Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Leitura, Memórias, Resenha, Toca o Desde

João Marcello Bôscoli arrebata leitor em livro de memórias sobre convívio com a sua Mãe

Relato do filho mais velho de Elis Regina destaca a pessoa por trás da artista

Imagem: reprodução do site da editora Planeta

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Em 1994, a editora Nova Fronteira lançou o livro Eles e Eu: Memórias de Ronaldo Bôscoli. Na obra, o compositor, produtor musical e jornalista, em depoimento a Luiz Carlos Maciel e Ângela Chaves, fala sobre os bastidores e a sua convivência com artistas da Música Popular Brasileira. Ainda não li esse livro, mas imagino o quão interessante deve ser. 25 anos depois, em 2019, o filho de Bôscoli, João Marcello, publicou o seu Elis e Eu: 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe, pela editora Planeta. Esse eu li, é objeto desta resenha e não me contive em fazer a associação das duas obras. Certamente, sagaz e criativo como é, João Marcello quis fazer essa referência ao livro do pai. Certeiro. A obra do filho é excelente e, de cara, traz um subtítulo que intriga. Explico: João nasceu em 17 de junho de 1970. Então, no fatídico 19 de janeiro de 1982, dia da morte de Elis, o produtor tinha 11 anos, 7 meses e 2 dias de convivência com a mãe. Ou seja: o subtítulo do livro não é tão exato, não corresponde aos fatos. Estratégia editorial para ficar mais impactante?! Vai saber… O fato é que Elis e Eu nos arrebata desde a primeira linha.

João divide as suas memórias com os leitores e a nossa vontade é sempre de querer saber mais e mais. Isso acontece porque o autor não está falando de Elis “figura pública”. Ele fala da Mãe dele (assim mesmo, com inicial maiúscula, como ele registra no livro!), da pessoa por trás da artista. “Elis Regina é a parte pública da minha Mãe, uma de suas faces”, afirma na página 15. No relato, mostra a Elis preocupada com o repertório e com a excelência dos shows, a Elis que fazia questão de levar os filhos na escola e cuidar da casa, a Elis solidária e a Elis que se metia em briga de marido e mulher, sim! João não se poupa. Fala de suas muitas travessuras feitas quando criança e dos castigos impostos por Elis, quase sempre humilhantes, para ele aprender sobre a vida.

As lembranças de João fazem rir e fazem chorar. É impossível não se colocar no lugar dele durante a narrativa. Principalmente, quando fala sobre o dia da morte da artista e sobre os dias seguintes. Bôscoli conta que no mesmo dia 19 de janeiro de 1982, um jornalista ligou para a casa dele e perguntou se Elis tinha morrido, “…indiferente ao fato de estar falando com um garoto”, p. 23. Ele negou e desligou. “O mundo, alheio às tragédias e tristezas, seguia sua rotação”, critica na p. 24. Ele também faz crítica aos aproveitadores, pessoas que o bajulavam porque ele era filho de quem era. Depois da morte, todo mundo sumiu. A avó materna ganha o adjetivo de “tóxica” por ele. João escancara tudo.

É fascinante quando narra os dias vividos na casa da serra da Cantareira, ambiente de alegria e de muita simplicidade. João testemunhou muitos ensaios da mãe, a relação dela com os músicos, as gravações de algumas músicas, a sua fúria. Ele foi para algumas viagens com ela e teve acesso às tecnologias de última hora daquele tempo, como o videocassete e o walkman. Nem tudo são flores. Os anos de chumbo estavam a todo vapor e o menino vivenciou tudo com a mãe. Inclusive, foi com ela visitar Rita Lee na cadeia. E é Rita quem assina o prefácio da obra. Um luxo. Num país em que não se preserva a memória, é importante repercutir a escrita de João.

Referência:

BÔSCOLI, João Marcello. Elis e eu: 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019. Disponível em: <https://visionvox.net/biblioteca/j/Jo%C3%A3o_Marcello_B%C3%B4scoli_Elis_E_Eu.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2022.

Padrão