Artigo de Opinião, Opinião, Preconceito, Racismo

“Só eu sei/As esquinas por que passei/Só eu sei…”

Imagem: divulgação

Por Raulino Júnior

Obrigado, Antonio Olavo. Muito obrigado por Travessias Negras. Obrigado demais! Hoje, amanhã, sempre e para sempre! Só sendo negro para constatar a importância dessa série documental. Não adianta dizer que tem amigo negro e, por isso, tem consciência do racismo que está presente na nossa sociedade. Não adianta! É no coração de quem tem a pele negra que o documentário bate mais forte. A série, que estreou hoje, na TV Educativa da Bahia, “busca retratar a vivência de jovens negros e negras, morador de periferia [sic], que ingressaram na universidade através das políticas afirmativas; ou seja, através das cotas, em cursos considerados e tidos como nobres: medicina, comunicação, direito e letras…”, nas palavras do próprio Olavo, diretor do audiovisual.

Quem é negro e sofre o racismo diário, se identifica com os depoimentos dos personagens. As falas poderiam ser de qualquer um de nós. O histórico dos depoentes, as angústias, o sofrimento. Tudo isso é nosso também. Faz parte da gente. Lembro bem de uma professora medíocre da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA) que, diante de minha negativa em contribuir para a compra de um cabo para a câmera, esbravejou: “Você gasta dez reais com droga, com baseado, e não quer ajudar a comprar o cabo?”. Antes de qualquer atitude, a gente paralisa. Depois, pensa como agir. Falei para ela que não fazia uso daquelas porcarias que ela citou e que achava um absurdo uma professora concluir aquilo sobre mim. Ela tentou reconsiderar, disse que não estava falando só de mim e apenas reafirmou o preconceito. Claro: um estudante negro, rasta, fruto das políticas afirmativas, numa faculdade de comunicação, só podia ser usuário de droga, não é? Fala sério! Não tomei uma atitude mais séria, como abrir processo por calúnia e difamação, além de injúria racial, porque um familiar da professora estava doente. Doença séria. Fiz uso da empatia.

Numa outra ocasião, com outra professora da referida faculdade, propus uma pauta sobre a trajetória do pagode baiano e quase fui trucidado pelos discursos carregados de preconceitos, discriminações e racismo. Tanto da docente quanto dos coleguinhas que hoje vomitam consciência social nas redes sociais digitais. Ai, ai.

O racismo quer que a gente não seja. O grande barato é que ele só quer, não significa que vai conseguir. Se depender de mim, não vai. É muito difícil mesmo, para uma sociedade racista, aceitar um negro com a autoestima no céu, que sabe que é bonito, inteligente e capaz de chegar aonde quiser. Esse negro sou eu! Como escreveu o poeta: “… só fito os Andes…”. Obrigado, Travessias!

Padrão
#6AnosDoDesde, Crônica, Cultura, Desde Já, Jornalismo Cultural

Meus dois minutos e meio de fama!

Em comum: a nacionalidade. Fotos: Djavan (Jairo Goldflus); Seu Jorge (autoria desconhecida)

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Foi numa sexta-feira. Início de junho. Mais precisamente, no dia 2. Em plena rodoviária de Salvador. Sentei numa das cadeiras daquelas lanchonetes que também povoam o lugar. Coincidentemente, estava tocando a música Mina do Condomínio, de Seu Jorge. Avistei um grupo que estava imediatamente na minha frente e percebi o olhar curioso dele sobre mim. Num determinado instante, ouvi alguém dizer: “Seu Jorge! Seu Jorge!”. Fiquei, como sempre, orgulhoso com tal associação. Aí, para reforçar ainda mais a suposta semelhança com o artista, comecei a cantar a música. Quis também evidenciar que conhecia o repertório de Seu Jorge. Entretanto, lembrei que tinha esquecido o livro que levei para ler na viagem no guichê de compra da passagem. Corri para buscar, tendo que abrir mão dos meus dois minutos de fama. Dois mesmo!

Quando retornei, a música ainda estava tocando e eu fiz as vezes de cantor; empunhando, como de praxe no meu cotidiano, um microfone imaginário. Em seguida, já perto de embarcar, senti vontade de ir ao banheiro. Perto do local, encontrei um grupo de garotas. Elas bebiam e comemoravam a vida num café. Assim que me avistaram, falaram: “Djavan! Djavan”. Ao passar bem perto de todas, uma delas me disse: “Canta pra gente!”. Vontade não me faltou, mas, respeitando o ídolo, soltei risonho: “Quem me dera! Eu queria ter a voz dele!”, e segui o meu caminho. O encontro com essas meninas deve ter durado uns 30 segundos. Mais um tempinho de fama para a conta!

Isso [de ser associado a Djavan e a Seu Jorge] sempre acontece comigo. E eu adoro! Certa vez, também numa viagem de ônibus, recebi a alcunha de Seu Jorge por uma ex-famosa cantora de Axé. Não quero revelar o nome dela porque, como todos sabem, hoje em dia, tudo gera processo; mas garanto que a história é verdadeira. Tinha identificado a moça antes de ela entrar no ônibus. Resolvi sentar logo na minha poltrona, para surpreendê-la quando entrasse. Pensei assim: “Não sei se todo mundo lembra dessa cantora. Quando ela entrar, vou fazer algazarra”. Eu queria homenageá-la de alguma forma. Principalmente, por sempre ver que ela aparecia nos programas de TV lamentando da atual situação de vida, da falta de reconhecimento e outras coisas. Fiz mais por pena do que qualquer outra coisa. Pensado e feito. Assim que entrou no carro, eu comecei a gritar o nome dela e a bater palmas. Ao mesmo tempo, convocava o restante da galera. Mas a recepção não foi legal. A cantora passou pelo corredor ensimesmada e de cara fechada. Além disso, nenhum passageiro me acompanhou na algazarra. Fiquei sem graça e na minha. O que eu podia fazer depois daquele papelão?

A cantora sentou numa poltrona bem próxima da que eu estava. Só o corredor nos separava. Durante a viagem, “puxou conversa” comigo. Perguntou o que eu fazia, de onde eu era, para onde estava indo. Num determinado momento, disse que eu parecia Seu Jorge e começou a me chamar assim até eu chegar ao meu destino. Eu bem que podia pedir para ela me chamar pelo meu nome, uma vez que fiquei um pouco desapontado com a atitude dela, mas preferi ser educado ao extremo. A artista me falou sobre um projeto social que mantém no Pelourinho e pediu meus contatos. Até hoje espero a ligação dela. Quem sabe não chego aos famosos quinze minutos de fama? Também dizem que eu pareço Toni Garrido, do Cidade Negra; e Dodô, do Pixote

Sigamos.

Padrão