feião.
Viva nessa vida o que é vida em você. Viva a sua verdade. O que não é verdade para você, não é. Sem culpa. Tem uma música de Peninha que diz o seguinte: “Podemos ser a gente mesmo/Nós não precisamos sorrir sem querer”. Anotado e aprendido.
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A música no rádio e o rádio na música

A radiodifusão fortaleceu a indústria fonográfica e foi homenageada em algumas canções

Imagem: reprodução do site da AERP

Por Raulino Júnior

Imagine que você é um artista da música e, um dia, na sua casa, ouve a sua canção tocando no rádio pela primeira vez. Como reagiria? Deve ser muito emocionante! A gente sempre ouve relatos de cantores falando como foi viver essa experiência. O fato é que o lugar da música é mesmo no rádio. Lá, ela se torna popular, porque ganha uma força que não tem como dimensionar. Por mais que, hoje em dia, haja uma lógica de mercado bem diferente, baseada em visualizações, é quando toca no rádio que a música encontra a sua razão de ser. Ao longo dos anos, o veículo impulsionou a indústria fonográfica e foi objeto dela, através de homenagens feitas por compositores em suas letras. É com esse assunto que a gente encerra a série de reportagens Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil, que comemora os onze anos do Desde.
 
Desde as primeiras transmissões de rádio no Brasil, a música se fez presente. Inicialmente, a erudita; com o passar do tempo, a popular. No artigo O rádio musical no Brasil: elementos para um debate, publicado no site da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA/USP), Eduardo Vicente, Leonardo De Marchi e Daniel Gambaro citam o Programa do Casé como precursor da presença e difusão musical nas ondas do rádio: “O ‘Programa do Casé’, criado por Adhemar Casé para a Rádio Philips, ainda em 1932, foi provavelmente a nossa primeira grande iniciativa de divulgação musical. Ao longo do programa, vários cantores se apresentavam interpretando músicas ao vivo dentro do padrão bandstand ou, como ficou conhecido no Brasil, ‘quarto de hora’. Passaram pelo Programa do Casé muitos daqueles que se tornariam os principais nomes da primeira geração de astros da música popular brasileira como Francisco Alves, Noel Rosa, Ciro Monteiro, Mário Reis, Lamartine Babo, Almirante, João Petra de Barros, Custódio Mesquita, Pixinguinha, Donga, Aracy de Almeida, Sílvio Caldas, Carmen e Aurora Miranda, entre outros”. À medida que esses artistas tinham suas músicas veiculadas no rádio, se tornavam mais populares e, consequentemente, consolidavam a carreira.
 
Para falar dessa seara, é impossível não citar a importância da Rádio Nacional (1936) no processo de divulgação e consolidação da música brasileira. A emissora revolucionou os padrões da época e deu a cantoras e cantores status de estrelas. No livro A Rádio Nacional…, Sérgio Cabral fala sobre a relevância dos programas musicais: “A programação era variada. A audiência feminina ficava por conta das novelas, que, em estilo de folhetins, se prolongavam por vários meses. Havia também os programas humorísticos, a cobertura dos acontecimentos esportivos, os programas de auditório, os (muitos, podem acreditar)programas culturais e os programas musicais. Estes últimos, provavelmente, são os que mais resistiram ao esquecimento a que foram condenados não só os programas como os próprios radialistas, uma sina que parece confirmar o que diziam os anunciantes contrários à publicidade radiofônica nos tempos pioneiros, recusando-se a fazer propaganda em rádio: palavras o vento leva. Mas o pessoal da música não foi esquecido e, durante muitos anos, seus nomes permaneceram ligados à história da Rádio Nacional”. O autor cita Francisco Alves, Orlando Silva, Dalva de Oliveira, Herivelto Martins, Cauby Peixoto e, claro, as inesquecíveis Emilinha Borba e Marlene.
 
Outro fator que contribuiu para o fortalecimento da música no rádio foi a popularização das emissoras de FM. Vicente, De Marchi e Gambaro também falam a respeito disso: “A partir da segunda metade dos anos 1970, a popularização das emissoras de FM traz um novo cenário para a divulgação musical no rádio. Se até então ela esteve ligada aos gêneros musicais de maior apelo massivo veiculados, no caso de São Paulo, através dos programas de comunicadores populares do AM como Eli Correa e Barros de Alencar, entre outros, com o FM também a MPB e a música internacional se fortalecem no dial. Além disso, o FM acabou trazendo para o rádio uma nova geração de profissionais, mais conectada com a efervescência cultural e política que caracterizou o período: a abertura que sucedeu os anos de chumbo da ditadura militar”. Certamente, cresceu também a prática do jabá.
 
O rádio na letra
 
Algumas letras do nosso cancioneiro homenageiam o rádio. Seja de forma direta ou através de metáforas. Em 1986, o saudoso Moraes Moreira lançou o disco Mestiço é Isso, que trazia a música Sintonia (Moraes Moreira/Fred Góes/Zeca Barreto) como uma das faixas. A canção traz metáforas relacionadas com a prática de ouvir rádio e é uma das mais conhecidas da carreira de Moraes. Eis uma parte da letra:
 
Escute essa canção que é pra tocar no rádio
No rádio do seu coração
Você me sintoniza
E a gente, então, se liga nessa estação
Aumenta o seu volume que o ciúme não tem remédio
Não tem remédio, não tem remédio, não
Aumenta o seu volume que o ciúme não tem remédio
Não tem remédio, não tem remédio, não
 

Os locutores, profissionais fundamentais do rádio, também já foram citados em letras de música. Em Gamada no Locutor (Augusto Dinno), lançada em 1999, no CD O Charme do Brega, o cantor e compositor Augusto Dinno faz uma crônica musical certeira:
 

Quando começa o programa
Ela corre pro rádio só pra escutar

A voz do seu ídolo amado
E o sente ao seu lado, só em pensar

Esquece de tudo na vida
E pede as amigas pra sintonizar

Diz que ele é o melhor do mundo
Aumenta o volume e começa a sonhar

Ela está gamada no locutor
E vive sonhando com o seu amor
Que faz esse programa tão comentado

Ela vai a rádio querendo ver
Quem é o locutor que vive a fazer
O seu coração ficar disparado

E, para encerrar, um curiosidade: a música Leva (Michael Sullivan/Paulo Massadas) foi feita para a Rádio Bandeirantes, de São Paulo. Em sua participação no podcast Papo com Clê, em julho do ano passado, Sullivan revelou (veja o vídeo a partir de 34:53): “A letra é a rádio fazendo uma declaração de amor para o ouvinte”. Trata-se de um jingle. Tim Maia lançou a canção em 1985. 

Foi bom eu ficar com você o ano inteiroPode crer, foi legal te encontrarFoi amor verdadeiro
É bom acordar com você quando amanhece o diaDá vontade de te agradar, te trazer alegria
 
Tão bom encontrar com você sem ter hora marcadaTe falar de amor bem baixinho quando é madrugadaTão bom é poder despertar em você fantasiasTe envolver, te acender, te ligarTe fazer companhia
 
Leva
O meu som contigoLevaE me faz a tua festaQuero ver você feliz
 
Leva
O meu som contigoLevaE me faz a tua festaQuero ver você feliz
 
É bom quando estou com você numa turma de amigosE depois da canção você fica escutando o que eu digoNo carro, na rua, no barEstou sempre contigoToda vez que você precisar, você tem um amigo
 
Estou pro que der e vier, conte sempre comigoPela estrada buscando emoçõesDespertando os sentidos
Com você, primavera, verãoNo outono ou no invernoNosso caso de amor tem sabor de um sonho eterno
 
Leva
O meu som contigoLevaE me faz a tua festaQuero ver você feliz
 
Leva
O meu som contigoLevaE me faz a tua festaQuero ver você feliz
 

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O antirracismo nosso de todos os dias

Foto: autorretrato

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Na música Divino, Maravilhoso, Caetano Veloso e Gilberto Gil dizem que “é preciso estar atento e forte”. Quem é negro, no Brasil, leva isso como um mantra. Para combater a violência racista é preciso mesmo estar atento (porque ela se configura de diversas maneiras) e forte (para seguir resistindo). Embora o racismo não seja uma prática da negritude, somos nós, negros, que encapamos as lutas para que ele deixe de existir. Por mais que tenhamos brancos aliados, só a gente sabe onde a dor é mais doída e como a exclusão se perpetua na sociedade e nos atinge apenas por termos a pele escura.

Não tem um dia sequer que a negritude brasileira não sofra racismo. Um dia! Não é exagero e não precisa de pesquisa para evidenciar isso, basta estar atento e forte. E, para toda prática de racismo, um combate. É assim que deve ser. O Disque 100 está aí para ser usado. O artigo 20 da Lei 7.716/1989 também. Por isso, é importante ter muita atenção para as violências disfarçadas de brincadeira que fazem parte do nosso dia a dia. Não podemos esquecer que o racismo é um acordo tácito e, às vezes, explícito de silenciamento de potencialidades. Esse acordo tem várias facetas e brechas. Inventaram a injúria racial, gente! De acordo com a lei, é quando ofende a honra de um indivíduo apenas, não de uma coletividade. Isso dá vazão para discursos como este: “Não fui racista! Pratiquei injúria racial!”. Assim, um bocado de coisa acontece e fica por isso mesmo. 

Uma das práticas mais evidentes do racismo é quando um negro é seguido numa loja. Quem é negro já passou por isso ou conhece alguém que já tenha passado. Esse preconceito está presente nos shoppings e nos comércios de rua de todas as cidades brasileiras. E aí: seria injúria ou seria racismo? Vale a reflexão. 

Na televisão, a gente pouco se vê. Estranho. Num país que tem mais de 50% da população negra, não é possível que não existam pessoas negras a fim de trabalhar na TV. Isso é só mais um traço evidente do racismo, da falta de oportunidades para quem é negro. Brigar por esse espaço deve ser uma constante. Como? Pressionando as emissoras, enviando e-mail, comentando nas redes sociais. Precisamos ser antirracistas todos os dias e ser antirracista é brigar por nossa existência em todos os espaços. O mercado de trabalho precisa se ampliar, ser verdadeiramente diverso. Todo mundo ganha com isso. Equipes formadas por pessoas com vivências diferentes serão sempre mais interessantes. Todos os ambientes sociais devem refletir o país, que é plural.

“Precisamos ser antirracistas todos os dias e ser antirracista é brigar por nossa existência em todos os espaços”

Quantos apelidos a gente ouviu calado? Quantas vezes fomos associados a coisas ruins? Embora a hora de gritar já tenha chegado há muito tempo, com pessoas que vieram antes de nós, temos que gritar sempre! Pedir um basta a tudo que nos violenta! Tudo que é voltado para a cultura negra é alvo de preconceito, de discriminação, de chacota. Negam a nossa existência desde que o Brasil é Brasil. O que temos que fazer? Resistir! Se falam do nosso cabelo, a gente reafirma a nossa identidade! Bota ele pra cima, mostra por que o black é power e segue fazendo revolução. Se desprezam a nossa cultura, a gente a enaltece, mostrando como os povos negros foram precursores e responsáveis por quase tudo que faz parte do nosso cotidiano. A base da música brasileira é o candomblé! Pouca gente reconhece isso. 

O racismo faz a população negra ficar em alerta o tempo todo. Quem vai à padaria da esquina sem o documento de identificação? O branco vai, o negro nem cogita. O negro não pode colocar um guarda-chuva grande na mochila. Caso o faça, é “confundido” com marginal. Isso acontece com frequência e nada é feito para mudar. Lembra daquela conversa de que o racismo é um acordo? É por aí…

Uma reflexão muito apropriada da filósofa estadunidense Angela Davis se popularizou e é usada nas discussões sobre a violência racista. Angela diz o seguinte: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”. É exatamente isso. Não ser racista é ficar num lugar de imobilidade, de continuar aceitando as coisas como elas estão/são. Ser antirracista é buscar a ação, a mudança, porque atitudes valem mais do que discursos bonitos nas redes sociais digitais e fora delas. Estamos de olho! Que a gente esteja sempre atento e forte, porque muita coisa tem que se transformar. Nada ainda está divino, maravilhoso.

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Texto originalmente produzido para o 1° Concurso Literário: Crônicas Antirracismo, promovido pela Editora Telha
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O rádio e o seu poder de convergência

 Veículo de comunicação atravessou décadas e se adaptou às inovações tecnológicas

Imagem reproduzida do Blog de Assis Ramalho

Por Raulino Júnior

Na década de 50 do século passado, quando a TV chegou ao Brasil, muita gente especulou e acreditou que os dias do rádio estavam contados. Afinal, a TV era “um rádio com imagem”. Seguia a programação que tinha se consolidado naquele veículo e as pessoas ainda podiam ver os profissionais, sem precisar imaginar como eles eram. Tudo era muito mais atraente. Porém, como se pôde constatar ao longo do tempo, a derrocada do rádio não aconteceu. Tanto que, passados 72 anos da presença da TV no Brasil, ele coabita com a caixinha eletrônica e com novas tecnologias. De acordo com pesquisa realizada pela Kantar IBOPE Media, através do estudo Inside Radio 2021, 80% dos brasileiros ouvem rádio. Isso é fruto do poder de convergência do veículo, que soube se adaptar às mudanças ocorridas na sociedade e acompanhar as inovações tecnológicas. Esse é o assunto abordado hoje na série de reportagens Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil, que comemora os onze anos do Desde.
 
O hábito de ouvir rádio em família, com todo mundo reunido, não demorou de ser modificado. Com a popularização do aparelho e já tendo modelos portáteis, a escuta passou de coletiva à individual. Isso se deu pelo fato de o rádio se adaptar facilmente às transformações ocorridas na sociedade e nunca ficar para trás. Na tese No tempo do Rádio: Radiodifusão e Cotidiano no Brasil. 1923 – 1960, defendida em 2002, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Lia Calebre reforça isso ao dizer que “ao mesmo tempo em que o rádio ficava mais popular a indústria aumentava a oferta e a diversidade de modelos dos aparelhos. Os novos rádios deveriam oferecer qualidade de sintonia e, ao mesmo tempo, serem um objeto de decoração da sala de estar, até mesmo por ocupar lugar de destaque na mesma. Os fabricantes de aparelhos receptores esforçam-se em exaltar as qualidades de seus produtos e as facilidades cotidianas que eles proporcionam”, p. 71.
 
Com o advento da internet no Brasil, lá pelos idos de 1995, o rádio viu uma forte ameaça surgir, mas não se fez de rogado e, mais uma vez, adaptou-se. A partir daí, temos o nascimento das webrádios e a presença do rádio na web. Embora pareça redundância, não é. São categorias diferentes. No livro O Rádio na Era da Convergência das Mídias, publicado pela Editora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, em 2012, a autora Rachel Severo Alves Neuberger esclarece: “A rádio tradicional, no caso, pode oferecer seus serviços radiofônicos ao vivo ou por podcast (programação gravada) e muitos outros serviços que utilizem, inclusive, a interação com o seu público, com elementos hipermidiáticos (som, imagem fixa e em movimento, além de texto pela web). É a chamada “rádio na web”, já que está naquele ambiente, assim como nas ondas do ar. Geralmente, as rádios pequenas têm colocado apenas um link em tempo real (por streaming), enquanto as rádios com maior porte buscaram utilizar a web de forma mais completa, a fim de ampliar seus serviços e criar um vínculo mais próximo com seu público, até por ferramentas de redes sociais. Em termos de ‘webrádio’, pode-se dizer que é um novo formato de rádio, uma vez que não existe de forma física, apenas virtual. Nesse caso, a rádio também pode estar somente em streaming ou utilizando-se de todos os recursos disponíveis na web, como componentes gráficos, tabelas, fotografias, textos escritos, imagens de vídeo e outros elementos que complementam a informação”, p. 123.
 
Daí em diante, o rádio passou a fazer parte de todas as tecnologias digitais da informação e da comunicação, mantendo-se sempre moderno. Está na TV, nos tablets, nos aparelhos de telefonia móvel e, obviamente, se digitalizou. “Em termos de recepção, é muito provável que não haja mais aparelhos novos exclusivos para se ouvir rádio, uma vez que, por exemplo, os telefones celulares multimídia, smartphones, tablets, já apresentam a possibilidade de navegação na Internet e acesso ao rádio e à televisão”, afirma Neuberger, na página 139 do seu livro. E acrescenta: “Como se nota, o rádio está sempre buscando novas saídas para as dificuldades que vão surgindo ao longo dos seus quase 90 anos de existência no Brasil. Quando se pensa que não há mais sobrevida para o veículo, ele ressurge das próprias tecnologias que poderiam sufocá-lo enquanto veículo de comunicação”, p. 133. O rádio pode tudo. 
 

Eduardo Vicente: “Espero que o futuro do rádio seja muito diferente do presente do rádio”. Imagem: reprodução do Facebook

Eduardo Vicente, professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV (CTR), da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), espera que o rádio do futuro seja mais colaborativo. “Não sou um grande fã do modelo atual do rádio, principalmente no Brasil, que é esse modelo de emissão privada. As emissoras públicas têm um espaço muito pequeno no Brasil e as comunitárias são muito limitadas. Eu espero que o rádio no futuro tenha mais esse caráter, que mais e mais produções feitas por indivíduos ou pequenas produtoras estejam dentro do universo de consumo sonoro das pessoas. Especialmente, através do podcast, é claro. Eu não acho que a estrutura das emissoras de rádio vai mudar. Espero só que elas tenham muito mais disputa fora do dial, que exista muito mais gente produzindo conteúdo e muito mais disposição de ouvir múltiplos conteúdos, de múltiplas origens do que nós temos hoje. Então, é isso que eu espero no futuro do rádio. Espero que o futuro esteja com a pluralidade de vozes”. Ao pensar o futuro do rádio como empresa, como mídia, no sentido de uma indústria de comunicação, o docente acha que é incerto. “Eu gosto de questionar a ideia que sempre se repete de que o rádio não morreu, de que as pessoas sempre previam o fim do rádio e esse fim nunca acontecia e o rádio tinha essa capacidade de se reinventar e de continuar. Eu concordo plenamente com essa ideia. Desde o Rudolf Arnheim, nos anos 30, se fala nesse final do rádio. E desde então, o rádio, de alguma maneira, está presente, mas em alguns momentos, acho que é importante considerar o que custou pro rádio continuar presente? Quer dizer, o que ele perdeu? No caso brasileiro, por exemplo, o que deixou de estar nesse rádio convencional ou o quanto ele se tornou uma mídia extremamente concentrada na mão de poucos grupos ou dependente dos interesses de gravadoras musicais ou produtores musicais. No caso do jabá, desse rádio que só toca o que é pago pra tocar. Ou dependente de grupos religiosos ou políticos. No caso de muitas emissoras que foram ou arrendadas ou se tornaram a voz chapa branca, institucional, ecoando os discursos e interesses de determinados grupos. Então, o rádio sobreviveu, mas ele sobreviveu com independência? Ele sobreviveu com autonomia de tocar o que quer, de produzir coisas ligadas a todos os gêneros possíveis do rádio, como documentário, como ficcional? A minha resposta é não e a resposta evidente é não. Hoje, o rádio tem um foco muito mais limitado do que já teve no passado. Nesse sentido, espero que o futuro do rádio não seja a continuidade dessa situação. Espero que o futuro do rádio permita uma maior abertura  dessa indústria pra outras vozes, uma maior democratização dessa indústria. Espero que o futuro do rádio seja muito diferente do presente do rádio”, filosofa.
 
COM A PALAVRA, BRUNO ROGÉRIO TAVARES
 

Imagem: reprodução do Facebook

Bruno Rogério Tavares é professor e coordenador do curso de Rádio, TV e Internet da Universidade Cruzeiro do Sul. Também é docente do mesmo curso na Faculdade Cásper Líbero. As duas instituições ficam no estado de São Paulo. É formado em Comunicação Social – Rádio e TV, pela Universidade São Judas Tadeu; mestre em Comunicação Social, pela Universidade Metodista de São Paulo e doutor em Comunicação e Semiótica, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nesta entrevista exclusiva para o Desde, feita pelo LinkedIn, ele diz o que explica o poder de convergência do rádio e opina sobre como será o rádio do futuro e o futuro do rádio. “Passa obrigatoriamente pela consolidação do mercado de podcast e pela implantação do modelo de transmissão de rádio digital no Brasil para emissoras FM”.

Desde que eu me entendo por gente – O que explica o poder de convergência do rádio?

Bruno Rogério Tavares: Apesar de não transmitir imagens no modelo original, o rádio tem o poder de sugerir imagens para os ouvintes, estimulando a criatividade e a imaginação. Essa característica permite ao rádio convergir com diferentes linguagens e plataformas midiáticas, o que amplia o alcance da mensagem, pois o rádio é meio de comunicação de massa que não faz exclusão de ouvintes pela escolaridade. A oralidade, uma das características da linguagem radiofônica, permite uma maior flexibilidade no consumo dos conteúdos, como por exemplo os podcasts, que muitas vezes são gravados com imagens (o que seria correto chamar de videocast), mas que boa parte do público consome apenas no formado de áudio.
 
Desde – Na sua opinião, como será o rádio do futuro? 
 
BRT: O rádio do futuro estará presente nos mais diferentes dispositivos e convergindo cada vez mais com a internet das coisas. O bluetooth provocou uma revolução, ampliando a mobilidade e o acesso ao conteúdo radiofônico das emissoras AM e FM, além de permitir que rádios web ampliassem o alcance da transmissão. Provavelmente, não teremos um aparelho exclusivo para ouvir rádio.
 
Desde – E o futuro do rádio?
 
BRT: O futuro do rádio passa obrigatoriamente pela consolidação do mercado de podcast e pela implantação do modelo de transmissão de rádio digital no Brasil para emissoras FM. Em termos de conteúdo e programação, o rádio ainda será o companheiro do ouvinte, com espaço para comunicadores que saibam dialogar e fazer companhia com o ouvinte, levando informação, entretenimento e prestação de serviços. Em um mundo globalizado e conectado, o conteúdo local terá cada vez mais espaço.
 

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Roquette-Pinto e o rádio educativo

 Intelectual transformou o rádio em instrumento de educação

Roquette-Pinto. Imagem: reprodução do site da Academia Brasileira de Letras

Por Raulino Júnior

Dando continuidade à série de reportagens Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil, que comemora os onze anos do Desde, hoje vamos falar de um personagem importante na história da radiodifusão do Brasil: Edgard Roquette-Pinto (1884-1954). Médico, professor, antropólogo, etnólogo e ensaísta, Roquette-Pinto foi um homem multifacetado e entusiasta da cultura brasileira. Ao acompanhar a primeira grande transmissão de rádio no Brasil, em 7 de setembro de 1922, ele percebeu o potencial educativo do novo veículo de comunicação. Assim, em 20 de abril de 1923, fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que tinha a educação como mote principal. “O projeto de educação popular pelo rádio via Rádio Sociedade do Rio de Janeiro trazia como proposta um leque diário de programas com atividades educativas que se estendiam desde os cursos de literaturas brasileira, francesa e inglesa, às aulas de esperanto, complementadas com as aulas de rádio-telegrafia [sic] e de telefonia. Eram proferidas aulas de silvicultura prática, lições de história natural, física, química, italiano, francês, inglês, português, geografia e até palestras seriadas. Teatro e música”, afirma Jorge Antonio Rangel, no livro Edgard Roquette-Pinto, publicado em 2010 e que integra a Coleção Educadores, do Ministério da Educação.
 
A Rádio Sociedade (atual Rádio MEC) foi uma iniciativa pioneira, principalmente por fomentar a educação popular. A transmissão, com as condições existentes na época, atingia grande parte do Brasil. O intuito era fazer o rádio educativo chegar aonde não existia escola. Diante de dificuldades financeiras por causa da impossibilidade de concorrer com as rádios comerciais, em 7 de setembro de 1936, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro foi doada ao então Ministério da Educação e Saúde, cujo ministro era Gustavo Capanema. Antes disso, Roquette-Pinto continuou sendo uma figura fundamental no processo de expansão do rádio educativo. Tanto que, em 1934, no Rio (Distrito Federal), fundou a Rádio Escola Municipal, que hoje tem o nome de Rádio Roquette-Pinto, em sua homenagem. Todo esse esforço teve eco no movimento escolanovista, capitaneado por Anísio Teixeira.
 
No vídeo abaixo, produzido pela MultiRio (Empresa Municipal de Multimeios da Prefeitura do Rio de Janeiro, vinculada à Secretaria Municipal de Educação), você conhece um pouco mais sobre Roquette-Pinto.
 

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Transmissão radiofônica do início do século 20 que teve maior repercussão no Brasil completa 100 anos

 Em 7 de setembro de 1922, durante a Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil, houve a primeira grande transmissão de rádio no país

Registro do dia da primeira grande transmissão de rádio no Brasil. Na foto, estão o engenheiro José Neves (centro), o telegrafista Manoel Antonio de Souza (direita) e Joaquim Pereira, servente da estação (esquerda). Imagem: reprodução do Portal Brasiliana Fotográfica.

Por Raulino Júnior

“1922 foi um ano agitado e importante na história do Brasil: em fevereiro acontecia a Semana de Arte Moderna de São Paulo, em março era fundado o Partido Comunista Brasileiro e, em setembro, realizava-se a primeira emissão radiofônica oficial no País, com um discurso do então presidente Epitácio Pessoa, durante a exposição comemorativa do Centenário da Independência no Rio de Janeiro”. Foi assim que Sonia Virgínia Moreira, jornalista e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), abriu a introdução do seu livro O Rádio no Brasil, publicado em 1991. Hoje, passados mais de trinta anos da publicação e sendo a data que faz referência ao centenário do rádio no Brasil, o Desde inicia a série de reportagens Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil, em comemoração pelos seus onze anos no ar, completados em janeiro deste ano. Contudo, e é importante ressaltar isso logo no início do texto, 7 de setembro 1922 foi mais uma data importante para o rádio, mas não foi a única. Em 6 de abril de 1919, em Recife, foi fundado o Rádio Clube de Pernambuco, marcando assim o pioneirismo em transmissão de mensagens por ondas eletromagnéticas. Em artigo publicado na Revista Famecos no ano passado, o professor Luiz Artur Ferrareto, que é um expoente quando se trata de pesquisa sobre rádio no Brasil, afirma que “as transmissões de 7 de setembro de 1922 não eram nem oficiais, nem pioneiras, embora, pela instalação de alto-falantes nos pavilhões da exposição e em função da distribuição de receptores a figuras de destaque na sociedade, possa se dizer que tenha sido a mais pública até aquele momento”, p. 3.

Carla Baldutti. Foto: arquivo pessoal.

Carla Baldutti, que é jornalista, radialista, mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCOM/UFJF), pesquisadora de rádio e mídia sonora, acredita que o que fez a data de 1922 se perpetuar foram questões culturais e políticas: “A exposição do centenário da Independência aconteceu na capital do país. O Rio de Janeiro era a capital naquele momento. É importante a gente lembrar disso. O Brasil como a gente se entende começa no Nordeste e lá eles tinham contato com muitos estrangeiros, por causa da Marinha. Isso é uma coisa quase que óbvia, que as coisas chegassem primeiro por lá, mas que fossem muitos mais referendadas no centro político do país. Isso acontece até hoje. Você vê a dificuldade que a gente tem de circular música que não é Rio-São Paulo. É muito difícil fazer um artista chegar nesse eixo”. A pesquisadora completa: “Na minha opinião, a grande questão é que a gente tem, por exemplo, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a ABERT, que é totalmente ligada na questão comercial, e ela também centraliza nas questões políticas, porque a nossa radiodifusão depende da legislação e sempre esteve ligada na figura do presidente. Ali era a capital, o presidente fez o discurso dele, que foi transmitido, e a partir dali é que vai surgir o interesse do Roquette-Pinto de montar a primeira emissora considerada legal, que vai ter a concessão do presidente. Eu acho que na verdade esse é o grande motivo. A partir daí isso passa a ser referendado por essas associações como a ABERT, por exemplo, que é comercial e que vai comemorar essa data. Por quê? Porque eles não estão preocupados com experimentação. Eles estão preocupados com datas comerciais. As empresas que são rádios comerciais, não estão preocupadas, como os pesquisadores, de descobrir a verdade, ou de fazer experimentações”. Carla contribuiu bastante para a nossa apuração nesse aspecto, indicando leituras e trazendo informações relevantes sobre a história do rádio no Brasil.

O Rádio no Brasil

Como é habitual, no início, o rádio no Brasil estava presente nas casas de quem tinha maior poder aquisitivo. A popularização vem a partir de 1929, com São Paulo tendo mais de 60 mil unidades do aparelho. Nos tempos de hoje, ele está em dispositivos móveis e, com base em pesquisa realizada pela Kantar IBOPE Media, através do estudo Inside Radio 2021, faz parte do cotidiano de 80% dos brasileiros. Na primeira fase, as transmissões focavam em conteúdos voltados para educação e cultura, e a escuta coletiva era uma prática comum. De acordo com Sonia Virgínia Moreira, em 1936 a função educativa do rádio se consolidou, com a doação feita por Roquette-Pinto da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro ao então Ministério da Educação e Cultura. Em sua tese No tempo do Rádio: Radiodifusão e Cotidiano no Brasil. 1923 – 1960, defendida em 2002, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Lia Calebre afirma que a “programação das rádios brasileiras nos primeiros anos era composta de músicas clássicas, óperas, entrevistas de estúdio, leitura e comentários das notícias publicadas nos jornais da época e da apresentação de artistas”, p. 55. Se a gente prestar bem a atenção, vai perceber que anos depois a televisão seguiu esse mesmo modelo de programação. O rádio serviu de parâmetro para a telinha, que chegou em território nacional em 1950, através do pioneirismo da Assis Chateaubriand. 90% dos profissionais de TV vieram do rádio. Tal história é contada com detalhes pela saudosa Vida Alves, no livro TV Tupi: uma linda história de amor.

Gente do Rádio

Ildazio Tavares Júnior. Foto: arquivo pessoal.

Ao longo do tempo, o rádio foi se consolidando como veículo de comunicação e atraindo pessoas que, além de ouvir, queriam trabalhar nele. É o caso de Ildazio Tavares Júnior, empresário e radialista de Salvador. Ele começou no rádio em 2001, na Transamérica FM. Passou pela Rádio Metrópole e hoje está na Excelsior. Em breve, partirá para o Grupo A Tarde, onde vai atuar na Rádio A Tarde FM e na criação de podcasts, videocasts e webtv do grupo. Para ele, a longevidade do rádio está no conteúdo: “Enquanto o rádio, e qualquer veículo de comunicação, tiver conteúdo, ele vai pra frente. O rádio tem muito mais conteúdo do que todas essas redes sociais aí, a maioria delas. Muitas vezes, as redes sociais, hoje em dia, são feitas por qualquer um, que faz qualquer coisa, a qualquer hora e a qualquer crivo. Na rádio, você tem que ter um discernimento para colocar sua voz no microfone. O rádio é de fundamental importância para a sociedade, para a cultura. Principalmente, por chegar em locais que, muitas vezes, não chegam outras coisas. A internet não chega em muito lugar ainda. O rádio é fundamental no desenvolvimento da sociedade”. Ildazio acredita que o rádio se adaptou muito bem  à revolução tecnológica: “Está se adaptando mais ainda com as redes sociais. Os aplicativos das rádios estão aí. A rádio no Youtube, a rádio no Instagram. O meu programa de rádio vai para o Instagram todo dia. Ao mesmo tempo, eu posto podcast no site para que as pessoas ouçam. A rádio se adapta muito bem a todas as plataformas, haja vista que a televisão partiu do rádio, o conteúdo vinha do rádio. Acho que o rádio é a base de tudo, vai continuar sendo uma grande escola para quem quer ser um comunicador realmente na acepção da palavra”. Ele elege a música como o aspecto que mais o marcou como ouvinte ao longo do tempo: “Eu comecei a ouvir rádio por conta da música. Eu ligava para todas as rádios para concorrer. Eu ganhava disco direto. Eu tinha mais de cinquenta discos, todos ganhos em sorteios de rádio. Eu acho que o rádio vai existir por muitos e muitos anos ainda e o que mais me marcou sempre foi a música”.

Carla Baldutti, que mora em Juiz de Fora (MG), também tem a música como algo marcante na sua experiência como ouvinte de rádio. “Eu me arrumava para poder ir para a escola ouvindo um programa de música e foi por causa dele que me tornei jornalista musical no rádio, que é o que faço hoje no Microfone Aberto JF [programa que apresenta desde 2018 e que também dá nome a um festival de música e a um podcast]. O que é mais legal no rádio são os hábitos, as rotinas que você cria a partir da mídia. Você criar o hábito de ouvir aquele programa todo dia naquele horário. O rádio é um companheiro do ouvinte. Ele conversa diretamente com as pessoas. Isso é muito forte”. Ela também cita o radiojornalismo como algo que a marcou: “Acho que o que me marca como ouvinte, já que eu não sou mais uma ouvinte comum e sim uma ouvinte crítica, por trabalhar com isso, por ser pesquisadora da área, é a forma como o radiojornalismo contou a história do Brasil, através das reportagens, através das coberturas jornalísticas que ficaram muito famosas”.

A primeira experiência de Carla na radiodifusão foi em 2013, na rádio universitária da UFJF, no início do curso de Jornalismo. Quando já estava prestes a concluir a graduação, começou a estagiar na rádio educativa de Juiz de Fora, a rádio Premium FM. Atualmente, faz parte do grupo de pesquisa Comunicação, Cidade e Memória (COMCIME), vinculado ao CNPq, é afiliada à Rede de Rádios Universitárias do Brasil (RUBRA) e, na Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), integra o grupo de pesquisa Rádio e Mídia Sonora. Além disso tudo, criou, em 2018, a Rádio Cultura JF, uma web rádio que está parada, devido aos estudos no mestrado. Para a ela, a importância do rádio está na comunicação direta, que todo mundo entende: “Começa por aí: permitir que as pessoas que não têm estudo também possam se informar. Essa comunicação simples, direta, é a coisa mais importante e forte do rádio. É o acesso à informação pra quem precisa. Outra questão muito importante do rádio para a nossa cultura é que ele é um grande difusor do esporte, fora a música. Não tem nem como não falar sobre como que a Música Popular Brasileira foi difundida pelo rádio”. Questionada sobre como, para ela, será o rádio dos próximos cem anos, reflete: “Vai ser um rádio que estará sempre se adaptando, através da contação de histórias faladas. A base do rádio não vai mudar. Ele vai se adaptar à tecnologia vigente sempre, porque a nossa cultura é essa, contar as coisas através da oralidade. Isso não muda. Como disse McLuhan, os meios se influenciam sem se destruir. Um meio vai continuar influenciando o outro e novas coisas vão surgir e vão gerar novos comportamentos no processo comunicativo”.

COM A PALAVRA, ANDREZÃO SIMÕES

Foto: arquivo pessoal

Andrezão Simões começou a trabalhar no rádio em 1984, na Rádio Clube de Salvador, quando ainda era estudante de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA). Passou pela 104 FM (do Grupo A Tarde), Rádio Cidade, Salvador FM (na época em que fazia parte do Sistema Globo de Rádio) e Rádio Metrópole, onde capitaneou o programa Roda Baiana, de 2007 a 2020. Nesta entrevista exclusiva para o Desde, ele fala sobre a importância do rádio para a nossa cultura, o que mais o tocou na sua experiência como ouvinte e profissional de radiodifusão nesses 100 anos e das transformações ocorridas no fazer radiofônico ao longo do tempo: “Estamos na era do radiovisual”. 

Desde que eu me entendo por gente – Quando você começou a trabalhar no rádio e por quais emissoras passou?

Desde – Para você, qual a importância do rádio como veículo de comunicação e como produto da nossa cultura?

Desde – No decorrer do tempo, o rádio se adaptou de forma surpreendente à revolução tecnológica. Para você, como será o rádio dos próximos 100 anos?

Desde – Nesses 100 anos do rádio, o que mais te tocou como ouvinte?

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 Clique em Tocando com Frequência para ficar por dentro da nossa série. No dia 7 de outubro, a gente publica mais uma matéria falando sobre a história do rádio no Brasil. Dessa vez, vamos focar num personagem importante nisso tudo. Até lá! #TocaODesde com a gente!

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Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Leitura, Memórias, Resenha, Toca o Desde

João Marcello Bôscoli arrebata leitor em livro de memórias sobre convívio com a sua Mãe

Relato do filho mais velho de Elis Regina destaca a pessoa por trás da artista

Imagem: reprodução do site da editora Planeta

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Em 1994, a editora Nova Fronteira lançou o livro Eles e Eu: Memórias de Ronaldo Bôscoli. Na obra, o compositor, produtor musical e jornalista, em depoimento a Luiz Carlos Maciel e Ângela Chaves, fala sobre os bastidores e a sua convivência com artistas da Música Popular Brasileira. Ainda não li esse livro, mas imagino o quão interessante deve ser. 25 anos depois, em 2019, o filho de Bôscoli, João Marcello, publicou o seu Elis e Eu: 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe, pela editora Planeta. Esse eu li, é objeto desta resenha e não me contive em fazer a associação das duas obras. Certamente, sagaz e criativo como é, João Marcello quis fazer essa referência ao livro do pai. Certeiro. A obra do filho é excelente e, de cara, traz um subtítulo que intriga. Explico: João nasceu em 17 de junho de 1970. Então, no fatídico 19 de janeiro de 1982, dia da morte de Elis, o produtor tinha 11 anos, 7 meses e 2 dias de convivência com a mãe. Ou seja: o subtítulo do livro não é tão exato, não corresponde aos fatos. Estratégia editorial para ficar mais impactante?! Vai saber… O fato é que Elis e Eu nos arrebata desde a primeira linha.

João divide as suas memórias com os leitores e a nossa vontade é sempre de querer saber mais e mais. Isso acontece porque o autor não está falando de Elis “figura pública”. Ele fala da Mãe dele (assim mesmo, com inicial maiúscula, como ele registra no livro!), da pessoa por trás da artista. “Elis Regina é a parte pública da minha Mãe, uma de suas faces”, afirma na página 15. No relato, mostra a Elis preocupada com o repertório e com a excelência dos shows, a Elis que fazia questão de levar os filhos na escola e cuidar da casa, a Elis solidária e a Elis que se metia em briga de marido e mulher, sim! João não se poupa. Fala de suas muitas travessuras feitas quando criança e dos castigos impostos por Elis, quase sempre humilhantes, para ele aprender sobre a vida.

As lembranças de João fazem rir e fazem chorar. É impossível não se colocar no lugar dele durante a narrativa. Principalmente, quando fala sobre o dia da morte da artista e sobre os dias seguintes. Bôscoli conta que no mesmo dia 19 de janeiro de 1982, um jornalista ligou para a casa dele e perguntou se Elis tinha morrido, “…indiferente ao fato de estar falando com um garoto”, p. 23. Ele negou e desligou. “O mundo, alheio às tragédias e tristezas, seguia sua rotação”, critica na p. 24. Ele também faz crítica aos aproveitadores, pessoas que o bajulavam porque ele era filho de quem era. Depois da morte, todo mundo sumiu. A avó materna ganha o adjetivo de “tóxica” por ele. João escancara tudo.

É fascinante quando narra os dias vividos na casa da serra da Cantareira, ambiente de alegria e de muita simplicidade. João testemunhou muitos ensaios da mãe, a relação dela com os músicos, as gravações de algumas músicas, a sua fúria. Ele foi para algumas viagens com ela e teve acesso às tecnologias de última hora daquele tempo, como o videocassete e o walkman. Nem tudo são flores. Os anos de chumbo estavam a todo vapor e o menino vivenciou tudo com a mãe. Inclusive, foi com ela visitar Rita Lee na cadeia. E é Rita quem assina o prefácio da obra. Um luxo. Num país em que não se preserva a memória, é importante repercutir a escrita de João.

Referência:

BÔSCOLI, João Marcello. Elis e eu: 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019. Disponível em: <https://visionvox.net/biblioteca/j/Jo%C3%A3o_Marcello_B%C3%B4scoli_Elis_E_Eu.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2022.

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Cultura, Jornalismo Cultural, Notícia, Toca o Desde, Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil

Série de reportagens sobre centenário do rádio no Brasil comemora os onze anos do Desde

 Série especial terá início no dia 7 de setembro, quando o rádio completa exatos 100 anos no Brasil

Por Raulino Júnior

Você gosta de rádio? Ainda escuta? Percebeu que, ao longo do tempo, ele foi se adaptando às transformações ocorridas na comunicação? Sabia que neste ano ele completa, oficialmente, 100 anos em atividade no Brasil? Pois é. O Desde está preparando uma série de reportagens especiais para refletir sobre esse veículo de comunicação ainda muito presente no cotidiano da população brasileira. De acordo com pesquisa realizada pela Kantar IBOPE Media, através do estudo Inside Radio 2021, 80% dos brasileiros ouvem rádio. As mulheres lideram (52%), mas os homens também estão no páreo entre os ouvintes (48%).
Tocando com Frequência
 A série Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil vai começar daqui a um mês, 7 de setembro, data que alude à primeira transmissão radiofônica no país, em 1922. Vamos, inclusive, falar sobre a polêmica que existe em relação ao início do rádio por aqui. Foi em 1919, em Pernambuco? Por que esse marco foi desprezado? São muitas reflexões para fazer. Vamos conversar com radialistas, trazer informações de pesquisadores, falar sobre a versatilidade do rádio, os responsáveis pela implantação no Brasil, os jingles marcantes e as músicas que têm o rádio como temática. Vai ser muito interessante! Queremos que você acompanhe tudo! #TocaODesde com a gente! Até lá!

 

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Audiovisual, Cultura, Entrevista, Fotografia, Jornalismo Cultural, Produção Cultural, Sem Edição, Toca o Desde

Sem Edição| Eduardo Mafra, Produção Cultural, Fotografia e Audiovisual

Eduardo Mafra: paixão por fotografia nasceu na faculdade. Foto: Helaine Ornelas.

Eduardo Mafra é um realizador. Formado em Produção em Comunicação e Cultura, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), ele atua profissionalmente fotografando, produzindo e escrevendo. Nesta entrevista exclusiva para o Sem Edição, conteúdo audiovisual do Desde, fala sobre como começou a sua paixão pela fotografia, os trabalhos que mais gosta de fazer nessa área e de algumas experiências marcantes ao longo da carreira, que começou em 2009. O livro Evangélicos – Uma conversa que não pode ser adiada, lançado neste ano, esteve na pauta da entrevista. Eduardo falou sobre as razões que o motivaram a escrever a obra e fez comentários pontuais sobre assuntos importantes presentes nela.

No bate-papo, Mafra fala ainda de outros projetos que já implementou, da trajetória no universo da fotografia e da Avoa Filmes, produtora audiovisual da qual ele e Helaine Ornelas são diretores. Não deixe de ver!

Agradecimentos mais que especiais a Eduardo Mafra! Obrigado pela confiança e disponibilidade, Mafra! Mais sucesso! Estendo os agradecimentos à Helaine Ornelas, que fez as fotos do encontro. Obrigado!

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Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Leitura, Resenha, Toca o Desde

Guia traz recomendações para a dieta de crianças menores de dois anos

Documento aposta em alimentos in natura e despreza os ultraprocessados

Imagem: reprodução do PDF

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Quem tem criança pequena em casa, sabe que a fase da introdução alimentar é umas das mais desafiadoras. Como é repleta de novidades, tanto para a criança quanto para os seus responsáveis, é natural ter inseguranças e medos. Por isso, o caminho mais indicado para ter tranquilidade é a informação. Nesse sentido, o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos, publicado pelo Ministério da Saúde, em 2019, é, com perdão do trocadilho, um prato cheio. Com linguagem simples e didática, o guia reforça a importância de sempre colocar alimentos in natura na dieta e rechaça com veemência a ingestão de ultraprocessados (biscoitos, sucos artificiais, refrigerantes, salgadinhos de pacote, macarrão instantâneo, guloseimas etc.).

“Uma alimentação adequada e saudável deve ser feita com ‘comida de verdade’ e começa com o aleitamento materno”, diz o texto do Guia na página 12. Quem lê o documento, constata o quanto o leite materno é fundamental para a nutrição e desenvolvimento da criança. Tanto é que a publicação destina um grande espaço para falar sobre ele e sobre como armazená-lo, dica necessária para quando a mulher volta a trabalhar após a licença-maternidade. Até os seis meses de idade, o único alimento do bebê deve ser o leite materno. O texto justifica: “Produzido naturalmente pelo corpo da mulher, o leite materno é o único que contém anticorpos e outras substâncias que protegem a criança de infecções comuns enquanto ela estiver sendo amamentada, como diarreias, infecções respiratórias, infecções de ouvidos (otites) e outras”, p. 22. Uma curiosidade sobre este tema que é abordada no Guia é a possibilidade de amamentação por mulheres que adotam: “É possível uma mãe adotiva amamentar, mesmo que não tenha tido uma gestação. Para tal, é necessário que ela procure ajuda de profissional de saúde com experiência em lactação adotiva para receber as orientações e apoio”, p. 53.

O Guia afirma que a chegada de uma criança abre espaço para melhorar a alimentação de toda a família. Não é adequado fazer uma comida para a criança diferente da comida dos adultos. A comida deve ser a mesma. O que muda é a forma de ofertar, pois, para as crianças, é necessário fazer algumas adaptações. Outra coisa que é bastante enfatizada no documento é a importância do exemplo: “A aceitação de legumes e verduras pela criança tem relação direta com o consumo desses alimentos pela família. Muitas vezes, eles são comprados somente para a criança, não sendo consumidos por irmãs e irmãos mais velhos ou adultos. Com o tempo, a criança percebe que o restante da família não os consome e começa a rejeitá-los”, p. 81. O suco de fruta, que já foi o queridinho da nutrição, não é recomendado pelo Guia: “[…] recomenda-se que não sejam oferecidos sucos de frutas à criança menor de 1 ano, mesmo aqueles feitos somente com fruta. Entre 1 e 3 anos de idade, eles continuam não sendo necessários”, p. 85. Os responsáveis devem optar pelas frutas, pois ajudam a criança a exercitar a musculatura da boca e do rosto e não têm açúcar refinado. Além disso, a criança pode, ao ingerir o suco, deixar de beber água. Após os seis meses, a água pode e deve ser oferecida à criança.

É desaconselhável fazer chantagens ou prometer recompensas para a criança comer determinado alimento. Isso faz com que ela fique dependente e não cria uma consciência da importância da alimentação saudável para o seu desenvolvimento. Alguns alimentos devem ser oferecidos até dez vezes à criança. Por desconhecer o sabor, ela não aceita bem na primeira oferta.

O Guia é bem completo. Fala da importância de cozinhar em casa e envolver a criança nisso, de como comprar e armazenar os alimentos e dos direitos relacionados à alimentação infantil. No final, apresenta doze passos para uma alimentação saudável: 1) Amamentar até 2 anos ou mais, oferecendo somente o leite materno até 6 meses; 2) Oferecer alimentos in natura ou minimamente processados, além do leite materno, a partir dos 6 meses; 3) Oferecer água própria para o consumo à criança em vez de sucos, refrigerantes e outras bebidas açucaradas; 4) Oferecer a comida amassada quando a criança começar a comer outros alimentos além do leite materno; 5) Não oferecer açúcar nem preparações ou produtos que contenham açúcar à criança até 2 anos e idade; 6) Não oferecer alimentos ultraprocessados para a criança; 7) Cozinhar a mesma comida para a criança e para a família; 8) Zelar para que a hora da alimentação da criança seja um momento de experiências positivas, aprendizado e afeto junto da família; 9) Prestar atenção aos sinais de fome e saciedade da criança e conversar com ela durante a refeição; 10) Cuidar da higiene em todas as etapas da alimentação da criança e da família; 11) Oferecer à criança alimentação adequada e saudável também fora de casa; 12) Proteger a criança da publicidade de alimentos. Vale a pena ler e seguir as recomendações. O documento é um material de consulta que a família deve sempre ter por perto.

Referência:

BRASIL. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primaria à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_da_crianca_2019.pdf>. Acesso em: 1 ago. 2022.

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