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Todo mundo pode cantar?!

Como e por que os karaokês ainda fazem sucesso nos bares de Salvador

Ana Santos encontrou no karaokê uma ótima diversão para a sua vida. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
Sábado à noite, um bar localizado no Centro de Salvador. O serviço mais pedido? Música. Contudo, a atração não é nenhum “cantor de barzinho” típico, desses que estamos acostumados. Quem brilha mesmo são os cantores de karaokê. É impossível passar pela Estação da Lapa, mais precisamente na Rua Vinte e Quatro de Fevereiro, número 68, e não atentar para a movimentação que toma conta do Bar Karaokê da Lapa. Com nove anos de existência (antes, tinha o nome de Espeto e Cia), o bar aposta no karaokê para atrair a clientela. E a estratégia tem dado certo. “O meu primo, ex-dono daqui, recebeu a indicação de um amigo dele. Para fazer um teste, ele resolveu colocar o karaokê. Pegou e está até hoje. Só sucesso”, entusiasma-se Elson Santana, 39 anos, dono do bar. Lá, o karaokê funciona de quarta a sexta, das 18h à meia-noite; e aos sábados, de 16h à meia-noite. Quem quer soltar a voz, tem que desembolsar R$ 2,50 por música.

Elson Santana, dono do Bar Karaokê da Lapa: karaokê para atrair a clientela. Foto: Raulino Júnior

Quanto ao faturamento relacionado ao karaokê, Elson se reserva e explica: “Isso eu não posso dizer, porque o karaokê é à parte. Quem faz o controle do karaokê é Jorge, que é o responsável. A gente faz o controle do bar. Não tem vínculo do bar com o karaokê. Jorge paga uma porcentagem, uma ajuda de custo, para cobrir algumas despesas”. O “Jorge”, citado por Santana, é Jorge Lobo, 56 anos, que, além de ser dentista, é dono e operador de karaokê. Há 20 anos trabalhando no ramo, Jorge tem na atividade uma forma de relaxar. “É um hobby. Eu frequento outros karaokês e canto também”. Em fevereiro, inaugurou mais um ponto, no Botecão Bar e Restaurante, no Dois de Julho. “Aqui é mais tranquilo do que na Lapa, funciona apenas na sexta. Se o público começar a vir, a gente pretende colocar na quinta”, afirma. No Botecão, a cobrança por música também é de R$ 2,50 e o funcionamento do karaokê começa às 18h e vai, em geral, até a 1h. Em média, oitenta a cem pessoas passam por lá.

Jorge Lobo, no Botecão Bar e Restaurante, no Dois de Julho: o “cara” do karaokê. Foto: Raulino Júnior

Jorge, que é bem conhecido no meio, tem oito aparelhagens de karaokê e faz, há 15 anos, aluguel para aniversários, formaturas, Natal e Ano-Novo. Para alugar, o valor varia de R$ 200 a R$ 600. “Só o aparelho, sai por R$ 200; o aparelho com a TV, R$ 250; completo (aparelho, TV e dois microfones), R$ 300; para uma festa com aparelhos profissionais, microfones sem fio e iluminação, R$ 600. Depende do evento. O preço é mais ‘a combinar'”, revela. Como operador, no bar, Lobo conta que é preciso segurar os ânimos das pessoas que querem cantar: “Tem que ter tato. Tem gente que se sente estrela. Tem que saber lidar”, desabafa. E completa: “Para os operadores, não é muito fácil, porque tem pessoas que são muito egoístas, querem cantar o tempo todo e passar na frente das outras. Então, a gente tem que saber administrar isso”.

DJ Alex: o operador de karaokê do Bar Karaokê da Lapa. Foto: Raulino Júnior

Por isso, embora seja o dono, abdicou da operação do aparelho do Bar Karaokê da Lapa e deixou essa missão para o DJ Alex, 36 anos. Com experiência de três anos trabalhando com karaokê, Alex se vira para satisfazer os pedidos e a ânsia de cantar das mais de cem pessoas que frequentam o local nos dias mais disputados. “Na quarta e na quinta, que são os dias mais fracos, passam por aqui, em média, sessenta a oitenta pessoas; na sexta e no sábado, dias mais movimentados, de cem a 120”, explica. O DJ não se esquiva e fala do faturamento: “Conseguimos faturar uma média de R$ 250, nos finais de semana; e R$ 100, nos dias normais”.

Pedro Chaves, do Bar Lagoa dos Frades: pioneirismo. Foto: Raulino Júnior

No Bar Lagoa dos Frades, no Stiep (sigla originária de “Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Extração de Petróleo”), a realidade não é muito diferente. De acordo com o dono do bar, Pedro Chaves, de 48 anos, por dia, são vendidas, em média, oitenta fichas de karaokê. Lá, o valor para cantar uma música segue a mesma linha dos outros exemplos já citados nesta reportagem: R$ 2,50. “O estilo que o público mais canta é o sertanejo”, assegura. O bar, que tem 23 anos e conta há 18 com karaokê, foi um dos primeiros a colocar a novidade. “Eu fui, praticamente, o pioneiro. Era uma novidade, que percebi que ia dar certo. Graças a Deus, deu mesmo”. No Lagoa dos Frades, o funcionamento do karaokê é de terça a domingo, a partir das 16h. Na sexta e no sábado, vai até 23h30; nos demais dias, até as 22h30.

Cantores de karaokê

Uma das pessoas que contribuem para o faturamento do bar da Lapa é Nazário Nobre, 36 anos, que é, podemos dizer, “cantor profissional de karaokê”. Nazário canta em karaokês há 14 anos e não titubeia quando responde por que gosta tanto da atividade: “Porque, para mim, é expressar os meus sentimentos e transpor o que eu sinto dentro da minha alma. A música faz parte da minha vida”, filosofa. Nobre canta, em geral, músicas internacionais e é conhecido por fazer falsetes. Em média, por dia, gasta R$ 20 com música. Quando adiciona o gasto da consumação, desembolsa o total de R$ 50. Nazário teme se tornar um cantor profissional, porque isso, segundo ele, o distanciaria do público: “Eu tenho medo de chegar a esse extremo, porque o que mais me agrada é o contato físico com as pessoas que me ouvem, olham no fundo dos meus olhos e sentem a minha emoção, assim como também eu posso ver a emoção alheia pelo que eu transmito com a minha voz. Então, particularmente, eu penso que se eu estiver em cima de um palco, cantando para uma multidão de mais de cem ou mil pessoas, vai distanciar um pouco esse contato que eu tanto gosto”. Para que os seus falsetes chegassem a mais pessoas, o cantor criou um canal no YouTube. As performances dele já têm mais de 80 mil visualizações.

Nazário Nobre: profissional de karaokê. Foto: Raulino Júnior

Há quem procure o karaokê apenas para se divertir, sem maiores pretensões. É o caso de Ana Santos, 44 anos. “Eu venho aqui [no Bar Karaokê da Lapa], há quase oito anos, para me divertir. Na verdade, foi a primeira vez que eu comecei a brincar de cantar, porque cantar eu não sei, só sei brincar. Assim, você se distrai, relaxa, faz amizade. É uma forma de espairecer um pouco. É muito bom”. Com música, Ana gasta, em geral, a mesma quantia de Nazário: R$ 20. Ela gosta de cantar músicas populares e, entre os artistas prediletos, estão KátiaLulu SantosPeninhaAlexandre Pires e Belo.

Ana Santos: “Eu venho aqui para me divertir, sem a intenção de me tornar artista profissional”. Foto: Raulino Júnior

Seu Ferreirinha, 75 anos, canta há 26 em karaokês e utiliza a paixão por essa atividade para exercitar a sua profissão: ele é um dos cantores do Paraoano Sai Milhó, tradicional bloco de palhaços que faz história no Carnaval de Salvador desde 1964. “Já cantei em disputas de karaokê no Centro de Convenções. Fui chamado porque já tinha fama de ‘cantor de karaokê'”, orgulha-se o veterano. Frequentador do Botecão Bar e Restaurante, Seu Ferreirinha traz de casa o repertório, já com os códigos de todas as músicas que vai cantar: “Na relação, tem as músicas que ficam melhor na minha voz”, destaca.

Seu Ferreirinha: cantor de karaokê há 26 anos. Foto: Raulino Júnior

O repertório de Seu Ferreirinha. Foto: Raulino Júnior

E tem cantor de karaokê que usa a atividade para fins terapêuticos. O contador Ednelson Mendonça, 61 anos, frequenta o Bar Lagoa dos Frades com esse objetivo: “O karaokê é um projeto que você canta sem ter o compromisso de errar ou acertar. Você canta para se divertir. Só é preciso ter um pouco de noção da harmonia da música. Eu gosto de cantar, tenho sintoma de Parkinson e o canto faz com que eu me exercite, me ajuda a relaxar mais”, confessa.

Ednelson Mendonça: karaokê para tratar sintoma de Parkinson. Foto: Raulino Júnior

Ednelson gasta, em média, R$ 25 com o karaokê e gosta de cantar estilos como MPB, bolero e pop. Ele tem pretensão de cantar profissionalmente. “Estou me aposentando e vou me dedicar à música. Eu estudo canto e violão. Pretendo, sim, cantar profissionalmente”.

Origem

A origem do karaokê tem versões controversas, mas há um ponto em comum entre todas as fontes de informação: foi criado no Japão, na década de 70 do século passado, por Daisuke Inoue. Por escolha editorial, o Desde seguirá a versão constante no site Guia dos Curiosos, do jornalista Marcelo Duarte. O músico Daisuke Inoue tocava em barzinhos, na cidade de Kobe. Alguns clientes subiam ao palco para cantar e, como Inoue não tinha o domínio de todas as músicas, pois não sabia ler partituras, teve que criar uma estratégia para não frustrar os cantores por ocasião. Foi aí que ele gravou as bases de algumas músicas numa fita cassete. Em 1971, de acordo com informações do Guia dos Curiosos, um dos cantores do bar quis contratá-lo para tocar numa viagem da empresa que trabalhava. Como Inoue tocava em vários lugares e não podia deixar as casas sem o seu serviço, “acabou inventando uma máquina semelhante a uma jukebox, com oito bases de músicas gravadas, para quebrar o galho”. Estava criado o karaokê. Segundo o Guia, “o karaokê, cujo nome significa ‘orquestra vazia’, logo se tornou um grande sucesso. Mas Inoue não aproveitou os louros da descoberta. Ele não patenteou sua criação e acabou perdendo um mercado que gera 7,5 milhões de dólares por ano, só no Japão”. O site do Guia dos Curiosos não indica se esses dados financeiros estão atualizados.

O termo “karaokê” se popularizou pelo Brasil como sinônimo de “videokê” também. Tanto é que, em todos os lugares visitados pela reportagem do Desde, o que se via era videokê. A diferença dessa modalidade para o karaokê é que a letra da música a ser cantada aparece numa tela de TV ou numa projeção, para a pessoa acompanhar. Como o uso de “karaokê” é mais comum e plenamente compreensível, a matéria optou por utilizá-lo nas citações feitas ao longo do texto.

Direitos Autorais

Cantar em karaokês é superdivertido, eles têm o poder de aglomerar pessoas que, às vezes, nem se conhecem, mas que partilham de um momento de diversão e prazer. Mas, você já parou para pensar como fica o pagamento dos direitos autorais das músicas que são cantadas? Quando alguém canta num karaokê, executa música publicamente. Além disso, paga uma quantia para cantá-la. Como garantir os direitos dos autores das canções? O Desde entrou em contato com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), instituição privada responsável por centralizar e arrecadar os direitos autorais de execução pública de música, através da seção Fale Conosco do site oficial, e recebeu, por e-mail, a seguinte resposta em relação ao questionamento feito:

A Lei 9.610/98, com as alterações da Lei 12.853/13, regula os direitos autorais e, em seu artigo 68, diz que: “Sem prévia e expressa autorização do autor, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou literomusicais e fonogramas, em representações e execuções públicas”. Como o Ecad é o representante legal dos titulares para realizar a cobrança, garantindo assim os seus direitos, torna-se necessário solicitar esta autorização prévia ao Ecad mediante o pagamento dos devidos direitos autorais.

É vedado ao Ecad conceder quaisquer isenções ou deduções na cobrança de direitos autorais de execução pública, salvo quando expressamente autorizado pelos titulares. Isso significa que o Ecad não tem poderes para deixar de efetuar a cobrança pelo uso de músicas de terceiros.

Não existe na Lei nenhuma exceção para o não pagamento dos direitos autorais, exceto quando a execução musical for realizada no recesso familiar ou para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro. Apesar disso, no Regulamento de Arrecadação determinado pelas associações que administram o Ecad, está previsto uma redução de até 50% do valor da retribuição autoral para eventos beneficentes realizados por entidades comprovadamente filantrópicas.

O Regulamento de Arrecadação leva em conta a importância da música (indispensável, necessária ou secundária) no estabelecimento, a atividade exercida pelo usuário, periodicidade da utilização (se permanente ou eventual) e se a apresentação é feita por música mecânica ou ao vivo, com ou sem dança.

Será que todo mundo pode cantar mesmo? Fica a reflexão.

Rua Vinte e Quatro de Fevereiro. Foto: Raulino Júnior

Esta reportagem foi produzida no período de 4 a 11 de março de 2017. O Desde agradece a todos os participantes, em especial a Nazário Nobre e Jorge Lobo, que contribuíram bastante nas indicações das fontes. Muito obrigado.

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