"Adolescendo Solar", Cultura, Jornalismo Cultural

Então, é Natal… e a decoração dos shoppings, quem fez?

 Desde mostra quem são os artistas responsáveis pelas decorações de Natal de shoppings de Salvador

Da esquerda para a direita, Telma Calheira, Fernando Lacerda, Juarez Fagundes e Bianca Quiudini. Foto: montagem a partir de arquivo pessoal dos artistas.

Por Raulino Júnior 

Quando a gente ouve a palavra Natal, não tem como não pensar em luzes, brilho, músicas (“Então é Natal/E o que você fez?…”) e decoração, não é? Cada família decora as casas de acordo com as suas preferências e condições. Em cidades do interior, era comum ter a visitação nas casas da vizinhança a fim de conferir o presépio e toda a arrumação para o período natalino. É muito comum também ser noticiada a inauguração das decorações de shoppings presentes nos grandes centros urbanos, mas você já se perguntou quem são os artistas responsáveis por elas e como eles criam cada projeto? Como toda arte tem autoria, é sempre importante mostrar e valorizar esses criadores. Para produzir esta reportagem, o Desde visitou quatro shoppings de Salvador: Center Lapa, Piedade, Shopping da Bahia e Salvador Shopping. O objetivo era fotografar as exposições e pegar, através do setor de marketing de cada centro de compras, os contatos dos artistas. O Shopping da Bahia solicitou que enviássemos e-mail para conseguir tal informação, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos resposta.

A baiana Telma Calheira, da empresa Telma Calheira Ambientação Exclusiva, assina as decorações dos shoppings Lapa e Piedade. No primeiro, o tema escolhido foi Gran Circo do Lapa; no segundo, Natal na Neve. Em entrevista através de trocas de mensagens no WhatsApp, Telma respondeu como nasce o conceito e a ideia de cada decoração: “Nós oferecemos propostas de temas e nosso cliente escolhe o que melhor se adapta ao shopping e ao seu orçamento. Muitas vezes o cliente nos apresenta um tema e nós desenvolvemos”. Nascida em Ibirataia, a artista plástica autodidata tem 28 anos de experiência em decoração e cenografia. Além dos shoppings já citados, Telma também fez as decorações do Shopping Bela Vista, do Boulevard Shopping Camaçari e da cidade de Candeias. Sobre os custos dos projetos, o filho, sócio e representante comercial e de projetos da empresa, Vinícius Calheira, entra na conversa e prefere não dar muitos detalhes. Ele justifica: “Normalmente, a gente não fala, porque quando fala em valor, a gente tem que pedir autorização aos shoppings. A gente pode falar dos nortes financeiros que os shoppings de Salvador investem. Shoppings de pequeno e médio porte investem em torno de 250 a 400 mil reais. Depende se tem fachada externa, acessórios, enfim… Os shoppings maiores investem em torno de 700 a 1 milhão de reais”, explicou, enviando áudio no WhtasApp. Além do Natal, Telma faz decorações para festas juninas e Carnaval.

Este slideshow necessita de JavaScript.

A decoração de Natal do Salvador Shopping foi idealizada pela empresa paulista ZERO57 Comunicações Visuais. Por telefone, Fernando Lacerda, sócio e responsável pela parte administrativa e de gestão do estabelecimento, concedeu entrevista ao Desde para falar sobre detalhes da estrutura montada no centro de compras. O seu tio, Juarez Fagundes, é artista e fundou a ZERO57 em 1991. O site da empresa diz que ela “se especializou na produção e cenografia de eventos, com grande destaque para seus projetos de Natal”. E que “cuida de todas as etapas do projeto, desde a criação, produção dos elementos, instalação e desmontagem”. Fernando, que também contribui para a parte criativa, se juntou ao tio e à arquiteta Bianca Quiudini para elaborar a decoração do Salvador Shopping, cujo tema é Natal Musical. Sobre o conceito, ele afirma que foi criado em conjunto: “A gente trouxe a sugestão para o Salvador Shopping. Foi construído um conceito ,um projeto por nós da ZERO57 e apresentado ao shopping. Claro que o shopping participa, ajuda a construir. A ZERO57 se diferencia de alguns concorrentes porque a gente faz uma criação do zero. O Salvador Shopping nos pediu um projeto que tivesse alguma coisa interativa interessante, mas sem perder o clássico do Natal. A gente apresentou um piano enorme, com tela de LED, que traz modernidade, interação e foge do comum. No entanto, preservando todo o clássico do Natal”. Por causa da confidencialidade com o cliente, não é possível falar de custos dos projetos, mas Fernando dá uma média de quanto os centros de compras investem: “A gente atende bastante shoppings pelo Brasil e projetos grandiosos, certamente, ficam na faixa de 1 a 2 milhões de reais de investimento”.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Juarez fez Direito, mas não concluiu. É pintor, artista plástico e sempre teve a arte no seu cotidiano. Foi o responsável, durante os cinco primeiros anos, pela decoração do tradicional Natal do Palácio Avenida, em Curitiba. Em 2023, o evento realizou sua 33ª edição, marcado pelas janelas decoradas do prédio e o coral natalino composto por crianças e adolescentes. Fernando é formado em administração de empresas, tem pós-graduação em finanças e trabalhou por cerca de dez anos no mercado financeiro. Bianca trabalha há uns cinco anos nos projetos da empresa. A arquiteta tem experiência em projetos voltados para o Natal. “O trabalho do profissional de arquitetura é muito importante num projeto, porque, além de todos os documentos que precisam ser expedidos, é fundamental saber se tudo vai caber direitinho, o posicionamento, fazer as ilustrações em 3D e as criações”, esclarece Fernando.

Padrão
"Adolescendo Solar", Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Resenha

“Rita Lee: outra autobiografia” traz deboche e consciência de finitude da artista

Relato aborda o diagnóstico do câncer e o tratamento durante a pandemia

Imagem: divulgação

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

“Algo me diz que tenho escrito muito sobre morte. Aliás, por que há tanta gente que até se benze quando tocamos no assunto? A morte é a única verdade, e cada dia a mais vivido é um dia a menos que se vive. Pra quê fazer tanta cara de enterro quando deveríamos tratar dela com humor? Desta vida, não escaparemos com vida”. Esse trecho, presente na página 82 de Rita Lee: outra autobiografia (Globo Livros, 2023), sintetiza muito bem o teor da obra: é um relato leve, debochado e repleto de passagens que constatam que a autora tinha muita consciência de sua finitude. No texto, a paulistana Rita Lee Jones de Carvalho (1947-2023) narra como se deu a descoberta do câncer no pulmão, o tratamento durante a pandemia do coronavírus (o diagnóstico foi dado em abril de 2021) e a preparação para uma exposição em homenagem à sua carreira. O deboche e a autozoação eram traços marcantes da personalidade de Rita, presentes nesta e também em sua primeira autobiografia, lançada em 2016.

A narrativa de Rita Lee parece ser uma conversa com amigos na sala de estar. É simples e interessante, além de bem-humorada. Ela trata as pessoas que conheceu durante o tratamento de “oncolegas” e batiza um dos seus tumores de “Jair”, numa referência a Jair Bolsonaro, amplamente criticado na autobiografia. Por sinal, referência era uma coisa que a roqueira tinha para dar e vender. Ao longo do texto, ela faz menção a várias canções da Música Popular Brasileira (MPB): “Mistérios sempre hão de pintar por aí” (p. 20), “Queria dar beijinhos e carinhos sem ter fim nessa moçada…” (p. 124), “É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte” (p. 144) e algumas outras. Rita também cita várias experiências sobrenaturais que teve durante a vida e durante o tratamento, reflete sobre a velhice, proteção de animais e da natureza. E mostra acidez e humor ao falar dessa última: “Fumava para meditar sobre uma letra de música, buscar uma solução para problemas caseiros ou dar uma pausa e só bundar no jardim pensando em como salvar a Natureza enquanto poluía com meu tabaco os delicados aromas das gardênias, dos manacás, das damas-da-noite, ou seja, a mesma Natureza que eu queria tanto salvar… lá estava eu jogando Marlboro no ar. Rita paradoxal. Alguma coisa estava fora da nova ordem mundial em relação aos cuidados com nossa Terra Nave Mãe”, p. 35-36.

Rita acreditava que fosse se curar do câncer. No último parágrafo do capítulo A radioterapia, ela diz: “Mas, em grande parte das vezes, o medo pelo sofrimento que a quimio causou em minha mãe foi suplantado pelo desejo de me curar daquele câncer em homenagem a ela, como uma vingança tipo máfia siciliana”, p. 52. Contudo, no próprio texto, ela revela algumas malandragens que fazia para não tomar os remédios e fingir que estava ganhando peso. Phantom (intervenções de Guilherme Samora), o fantasma onisciente que também esteve na primeira autobiografia, é quem entrega: “Rita, agora que está com dois quilos a mais, não seria a hora de contar o truque de colocar um peso de papel no bolso para enganar a balança e não ter que comer toda hora?”, p. 132.

No dia 8 de maio deste ano, Rita Lee morreu, deixando um legado na música, na literatura e no comportamento. “Aquela velha frase: nunca fui um bom exemplo, mas sempre fui gente fina”, p. 120.

Referência:
 
LEE, Rita. Rita Lee: outra autobiografia. 1. ed. São Paulo: Globo Livros, 2023.
Padrão