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Política e educação sob a ótica de Paulo Freire

Em obra lançada em 1993, educador pernambucano mostra que todo ato é político e reverbera na prática pedagógica

Imagem: reprodução do site do Grupo Editorial Record

Por Raulino Júnior||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora||

Num ano importante para a nossa democracia, é fundamental que nós, cidadãos, busquemos informações que nos ajudem a ter uma visão mais crítica das coisas que acontecem na sociedade. Nesse sentido, a leitura do livro Política e Educação, de Paulo Freire, é uma excelente sugestão. Na obra, além de falar da interface entre política e educação, Freire toca em questões que merecem reflexão diária por parte de professores, representantes políticos e demais pessoas preocupadas com o viver social.

O ato de educar é, essencialmente, político. Na obra, Paulo Freire fala de uma educação para a decisão e libertação. Não há nada mais político do que isso. Porque o autoritarismo não pode coexistir com a democracia. E, para reinventar o mundo, algo que perpassa por questões políticas, a educação é um fator crucial.

Freire afirma que “a leitura crítica do mundo se funda numa prática educativa crescentemente desocultadora de verdades. Verdades cuja ocultação interessa às classes dominantes da sociedade”, p. 11. Ocultar as verdades é uma das práticas mais nefastas no âmbito da representação política. Isso só pode ser combatido com informação. Não é por acaso que o Patrono da Educação Brasileira diz que “o ser humano jamais para de educar-se”, p 13.

Todo discurso é disputa e política. Ao refletir sobre discursos reacionários, Paulo Freire afirma: “É preciso mesmo brigar contra certos discursos pós-modernamente reacionários, com ares triunfantes, que decretam a morte dos sonhos e defendem um pragmatismo oportunista e negador da Utopia”, p. 17. Quantos movimentos sociais são esvaziados por ter pessoas que adotam esse tipo de postura? Freire emenda, na mesma página: “É possível vida sem sonho, mas não existência humana e História sem sonho”.

Recentemente, o Brasil foi tomado por uma onda de defensores de uma escola sem partido. Em 1993, quando a obra foi lançada, o educador pernambucano falava isto: “Não pode existir uma prática educativa neutra, descomprometida, apolítica. A diretividade da prática educativa que a faz transbordar sempre de si mesma e perseguir um certo fim, um sonho, uma utopia, não permite sua neutralidade. A impossibilidade de ser neutra não tem nada que ver com a arbitrária imposição que faz o educador autoritário a ‘seus’ educandos de suas opções”, p. 21. Ainda sobre autoritarismo, falando da relação entre educadores e educandos, diz: “Não vale um discurso bem articulado, em que se defende o direito de ser diferente e uma prática negadora desse direito”, p. 22. Tem que ter coerência entre o discurso e a prática.

Um dos capítulos mais interessantes do livro é o que trata sobre o direito de criticar. Para Freire, é impossível não ser criticado: “[…] é impossível estar no mundo, fazendo coisas, influenciando, intervindo, sem ser criticado”, p. 31. O escritor também fala que não se pode criticar aquilo que não se conhece. Por incrível que pareça, isso tem que ser dito, pois há pessoas que saem fazendo críticas de algo que não têm nenhuma referência. É uma atitude feita apenas para impressionar. Além disso, ainda tratando sobre a crítica, Freire afirma que há “frases feitas que se repetem com ares de enorme sabedoria”, p. 31-32. E arremata: “Não posso criticar por pura inveja ou por pura raiva ou para simplesmente aparecer”, p. 32. Muita gente precisa aprender isso.

Outro trecho interessante é quando o autor diz que ninguém nasce feito, que a gente não é, a gente está sendo… A nossa vivência nos forma e essa formação é infinita. Paulo Freire se coloca o tempo todo em avaliação e mostra a sua atitude política diante do mundo: “[…] uma das marcas mais visíveis de minha trajetória profissional é o empenho a que me entrego de procurar sempre a unidade entre a prática e a teoria”, p. 43.

Ser um ser político é interferir o tempo todo na dinâmica da sociedade. “Uma das condições necessárias para que nos tornemos um intelectual que não teme a mudança é a percepção e a aceitação de que não há vida na imobilidade”, p. 43. Essa é a lição que fica.

Referência:

 FREIRE, Paulo. Política e Educação. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
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Pedir para ir ao banheiro revela autoritarismo na educação básica

Placas de Banheiro em Alumínio Tamanho 15x15cm

Imagem: reprodução do site Sinalize Brasil

Por Raulino Júnior 

A sala está cheia. O professor chega e os educandos se acomodam. A aula começa. Decorridos uns vinte minutos, um estudante interrompe: “Professor, posso ir ao banheiro?”. Essa narrativa hipotética é só para ilustrar um fenômeno que acontece na sala de aula da educação básica e que, para mim, deve ser motivo de reflexão. Pedir para ir ao banheiro revela um autoritarismo implícito que nunca combinou e não deve ter mais espaço nos processos de ensino e de aprendizagem. Principalmente, num país que tem Paulo Freire como Patrono da Educação. Evocar Freire é falar de liberdade o tempo todo. Sendo assim, algumas posturas devem ser revistas. Caso contrário, a escola na modalidade EaD vai ganhar cada vez mais espaço.

Estamos em 2022 e é muito comum, durante as aulas da educação básica (falo, especificamente, do ensino fundamental e médio. A pré-escola tem demandas que justificam tal postura dos educandos), os estudantes pedirem ao professor para ir ao banheiro. Sempre que me deparo com essa situação, fico reflexivo e me pergunto: “Qual é a razão desse pedido? O que está por trás disso?”. Ter vontade de ir ao banheiro e de beber água (há também pedido para isso!) faz parte da necessidade fisiológica básica de todo ser humano. Não tem razão o pedido. É, na minha opinião, descabido. Se o educando tem sede, precisa fazer xixi ou defecar, ele deve se levantar e ir. No máximo, para ser educado, pode avisar ao professor: “Vou ao banheiro”, “Vou beber água”. Nunca pedir para ir. Pedir revela que a escola vive sob a égide do autoritarismo, que não é um lugar de liberdade. Isso é um problema. Se o pedido for negado, pior ainda. É inconstitucional! O direito de ir e vir foi desrespeitado.

Casos de autoritarismo, infelizmente, não são difíceis de encontrar no ambiente escolar. Lembro de uma turma me dizer que uma professora não deixava ninguém comer durante a aula dela. Os estudantes não podiam abrir seus salgadinhos ou biscoitos. Era proibido. O que a ingestão de alimentos durante as aulas ia interferir na prática pedagógica e no aprendizado, até hoje, não se sabe, não foi descoberto. Tal postura mais afasta que aproxima. A escola tem que ser um lugar agradável, convidativo, em que o estudante se sinta bem. Se ele sai de casa para ser perseguido, censurado, tolhido, violentado, não vai querer continuar. Isso dá vazão a discursos que afirmam que professor é dispensável. Na modalidade EaD, o educando faz tudo na hora que quer, no lugar onde quer. Nessa lógica, não precisa pedir para ir ao banheiro. Muitas vezes, o banheiro vira o ambiente de estudo. Quem já assistiu à aula no vaso sanitário ou tomando banho, entende o que eu digo.

Escola não é bagunça. A comunidade escolar não deve abrir mão de regras e de combinados para manter a ordem. Isso tudo deve ser dito aos estudantes, logo no início do ano letivo, para que eles saibam o que podem e o que não podem fazer. Afinal, formar cidadãos críticos, que saibam dos seus direitos e dos seus deveres, é a função primeira da escola. E formar para a cidadania é informar ao educando que ele tem direito de fazer as suas necessidades fisiológicas básicas sempre quando quiser, sem precisar pedir. Caso contrário, a educação libertadora de que falava Freire vai ficar só no discurso.

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