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Felipe Ferreira é cultura

Felipe Ferreira, na Livraria Cultura do Salvador Shopping. Crédito: Raulino Júnior

Uma ostra triste. É assim que ele se autodefine. Mas, em apenas 5 minutos de conversa, fica evidente o quanto Felipe Ferreira é bem-humorado e capaz de ser irônico com as coisas que acontecem na sua própria vida. Ele ri de si mesmo. Aos 23 anos, o escritor demonstra sede de conhecimento e carrega muita determinação para alcançar o objetivo de viver do que gosta, que é continuar sendo um artista que usa as palavras escritas para se expressar e implementar seus projetos de audiovisual. Alguns passos bem importantes já foram dados: Felipe é colunista do Cinem(ação), canal de entretenimento de cinema, em que faz análises e críticas de filmes; e da revista multimídia Ambrosia, na qual escreve sobre televisão, música e literatura. Além disso, é diretor, roteirista e produtor na Avante Produções Audiovisuais, empresa que criou a fim de tirar o roteiro de Eles, seu primeiro curta-metragem, do papel. Felipe administra a fan page Griphos Meus por Felipe Ferreira, no Facebook, página onde reúne os links e divulga os textos que são publicados nos sites citados anteriormente. Em seus planos, ainda há espaço para, em breve, publicar um livro. “Até o final do ano ou no início do ano que vem. O livro vai misturar um pouco das minhas experiências com o curta que estou, arduamente, tentando filmar pela Avante. Vai ter um pouco de tudo”, garante. Mas, afinal, qual o motivo de tristeza da ostra, então? “Na verdade, isso veio de um livro que eu li do Rubem Alves. O nome é Ostra feliz não faz pérola. É um livro poético. ‘Ostra triste’ é mais pelo lado metafórico: uma ‘ostra’ porque, de certa forma, cada pessoa vive na sua redoma, no seu mundinho, por mais que a gente conviva numa sociedade, cada um tem um mundo e esse mundo é particular; o ‘triste’ é porque acho que na tristeza sai as melhores alegrias. Da tristeza sai a melhor parte da expressão, a melhor parte da arte”, filosofa.

Trajetória

Felipe Ferreira Silva é o único filho do casal Augusto César Silva (coordenador de merchandising) e Ana Lúcia Silva Ferreira (vendedora). Nasceu em Santo Amaro, morou um curto período de tempo em Amélia Rodrigues e logo veio para Salvador. Fez grande parte dos estudos na Escola Souza Garcez, instituição particular localizada no Engenho Velho de Brotas. Na 3ª série do ensino médio, integrou a comunidade escolar do Colégio Estadual Odorico Tavares. Tentou os vestibulares da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), até ingressar no curso de Letras da Universidade Católica do Salvador (UCSal), fruto do bom desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Curiosamente, nunca tentou fazer o processo seletivo da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Quero tentar agora. Penso em fazer Jornalismo. Tenho vontade também de estudar roteiro, que não é curso superior, mas aqui em Salvador é difícil de achar”, pontua. Apesar de ter toda essa inclinação para o lado da escrita e da arte, atualmente Felipe trabalha numa transportadora de cargas. Na empresa, exerce a função de supervisor financeiro. “Tudo a ver com as palavras, né?”, brinca.

Leitor contumaz

Se o trabalho tem a ver com as palavras, apenas o próprio Felipe pode dizer, mas que elas fazem parte do seu dia a dia, não existe dúvida. Ele gosta de ler de tudo, só faz uma ressalva para livros de autoajuda. “Eu sou muito versátil nas minhas leituras. Não gosto de autoajuda porque acho uma coisa tão ‘receita de bolo’. Todo mundo vai seguir aquela receita e sair feliz no final da história? Não é assim. Cada pessoa é peculiar, não será um livro que vai salvar você. Também não gosto muito de ler biografias. É como se fosse um preconceito meu, mas acho que biografia é uma coisa que tende a ser unilateral”. Felipe conta que sempre foi estimulado pelos pais em relação à prática da leitura, embora tal estímulo não se configurasse na compra de livros, mas em conselhos. O hábito de ler só nasceu no final da adolescência. “Eu fui um adolescente que não gostava muito de ler. A partir dos 19, fui criando a consciência de que a leitura era fundamental para mim, principalmente por ser escritor. Quanto mais eu leio, mais eu escrevo melhor”. Para ele, o método ainda utilizado em algumas escolas contribui para que o binômio adolescente/leitura não tenha um bom resultado. “Na escola, você não tem liberdade para escolher o que você quer ler, você é obrigado a ler. Não existe o hábito de ler, existe a obrigação. O hábito a gente cria depois. Isso aconteceu comigo”, revela.

Agora, que tem liberdade para escolher as suas leituras, Felipe coleciona autores. Dos escritores já renomados, gosta de Clarice Lispector. “A hora da estrela, para mim, é o melhor do que eu já li dela”. Cita também Rubem Alves, que morreu recentemente, e confidencia que está conhecendo melhor a obra de Paulo Leminski. Contudo, Felipe gosta de valorizar quem está chegando. “Eu gosto muito de ler coisas de novos escritores, quem eu vejo que, realmente, tem uma sensibilidade, tem uma mensagem para passar”. Dos novos nomes, ele gosta de Pedro Gabriel, autor do livro Eu me chamo Antônio. “São as ilustrações que ele fazia nos guardanapos, no bar. Depois, juntou tudo num livro.

Aqueles guardanapos fazem você viajar e pensar em várias coisas”. Com entusiasmo, Felipe fala do livro Humana Flor, da atriz e escritora Andréia Horta, que dá vida à personagem Maria Clara, da novela Império, atual trama da Rede Globo. “É um livro só de poemas. É linda a capa. Tudo meio artesanal. É a vida da Andréia ali. Você tem contato com o outro lado da artista”. Outro livro que gostou bastante foi Fim, da também atriz e escritora Fernanda Torres. “O livro é fantástico! Foi muito bom saber que, além de grande atriz, ela é uma grande escritora”, derrete-se.

Música, cinema e teatro

A aproximação de Felipe com a arte se deu através de um curso de teatro, que fez no intuito de perder a timidez. Em pouco tempo, já estava trabalhando num centro cultural e participando dos espetáculos de lá. Hoje, o teatro já não faz mais parte de suas prioridades artísticas, ele prefere escrever textos e fazer roteiros para cinema. Enquanto os seus próprios filmes não são produzidos, busca inspiração em mestres como Pedro AlmodóvarBernardo BertolucciEdgard NavarroSuzana AmaralCaio Sóh e Woody Allen. Elogia também a incursão do cantor e compositor Oswaldo Montenegro no mundo do cinema. Em 2010, Montenegro assinou a direção e o roteiro de Léo e Bia, seu primeiro longa-metragem. “Acho bem bacana, por misturar o teatro na história”, afirma. Já que falamos de um artista do universo musical, as predileções de Felipe nessa área são bem diversas. Ele gosta de Paulinho Moska e de algumas coisas de Chico e Caetano. De gente nova da cena, destaca o trabalho da baiana Pitty e do mineiro Thales Silva, que ainda não é muito conhecido. “Ele faz parte de uma banda [A Fase Rosa], mas lançou um álbum solo [Minimalista] que é muito bom”.

O crítico e as críticas

Felipe não se considera um crítico de cinema, apenas gosta da sétima arte e escreve sobre ela. “O que eu escrevo não chega a ser uma crítica, é o meu depoimento sincero sobre aquilo que estou falando”. E ele fala sobre tudo, sem preconceitos. Inclusive, escreveu um manifesto em defesa da cantora Valesca Popozuda, para a revista Ambrosia. Enviou o link do texto para artista via Twitter, Valesca leu, gostou e retweetou. “Achei massa”, resume. E completa: “Não adianta os pseudointelectuais tentarem negar, Valesca tem uma representatividade contemporânea por causa da música que ela faz, pelo estilo, pela personalidade e autenticidade dela”. Ainda nessa seara, Felipe comenta sobre algumas dicotomias que existem na sociedade, principalmente na área artística, que classifica algo como bom, ruim, popular e erudito. “Para mim, isso não existe, esse apartheid cultural. O popular tem muita coisa boa. O erudito tem muita coisa ruim. Comigo não cola essa definição pré-determinada”, enfatiza.  E sobre as críticas aos seus textos? Felipe lida com maturidade a respeito disso. “Criticamos hoje, somos criticados amanhã. Assim é o ciclo. Toda crítica é bem-vinda, quando embasada por argumentos e contrapontos. Quando vejo qualquer comentário, positivo ou negativo, em relação aos meus textos, fico muito feliz, porque consegui instigar, provocar coceiras e reflexões”. Continua escrevendo, Felipe!

Para ele, cultura é …

A definição de cultura é uma coisa meio subjetiva. Mas, de um modo geral, acho que cultura é toda forma de expressão, toda forma de informação. É uma junção do informar, do fazer e do que, de fato, constitui as pessoas. Cultura é você estar atento a tudo, é abrir a mente pra tudo e tirar o melhor para você.

  • O que dizem sobre ele…

Adriana Lisboa

“Felipe, o chamo por vários “derivados” e “predicados”. (Ele já é o próprio personagem). Conheço-o baseada na nossa convivência mútua, nos “conectamos” desde “pequeninos” e partimos desde então à procura do riso perfeito. Tudo é divertido quando ele está em cena. É com ele que encontro as filosofias necessárias do existir. Com ele, é possível e sempre será nossa fiel relação de ‘amigo-irmão’. O que mais eu falar aqui, só vai complementar os muitos que ele é e pode ser”.

Gustavo Roque

” Sonhador. Ao mesmo tempo metódico… Gosta de comer o prato beeem pelas beiradas (ou a eventual necessidade faz com que seja assim). Sonhador… – Eu já disse? =) Gosta de um jogo de ideias, palavras, símbolos… pode, às vezes, se perder aí nesse (vasto) emaranhado. Já foi meu hóspede no Rio… É bastante humano. Tranquiiilo… (mas acho que só por fora.) Ah!, e toma um banho rápido da porra! De talento. P.S.: Está precisando finalmente fazer nosso curta. =p “.

Série Perfis do Desde| Ficha Técnica:

Convidado: Felipe Ferreira

Data da entrevista: 12/7/2014

Local: Livraria Cultura do Salvador Shopping (Salvador-BA)
Idealização/produção/texto: Raulino Júnior

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