Crônica, Cultura, Desde Já, Jornalismo Cultural, Toca o Desde

A verdade de cada pessoa

Imagem: reprodução do blog Armazém de Texto

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Recentemente, estive numa cerimônia de formatura de estudantes que concluíram o Fundamental I (anos iniciais) e me chamou a atenção ver, no final da festa, uma mãe distribuindo presentes para cada professora que contribuiu para a formação escolar de sua filha. Achei aquilo lindo e fiquei pensando sobre a verdade de cada pessoa. Explico: a mãe em questão também é professora e tem como marca ser dedicada, carinhosa e adorar presentear. Aquele gesto do final da formatura é uma verdade dela, sem forçação, sem lacre. É dela. Faz parte da natureza dela. Sei porque a conheço e constato isso. A ação não tem nada a ver com ter ou não condições financeiras para comprar os presentes. Talvez, as outras mães até tivessem também, mas aquela atitude não seria uma verdade para elas. Pensar no que é a sua verdade é bem importante, porque te livra de culpas e ajuda muito na saúde. Principalmente, a mental.
Qual é a sua verdade? A minha, não é presentear. Definitivamente. Não sei. Não significa que não dê presentes, mas me sinto desconjuntado ao fazê-lo. Acho sempre que erro na escolha. Até já falei sobre isso por aqui. Contudo, é uma verdade minha publicar vídeos nos meus perfis nas redes sociais digitais cantando músicas que gosto sem me preocupar se estou afinado, se as pessoas acham a minha voz bonita, se elas vão gostar… Não ligo. O meu prazer está em fazer, no processo. Faço e me sinto satisfeito. Não sou cantor profissional. Não vivo disso. Não tenho a obrigação de cantar bem. Na verdade, não tenho obrigação de nada nesse sentido. “Taquarar” é uma verdade minha, que me faz muito bem. Vivo essa verdade. Se as pessoas gostam, fico feliz; se não gostam, não fico triste. É verdade mesmo!
Quando a coisa não tem verdade, não se perpetua. E se for adiante, sempre soa falso. Isso fica  evidente em campos artísticos e religiosos, por exemplo. Tem artista que persegue o oportunismo, que está sempre indo na onda. Não deixa legado. Não deixa nada. Às vezes, só fama. Sem nenhuma verdade. Tem gente que professa uma religião que nunca foi uma verdade na sua vida. Nunca. De uma hora para outra, muda, para atender a exigências sociais, para mostrar que é engajado, militante e coisa e tal. Feião.
Viva nessa vida o que é vida em você. Viva a sua verdade. O que não é verdade para você, não é. Sem culpa. Tem uma música de Peninha que diz o seguinte: “Podemos ser a gente mesmo/Nós não precisamos sorrir sem querer”. Anotado e aprendido.
Sigamos.
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Cultura, Jornalismo Cultural, Reportagem, Toca o Desde, Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil

A música no rádio e o rádio na música

A radiodifusão fortaleceu a indústria fonográfica e foi homenageada em algumas canções

Imagem: reprodução do site da AERP

Por Raulino Júnior

Imagine que você é um artista da música e, um dia, na sua casa, ouve a sua canção tocando no rádio pela primeira vez. Como reagiria? Deve ser muito emocionante! A gente sempre ouve relatos de cantores falando como foi viver essa experiência. O fato é que o lugar da música é mesmo no rádio. Lá, ela se torna popular, porque ganha uma força que não tem como dimensionar. Por mais que, hoje em dia, haja uma lógica de mercado bem diferente, baseada em visualizações, é quando toca no rádio que a música encontra a sua razão de ser. Ao longo dos anos, o veículo impulsionou a indústria fonográfica e foi objeto dela, através de homenagens feitas por compositores em suas letras. É com esse assunto que a gente encerra a série de reportagens Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil, que comemora os onze anos do Desde.
 
Desde as primeiras transmissões de rádio no Brasil, a música se fez presente. Inicialmente, a erudita; com o passar do tempo, a popular. No artigo O rádio musical no Brasil: elementos para um debate, publicado no site da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA/USP), Eduardo Vicente, Leonardo De Marchi e Daniel Gambaro citam o Programa do Casé como precursor da presença e difusão musical nas ondas do rádio: “O ‘Programa do Casé’, criado por Adhemar Casé para a Rádio Philips, ainda em 1932, foi provavelmente a nossa primeira grande iniciativa de divulgação musical. Ao longo do programa, vários cantores se apresentavam interpretando músicas ao vivo dentro do padrão bandstand ou, como ficou conhecido no Brasil, ‘quarto de hora’. Passaram pelo Programa do Casé muitos daqueles que se tornariam os principais nomes da primeira geração de astros da música popular brasileira como Francisco Alves, Noel Rosa, Ciro Monteiro, Mário Reis, Lamartine Babo, Almirante, João Petra de Barros, Custódio Mesquita, Pixinguinha, Donga, Aracy de Almeida, Sílvio Caldas, Carmen e Aurora Miranda, entre outros”. À medida que esses artistas tinham suas músicas veiculadas no rádio, se tornavam mais populares e, consequentemente, consolidavam a carreira.
 
Para falar dessa seara, é impossível não citar a importância da Rádio Nacional (1936) no processo de divulgação e consolidação da música brasileira. A emissora revolucionou os padrões da época e deu a cantoras e cantores status de estrelas. No livro A Rádio Nacional…, Sérgio Cabral fala sobre a relevância dos programas musicais: “A programação era variada. A audiência feminina ficava por conta das novelas, que, em estilo de folhetins, se prolongavam por vários meses. Havia também os programas humorísticos, a cobertura dos acontecimentos esportivos, os programas de auditório, os (muitos, podem acreditar)programas culturais e os programas musicais. Estes últimos, provavelmente, são os que mais resistiram ao esquecimento a que foram condenados não só os programas como os próprios radialistas, uma sina que parece confirmar o que diziam os anunciantes contrários à publicidade radiofônica nos tempos pioneiros, recusando-se a fazer propaganda em rádio: palavras o vento leva. Mas o pessoal da música não foi esquecido e, durante muitos anos, seus nomes permaneceram ligados à história da Rádio Nacional”. O autor cita Francisco Alves, Orlando Silva, Dalva de Oliveira, Herivelto Martins, Cauby Peixoto e, claro, as inesquecíveis Emilinha Borba e Marlene.
 
Outro fator que contribuiu para o fortalecimento da música no rádio foi a popularização das emissoras de FM. Vicente, De Marchi e Gambaro também falam a respeito disso: “A partir da segunda metade dos anos 1970, a popularização das emissoras de FM traz um novo cenário para a divulgação musical no rádio. Se até então ela esteve ligada aos gêneros musicais de maior apelo massivo veiculados, no caso de São Paulo, através dos programas de comunicadores populares do AM como Eli Correa e Barros de Alencar, entre outros, com o FM também a MPB e a música internacional se fortalecem no dial. Além disso, o FM acabou trazendo para o rádio uma nova geração de profissionais, mais conectada com a efervescência cultural e política que caracterizou o período: a abertura que sucedeu os anos de chumbo da ditadura militar”. Certamente, cresceu também a prática do jabá.
 
O rádio na letra
 
Algumas letras do nosso cancioneiro homenageiam o rádio. Seja de forma direta ou através de metáforas. Em 1986, o saudoso Moraes Moreira lançou o disco Mestiço é Isso, que trazia a música Sintonia (Moraes Moreira/Fred Góes/Zeca Barreto) como uma das faixas. A canção traz metáforas relacionadas com a prática de ouvir rádio e é uma das mais conhecidas da carreira de Moraes. Eis uma parte da letra:
 
Escute essa canção que é pra tocar no rádio
No rádio do seu coração
Você me sintoniza
E a gente, então, se liga nessa estação
Aumenta o seu volume que o ciúme não tem remédio
Não tem remédio, não tem remédio, não
Aumenta o seu volume que o ciúme não tem remédio
Não tem remédio, não tem remédio, não
 

Os locutores, profissionais fundamentais do rádio, também já foram citados em letras de música. Em Gamada no Locutor (Augusto Dinno), lançada em 1999, no CD O Charme do Brega, o cantor e compositor Augusto Dinno faz uma crônica musical certeira:
 

Quando começa o programa
Ela corre pro rádio só pra escutar

A voz do seu ídolo amado
E o sente ao seu lado, só em pensar

Esquece de tudo na vida
E pede as amigas pra sintonizar

Diz que ele é o melhor do mundo
Aumenta o volume e começa a sonhar

Ela está gamada no locutor
E vive sonhando com o seu amor
Que faz esse programa tão comentado

Ela vai a rádio querendo ver
Quem é o locutor que vive a fazer
O seu coração ficar disparado

E, para encerrar, um curiosidade: a música Leva (Michael Sullivan/Paulo Massadas) foi feita para a Rádio Bandeirantes, de São Paulo. Em sua participação no podcast Papo com Clê, em julho do ano passado, Sullivan revelou (veja o vídeo a partir de 34:53): “A letra é a rádio fazendo uma declaração de amor para o ouvinte”. Trata-se de um jingle. Tim Maia lançou a canção em 1985. 

Foi bom eu ficar com você o ano inteiroPode crer, foi legal te encontrarFoi amor verdadeiro
É bom acordar com você quando amanhece o diaDá vontade de te agradar, te trazer alegria
 
Tão bom encontrar com você sem ter hora marcadaTe falar de amor bem baixinho quando é madrugadaTão bom é poder despertar em você fantasiasTe envolver, te acender, te ligarTe fazer companhia
 
Leva
O meu som contigoLevaE me faz a tua festaQuero ver você feliz
 
Leva
O meu som contigoLevaE me faz a tua festaQuero ver você feliz
 
É bom quando estou com você numa turma de amigosE depois da canção você fica escutando o que eu digoNo carro, na rua, no barEstou sempre contigoToda vez que você precisar, você tem um amigo
 
Estou pro que der e vier, conte sempre comigoPela estrada buscando emoçõesDespertando os sentidos
Com você, primavera, verãoNo outono ou no invernoNosso caso de amor tem sabor de um sonho eterno
 
Leva
O meu som contigoLevaE me faz a tua festaQuero ver você feliz
 
Leva
O meu som contigoLevaE me faz a tua festaQuero ver você feliz
 

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