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Se o seu amigo comparece mais nos velórios dos seus entes queridos do que nas festas que você promove, enterre a “amizade”

  “Nem venha com piedade, porque piedade não é amor”*

Imagem: reprodução do site Morning Kids

 

Por Raulino Júnior ||Texto de Quinta|| 
O título deste texto brinca, metaforicamente, com o contraponto entre velório (situação triste) e festa (situação alegre) para falar sobre amizade e a sua forma de ser. A gente cresce ouvindo que os amigos de verdade são conhecidos nos momentos difíceis, mas essa afirmação deve ser questionada. Primeiro, a expressão “amigo de verdade”, por si só, é problemática. Ser amigo já pressupõe uma verdade inerente. Se não tem verdade na relação amistosa, esse vínculo deve ter outro nome. Segundo, os amigos devem estar presentes em todos os momentos, principalmente nos felizes. Essa história de que a gente conhece os amigos de verdade nos momentos difíceis é a maior cilada. Amigos vão querer celebrar as conquistas uns dos outros, dividir experiências positivas e felicidade. É muito estranho quem se diz amigo só aparecer em situações tristes, em que a outra parte da amizade está debilitada. É como se houvesse um prazer de ver a pessoa em cacos e uma indiferença quando o copo está perfeito e cheio. Urubus sempre estão atrás da carniça…
Claro que não podemos desconsiderar a força que os amigos dão quando não estamos bem. A fossa é um lugar que ninguém quer estar e que sempre é necessário um apoio para a gente se restabelecer. É fundamental a presença de amigos nessas ocasiões. O que discuto aqui é que se os amigos só se fazem presentes, exclusivamente, nessas horas, a amizade deve ser discutida e a relação posta na mesa. Entre a força e a fossa, há um caminho bem grande para trilhar. E por que, muitas vezes, a força não é demonstrada nas vitórias? Eu, hein!
No livro A Amizade, o filósofo romano Cícero traz um dossiê sobre o tema, abordando vários aspectos. No capítulo V, intitulado O que é amizade?, é categórico: “[…] tenho para mim que amizade só pode existir entre indivíduos bons”. Quando duas pessoas não estão na mesma sintonia, não tem como a amizade existir. Quando um se doa e o outro não, a amizade fica comprometida. No mesmo capítulo, o filósofo tangencia o assunto discutido neste texto: “[…] a amizade faz das  coisas prósperas algo mais esplendoroso, ao passo que as adversas, quando partilhadas, tornam-se mais suportáveis”. Bingo! No capítulo XX, Razões para romper amizades, afirma: “Muitas vezes, irrompem vícios entre amigos, seja em relação a eles mesmos, seja em relação a terceiros, mas que, sempre, redundam em infâmia. Devemos, então, relaxar os vínculos de amizade até que a separação ocorra”. Romper amizade é difícil, mas, muitas vezes, a única solução para não ter peso nas costas. O que pega é que um rompimento dessa natureza é bem cruel, pois a outra parte sabe tudo sobre você. Inclusive, os seus segredos. “De fato, nada mais vergonhoso do que entrar em conflito com quem se conviveu, familiarmente”, diz Cícero.
Amigos diferem de colegas. Amigos são amigos e colegas são colegas. São dois departamentos diferentes. Neste texto, me refiro especificamente ao primeiro. Se aquele amigo só está presente nos momentos de tristeza, esse é um bom sinal para você rever essa amizade. Amigos vibram na alegria, “porque piedade não é amor”. O dicionário diz, entre os muitos significados da palavra, que “piedade” é o “sentimento de compaixão pelo sofrimento dos outros”. Fique atento(a) aos sinais!
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*Vander Lee, em Seu Nome.
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