Cultura, Jornalismo Cultural, Reportagem, Toca o Desde, Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil

Transmissão radiofônica do início do século 20 que teve maior repercussão no Brasil completa 100 anos

 Em 7 de setembro de 1922, durante a Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil, houve a primeira grande transmissão de rádio no país

Registro do dia da primeira grande transmissão de rádio no Brasil. Na foto, estão o engenheiro José Neves (centro), o telegrafista Manoel Antonio de Souza (direita) e Joaquim Pereira, servente da estação (esquerda). Imagem: reprodução do Portal Brasiliana Fotográfica.

Por Raulino Júnior

“1922 foi um ano agitado e importante na história do Brasil: em fevereiro acontecia a Semana de Arte Moderna de São Paulo, em março era fundado o Partido Comunista Brasileiro e, em setembro, realizava-se a primeira emissão radiofônica oficial no País, com um discurso do então presidente Epitácio Pessoa, durante a exposição comemorativa do Centenário da Independência no Rio de Janeiro”. Foi assim que Sonia Virgínia Moreira, jornalista e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), abriu a introdução do seu livro O Rádio no Brasil, publicado em 1991. Hoje, passados mais de trinta anos da publicação e sendo a data que faz referência ao centenário do rádio no Brasil, o Desde inicia a série de reportagens Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil, em comemoração pelos seus onze anos no ar, completados em janeiro deste ano. Contudo, e é importante ressaltar isso logo no início do texto, 7 de setembro 1922 foi mais uma data importante para o rádio, mas não foi a única. Em 6 de abril de 1919, em Recife, foi fundado o Rádio Clube de Pernambuco, marcando assim o pioneirismo em transmissão de mensagens por ondas eletromagnéticas. Em artigo publicado na Revista Famecos no ano passado, o professor Luiz Artur Ferrareto, que é um expoente quando se trata de pesquisa sobre rádio no Brasil, afirma que “as transmissões de 7 de setembro de 1922 não eram nem oficiais, nem pioneiras, embora, pela instalação de alto-falantes nos pavilhões da exposição e em função da distribuição de receptores a figuras de destaque na sociedade, possa se dizer que tenha sido a mais pública até aquele momento”, p. 3.

Carla Baldutti. Foto: arquivo pessoal.

Carla Baldutti, que é jornalista, radialista, mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCOM/UFJF), pesquisadora de rádio e mídia sonora, acredita que o que fez a data de 1922 se perpetuar foram questões culturais e políticas: “A exposição do centenário da Independência aconteceu na capital do país. O Rio de Janeiro era a capital naquele momento. É importante a gente lembrar disso. O Brasil como a gente se entende começa no Nordeste e lá eles tinham contato com muitos estrangeiros, por causa da Marinha. Isso é uma coisa quase que óbvia, que as coisas chegassem primeiro por lá, mas que fossem muitos mais referendadas no centro político do país. Isso acontece até hoje. Você vê a dificuldade que a gente tem de circular música que não é Rio-São Paulo. É muito difícil fazer um artista chegar nesse eixo”. A pesquisadora completa: “Na minha opinião, a grande questão é que a gente tem, por exemplo, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a ABERT, que é totalmente ligada na questão comercial, e ela também centraliza nas questões políticas, porque a nossa radiodifusão depende da legislação e sempre esteve ligada na figura do presidente. Ali era a capital, o presidente fez o discurso dele, que foi transmitido, e a partir dali é que vai surgir o interesse do Roquette-Pinto de montar a primeira emissora considerada legal, que vai ter a concessão do presidente. Eu acho que na verdade esse é o grande motivo. A partir daí isso passa a ser referendado por essas associações como a ABERT, por exemplo, que é comercial e que vai comemorar essa data. Por quê? Porque eles não estão preocupados com experimentação. Eles estão preocupados com datas comerciais. As empresas que são rádios comerciais, não estão preocupadas, como os pesquisadores, de descobrir a verdade, ou de fazer experimentações”. Carla contribuiu bastante para a nossa apuração nesse aspecto, indicando leituras e trazendo informações relevantes sobre a história do rádio no Brasil.

O Rádio no Brasil

Como é habitual, no início, o rádio no Brasil estava presente nas casas de quem tinha maior poder aquisitivo. A popularização vem a partir de 1929, com São Paulo tendo mais de 60 mil unidades do aparelho. Nos tempos de hoje, ele está em dispositivos móveis e, com base em pesquisa realizada pela Kantar IBOPE Media, através do estudo Inside Radio 2021, faz parte do cotidiano de 80% dos brasileiros. Na primeira fase, as transmissões focavam em conteúdos voltados para educação e cultura, e a escuta coletiva era uma prática comum. De acordo com Sonia Virgínia Moreira, em 1936 a função educativa do rádio se consolidou, com a doação feita por Roquette-Pinto da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro ao então Ministério da Educação e Cultura. Em sua tese No tempo do Rádio: Radiodifusão e Cotidiano no Brasil. 1923 – 1960, defendida em 2002, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Lia Calebre afirma que a “programação das rádios brasileiras nos primeiros anos era composta de músicas clássicas, óperas, entrevistas de estúdio, leitura e comentários das notícias publicadas nos jornais da época e da apresentação de artistas”, p. 55. Se a gente prestar bem a atenção, vai perceber que anos depois a televisão seguiu esse mesmo modelo de programação. O rádio serviu de parâmetro para a telinha, que chegou em território nacional em 1950, através do pioneirismo da Assis Chateaubriand. 90% dos profissionais de TV vieram do rádio. Tal história é contada com detalhes pela saudosa Vida Alves, no livro TV Tupi: uma linda história de amor.

Gente do Rádio

Ildazio Tavares Júnior. Foto: arquivo pessoal.

Ao longo do tempo, o rádio foi se consolidando como veículo de comunicação e atraindo pessoas que, além de ouvir, queriam trabalhar nele. É o caso de Ildazio Tavares Júnior, empresário e radialista de Salvador. Ele começou no rádio em 2001, na Transamérica FM. Passou pela Rádio Metrópole e hoje está na Excelsior. Em breve, partirá para o Grupo A Tarde, onde vai atuar na Rádio A Tarde FM e na criação de podcasts, videocasts e webtv do grupo. Para ele, a longevidade do rádio está no conteúdo: “Enquanto o rádio, e qualquer veículo de comunicação, tiver conteúdo, ele vai pra frente. O rádio tem muito mais conteúdo do que todas essas redes sociais aí, a maioria delas. Muitas vezes, as redes sociais, hoje em dia, são feitas por qualquer um, que faz qualquer coisa, a qualquer hora e a qualquer crivo. Na rádio, você tem que ter um discernimento para colocar sua voz no microfone. O rádio é de fundamental importância para a sociedade, para a cultura. Principalmente, por chegar em locais que, muitas vezes, não chegam outras coisas. A internet não chega em muito lugar ainda. O rádio é fundamental no desenvolvimento da sociedade”. Ildazio acredita que o rádio se adaptou muito bem  à revolução tecnológica: “Está se adaptando mais ainda com as redes sociais. Os aplicativos das rádios estão aí. A rádio no Youtube, a rádio no Instagram. O meu programa de rádio vai para o Instagram todo dia. Ao mesmo tempo, eu posto podcast no site para que as pessoas ouçam. A rádio se adapta muito bem a todas as plataformas, haja vista que a televisão partiu do rádio, o conteúdo vinha do rádio. Acho que o rádio é a base de tudo, vai continuar sendo uma grande escola para quem quer ser um comunicador realmente na acepção da palavra”. Ele elege a música como o aspecto que mais o marcou como ouvinte ao longo do tempo: “Eu comecei a ouvir rádio por conta da música. Eu ligava para todas as rádios para concorrer. Eu ganhava disco direto. Eu tinha mais de cinquenta discos, todos ganhos em sorteios de rádio. Eu acho que o rádio vai existir por muitos e muitos anos ainda e o que mais me marcou sempre foi a música”.

Carla Baldutti, que mora em Juiz de Fora (MG), também tem a música como algo marcante na sua experiência como ouvinte de rádio. “Eu me arrumava para poder ir para a escola ouvindo um programa de música e foi por causa dele que me tornei jornalista musical no rádio, que é o que faço hoje no Microfone Aberto JF [programa que apresenta desde 2018 e que também dá nome a um festival de música e a um podcast]. O que é mais legal no rádio são os hábitos, as rotinas que você cria a partir da mídia. Você criar o hábito de ouvir aquele programa todo dia naquele horário. O rádio é um companheiro do ouvinte. Ele conversa diretamente com as pessoas. Isso é muito forte”. Ela também cita o radiojornalismo como algo que a marcou: “Acho que o que me marca como ouvinte, já que eu não sou mais uma ouvinte comum e sim uma ouvinte crítica, por trabalhar com isso, por ser pesquisadora da área, é a forma como o radiojornalismo contou a história do Brasil, através das reportagens, através das coberturas jornalísticas que ficaram muito famosas”.

A primeira experiência de Carla na radiodifusão foi em 2013, na rádio universitária da UFJF, no início do curso de Jornalismo. Quando já estava prestes a concluir a graduação, começou a estagiar na rádio educativa de Juiz de Fora, a rádio Premium FM. Atualmente, faz parte do grupo de pesquisa Comunicação, Cidade e Memória (COMCIME), vinculado ao CNPq, é afiliada à Rede de Rádios Universitárias do Brasil (RUBRA) e, na Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), integra o grupo de pesquisa Rádio e Mídia Sonora. Além disso tudo, criou, em 2018, a Rádio Cultura JF, uma web rádio que está parada, devido aos estudos no mestrado. Para a ela, a importância do rádio está na comunicação direta, que todo mundo entende: “Começa por aí: permitir que as pessoas que não têm estudo também possam se informar. Essa comunicação simples, direta, é a coisa mais importante e forte do rádio. É o acesso à informação pra quem precisa. Outra questão muito importante do rádio para a nossa cultura é que ele é um grande difusor do esporte, fora a música. Não tem nem como não falar sobre como que a Música Popular Brasileira foi difundida pelo rádio”. Questionada sobre como, para ela, será o rádio dos próximos cem anos, reflete: “Vai ser um rádio que estará sempre se adaptando, através da contação de histórias faladas. A base do rádio não vai mudar. Ele vai se adaptar à tecnologia vigente sempre, porque a nossa cultura é essa, contar as coisas através da oralidade. Isso não muda. Como disse McLuhan, os meios se influenciam sem se destruir. Um meio vai continuar influenciando o outro e novas coisas vão surgir e vão gerar novos comportamentos no processo comunicativo”.

COM A PALAVRA, ANDREZÃO SIMÕES

Foto: arquivo pessoal

Andrezão Simões começou a trabalhar no rádio em 1984, na Rádio Clube de Salvador, quando ainda era estudante de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA). Passou pela 104 FM (do Grupo A Tarde), Rádio Cidade, Salvador FM (na época em que fazia parte do Sistema Globo de Rádio) e Rádio Metrópole, onde capitaneou o programa Roda Baiana, de 2007 a 2020. Nesta entrevista exclusiva para o Desde, ele fala sobre a importância do rádio para a nossa cultura, o que mais o tocou na sua experiência como ouvinte e profissional de radiodifusão nesses 100 anos e das transformações ocorridas no fazer radiofônico ao longo do tempo: “Estamos na era do radiovisual”. 

Desde que eu me entendo por gente – Quando você começou a trabalhar no rádio e por quais emissoras passou?

Desde – Para você, qual a importância do rádio como veículo de comunicação e como produto da nossa cultura?

Desde – No decorrer do tempo, o rádio se adaptou de forma surpreendente à revolução tecnológica. Para você, como será o rádio dos próximos 100 anos?

Desde – Nesses 100 anos do rádio, o que mais te tocou como ouvinte?

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 Clique em Tocando com Frequência para ficar por dentro da nossa série. No dia 7 de outubro, a gente publica mais uma matéria falando sobre a história do rádio no Brasil. Dessa vez, vamos focar num personagem importante nisso tudo. Até lá! #TocaODesde com a gente!

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