Cultura, Jornalismo Cultural, Reportagem, Toca o Desde, Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil

A música no rádio e o rádio na música

A radiodifusão fortaleceu a indústria fonográfica e foi homenageada em algumas canções

Imagem: reprodução do site da AERP

Por Raulino Júnior

Imagine que você é um artista da música e, um dia, na sua casa, ouve a sua canção tocando no rádio pela primeira vez. Como reagiria? Deve ser muito emocionante! A gente sempre ouve relatos de cantores falando como foi viver essa experiência. O fato é que o lugar da música é mesmo no rádio. Lá, ela se torna popular, porque ganha uma força que não tem como dimensionar. Por mais que, hoje em dia, haja uma lógica de mercado bem diferente, baseada em visualizações, é quando toca no rádio que a música encontra a sua razão de ser. Ao longo dos anos, o veículo impulsionou a indústria fonográfica e foi objeto dela, através de homenagens feitas por compositores em suas letras. É com esse assunto que a gente encerra a série de reportagens Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil, que comemora os onze anos do Desde.
 
Desde as primeiras transmissões de rádio no Brasil, a música se fez presente. Inicialmente, a erudita; com o passar do tempo, a popular. No artigo O rádio musical no Brasil: elementos para um debate, publicado no site da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA/USP), Eduardo Vicente, Leonardo De Marchi e Daniel Gambaro citam o Programa do Casé como precursor da presença e difusão musical nas ondas do rádio: “O ‘Programa do Casé’, criado por Adhemar Casé para a Rádio Philips, ainda em 1932, foi provavelmente a nossa primeira grande iniciativa de divulgação musical. Ao longo do programa, vários cantores se apresentavam interpretando músicas ao vivo dentro do padrão bandstand ou, como ficou conhecido no Brasil, ‘quarto de hora’. Passaram pelo Programa do Casé muitos daqueles que se tornariam os principais nomes da primeira geração de astros da música popular brasileira como Francisco Alves, Noel Rosa, Ciro Monteiro, Mário Reis, Lamartine Babo, Almirante, João Petra de Barros, Custódio Mesquita, Pixinguinha, Donga, Aracy de Almeida, Sílvio Caldas, Carmen e Aurora Miranda, entre outros”. À medida que esses artistas tinham suas músicas veiculadas no rádio, se tornavam mais populares e, consequentemente, consolidavam a carreira.
 
Para falar dessa seara, é impossível não citar a importância da Rádio Nacional (1936) no processo de divulgação e consolidação da música brasileira. A emissora revolucionou os padrões da época e deu a cantoras e cantores status de estrelas. No livro A Rádio Nacional…, Sérgio Cabral fala sobre a relevância dos programas musicais: “A programação era variada. A audiência feminina ficava por conta das novelas, que, em estilo de folhetins, se prolongavam por vários meses. Havia também os programas humorísticos, a cobertura dos acontecimentos esportivos, os programas de auditório, os (muitos, podem acreditar)programas culturais e os programas musicais. Estes últimos, provavelmente, são os que mais resistiram ao esquecimento a que foram condenados não só os programas como os próprios radialistas, uma sina que parece confirmar o que diziam os anunciantes contrários à publicidade radiofônica nos tempos pioneiros, recusando-se a fazer propaganda em rádio: palavras o vento leva. Mas o pessoal da música não foi esquecido e, durante muitos anos, seus nomes permaneceram ligados à história da Rádio Nacional”. O autor cita Francisco Alves, Orlando Silva, Dalva de Oliveira, Herivelto Martins, Cauby Peixoto e, claro, as inesquecíveis Emilinha Borba e Marlene.
 
Outro fator que contribuiu para o fortalecimento da música no rádio foi a popularização das emissoras de FM. Vicente, De Marchi e Gambaro também falam a respeito disso: “A partir da segunda metade dos anos 1970, a popularização das emissoras de FM traz um novo cenário para a divulgação musical no rádio. Se até então ela esteve ligada aos gêneros musicais de maior apelo massivo veiculados, no caso de São Paulo, através dos programas de comunicadores populares do AM como Eli Correa e Barros de Alencar, entre outros, com o FM também a MPB e a música internacional se fortalecem no dial. Além disso, o FM acabou trazendo para o rádio uma nova geração de profissionais, mais conectada com a efervescência cultural e política que caracterizou o período: a abertura que sucedeu os anos de chumbo da ditadura militar”. Certamente, cresceu também a prática do jabá.
 
O rádio na letra
 
Algumas letras do nosso cancioneiro homenageiam o rádio. Seja de forma direta ou através de metáforas. Em 1986, o saudoso Moraes Moreira lançou o disco Mestiço é Isso, que trazia a música Sintonia (Moraes Moreira/Fred Góes/Zeca Barreto) como uma das faixas. A canção traz metáforas relacionadas com a prática de ouvir rádio e é uma das mais conhecidas da carreira de Moraes. Eis uma parte da letra:
 
Escute essa canção que é pra tocar no rádio
No rádio do seu coração
Você me sintoniza
E a gente, então, se liga nessa estação
Aumenta o seu volume que o ciúme não tem remédio
Não tem remédio, não tem remédio, não
Aumenta o seu volume que o ciúme não tem remédio
Não tem remédio, não tem remédio, não
 

Os locutores, profissionais fundamentais do rádio, também já foram citados em letras de música. Em Gamada no Locutor (Augusto Dinno), lançada em 1999, no CD O Charme do Brega, o cantor e compositor Augusto Dinno faz uma crônica musical certeira:
 

Quando começa o programa
Ela corre pro rádio só pra escutar

A voz do seu ídolo amado
E o sente ao seu lado, só em pensar

Esquece de tudo na vida
E pede as amigas pra sintonizar

Diz que ele é o melhor do mundo
Aumenta o volume e começa a sonhar

Ela está gamada no locutor
E vive sonhando com o seu amor
Que faz esse programa tão comentado

Ela vai a rádio querendo ver
Quem é o locutor que vive a fazer
O seu coração ficar disparado

E, para encerrar, um curiosidade: a música Leva (Michael Sullivan/Paulo Massadas) foi feita para a Rádio Bandeirantes, de São Paulo. Em sua participação no podcast Papo com Clê, em julho do ano passado, Sullivan revelou (veja o vídeo a partir de 34:53): “A letra é a rádio fazendo uma declaração de amor para o ouvinte”. Trata-se de um jingle. Tim Maia lançou a canção em 1985. 

Foi bom eu ficar com você o ano inteiroPode crer, foi legal te encontrarFoi amor verdadeiro
É bom acordar com você quando amanhece o diaDá vontade de te agradar, te trazer alegria
 
Tão bom encontrar com você sem ter hora marcadaTe falar de amor bem baixinho quando é madrugadaTão bom é poder despertar em você fantasiasTe envolver, te acender, te ligarTe fazer companhia
 
Leva
O meu som contigoLevaE me faz a tua festaQuero ver você feliz
 
Leva
O meu som contigoLevaE me faz a tua festaQuero ver você feliz
 
É bom quando estou com você numa turma de amigosE depois da canção você fica escutando o que eu digoNo carro, na rua, no barEstou sempre contigoToda vez que você precisar, você tem um amigo
 
Estou pro que der e vier, conte sempre comigoPela estrada buscando emoçõesDespertando os sentidos
Com você, primavera, verãoNo outono ou no invernoNosso caso de amor tem sabor de um sonho eterno
 
Leva
O meu som contigoLevaE me faz a tua festaQuero ver você feliz
 
Leva
O meu som contigoLevaE me faz a tua festaQuero ver você feliz
 

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O rádio e o seu poder de convergência

 Veículo de comunicação atravessou décadas e se adaptou às inovações tecnológicas

Imagem reproduzida do Blog de Assis Ramalho

Por Raulino Júnior

Na década de 50 do século passado, quando a TV chegou ao Brasil, muita gente especulou e acreditou que os dias do rádio estavam contados. Afinal, a TV era “um rádio com imagem”. Seguia a programação que tinha se consolidado naquele veículo e as pessoas ainda podiam ver os profissionais, sem precisar imaginar como eles eram. Tudo era muito mais atraente. Porém, como se pôde constatar ao longo do tempo, a derrocada do rádio não aconteceu. Tanto que, passados 72 anos da presença da TV no Brasil, ele coabita com a caixinha eletrônica e com novas tecnologias. De acordo com pesquisa realizada pela Kantar IBOPE Media, através do estudo Inside Radio 2021, 80% dos brasileiros ouvem rádio. Isso é fruto do poder de convergência do veículo, que soube se adaptar às mudanças ocorridas na sociedade e acompanhar as inovações tecnológicas. Esse é o assunto abordado hoje na série de reportagens Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil, que comemora os onze anos do Desde.
 
O hábito de ouvir rádio em família, com todo mundo reunido, não demorou de ser modificado. Com a popularização do aparelho e já tendo modelos portáteis, a escuta passou de coletiva à individual. Isso se deu pelo fato de o rádio se adaptar facilmente às transformações ocorridas na sociedade e nunca ficar para trás. Na tese No tempo do Rádio: Radiodifusão e Cotidiano no Brasil. 1923 – 1960, defendida em 2002, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Lia Calebre reforça isso ao dizer que “ao mesmo tempo em que o rádio ficava mais popular a indústria aumentava a oferta e a diversidade de modelos dos aparelhos. Os novos rádios deveriam oferecer qualidade de sintonia e, ao mesmo tempo, serem um objeto de decoração da sala de estar, até mesmo por ocupar lugar de destaque na mesma. Os fabricantes de aparelhos receptores esforçam-se em exaltar as qualidades de seus produtos e as facilidades cotidianas que eles proporcionam”, p. 71.
 
Com o advento da internet no Brasil, lá pelos idos de 1995, o rádio viu uma forte ameaça surgir, mas não se fez de rogado e, mais uma vez, adaptou-se. A partir daí, temos o nascimento das webrádios e a presença do rádio na web. Embora pareça redundância, não é. São categorias diferentes. No livro O Rádio na Era da Convergência das Mídias, publicado pela Editora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, em 2012, a autora Rachel Severo Alves Neuberger esclarece: “A rádio tradicional, no caso, pode oferecer seus serviços radiofônicos ao vivo ou por podcast (programação gravada) e muitos outros serviços que utilizem, inclusive, a interação com o seu público, com elementos hipermidiáticos (som, imagem fixa e em movimento, além de texto pela web). É a chamada “rádio na web”, já que está naquele ambiente, assim como nas ondas do ar. Geralmente, as rádios pequenas têm colocado apenas um link em tempo real (por streaming), enquanto as rádios com maior porte buscaram utilizar a web de forma mais completa, a fim de ampliar seus serviços e criar um vínculo mais próximo com seu público, até por ferramentas de redes sociais. Em termos de ‘webrádio’, pode-se dizer que é um novo formato de rádio, uma vez que não existe de forma física, apenas virtual. Nesse caso, a rádio também pode estar somente em streaming ou utilizando-se de todos os recursos disponíveis na web, como componentes gráficos, tabelas, fotografias, textos escritos, imagens de vídeo e outros elementos que complementam a informação”, p. 123.
 
Daí em diante, o rádio passou a fazer parte de todas as tecnologias digitais da informação e da comunicação, mantendo-se sempre moderno. Está na TV, nos tablets, nos aparelhos de telefonia móvel e, obviamente, se digitalizou. “Em termos de recepção, é muito provável que não haja mais aparelhos novos exclusivos para se ouvir rádio, uma vez que, por exemplo, os telefones celulares multimídia, smartphones, tablets, já apresentam a possibilidade de navegação na Internet e acesso ao rádio e à televisão”, afirma Neuberger, na página 139 do seu livro. E acrescenta: “Como se nota, o rádio está sempre buscando novas saídas para as dificuldades que vão surgindo ao longo dos seus quase 90 anos de existência no Brasil. Quando se pensa que não há mais sobrevida para o veículo, ele ressurge das próprias tecnologias que poderiam sufocá-lo enquanto veículo de comunicação”, p. 133. O rádio pode tudo. 
 

Eduardo Vicente: “Espero que o futuro do rádio seja muito diferente do presente do rádio”. Imagem: reprodução do Facebook

Eduardo Vicente, professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV (CTR), da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), espera que o rádio do futuro seja mais colaborativo. “Não sou um grande fã do modelo atual do rádio, principalmente no Brasil, que é esse modelo de emissão privada. As emissoras públicas têm um espaço muito pequeno no Brasil e as comunitárias são muito limitadas. Eu espero que o rádio no futuro tenha mais esse caráter, que mais e mais produções feitas por indivíduos ou pequenas produtoras estejam dentro do universo de consumo sonoro das pessoas. Especialmente, através do podcast, é claro. Eu não acho que a estrutura das emissoras de rádio vai mudar. Espero só que elas tenham muito mais disputa fora do dial, que exista muito mais gente produzindo conteúdo e muito mais disposição de ouvir múltiplos conteúdos, de múltiplas origens do que nós temos hoje. Então, é isso que eu espero no futuro do rádio. Espero que o futuro esteja com a pluralidade de vozes”. Ao pensar o futuro do rádio como empresa, como mídia, no sentido de uma indústria de comunicação, o docente acha que é incerto. “Eu gosto de questionar a ideia que sempre se repete de que o rádio não morreu, de que as pessoas sempre previam o fim do rádio e esse fim nunca acontecia e o rádio tinha essa capacidade de se reinventar e de continuar. Eu concordo plenamente com essa ideia. Desde o Rudolf Arnheim, nos anos 30, se fala nesse final do rádio. E desde então, o rádio, de alguma maneira, está presente, mas em alguns momentos, acho que é importante considerar o que custou pro rádio continuar presente? Quer dizer, o que ele perdeu? No caso brasileiro, por exemplo, o que deixou de estar nesse rádio convencional ou o quanto ele se tornou uma mídia extremamente concentrada na mão de poucos grupos ou dependente dos interesses de gravadoras musicais ou produtores musicais. No caso do jabá, desse rádio que só toca o que é pago pra tocar. Ou dependente de grupos religiosos ou políticos. No caso de muitas emissoras que foram ou arrendadas ou se tornaram a voz chapa branca, institucional, ecoando os discursos e interesses de determinados grupos. Então, o rádio sobreviveu, mas ele sobreviveu com independência? Ele sobreviveu com autonomia de tocar o que quer, de produzir coisas ligadas a todos os gêneros possíveis do rádio, como documentário, como ficcional? A minha resposta é não e a resposta evidente é não. Hoje, o rádio tem um foco muito mais limitado do que já teve no passado. Nesse sentido, espero que o futuro do rádio não seja a continuidade dessa situação. Espero que o futuro do rádio permita uma maior abertura  dessa indústria pra outras vozes, uma maior democratização dessa indústria. Espero que o futuro do rádio seja muito diferente do presente do rádio”, filosofa.
 
COM A PALAVRA, BRUNO ROGÉRIO TAVARES
 

Imagem: reprodução do Facebook

Bruno Rogério Tavares é professor e coordenador do curso de Rádio, TV e Internet da Universidade Cruzeiro do Sul. Também é docente do mesmo curso na Faculdade Cásper Líbero. As duas instituições ficam no estado de São Paulo. É formado em Comunicação Social – Rádio e TV, pela Universidade São Judas Tadeu; mestre em Comunicação Social, pela Universidade Metodista de São Paulo e doutor em Comunicação e Semiótica, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nesta entrevista exclusiva para o Desde, feita pelo LinkedIn, ele diz o que explica o poder de convergência do rádio e opina sobre como será o rádio do futuro e o futuro do rádio. “Passa obrigatoriamente pela consolidação do mercado de podcast e pela implantação do modelo de transmissão de rádio digital no Brasil para emissoras FM”.

Desde que eu me entendo por gente – O que explica o poder de convergência do rádio?

Bruno Rogério Tavares: Apesar de não transmitir imagens no modelo original, o rádio tem o poder de sugerir imagens para os ouvintes, estimulando a criatividade e a imaginação. Essa característica permite ao rádio convergir com diferentes linguagens e plataformas midiáticas, o que amplia o alcance da mensagem, pois o rádio é meio de comunicação de massa que não faz exclusão de ouvintes pela escolaridade. A oralidade, uma das características da linguagem radiofônica, permite uma maior flexibilidade no consumo dos conteúdos, como por exemplo os podcasts, que muitas vezes são gravados com imagens (o que seria correto chamar de videocast), mas que boa parte do público consome apenas no formado de áudio.
 
Desde – Na sua opinião, como será o rádio do futuro? 
 
BRT: O rádio do futuro estará presente nos mais diferentes dispositivos e convergindo cada vez mais com a internet das coisas. O bluetooth provocou uma revolução, ampliando a mobilidade e o acesso ao conteúdo radiofônico das emissoras AM e FM, além de permitir que rádios web ampliassem o alcance da transmissão. Provavelmente, não teremos um aparelho exclusivo para ouvir rádio.
 
Desde – E o futuro do rádio?
 
BRT: O futuro do rádio passa obrigatoriamente pela consolidação do mercado de podcast e pela implantação do modelo de transmissão de rádio digital no Brasil para emissoras FM. Em termos de conteúdo e programação, o rádio ainda será o companheiro do ouvinte, com espaço para comunicadores que saibam dialogar e fazer companhia com o ouvinte, levando informação, entretenimento e prestação de serviços. Em um mundo globalizado e conectado, o conteúdo local terá cada vez mais espaço.
 

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Roquette-Pinto e o rádio educativo

 Intelectual transformou o rádio em instrumento de educação

Roquette-Pinto. Imagem: reprodução do site da Academia Brasileira de Letras

Por Raulino Júnior

Dando continuidade à série de reportagens Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil, que comemora os onze anos do Desde, hoje vamos falar de um personagem importante na história da radiodifusão do Brasil: Edgard Roquette-Pinto (1884-1954). Médico, professor, antropólogo, etnólogo e ensaísta, Roquette-Pinto foi um homem multifacetado e entusiasta da cultura brasileira. Ao acompanhar a primeira grande transmissão de rádio no Brasil, em 7 de setembro de 1922, ele percebeu o potencial educativo do novo veículo de comunicação. Assim, em 20 de abril de 1923, fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que tinha a educação como mote principal. “O projeto de educação popular pelo rádio via Rádio Sociedade do Rio de Janeiro trazia como proposta um leque diário de programas com atividades educativas que se estendiam desde os cursos de literaturas brasileira, francesa e inglesa, às aulas de esperanto, complementadas com as aulas de rádio-telegrafia [sic] e de telefonia. Eram proferidas aulas de silvicultura prática, lições de história natural, física, química, italiano, francês, inglês, português, geografia e até palestras seriadas. Teatro e música”, afirma Jorge Antonio Rangel, no livro Edgard Roquette-Pinto, publicado em 2010 e que integra a Coleção Educadores, do Ministério da Educação.
 
A Rádio Sociedade (atual Rádio MEC) foi uma iniciativa pioneira, principalmente por fomentar a educação popular. A transmissão, com as condições existentes na época, atingia grande parte do Brasil. O intuito era fazer o rádio educativo chegar aonde não existia escola. Diante de dificuldades financeiras por causa da impossibilidade de concorrer com as rádios comerciais, em 7 de setembro de 1936, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro foi doada ao então Ministério da Educação e Saúde, cujo ministro era Gustavo Capanema. Antes disso, Roquette-Pinto continuou sendo uma figura fundamental no processo de expansão do rádio educativo. Tanto que, em 1934, no Rio (Distrito Federal), fundou a Rádio Escola Municipal, que hoje tem o nome de Rádio Roquette-Pinto, em sua homenagem. Todo esse esforço teve eco no movimento escolanovista, capitaneado por Anísio Teixeira.
 
No vídeo abaixo, produzido pela MultiRio (Empresa Municipal de Multimeios da Prefeitura do Rio de Janeiro, vinculada à Secretaria Municipal de Educação), você conhece um pouco mais sobre Roquette-Pinto.
 

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Transmissão radiofônica do início do século 20 que teve maior repercussão no Brasil completa 100 anos

 Em 7 de setembro de 1922, durante a Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil, houve a primeira grande transmissão de rádio no país

Registro do dia da primeira grande transmissão de rádio no Brasil. Na foto, estão o engenheiro José Neves (centro), o telegrafista Manoel Antonio de Souza (direita) e Joaquim Pereira, servente da estação (esquerda). Imagem: reprodução do Portal Brasiliana Fotográfica.

Por Raulino Júnior

“1922 foi um ano agitado e importante na história do Brasil: em fevereiro acontecia a Semana de Arte Moderna de São Paulo, em março era fundado o Partido Comunista Brasileiro e, em setembro, realizava-se a primeira emissão radiofônica oficial no País, com um discurso do então presidente Epitácio Pessoa, durante a exposição comemorativa do Centenário da Independência no Rio de Janeiro”. Foi assim que Sonia Virgínia Moreira, jornalista e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), abriu a introdução do seu livro O Rádio no Brasil, publicado em 1991. Hoje, passados mais de trinta anos da publicação e sendo a data que faz referência ao centenário do rádio no Brasil, o Desde inicia a série de reportagens Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil, em comemoração pelos seus onze anos no ar, completados em janeiro deste ano. Contudo, e é importante ressaltar isso logo no início do texto, 7 de setembro 1922 foi mais uma data importante para o rádio, mas não foi a única. Em 6 de abril de 1919, em Recife, foi fundado o Rádio Clube de Pernambuco, marcando assim o pioneirismo em transmissão de mensagens por ondas eletromagnéticas. Em artigo publicado na Revista Famecos no ano passado, o professor Luiz Artur Ferrareto, que é um expoente quando se trata de pesquisa sobre rádio no Brasil, afirma que “as transmissões de 7 de setembro de 1922 não eram nem oficiais, nem pioneiras, embora, pela instalação de alto-falantes nos pavilhões da exposição e em função da distribuição de receptores a figuras de destaque na sociedade, possa se dizer que tenha sido a mais pública até aquele momento”, p. 3.

Carla Baldutti. Foto: arquivo pessoal.

Carla Baldutti, que é jornalista, radialista, mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCOM/UFJF), pesquisadora de rádio e mídia sonora, acredita que o que fez a data de 1922 se perpetuar foram questões culturais e políticas: “A exposição do centenário da Independência aconteceu na capital do país. O Rio de Janeiro era a capital naquele momento. É importante a gente lembrar disso. O Brasil como a gente se entende começa no Nordeste e lá eles tinham contato com muitos estrangeiros, por causa da Marinha. Isso é uma coisa quase que óbvia, que as coisas chegassem primeiro por lá, mas que fossem muitos mais referendadas no centro político do país. Isso acontece até hoje. Você vê a dificuldade que a gente tem de circular música que não é Rio-São Paulo. É muito difícil fazer um artista chegar nesse eixo”. A pesquisadora completa: “Na minha opinião, a grande questão é que a gente tem, por exemplo, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a ABERT, que é totalmente ligada na questão comercial, e ela também centraliza nas questões políticas, porque a nossa radiodifusão depende da legislação e sempre esteve ligada na figura do presidente. Ali era a capital, o presidente fez o discurso dele, que foi transmitido, e a partir dali é que vai surgir o interesse do Roquette-Pinto de montar a primeira emissora considerada legal, que vai ter a concessão do presidente. Eu acho que na verdade esse é o grande motivo. A partir daí isso passa a ser referendado por essas associações como a ABERT, por exemplo, que é comercial e que vai comemorar essa data. Por quê? Porque eles não estão preocupados com experimentação. Eles estão preocupados com datas comerciais. As empresas que são rádios comerciais, não estão preocupadas, como os pesquisadores, de descobrir a verdade, ou de fazer experimentações”. Carla contribuiu bastante para a nossa apuração nesse aspecto, indicando leituras e trazendo informações relevantes sobre a história do rádio no Brasil.

O Rádio no Brasil

Como é habitual, no início, o rádio no Brasil estava presente nas casas de quem tinha maior poder aquisitivo. A popularização vem a partir de 1929, com São Paulo tendo mais de 60 mil unidades do aparelho. Nos tempos de hoje, ele está em dispositivos móveis e, com base em pesquisa realizada pela Kantar IBOPE Media, através do estudo Inside Radio 2021, faz parte do cotidiano de 80% dos brasileiros. Na primeira fase, as transmissões focavam em conteúdos voltados para educação e cultura, e a escuta coletiva era uma prática comum. De acordo com Sonia Virgínia Moreira, em 1936 a função educativa do rádio se consolidou, com a doação feita por Roquette-Pinto da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro ao então Ministério da Educação e Cultura. Em sua tese No tempo do Rádio: Radiodifusão e Cotidiano no Brasil. 1923 – 1960, defendida em 2002, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Lia Calebre afirma que a “programação das rádios brasileiras nos primeiros anos era composta de músicas clássicas, óperas, entrevistas de estúdio, leitura e comentários das notícias publicadas nos jornais da época e da apresentação de artistas”, p. 55. Se a gente prestar bem a atenção, vai perceber que anos depois a televisão seguiu esse mesmo modelo de programação. O rádio serviu de parâmetro para a telinha, que chegou em território nacional em 1950, através do pioneirismo da Assis Chateaubriand. 90% dos profissionais de TV vieram do rádio. Tal história é contada com detalhes pela saudosa Vida Alves, no livro TV Tupi: uma linda história de amor.

Gente do Rádio

Ildazio Tavares Júnior. Foto: arquivo pessoal.

Ao longo do tempo, o rádio foi se consolidando como veículo de comunicação e atraindo pessoas que, além de ouvir, queriam trabalhar nele. É o caso de Ildazio Tavares Júnior, empresário e radialista de Salvador. Ele começou no rádio em 2001, na Transamérica FM. Passou pela Rádio Metrópole e hoje está na Excelsior. Em breve, partirá para o Grupo A Tarde, onde vai atuar na Rádio A Tarde FM e na criação de podcasts, videocasts e webtv do grupo. Para ele, a longevidade do rádio está no conteúdo: “Enquanto o rádio, e qualquer veículo de comunicação, tiver conteúdo, ele vai pra frente. O rádio tem muito mais conteúdo do que todas essas redes sociais aí, a maioria delas. Muitas vezes, as redes sociais, hoje em dia, são feitas por qualquer um, que faz qualquer coisa, a qualquer hora e a qualquer crivo. Na rádio, você tem que ter um discernimento para colocar sua voz no microfone. O rádio é de fundamental importância para a sociedade, para a cultura. Principalmente, por chegar em locais que, muitas vezes, não chegam outras coisas. A internet não chega em muito lugar ainda. O rádio é fundamental no desenvolvimento da sociedade”. Ildazio acredita que o rádio se adaptou muito bem  à revolução tecnológica: “Está se adaptando mais ainda com as redes sociais. Os aplicativos das rádios estão aí. A rádio no Youtube, a rádio no Instagram. O meu programa de rádio vai para o Instagram todo dia. Ao mesmo tempo, eu posto podcast no site para que as pessoas ouçam. A rádio se adapta muito bem a todas as plataformas, haja vista que a televisão partiu do rádio, o conteúdo vinha do rádio. Acho que o rádio é a base de tudo, vai continuar sendo uma grande escola para quem quer ser um comunicador realmente na acepção da palavra”. Ele elege a música como o aspecto que mais o marcou como ouvinte ao longo do tempo: “Eu comecei a ouvir rádio por conta da música. Eu ligava para todas as rádios para concorrer. Eu ganhava disco direto. Eu tinha mais de cinquenta discos, todos ganhos em sorteios de rádio. Eu acho que o rádio vai existir por muitos e muitos anos ainda e o que mais me marcou sempre foi a música”.

Carla Baldutti, que mora em Juiz de Fora (MG), também tem a música como algo marcante na sua experiência como ouvinte de rádio. “Eu me arrumava para poder ir para a escola ouvindo um programa de música e foi por causa dele que me tornei jornalista musical no rádio, que é o que faço hoje no Microfone Aberto JF [programa que apresenta desde 2018 e que também dá nome a um festival de música e a um podcast]. O que é mais legal no rádio são os hábitos, as rotinas que você cria a partir da mídia. Você criar o hábito de ouvir aquele programa todo dia naquele horário. O rádio é um companheiro do ouvinte. Ele conversa diretamente com as pessoas. Isso é muito forte”. Ela também cita o radiojornalismo como algo que a marcou: “Acho que o que me marca como ouvinte, já que eu não sou mais uma ouvinte comum e sim uma ouvinte crítica, por trabalhar com isso, por ser pesquisadora da área, é a forma como o radiojornalismo contou a história do Brasil, através das reportagens, através das coberturas jornalísticas que ficaram muito famosas”.

A primeira experiência de Carla na radiodifusão foi em 2013, na rádio universitária da UFJF, no início do curso de Jornalismo. Quando já estava prestes a concluir a graduação, começou a estagiar na rádio educativa de Juiz de Fora, a rádio Premium FM. Atualmente, faz parte do grupo de pesquisa Comunicação, Cidade e Memória (COMCIME), vinculado ao CNPq, é afiliada à Rede de Rádios Universitárias do Brasil (RUBRA) e, na Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), integra o grupo de pesquisa Rádio e Mídia Sonora. Além disso tudo, criou, em 2018, a Rádio Cultura JF, uma web rádio que está parada, devido aos estudos no mestrado. Para a ela, a importância do rádio está na comunicação direta, que todo mundo entende: “Começa por aí: permitir que as pessoas que não têm estudo também possam se informar. Essa comunicação simples, direta, é a coisa mais importante e forte do rádio. É o acesso à informação pra quem precisa. Outra questão muito importante do rádio para a nossa cultura é que ele é um grande difusor do esporte, fora a música. Não tem nem como não falar sobre como que a Música Popular Brasileira foi difundida pelo rádio”. Questionada sobre como, para ela, será o rádio dos próximos cem anos, reflete: “Vai ser um rádio que estará sempre se adaptando, através da contação de histórias faladas. A base do rádio não vai mudar. Ele vai se adaptar à tecnologia vigente sempre, porque a nossa cultura é essa, contar as coisas através da oralidade. Isso não muda. Como disse McLuhan, os meios se influenciam sem se destruir. Um meio vai continuar influenciando o outro e novas coisas vão surgir e vão gerar novos comportamentos no processo comunicativo”.

COM A PALAVRA, ANDREZÃO SIMÕES

Foto: arquivo pessoal

Andrezão Simões começou a trabalhar no rádio em 1984, na Rádio Clube de Salvador, quando ainda era estudante de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA). Passou pela 104 FM (do Grupo A Tarde), Rádio Cidade, Salvador FM (na época em que fazia parte do Sistema Globo de Rádio) e Rádio Metrópole, onde capitaneou o programa Roda Baiana, de 2007 a 2020. Nesta entrevista exclusiva para o Desde, ele fala sobre a importância do rádio para a nossa cultura, o que mais o tocou na sua experiência como ouvinte e profissional de radiodifusão nesses 100 anos e das transformações ocorridas no fazer radiofônico ao longo do tempo: “Estamos na era do radiovisual”. 

Desde que eu me entendo por gente – Quando você começou a trabalhar no rádio e por quais emissoras passou?

Desde – Para você, qual a importância do rádio como veículo de comunicação e como produto da nossa cultura?

Desde – No decorrer do tempo, o rádio se adaptou de forma surpreendente à revolução tecnológica. Para você, como será o rádio dos próximos 100 anos?

Desde – Nesses 100 anos do rádio, o que mais te tocou como ouvinte?

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#OFatoEmFoto: o grito contra o racismo mascarado

Fotorreportagem mostra como foi a manifestação, em Salvador, do Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo

Manifestantes gritaram para desmascarar o racismo. Foto: Raulino Júnior

Ontem, a Coalizão Negra por Direitos convocou manifestações em todo o país para denunciar o racismo que insiste em se perpetuar na sociedade brasileira. Os atos tiveram como pauta a luta contra a chacina e o genocídio do povo negro. Intitulado de 13 de Maio de Lutas, o levante gritou “Fora, Bolsonaro!” e exigiu justiça para as vítimas do massacre na Favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Em Salvador, a mobilização aconteceu na Praça da Piedade, que fica na mesma região do prédio da Polícia Civil da Bahia. Uma das reivindicações mais constantes foi a exigência de uma investigação responsável a respeito da execução de Bruno Barros e Yan Barros, respectivamente tio e sobrinho, que foram assassinados porque furtaram carne no Atakadão Atakarejo. De acordo com as investigações, que ainda estão em curso, eles foram entregues, pelos seguranças do mercado, a traficantes do Nordeste de Amaralina. O Desde esteve lá e fez a cobertura fotográfica para a segunda edição de #OFatoEmFoto, projeto que registra ações da sociedade civil feitas nas ruas da cidade. Fique à vontade e se ligue nas legendas.
A Praça da Piedade foi o palco para a mobilização contra a violência racista.

O direito de viver foi reafirmado durante todo o ato.

Manifestante faz gesto característico dos Panteras Negras, evidenciando que “nossos passos vêm de longe”.

A morte de negros, infelizmente, não sai de cartaz…

Vidas negras importam: recado para a polícia, para o governo, para o país. Basta!

Fora, Bolsonaro!: para sempre!

Mobilização organizada.

O povo negro só quer viver…

…com segurança!

Todas as fotos foram feitas por Raulino Júnior.

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É Desde! É Dez! É DEZde!

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Cultura, Jornalismo Cultural, Música, Reportagem, Reportagem Especial, Samba

Homenagem a Riachão reforça grandiosidade do artista

Sambista foi homenageado por amigos e admiradores em seminário no IGHB

Riachão: artista ganhou merecida homenagem no IGHB, em Salvador. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
“O samba é Deus e Deus é o samba. O samba é alegria, é vida, é ternura, é tudo de bom. O samba é Deus, Deus é a música. O samba, para mim, é Deus. Nada melhor do que Deus. Então, a música está, realmente, no coração de toda a humanidade”. Foi assim, ao ser indagado o que era o samba, que o próprio Riachão, 97 anos, abriu o seminário Eu sou o Samba, realizado em sua homenagem, na tarde de ontem, no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), em Salvador. Com seu jeito peculiar, o sambista encantou a todos com a alegria e vivacidade de sempre. Para a homenagem, o IGHB reuniu um time de admiradores de Clementino Rodrigues (nome de batismo de Riachão): Roberto MendesAlessandra CarvalhoJuliana RibeiroÊnio Bernardes e Chocolate da Bahia.

Da esquerda para a direita: Alessandra Carvalho, Juliana Ribeiro, Riachão, Roberto Mendes e Enio Bernardes. Foto: Raulino Júnior

Roberto Mendes falou sobre a origem do samba e sobre o samba chula. No final da apresentação, cunhou: “O samba é Deus de barriga cheia”. Concordando, assim, com as palavras do homenageado. Em seguida, foi a vez de Juliana Ribeiro reverenciar o mestre Riachão (a cantora e todos os convidados se referiram assim a ele, o tempo todo). Ela abriu a exposição com um áudio de Retrato da Bahia, uma das composições mais conhecidas do cantor. Enquanto a música era reproduzida, Riachão se balançava na cadeira onde estava sentado, feliz da vida. No seminário, Juliana falou sobre as histórias dela com o artista e os encontros proporcionados pela vida artística. O primeiro, por exemplo, foi em 2009, num show durante a Festa de Santa Bárbara. A cantora destacou a generosidade e vitalidade de Riachão: “Essa vitalidade ele tem sempre. Está sempre disposto, sempre disponível. Ele também é muito generoso. Não existe um momento de cantar. Ele está sempre cantando. Não para nunca”. Além disso, Juliana pontuou o fato de Riachão colocar a mulher, na própria obra e na vida, num lugar sagrado: “Ele tem noção de equidade de gênero e conseguiu transmutar o machismo, lembrando que é um homem que nasceu no início do século 20. Por decisão própria, não canta mais ‘Vá morar com o diabo‘”, explicou. No final, Juliana colocou Até Amanhã para tocar, Riachão deu canja e aproveitou para cantar também Somente Ela.

Chocolate da Bahia (nome artístico de Raimundo Nonato da Cruz) fez uma verdadeira intervenção durante o seminário. Contou histórias de sua vida, falou da importância que Riachão teve para o início de sua carreira e cantou algumas de suas músicas e jingles. No final, entoou Cada Macaco no seu Galho, para alegria do homenageado. Alessandra Carvalho, filha de Chocolate, trouxe um tom mais acadêmico para o seminário, ao apresentar informações da sua dissertação de Mestrado, defendida em 2006. Na ocasião, falou sobre o contexto histórico do nascimento do samba e desmistificou a ideia de que o samba foi prontamente aceito na sociedade da época: “A história que descobri, pesquisando sobre o samba, é uma história de muita luta, exploração, fome e pobreza”, elucidou. Enio Bernardes contou um pouco de sua relação com o samba e mostrou-se preocupado com a preservação desse patrimônio cultural. Ao falar de Riachão, choveu no molhado: “Você chega na casa dele, a primeira coisa que ele fala, depois que a gente cumprimenta, é: ‘Já comeu? Já bebeu?’. É um cuidado, uma generosidade que não tem tamanho”.

Roda de Bambas

Na homenagem, o que não faltou, obviamente, foi samba. Tanto o homenageado quanto os artistas convidados cantaram músicas do gênero e transformaram a sede do IGHB numa típica roda de samba. E roda de samba que se preze tem que ter muitas histórias. Riachão aproveitou para contar as dele. Contou, por exemplo, como fez a sua 1ª composição, em 1936, aos 25 anos de idade: “Saí da alfaiataria com destino à Ladeira da Misericórdia, para comprar material de trabalho. Vi um pedaço de papel de revista no chão, peguei e estava escrito: ‘Se o Rio não escrever, a Bahia não canta’. Aquilo não saiu da minha cabeça. No dia seguinte, compus a música”, recorda. No vídeo abaixo, você escuta trecho do samba, que não tem nome.

Exclusivamente para o Desde, o sambista falou como foi receber a homenagem promovida pelo IGHB.

O cantor e compositor Roberto Mendes falou sobre a marca que Riachão deixa para o mundo, não só para o samba, e revelou: “Se um dia Deus me permitir voltar, quero ser Riachão”. Veja o vídeo abaixo.

Artista, digamos, da nova guarda do samba, a cantora e compositora Juliana Ribeiro disse que participar da homenagem para Riachão foi fundamental. Segundo ela, artistas como Riachão abriram caminho para ela e para tantos outros: “Se não tivesse Riachão, como é que eu estaria aqui?”. No vídeo abaixo, você confere a declaração de Juliana.

Para finalizar o seminário, uma roda de samba só com músicas de Riachão reuniu bambas de todas as etnias, idades, gêneros e credos, como o homenageado gosta.

Homenagem acabou em samba. Foto: Cleide Nunes

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Acessibilidade, Cultura, Jornalismo Cultural, Reportagem, Reportagem Especial

Um olhar mais do que necessário

Em oficina na sede da ABI, jornalista Ednilson Sacramento deu dicas de como fazer a abordagem, na Comunicação, sobre pessoas com deficiência

Ednilson Sacramento: acessibilidade na mídia. Foto: Gabriel Conceição

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
Na manhã de ontem, profissionais de Comunicação e interessados na temática da acessibilidade se reuniram na sede da Associação Bahiana de Imprensa(ABI), em Salvador, para ouvir as dicas e experiências do jornalista Ednilson Sacramento, durante a oficina Pauta eficiente: como abordar a deficiência na imprensa. Idealizada por Ednilson, a atividade é um desdobramento de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), da graduação em Jornalismo, defendido em 2017, na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA). “Falta formação para abordar a pauta na imprensa”, afirmou Sacramento, que abriu a oficina falando sobre a condição da pessoa com deficiência no Brasil e de sua própria história: “Atualmente, curso Produção Cultural na Facom e faço parte do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COMPED). Eu não nasci com a deficiência, adquiri com o tempo”. Ele teve uma perda gradual da visão, ocasionada por uma retinose pigmentar. Aos 33, 35 anos, não sabe dizer ao certo, houve a perda definitiva. Hoje, aos 57, ele usa a experiência de vida e os conhecimentos adquiridos na academia (além de jornalista, é bacharel em Humanidades, pela UFBA, e licenciado em História, pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC)) para elucidar questões sobre como deve ser o tratamento ideal, na imprensa, para pessoas com deficiência.
“Deficiência não significa ineficiência”

Durante o encontro, Ednilson disse que o que se costuma ver nas coberturas jornalísticas é uma abordagem biomédica da pessoa com deficiência, em vez da abordagem social. Na primeira, segundo ele, apenas a doença prevalece; já na segunda, que é a mais adequada, a pessoa é vista como pessoa. Soa até estranho afirmar isso, mas, por incrível que pareça, é necessário enfatizar. Por isso, a primeira recomendação que passou foi voltada para a linguagem utilizada nas matérias. Ela deve ser condizente com as singularidades da pessoa. Em vez de “preso em cadeira de rodas”, o ideal é usar “pessoa em cadeira de rodas”. A pessoa sempre tem que ser colocada em primeiro lugar. “Deficiência não significa ineficiência”, destaca o jornalista. O uso de “cadeirante” é aceito, mas a palavra não é formal. Não se deve usar termos como “deficiente”, “diferente”, “especial”, “aleijado”, “vítima”, “retardado”, “excepcional” e a expressão “portador de necessidades especiais” para se referir a pessoas com deficiência. O adequado é “pessoas com deficiência” mesmo. Para as pessoas que não têm deficiência, o que deve ser usado é “pessoas sem deficiência”, e não “pessoa normal”.O tom, muitas vezes dramático de algumas reportagens em que há o protagonismo de pessoas com deficiência, principalmente no audiovisual, é outra coisa que não faz sentido. “A ideia não é não pautar, é não fazer uso dessa atmosfera dramática”, pontuou Ednilson. Na ocasião, citou o programa Teleton, do SBT. De acordo com ele, a abordagem da edição de 2018 foi um pouco melhor.A importância do uso da janela com interpretação da Língua Brasileiros de Sinais (LIBRAS), legenda para surdos e ensurdecidos e audiodescrição (narração que descreve em palavras as cenas sem diálogos), nas produções audiovisuais, foi destaque na oficina. De acordo com Ednilson, o princípio da redundância, que consiste no fato de repetir uma informação, mesmo que ela esteja posta de forma escrita, é uma medida que auxilia bastante também. Para conteúdos imagéticos, a descrição é a maneira mais adequada para garantir a acessibilidade. Nesse sentido, é importante informar as cores que aparecem na imagem, usar períodos curtos, evitar uso de adjetivos e anunciar o tipo de imagem (card, fotografia, cartaz, ilustração).

Para entrevistar uma pessoa com deficiência, os profissionais de Comunicação devem seguir as mesmas recomendações de quando a entrevista é com uma pessoa sem deficiência. Só precisam se preocupar em perguntar se a fonte vai precisar de alguma acomodação específica ou de um intérprete. Caso o local da entrevista seja desconhecido, é fundamental saber se há estrutura física com acessibilidade.

Destaque para as redes públicas

Quem acompanhou a oficina, achou a atividade bastante significativa. Para I’sis Almeida, 23 anos, bacharela em Artes pela UFBA e estudante de Jornalismo da mesma instituição, a formação preenche uma lacuna constante na academia e na sociedade. “Essa formação é essencial. A gente tem a infelicidade de não ter na nossa graduação, na grade curricular. Não somente o caso das pessoas com deficiência, a gente não tem uma formação em como saber abordar os casos de racismo na mídia, a gente não sabe como lidar com as questões de gênero, com as questões de classe, com as questões LGBTs e uma série de outras questões que dizem respeito, para mim, sobretudo, aos direitos humanos e à dignidade humana. Para mim, a importância é para além da área da Comunicação, mas principalmente para a Comunicação, porque eu acho que a Comunicação é, praticamente, a mãe de tudo. Você não educa uma criança, sem comunicar. Então, eu acho que o jornalista, hoje, precisa ser o profissional que está formado, adaptado pra lidar com os mais diversos níveis de público”. Questionada sobre como pretende usar os conhecimentos adquiridos na oficina, a estudante não titubeia: “Eu tenho um portal que é direcionado para adolescentes e adultas negras e isso já me orientou, me escureceu [por ideologia, ela não costuma usar “esclareceu”] mais como dentro do nosso portal a gente vai poder aplicar estratégias para que o nosso conteúdo seja inclusivo. Mais especificamente, na graduação, acho que a única forma que a gente tem é cobrando à diretoria, à coordenação que isso seja incluído na grade curricular”. O portal a que I’sis se refere é o Black Fem, do qual é uma das coordenadoras.

I’sis Almeida: “A importância é para além da área da Comunicação”. Foto: Raulino Júnior

A jornalista e assessora de imprensa da ABI, Joseanne Guedes, 30 anos, destacou a importância de a entidade abrigar o evento e trazer a temática para a mesa de discussão: “A ABI é uma entidade que reúne os profissionais ligados à atividade da imprensa, à atividade da comunicação e é importante a gente sempre estar ‘linkado’ com essas pautas, uma pauta de relevância extrema, trazida por Ednilson. Nós temos uma deficiência muito grande na nossa formação. Eu acho que a sociedade, de um modo geral, não está acostumada a lidar com essas temáticas. Então, a ABI, nesse sentido, firmou essa parceria com Ednilson como uma forma de trazer essa capacitação para os profissionais. A gente precisa estar sempre atento sobre como utilizar as nomenclaturas corretas e também a dar um tratamento digno e conveniente para essas pessoas com deficiência”.

Na opinião de Ednilson, as redes públicas de comunicação têm feito um trabalho que se aproxima do ideal, quando se trata da cobertura abordando pessoas com deficiência: “Hoje, no Brasil, a gente tem uma cobertura um pouco mais condizente com as novas tendências dos direitos humanos, do respeito à diversidade, nas redes públicas de comunicação. A gente ainda tem uma dificuldade com os veículos privados, que parece que ainda não atentaram para uma cobertura que dê a representação devida a alguns segmentos. Aí vale para pessoas com deficiência, indígenas, quilombolas e outras tantas. O terreno das redes públicas de comunicação tem sido muito mais fértil. A gente tem uma série de veículos que buscam enquadrar um pouco o seu noticiário para essas minorias, mas as redes públicas, sem sombra de dúvidas, têm avançado nesse sentido”, reconhece.

Para Ednilson, levar a oficina para a ABI foi uma forma de dar uma contrapartida para os colegas de profissão e para a sociedade: “Eu acho que esse pequeno contributo que eu tenho trazido é um retorno que eu estou dando, não só para a comunidade como um todo, mas para os profissionais que geram opiniões, que mudam decisões. É uma proposta que atinge não só a sociedade em particular, mas a classe de Comunicação”. Ele pretende lançar um guia para jornalistas, tratando da temática. Enquanto não consegue parceria para editar a obra, multiplicará os conhecimentos através das oficinas.

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#OFatoEmFoto: educação brasileira em situação de rua

Fotorreportagem mostra como foi o protesto, em Salvador, contra o bloqueio de recursos para universidades e institutos federais e contra a reforma da Previdência

A balbúrdia do conhecimento tomou as ruas de Salvador. Foto: Raulino Júnior

Hoje, milhares de pessoas, em todo o Brasil, foram para as ruas protestar contra o bloqueio de recursos para universidades e institutos federais e contra a reforma da Previdência. Em Salvador, a mobilização começou no Largo do Campo Grande e teve o ponto máximo na Avenida Sete, onde palavras de ordem, manifestações artísticas e gritos de protesto foram intensificados. O Desde esteve lá e fez uma cobertura fotográfica do ato, para a estreia de #OFatoEmFoto, projeto que vai registrar ações da sociedade civil feitas nas ruas da cidade. Fique à vontade e se ligue nas legendas.

Nas proximidades das Mercês, estudantes da UFBA se organizavam para apresentar manifesto pensado para o protesto.
Foto da foto: o tempo todo, manifestantes e profissionais de comunicação registravam o evento. O professor  da UFBA, José Roberto Severino, foi um deles.
Muitos cartazes e faixas traziam ataques diretos ao presidente da República, Jair Bolsonaro, e ao governador da Bahia, Rui Costa.
A rejeição à reforma da Previdência, da forma que está sendo planejada, foi um dos motivos da mobilização nacional.
O muro simbólico da UFBA.
Estudantes da UNEB fizeram protesto artístico no meio do cortejo.
Professores da UNEB protestaram contra a intransigência do governador Rui Costa, que cortou os salários dos docentes. As universidades estaduais estão em greve desde 9 de abril.
Neste momento, o manifestante comemorava a presença maciça do público.
A comunidade da Escola Comunitária Luiza Mahin deu o recado: “Lugar de criança é na escola!”.
A balbúrdia das universidades foi para as ruas.
Estudantes da UFBA defendem a instituição: “Sem pesquisa… Cadê?”; e mostram mensagem filosófica: “Re-existir é apagar e acender, resistir é estar sempre na luz”.
Muita gente compareceu!
Será que Rui vai comentar essa alcunha que já pegou?
“Pelo acesso e permanência, nenhum passo atrás”, foi o recado da Frente em Defesa das Cotas.
“Educação é investimento”. Pois é!
Estudantes de matemática da UFBA explicam a lógica da equação “conhecimento + corte = não!”.
“O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada”, Drummond
“O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”, Drummond.
Estudantes do IFBA (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia) na luta pela educação.
A melhor representação da balbúrdia.
É possível?! É!
Na Rua da Forca, eu luto pela educação. “Kibon”: narrativa de resistência.
O futuro não espera.
Muita gente compareceu e foi até o final. Na foto, manifestantes passam nas proximidades do Relógio de São Pedro.

Todas as fotos foram feitas por Raulino Júnior.

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Colégio de Berimbau publica livros sobre memórias da cidade

Obras foram originadas de projetos pedagógicos desenvolvidos na comunidade escolar

Livros produzidos pela comunidade escolar do Colégio Estadual Domingos Barros de Azevedo, de Conceição do Jacuípe (Berimbau): resgate histórico, valorização da cultura e manutenção da memória. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
Era uma vez um colégio, localizado no interior da Bahia, que realizou um projeto pedagógico cujo objetivo era fazer com que professores e estudantes conhecessem um pouco mais sobre a cidade em que ele estava situado. Esse projeto, além de trazer muito conhecimento para todos da comunidade escolar, rendeu um fruto que vai ficar marcado na história cultural do município: a publicação de dois livros. Alguém duvida de que o final foi feliz?! Esse conto não é de fadas, é de professoras. A instituição de ensino citada no texto existe, é o Colégio Estadual Domingos Barros de Azevedo (CEDBA). A cidade também: Conceição do Jacuípe (Berimbau). Ainda bem que essa história é real e tomara que ninguém se canse de contá-la.

Em 2017, incentivados pelo projeto “Berimbau, meu pedacinho de Brasil”, os estudantes do 6º ano do CEDBA fizeram entrevistas com moradores de Conceição do Jacuípe a fim de saber a origem dos nomes curiosos e esquisitos das ruas da cidade. A atividade de sala de aula extrapolou todos os muros possíveis e resultou na produção do livro Tem Nome Esquisito Minha Rua: descobrindo a história que há por trás dos nomes “esquisitos” das ruas de Conceição do Jacuípe, organizado pela professora Elizabeth de Jesus Silva. Através da publicação, os moradores e interessados ficaram sabendo por que, por exemplo, a “Rua Mela Rego” tem esse nome. E o que falar de Rua do Cacete, do Garrancho, do Fogo e a Toca do Sapo?! Tudo está explicado no livro. Assim como a origem do apelido “Berimbau”: “Tudo começou por causa de uma feira livre que surgiu na cidade, em 1914. Essa feira era frequentada por trovadores, violeiros, pandeiristas e tocadores de berimbau. Um certo dia, fizeram uma trova que se encerrava com o nome ‘Feira de Berimbau’, surgindo, assim, o segundo nome do município de Conceição do Jacuípe”.

Trecho do livro “Tem Nome Esquisito Minha Rua”: explicação dos apelidos das ruas de Conceição do Jacuípe. Foto: Raulino Júnior

A comunidade escolar gostou tanto da experiência que a repetiu em 2018. Do projeto “Como nosso Berimbau começou a tocar”, nasceu o livro Como esse Berimbau começou a tocar: um passeio pela história de Conceição do Jacuípe. O mote se manteve o mesmo, ou seja, possibilitar que as pessoas conhecessem mais sobre a origem e cultura da cidade. O que mudou é que, com o aprendizado do passado, as autoras da obra – Arali Ferreira de Aquino Oliveira, Elizabeth de Jesus Silva, Maria Paula Batista de Souza e Núbia Leticia Santos de Souza – ousaram ainda mais. O livro ficou com 54 páginas (mais que o dobro do primeiro, que tem 24) e um personagem foi criado para tornar a leitura ainda mais lúdica. Em Como esse Berimbau começou a tocar, João Vitor, o Berimba, tem que fazer uma pesquisa de História sobre o município onde ele mora. Para cumprir com a atividade, ele recorre a Dona Ana, sua avó, e a Seu Antonio, que conhecem Berimbau como ninguém. Ao conversar com eles, Berimba vai organizando o seu trabalho. Nessa viagem, ele aprende sobre aspectos históricos e culturais da cidade. O livro traz ainda a seção “Você Sabia?”, que tem a função de explicar mais a fundo alguns dados presentes na narrativa. No final, uma ótima sacada metalinguística: as autoras sugerem que a pesquisa de Berimba se transforme num livro sobre a cidade. Foi o que aconteceu. Veja o convite de Berimba no vídeo abaixo:

Comunidade escolar e moradores da cidade

Núbia Letícia de Souza, uma das responsáveis pelas produções das obras literárias, além de ter sido estudante do CEDBA, trabalha no colégio desde 2007. É professora de Língua Portuguesa, mas, atualmente, está na vice-direção da unidade de ensino. Em entrevista via WhatsApp, ela falou sobre o sentimento da própria comunidade escolar em relação aos livros publicados: “Enquanto alguns envolvem-se e procuram informações o tempo todo, querendo ajudar a fortalecer o projeto, outros mantêm-se mais desconfiados da utilidade, principalmente porque não é algo comum às escolas públicas a produção de material bibliográfico. Mas, para o grupo de trabalho, o desafio é justamente este: sair da mesmice e produzir conhecimento de um jeito realmente eficaz e útil, não apenas para adquirir uma nota numa avaliação, mas para viver com mais consciência de nós mesmos e de tudo que nos cerca. Conhecer a nossa cidade proporciona isso”.

Para a professora Maria Paula Batista, que está no CEDBA desde a fundação, em 1991, e ensina Matemática para as turmas do 7º e do 9º anos, houve um envolvimento maior da comunidade escolar no segundo livro. Em resposta também enviada pelo WhatsApp, ela afirmou: “Embora tenhamos uma parcela de pais e alunos que ainda não perceberam a importância deste projeto, muitos têm reconhecido e demonstrado interesse. Sabemos que é um trabalho de formiguinha. No desenvolvimento dos trabalhos para o segundo livro, o envolvimento da comunidade escolar foi bem maior que o primeiro. Quase cem por cento”. Maria, que também faz parte da equipe responsável pelas publicações, diz ainda que os moradores da cidade receberam bem a edição dos livros. “Os moradores têm valorizado o nosso trabalho. Isso nos alegra e nos dá incentivo para continuarmos pesquisando e escrevendo sobre a nossa cidade. Percebemos que eles têm sede de conhecimento sobre a terra natal”. Núbia endossa isso: “Diante da confiança que a sociedade conjacuipense já consolidou ao Colégio Estadual Domingos Barros de Azevedo, boa parte dos moradores recebeu muito bem os dois livros publicados. Muitos se surpreendem com a qualidade do material e com o fato de uma escola pública conseguir fazer esse tipo de coisa. Muitos nos sugerem outros temas para fazer novos livros ou reclamam porque não falamos ainda de assuntos que acham importantes. Mas onde temos a chance de explicar a natureza e o propósito dos nossos livros, sempre colhemos elogios, palavras de apoio e o interesse pela aquisição dos materiais. Além da satisfação pessoal e do amadurecimento profissional, o reconhecimento dos munícipes que leem os nossos livros é muito importante para a continuidade do trabalho da escola”, reconhece. As duas produções estão à venda na própria escola e custam R$ 10 (Tem Nome Esquisito Minha Rua) e R$ 25 (Como esse Berimbau começou a tocar).

literatura infantil foi adotada nos dois livros porque “as novas gerações serão multiplicadoras das histórias contadas pelos mais velhos”, como diz um dos textos presentes no preâmbulo de Como esse Berimbau começou a tocar. Falando de nova geração, os estudantes contribuíram bastante com a produção de cada volume. Além de auxiliar no trabalho de pesquisa, alguns deles ilustraram os dois exemplares. As obras valorizam a história oral, algo muito forte na nossa cultura, principalmente pela herança africana; e trabalham com a memória, elemento importante para manter os nossos costumes e tradições sempre vivos. O desafio que fica para a comunidade escolar do CEDBA agora é o seguinte: escrever uma biografia sobre Domingos Barros de Azevedo. Um livro falando sobre quem foi ele, por que o colégio foi batizado com esse nome e qual a relação de Domingos com a cidade. Vamos lá?!

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Esta reportagem foi produzida no período de 30 de dezembro de 2018 a 12 de janeiro de 2019.
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O oba-oba da Casa do Carnaval

Equipamento cultural feito às pressas deixa a desejar em alguns aspectos
 

Fachada do prédio que abriga a Casa do Carnaval da Bahia, na Praça Ramos de Queiroz, Centro Histórico de Salvador. Foto: Raulino Júnior

O Carnaval de Salvador agora tem um espaço que abriga um pouco da sua história e criatividade: a Casa do Carnaval da Bahia. Localizado na Praça Ramos de Queiroz, no Pelourinho, ao lado do Plano Inclinado Gonçalves, o museu foi inaugurado no dia 5 de fevereiro de 2018 e segue com visitação gratuita até o final do mês. Para isso, os interessados devem ligar para (71) 3324-6760 e agendar. O funcionamento é de terça a domingo, das 11h às 19h. Após o prazo de visitas gratuitas, quem quiser conhecer o lugar vai pagar R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia).

Foto: Raulino Júnior

Com curadoria geral de Gringo Cardia (contando com o auxílio de Paulo Miguez e Jonga Cunha), a Casa do Carnaval da Bahia surge pretensiosa, mas deixa a desejar em alguns aspectos. A começar pelo nome, que sugere abarcar a festa que acontece em toda a Bahia (Casa do Carnaval da Bahia), mas, no fundo, o conteúdo se restringe ao Carnaval de Salvador. Outra coisa que é muito fácil de constatar é a falta de uma maior atenção para os criadores do trio elétrico e da guitarra baiana, Dodô e Osmar. A referência presente no museu é muito pequena, diante da importância dos precursores. Os compositores, que são artistas fundamentais em todo o processo da festa, ficam à míngua. Por que o curador não foi alguém da Bahia, conhecedor dos nossos costumes e tradições? Nada contra Gringo, tudo a favor de uma história contada com o nosso olhar. Vale ressaltar que o equipamento cultural foi concebido em três meses. Então, pouco tempo para muita pesquisa que tinha de ser feita, não é?
Os vídeos exibidos na Casa são muito longos, o que torna a visita mais cansativa do que ir atrás do trio. Um parêntese: qual foi o critério de escolha dos narradores dos vídeos que são exibidos na exposição? Porque tem cada incoerência! Daniela Mercury narra o vídeo intitulado “O Carnaval afro” e Regina Casé narra dois: “Chamando gente” e “Cantores do Carnaval da Bahia” (em parceria com Margareth Menezes). Por que Regina Casé? Uma pesquisa no Google responde! Ela é amicíssima de Gringo! A interatividade proposta pelo curador é bem-vinda e está conectada com as demandas de hoje, mas será que, para quebrar a monotonia de um vídeo atrás do outro, não teria condições de contar com a participação de monitores bem informados para falar sobre a festa? Competência, certamente, não falta. Por que essa alternativa não foi pensada? Num museu que tem como temática o Carnaval, o que mais se espera é dinamismo, não é? Até a tentativa pensada para isso (a Sala Cinema Interativo – Vídeos de Dança), soa insossa e, o que se percebe, é que apostaram numa interação pela interação; vazia e sem um propósito substancial. Na sala, os visitantes são convidados “a viver a experiência” de estar no Carnaval de Salvador. Para isso, usam voluntariamente adereços carnavalescos e acompanham as “aulas de dança” que são apresentadas numa projeção. A ideia é aprender os passos e dançar junto (?). Perderam a chance de mostrar, por exemplo, as danças que surgiram naturalmente nas ruas, por causa do Carnaval, como a da galinha e muitas outras. Essa coisa ensaiadinha das danças foi uma invenção da indústria cultural e, mesmo sendo bem-sucedida, descaracterizou a naturalidade da nossa festa. Em entrevistas, Luiz Caldas sempre fala que a dança do fricote surgiu de uma cópia dos passos que um folião estava fazendo na rua, atrás do trio. É por aí.
Importância cultural

Teto e parede com arte de J. Cunha; homens de lata de Aloisio de Madre de Deus também integram o cenário. Foto: Raulino Júnior

Apesar de apostar num conceito que privilegia a superfície e não a base dessa potente manifestação popular, a importância cultural do museu é incontestável. Quem o visita, se depara com um universo carnavalesco muito rico e peculiar. Tudo foi pensado com capricho. Na entrada, tetos e paredes são cobertos por obras do artista plástico J. Cunha. Além disso, há uma instalação de homens de lata de Aloisio de Madre de Deus, do Bloco da Latinha. Ainda na primeira parte, uma máscara gigante da careta de Maragojipe, assinada por Memeu Barbudo, chama a atenção. Há também uma biblioteca, com livros que refletem sobre o Carnaval e seus personagens.

Máscara gigante da careta de Maragojipe, do artista Memeu Barbudo. Foto: Raulino Júnior

Biblioteca focada no Carnaval: estímulo à leitura. Foto: Raulino Júnior

A exposição é formada por três salas: a primeira, denominada Origens do Carnaval; a segunda, Criatividade e Ritmos do Carnaval e a terceira, já citada aqui, Sala Cinema Interativo. O visitante começa a imersão na Sala Origens do Carnaval. Lá, assiste a vídeos narrados por expoentes da festa, como Gerônimo (Origens do Carnaval da Bahia), Márcia Short (Carnaval das elites nos salões e nas ruas), Mariene de Castro (Celebrando o samba), Márcio Victor (A Praça Castro Alves) e Alberto Pitta (Afoxés do século XIX). Miniaturas de personagens do Carnaval (ambulantes, artistas, foliões), feitas pela artesã Cibele Sales, estão por toda a parte da sala.

Sala Origens do Carnaval. Foto: Raulino Júnior

Sala Origens do Carnaval. Foto: Raulino Júnior

Na Sala Criatividade e Ritmos do Carnaval, os vídeos são narrados por Carla Visi (O visual do Carnaval), Daniela Mercury (O Carnaval afro), Regina Casé (Chamando gente), Luiz Caldas (A mistura de ritmos no Carnaval da Bahia), Margareth Menezes (O tambor e a guitarra do Carnaval da Bahia), Claudia Leitte (Blocos de trio), Ivete Sangalo (O samba e o pagode no Carnaval da Bahia), entre outros.

Um dos figurinos de Carlinhos Brown. Foto: Raulino Júnior

Fantasias dos blocos de matriz africana. Foto: Raulino Júnior

O vídeo narrado por Caetano VelosoCantoras do Carnaval de Salvador, é reproduzido sem que o áudio do artista saia. Segundo um monitor do museu, o santoamarense não autorizou o uso de nenhum de seus áudios, incluindo os de entrevistas antigas sobre o Carnaval e os de músicas. Alguma pendenga judicial. Na sala em questão, o visitante vê alguns figurinos doados pelos artistas que fazem e fizeram o Carnaval acontecer, as fantasias dos blocos de matriz africana e uma instalação no teto, feita com tambores, um dos símbolos da festa. Visualmente, a exposição mata a pau.

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