13 anos de sorte!, Audiovisual, Axé Music, Cultura, Entrevista, Jornalismo Cultural, Música, Produção Cultural, Samba-Reggae, Sem Edição

Sem Edição| Negro Léo, Vixe Mainha, Música Baiana e Samba-Reggae

Negro Léo, atual vocalista da Vixe Mainha. Foto: Josi Carvalhos

Por Raulino Júnior 

Na abertura da 10ª temporada do Sem Edição, conteúdo audiovisual do Desde, o convidado de honra é Negro Léo, cantor e compositor nascido e criado no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador-BA. Atualmente, Léo é vocalista da emblemática banda Vixe Mainha, que já contou com os vocais de Jau e Pierre Onassis, referências na música baiana. Na entrevista, Léo fala como veio o convite para integrar o grupo e como ingressou no universo da música. A sua trajetória musical também é pauta no bate-papo. Léo opina sobre o atual cenário da música baiana e sobre a necessária renovação dos artistas da cena. Ele ainda fala sobre todos os projetos musicais dos quais faz parte e sobre os próximos passos da Vixe Mainha. Não deixe de ver!

Agradecimentos mais que especiais Negro Léo! Obrigado pela confiança e disponibilidade! Você é um artista maravilhoso e original! Mais sucesso!

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O oba-oba da Casa do Carnaval

Equipamento cultural feito às pressas deixa a desejar em alguns aspectos
 

Fachada do prédio que abriga a Casa do Carnaval da Bahia, na Praça Ramos de Queiroz, Centro Histórico de Salvador. Foto: Raulino Júnior

O Carnaval de Salvador agora tem um espaço que abriga um pouco da sua história e criatividade: a Casa do Carnaval da Bahia. Localizado na Praça Ramos de Queiroz, no Pelourinho, ao lado do Plano Inclinado Gonçalves, o museu foi inaugurado no dia 5 de fevereiro de 2018 e segue com visitação gratuita até o final do mês. Para isso, os interessados devem ligar para (71) 3324-6760 e agendar. O funcionamento é de terça a domingo, das 11h às 19h. Após o prazo de visitas gratuitas, quem quiser conhecer o lugar vai pagar R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia).

Foto: Raulino Júnior

Com curadoria geral de Gringo Cardia (contando com o auxílio de Paulo Miguez e Jonga Cunha), a Casa do Carnaval da Bahia surge pretensiosa, mas deixa a desejar em alguns aspectos. A começar pelo nome, que sugere abarcar a festa que acontece em toda a Bahia (Casa do Carnaval da Bahia), mas, no fundo, o conteúdo se restringe ao Carnaval de Salvador. Outra coisa que é muito fácil de constatar é a falta de uma maior atenção para os criadores do trio elétrico e da guitarra baiana, Dodô e Osmar. A referência presente no museu é muito pequena, diante da importância dos precursores. Os compositores, que são artistas fundamentais em todo o processo da festa, ficam à míngua. Por que o curador não foi alguém da Bahia, conhecedor dos nossos costumes e tradições? Nada contra Gringo, tudo a favor de uma história contada com o nosso olhar. Vale ressaltar que o equipamento cultural foi concebido em três meses. Então, pouco tempo para muita pesquisa que tinha de ser feita, não é?
Os vídeos exibidos na Casa são muito longos, o que torna a visita mais cansativa do que ir atrás do trio. Um parêntese: qual foi o critério de escolha dos narradores dos vídeos que são exibidos na exposição? Porque tem cada incoerência! Daniela Mercury narra o vídeo intitulado “O Carnaval afro” e Regina Casé narra dois: “Chamando gente” e “Cantores do Carnaval da Bahia” (em parceria com Margareth Menezes). Por que Regina Casé? Uma pesquisa no Google responde! Ela é amicíssima de Gringo! A interatividade proposta pelo curador é bem-vinda e está conectada com as demandas de hoje, mas será que, para quebrar a monotonia de um vídeo atrás do outro, não teria condições de contar com a participação de monitores bem informados para falar sobre a festa? Competência, certamente, não falta. Por que essa alternativa não foi pensada? Num museu que tem como temática o Carnaval, o que mais se espera é dinamismo, não é? Até a tentativa pensada para isso (a Sala Cinema Interativo – Vídeos de Dança), soa insossa e, o que se percebe, é que apostaram numa interação pela interação; vazia e sem um propósito substancial. Na sala, os visitantes são convidados “a viver a experiência” de estar no Carnaval de Salvador. Para isso, usam voluntariamente adereços carnavalescos e acompanham as “aulas de dança” que são apresentadas numa projeção. A ideia é aprender os passos e dançar junto (?). Perderam a chance de mostrar, por exemplo, as danças que surgiram naturalmente nas ruas, por causa do Carnaval, como a da galinha e muitas outras. Essa coisa ensaiadinha das danças foi uma invenção da indústria cultural e, mesmo sendo bem-sucedida, descaracterizou a naturalidade da nossa festa. Em entrevistas, Luiz Caldas sempre fala que a dança do fricote surgiu de uma cópia dos passos que um folião estava fazendo na rua, atrás do trio. É por aí.
Importância cultural

Teto e parede com arte de J. Cunha; homens de lata de Aloisio de Madre de Deus também integram o cenário. Foto: Raulino Júnior

Apesar de apostar num conceito que privilegia a superfície e não a base dessa potente manifestação popular, a importância cultural do museu é incontestável. Quem o visita, se depara com um universo carnavalesco muito rico e peculiar. Tudo foi pensado com capricho. Na entrada, tetos e paredes são cobertos por obras do artista plástico J. Cunha. Além disso, há uma instalação de homens de lata de Aloisio de Madre de Deus, do Bloco da Latinha. Ainda na primeira parte, uma máscara gigante da careta de Maragojipe, assinada por Memeu Barbudo, chama a atenção. Há também uma biblioteca, com livros que refletem sobre o Carnaval e seus personagens.

Máscara gigante da careta de Maragojipe, do artista Memeu Barbudo. Foto: Raulino Júnior

Biblioteca focada no Carnaval: estímulo à leitura. Foto: Raulino Júnior

A exposição é formada por três salas: a primeira, denominada Origens do Carnaval; a segunda, Criatividade e Ritmos do Carnaval e a terceira, já citada aqui, Sala Cinema Interativo. O visitante começa a imersão na Sala Origens do Carnaval. Lá, assiste a vídeos narrados por expoentes da festa, como Gerônimo (Origens do Carnaval da Bahia), Márcia Short (Carnaval das elites nos salões e nas ruas), Mariene de Castro (Celebrando o samba), Márcio Victor (A Praça Castro Alves) e Alberto Pitta (Afoxés do século XIX). Miniaturas de personagens do Carnaval (ambulantes, artistas, foliões), feitas pela artesã Cibele Sales, estão por toda a parte da sala.

Sala Origens do Carnaval. Foto: Raulino Júnior

Sala Origens do Carnaval. Foto: Raulino Júnior

Na Sala Criatividade e Ritmos do Carnaval, os vídeos são narrados por Carla Visi (O visual do Carnaval), Daniela Mercury (O Carnaval afro), Regina Casé (Chamando gente), Luiz Caldas (A mistura de ritmos no Carnaval da Bahia), Margareth Menezes (O tambor e a guitarra do Carnaval da Bahia), Claudia Leitte (Blocos de trio), Ivete Sangalo (O samba e o pagode no Carnaval da Bahia), entre outros.

Um dos figurinos de Carlinhos Brown. Foto: Raulino Júnior

Fantasias dos blocos de matriz africana. Foto: Raulino Júnior

O vídeo narrado por Caetano VelosoCantoras do Carnaval de Salvador, é reproduzido sem que o áudio do artista saia. Segundo um monitor do museu, o santoamarense não autorizou o uso de nenhum de seus áudios, incluindo os de entrevistas antigas sobre o Carnaval e os de músicas. Alguma pendenga judicial. Na sala em questão, o visitante vê alguns figurinos doados pelos artistas que fazem e fizeram o Carnaval acontecer, as fantasias dos blocos de matriz africana e uma instalação no teto, feita com tambores, um dos símbolos da festa. Visualmente, a exposição mata a pau.

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Axé Music feito no México: o Samba Mestiço da banda Caboclo

Prestes a lançar o primeiro álbum, intitulado Alegría, banda mexicana de Axé Music difunde gênero baiano na América do Norte

Banda Caboclo: Axé Music feito no México. Da esquerda para a direita: Katy Barbosa, Santiago Buck, Omar Diupotex, Lu-Yang Lee, Alfredo Galván, Adrián Sánchez, Hugo Mendoza e José Carlos “Pepillo” de la Rosa. Imagem: montagem feita a partir de fotos de Elizabeth Martínez

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
Nesta quinta-feira, 30 de novembro, terá festa com música baiana na Cidade do México. A responsável por isso é a banda Caboclo, que vai lançar, no espaço cultural Multiforo 246, o seu primeiro álbum, Alegría, uma síntese das pesquisas feitas acerca do gênero Axé Music. Fundada em 2013, por Santiago Buck e Héctor González, com o intuito de integrar o Axé à cena musical do México, atualmente, a Caboclo é formada por Santiago Buck (direção musical e percussão), Katy Barbosa (voz), Omar Diupotex (guitarra), Lu-Yang Lee (teclado), Alfredo Galván (baixo), Adrián Sánchez (surdos), Hugo Mendoza (bateria) e José Carlos “Pepillo” de la Rosa (percussão). Tendo Carlinhos Brown e Ivete Sangalo como as principais influências do Axé Music, a banda bebe na fonte da musicalidade brasileira e extrapola o gênero criado por Luiz Caldas, em 1985. “Minhas influências de música brasileira não são só de Axé Music. Na verdade, sou amante do samba, MPB, rock, pagode, forró. Apenas para citar alguns artistas que eu considero como fonte de inspiração, temos Gilberto GilCaetano VelosoFundo de QuintalArlindo CruzO RappaLuiz Gonzaga e Seu Jorge“, afirma Santiago Buck, que pesquisa música brasileira há mais de dez anos. “Tenho onze anos fazendo música brasileira profissionalmente. Estudei vendo vídeos de Carlinhos Brown, Olodum, Ilê Aiyê etc. Fui ao Brasil, em 2015, com a única intenção de estudar ritmos tradicionais. Comecei a viagem por Recife. Lá, estudei maracatu, afoxé e um pouco de forró. Depois, fui a Salvador, onde estudei com Kinho Santos. Aprendi música de raiz, samba de cabula, samba-duro, samba-reggae. A última parte da viagem foi no Rio de Janeiro, onde estudei samba-enredo”, narra, em entrevista feita por e-mail. O músico cita ainda Chiclete com Banana e Banda Eva como bandas que influenciam o som da Caboclo.

Axé Music feito no México

Santiago conheceu o Axé Music em 2004, quando começou a praticar capoeira no grupo mexicano Capoeira Longe do Mar. Durante as aulas, escutou pela primeira vez as músicas de Caetano Veloso, Daniela MercuryTimbalada etc. “Naquela época, eu não sabia o que era o Axé Music nem tampouco que ele ia definir a minha vida. Foi lá que comecei com a música brasileira, fazendo batucadas. Graças a isso, conheci alguns brasileiros, que me convidaram para tocar com eles. Em 2010, foi criado o Axé Pracatum, com a ideia de ser o primeiro grupo de Axé Music do país, mas acabou por ser um bloco de rua. Em 2013, saí do Axé Pracatum junto com Héctor. Nesse momento, decidimos formar a Caboclo”. Héctor não está mais na banda, mas continua amigo de Santiago e acompanha as ações do grupo.

Arte: Proyecto Patuá Capoeira

Fazer Axé Music no México, de acordo com Buck, é difícil. “Axé Music não existe aqui. Na verdade, as pessoas gostam de ouvir, embora não saibam o que é Axé. Elas não sabem o que fazer com o ritmo. Alguns dançam como se fosse ska ou merengue. Para que seja aceito aqui, temos que fazer adaptações com músicas e ritmos conhecidos”, explica. Ainda assim, o gênero baiano consegue coexistir com a música ranchera e os mariachi, tão comuns e tradicionais na cultura musical mexicana. “O Axé Music é considerado como world music. Isso faz com que não façamos parte de uma cena musical específica e é mais difícil de nos posicionarmos em festivais importantes. Somos considerados músicos exóticos, mas o mexicano escuta de tudo e dança de tudo. Quando ouvem novas músicas tão enérgicas quanto o Axé, curtem demais”.

Samba Mestiço da banda Caboclo

O lançamento do EP Alegría, que se concretizará na próxima quinta-feira, chega para cumprir a meta estabelecida pela Caboclo para 2017. O disco é composto por seis faixas, nas quais fica evidente a qualidade musical e o trabalho de pesquisa que há por trás de cada canção. Caboclo/Besar Tu Boca (Luis Noa Pluma), a primeira do álbum, tem arranjo que lembra as músicas do início do Axé Music, antes de o gênero se tornar amplamente comercial e quando flertava de forma intensa com a lambada. A introdução, intitulada de Caboclo (Santiago Buck), de acordo com Santiago, foi composta “para dar uma visão geral da nossa música e está ligada com Besar Tu Boca, uma mistura de samba-merengue e comparsa cubana”. A faixa Como Te Explico (Juan Alberto Otero Lara) é uma balada romântica, com percussão bem marcada e letra que fala de amor, de relacionamento. Tem Que Diz (Santiago Buck/David Contreras), a terceira, é um forró com letra engajada e cheia de metáforas. “É a primeira composição do grupo e a única música composta em português. Fala dos problemas da gente, do governo e da manipulação da mídia”, pontua Santiago. Alegría de Vivir (Luis Noa Pluma), a música de trabalho, é uma das melhores do EP. A batida, o arranjo e a letra estão em sintonia e lembram muito o que se fazia por aqui, nos áureos tempos do Axé. Tambor (Luis Noa Pluma) é “uma das músicas que mais representam nosso jeito de fazer Axé Music”, destaca Buck. Para fechar o EP, a banda traz uma regravação da música Pata de Perro, da banda Maldita Vecindad y Los Hijos del 5º Patio.

Capa do EP Alegría, da banda Caboclo. Arte: Proyecto Patuá Capoeira

De acordo com Santiago Buck, o processo de produção do álbum foi divertido. “Um experimento do início ao fim”, revela. Cinco músicos foram convidados para colaborar na gravação do disco: Enrique Nativitas (bateria na música Tambor), Saúl Chávez (pandeiro em Alegría de Vivir), Gillo Telo (congas em Tambor e Pata de Perro), Luis Noa Pluma (voz em Alegría de Vivir) e Guilherme Milagres (viola caipira em Tem Que Diz). Guilherme é considerado por Santiago um dos melhores músicos brasileiros presentes no México. O baterista Hugo Mendoza trabalhou de forma intensa para o disco sair com a sonoridade que a banda aspirava, pois, como confidencia Buck, no México não há engenheiro de som que conheça timbaus, surdos, repiques etc. A música Alegría de Vivir mostra o resultado de tanto esforço:

Questionado sobre o que o público mexicano pode esperar do disco, o diretor musical da Caboclo aposta na alegria. “O público mexicano pode esperar músicas com um ritmo novo para eles, mas com um toquezinho de “candela”, que eles já conhecem. Eles poderão dançar, cantar e curtir o Axé Music, o samba mestiza“. E o povo brasileiro? “Nós fizemos uma nova maneira de compor Axé Music, mas com o máximo de respeito. O povo brasileiro pode esperar uma mistura gostosa da sua música, com um toque picante do México”. Quanto ao legado que banda quer deixar com o primeiro álbum, Santiago Buck é categórico: “Todos temos sangue africano, indígena e europeu. O legado é este: aproximar nossos irmãos da música de nossos irmãos”. E essa aproximação pode chegar até aqui, literalmente. Há planos de uma turnê da banda em solo brasileiro: “Quando fundei a banda, tinha o sonho de levar a nossa música para o Brasil, mas isso é complicado, pela falta de recursos. Agora, com o disco pronto, houve muito interesse da comunidade brasileira no México para que isso acontecesse. Graças a isso, a nossa agência de promoção está fazendo contato com a embaixada brasileira e pesquisando meios para que a viagem aconteça”. A gente fica na torcida.

Com a palavra, Katy Barbosa

Foto: Elizabeth Martínez

A atual vocalista da banda CabocloKaty Barbosa, é brasileira e baiana (nascida em Salvador). Santiago a conheceu trabalhando num carnaval. “Ela fazia parte do grupo de dançarinas. No caminho de volta para casa, começou a cantar e, nesse momento, vi que ela poderia ser a voz que precisávamos. O principal aporte que ela deu para o grupo foi a sua energia e presença de palco. Também fez arranjos na voz e nos coros, ensinou novas canções e propôs ritmos para as músicas”, reconhece o diretor.

Katy tem 26 anos, é nascida e criada no bairro Beiru/Tancredo Neves, em Salvador. A música sempre esteve presente em sua casa, pois a mãe é cantora. Começou a cantar aos seis anos, numa comunidade evangélica e, desde então, nunca mais parou. Além de cantar, compõe: “Tenho algumas canções em parceria com duas amigas, mas o mercado é pesado”, avalia. Na capital baiana, teve uma breve experiência na banda Samba Comunidade, da Federação. “Cheguei a gravar DVD com eles, mas somente como vocal”. Aos 19 anos, saiu de Salvador com destino a Fortaleza (Ceará). Em setembro de 2015, deixa Fortaleza e vai para o México. Nesta entrevista exclusiva que concedeu para o Desde, via Instagram, Katy fala sobre o que motivou a ida para o México, como conheceu a Caboclo, quais artistas da Axé Music admira e sobre o apoio que recebe de familiares e amigos para seguir a carreira.

Desde que eu me entendo por gente: o que a fez tentar a carreira no México?

Katy Barbosa: A vontade de crescer e ser independente foi fundamental. Apareceu a oportunidade de mudar para Fortaleza e eu agarrei com unhas e dentes. Lá, vivi por quatro anos e trabalhei em várias bandas de forró. Até então, o México não era um destino. Não foi nada planejado. Quando aconteceu, eu me permiti. Agarrei também a oportunidade e vim sem medo.

Desde: Como conheceu a Caboclo?

KB: A comunidade brasileira no México é muito grande. Na maioria das vezes, todos trabalhamos juntos, brasileiros e mexicanos. Conheci Santiago Buck, fundador e coordenador da Caboclo, numa dessas situações. Ele é uma pessoa maravilhosa.

Desde: Quando e como foi o convite para entrar na banda?

KB: A ex-cantora da Caboclo [Kika Sinatra], que é mexicana e muito minha amiga, decidiu se dedicar à sua vida pessoal. Com isso, a banda precisava de uma cantora para seguir com o projeto. Santiago, como já conhecia o meu trabalho, me convidou e eu logo aceitei.

Desde: Como as pessoas do México recebem o Axé Music?

KB: Os mexicanos são curiosos. Adoram o Brasil e tudo que vem de lá. Não conhecem muito a cultura, é tudo muito novo, mas eles amam. Escutam os tambores e se emocionam. É bonito de ver.

Desde: Quais artistas do Axé Music você admira e tem como referência?

KB: Obviamente, os maiores nomes e referências da nossa música baiana são Ivete Sangalo, Margareth Menezes e Daniela Mercury. Eu não me prendo a um só estilo. Escuto de tudo, aprendo de tudo um pouco, porque música é diversidade.

Desde: Visita o Brasil com frequência?

KB: Estou fora do país há apenas dois anos. Não vou com frequência e a saudade está equilibrada.

Desde: Você recebe apoio de familiares e amigos para continuar na carreira?

KB: Sou filha única. Minha mãe é supercoruja. Tenho primos e amigos que são como irmãos, todos torcem pelo meu sucesso. Eu sou grata a Deus e à vida por ter pessoas assim pertinho, mesmo estando longe.

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Em aula-show na UFBA, Luiz Caldas canta e conta histórias

Palestra do precursor da Axé Music fez parte da programação de abertura do ano letivo da Universidade Federal da Bahia

Luiz Caldas em aula-show na UFBA. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 

O cantor, compositor e multi-instrumentista Luiz Caldas, 52 anos, ministrou uma aula-show no campus da Universidade Federal da Bahia, em Ondina, ontem à tarde. Com temática sobre os 30 anos da Axé Music, completados neste ano, a palestra aconteceu na Praça das Artes e integrou a programação de abertura do ano letivo da instituição de ensino. Durante o evento, Caldas falou sobre a sua origem, como começou a gostar de música, sua estreia no trio elétrico e sobre início de sua carreira.

Antes de a aula-show começar, a expectativa sobre quais seriam os assuntos abordados por Luiz Caldas era grande. Jessé Oliveira, 25 anos, que cursa o 7º semestre de Letras Vernáculas, elogiou a iniciativa da universidade: “Durante esse tempo todo que estou aqui, nunca vi uma iniciativa como essa na universidade. Já teve a Calourosa, mas não nesse perfil. Esse perfil é diferente, porque reúne palestras, aulas, com evento musical. Acho interessante. É perceber que a universidade está se movendo, ainda mais porque nós completamos agora 30 anos de Axé Music. Eu quero ver o que Luiz Caldas vai apresentar pra gente, ele que é considerado o precursor”, afirmou.

Jessé Oliveira: “A aula show foi uma iniciativa interessante da UFBA”. Foto: Raulino Júnior

E Luiz contou curiosidades sobre a sua caminhada na música. Falou que, quando criança, escutava de tudo, porque não existia músicas voltadas apenas para crianças. “Ouvia PinducaElizeth CardosoLuiz Gonzaga, muita gente”. Em vários momentos da aula, fez questão de enfatizar que todas as suas decisões, ao longo de 45 anos de carreira, não foram motivadas por dinheiro. “Uma coisa que eu agradeço muito a Deus é não ter ganância financeira. Nunca fui ganancioso quanto a dinheiro. Eu gosto é de música. Minha ganância é de música”.

A aula serviu para Luiz fazer um resgate histórico de sua carreira. Nesse sentido, não deixou de falar sobre a passagem pela WR e pela Banda Acordes Verdes. Lembrou dos tempos que cantava em bandas de bailes e dos vários nãos que recebeu. “Eu chegava nas gravadoras com o meu material e o diretor dizia: ‘Mais um baiano aqui?! Não!’. Diante disso, eu coloquei um propósito na minha cabeça: ‘Eu vou fazer sucesso aqui [na Bahia] e esses caras vão vir me buscar'”. Foi dito e certo: “Vendi 100 mil cópias do meu disco, só na Bahia. A Bahia me deu um disco de ouro sem precisar dos outros estados. O disco Magia me catapultou”, contou com orgulho.

Luiz Caldas confidenciou ao público o que Chacrinha lhe disse após uma de suas inúmeras apresentações no programa do comunicador. “Ele foi ao camarim e disse: ‘Você está reinventando a alegria do carnaval da Bahia. Se prepare para ser o representante de muita gente que vem atrás de você’. Além de comunicador, ele era profeta”, brinca o artista. Sobre a Axé Music, Luiz foi enfático: “A gente tem que ter orgulho da nossa música. Agora, ela está em declínio comercial. Alguns artistas não souberam gerir as suas carreiras. Eu não gravo uma canção que eu não gosto, porque ela vai me perseguir a vida toda. O que falta, hoje, na nossa música, é ser menos manipulada”, pontuou.

O cantor falou sobre o seu atual projeto, que disponibiliza, todo mês, músicas gratuitas no seu site. “É um projeto que tem como intuito devolver o que a música me deu”. Os discos disponibilizados mostram a diversidade musical do artista e transitam pelo rock, MPB, samba e forró. Inclusive, para diversificar ainda mais, ele firmou parcerias com outros colegas da música, como Sandra de SáZeca BaleiroChico CésarSeu JorgeSaulo FernandesJosé Carlos Capinam e Gilberto Gil. De acordo com Luiz, o projeto já tem oito milhões de downloads na internet.

Como não podia faltar música no evento, Luiz Caldas intercalou suas histórias com sucessos como MagiaAjayôO Beijo e, claro, Fricote. No final, exclamou: “Viva a boa música sempre!”.

Música e educação

João Carlos Salles, 52 anos, reitor da UFBA, esteve presente na aula-show de Luiz Caldas e ressaltou o papel da instituição no debate sobre os 30 anos de Axé Music. “A UFBA está ligada à cidade de Salvador, à sociedade, à cultura. É natural que a gente queira começar o ano com essa alegria, com essa energia, mas com essa reflexão também. Talvez seja uma maneira de lembrar que a universidade tem essa capacidade de ser vanguarda”.

João Carlos Salles, reitor da UFBA: “Universidade de vanguarda”. Foto: Raulino Júnior

Para o vice-reitor da universidade, Paulo Miguez, 60 anos, que é estudioso do carnaval da Bahia desde 1995, a importância de a UFBA trazer essa discussão para a comunidade acadêmica tem a ver com a relevância do Axé para a cultura baiana. “A Axé Music é um divisor de águas importante a partir de dois pontos de vista: do ponto de vista da criação estético-musical e no que diz respeito à criação de um mercado da cultura na Bahia. São dois fatos que estão associados à Axé Music, que neste ano faz 30 anos, e obrigam à universidade um olhar cuidadoso”, avalia. Questionado se o evento foi uma forma também de a UFBA mostrar para a sociedade que o gênero precisa ser repensado, Paulo ponderou: “Sim. Todo gênero que ganha a dimensão de massa e passa  a ser algo que interessa à indústria cultural, vai experimentar aquilo que a gente pode chamar de fadiga de material e vai exigir renovação, o que tem acontecido. Às vezes, o olhar menos atento, sugere sempre a ideia de que é tudo igual, e não é. Os artistas da Axé são muito diferentes entre si, produzem uma obra muito diferente entre si. O que é igual é o mercado. Acho que há uma certa confusão entre a Axé Music e o mercado da Axé Music. Às vezes, as pessoas querem criticar o mercado e acabam caindo na armadilha de criticar a Axé Music. Eu prefiro fazer essa diferença, porque penso que são duas coisas importantes, mas que têm que ser tratadas com perspectivas distintas”.

Vice-reitor da UFBA, Paulo Miguez. “A UFBA tem a obrigação de reverenciar a Axé Music”. Foto: Raulino Júnior

Sobre a aula-show de Luiz Caldas, o vice-reitor espera que os universitários levem como mensagem o reconhecimento do gênero musical. “O reconhecimento da vitalidade da cultura baiana que, de tempos em tempos, produz novidades que alcançam a cena brasileira e, em muitos casos, alcançam além das fronteiras brasileiras. A Universidade Federal da Bahia tem a obrigação de reverenciar expressões dessa vitalidade e a Axé Music é uma dessas expressões”.

A estudante do 2º semestre de Letras com Inglês, Simone Oliveira, 20 anos, parece concordar com a reflexão proposta por Paulo. “Eu achei muito bom, por parte da universidade, trazer esse conhecimento para a gente sobre o Axé Music, que representa a identidade cultural da Bahia. Eu adorei a aula-show. De verdade! A gente acha que tudo é flores, mas os artistas passam por muitas dificuldades. Eu vou levar, para a minha vida, essa história que acabei de conhecer melhor sobre o Axé Music. Eu tinha um pouco de preconceito com o gênero, mas passei a conhecer a história e isso mudou”, reconheceu.

Simone Oliveira: “Adorei a aula-show. Passei a conhecer melhor a Axé Music”. Foto: Raulino Júnior

Com a palavra, Luiz Caldas

Foto: Catarina Reimão

Logo após o término da aula-show, na UFBA, Luiz Caldas deu uma entrevista exclusiva para o Desde. A própria aula, a relação de música com a educação e o futuro da Axé Music foram os assuntos abordados. Leia!

Desde que eu me entendo por gente: Como foi receber esse convite da UFBA para falar para a comunidade acadêmica?

Luiz Caldas: Maravilhoso. Para mim, é como uma coroação de tudo que fiz e venho fazendo pela música. Afinal de contas, são 45 anos ininterruptos de música, me dedicando aos instrumentos, aos estudos, à boa música. Então, estar hoje, falando para tantas pessoas, que representam o futuro de melhoras para nosso estado, para o mundo, é maravilhoso isso.

Desde: Na sua opinião, como a educação pode contribuir para a música?

LC: Educação é fundamental. Sem ela, não tem música. A gente tem que aprender que, com a educação, você se veste melhor, come melhor, vive melhor, rende mais, você é melhor para as outras pessoas. Tudo isso passa pela educação.

Desde: Qual é a perspectiva futura para o Axé que você vê?

LC: Agora, melhor, porque é só um gênero; não é mais aquele gênero que dava milhões e que qualquer um se apoderava dele e pagava rádio e virava artista. Agora, a coisa ficou mais séria.

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Esta reportagem foi produzida entre os dias 05 e 06 de março de 2015.

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Axé Music, Cultura, Desde Então: análise de produtos culturais de outrora, Jornalismo Cultural, Música

Roda Viva: a coerência artística de Daniela Mercury

https://www.youtube.com/watch?v=6FtKARmClT4

Daniela Mercury, no Roda Viva. Imagem: captura de tela feita em 13 de fevereiro de 2015.

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora||
Em 1º de janeiro de 1996, a TV Culturaexibiu, no tradicional programa Roda Viva, uma entrevista com a cantora e compositora Daniela Mercury. Vale muito a pena assistir! Principalmente, para entender por que a Axé Music se tornou uma música hegemônica no Brasil. A competência e preocupação artística de Daniela já eram evidentes desde lá. Definitivamente, o canto é dela!
Na entrevista, mediada por Matinas Suzuki, Daniela fala sobre sua relação com o dinheiro (“Eu gosto de dinheiro para produzir, para realizar os meus sonhos”), sobre as críticas ao seu trabalho, sobre as dificuldades do início da carreira e outros assuntos que interessam a quem gosta de música e cultura brasileira. Naquele momento, ela estava prestes a lançar o CD Feijão com Arroz, um clássico de sua discografia, e mudando o seu percurso no Carnaval de Salvador: ia desbravar a Barra. Em 1996, Daniela estava completando dez anos de carnaval em Salvador.
Alguns trechos são bastante interessantes e mostram como Daniela é uma artista coerente com o seu público, a sua música e a sua arte. Isso transparece quando a artista fala sobre a sua dedicação aos shows: “Eu faço cada show como se fosse o único e o último da minha vida. Seja onde for, há qualidade, há entrega absoluta, disso eu não abro mão, em hipótese alguma. Mesmo estando até um pouco debilitada fisicamente pelas viagens. Eu não escondo nada, eu não guardo nada. Eu sou completamente intensa na minha relação com o palco”.
A conhecida personalidade forte de Daniela também figurou no Roda Viva. Ao falar sobre a presença da dança nos seus espetáculos, ela solta: “Eu tenho a dança como um outro elemento de comunicação com o público, muito claramente. Eu não uso ela só como um enfeite”. Enfim, a repetição é necessária: vale muito a pena assistir ao programa!

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O Axé dançou?!

Desde visita academias de Salvador para saber se o suingue ainda é baiano e discute a tão falada crise da Axé Music

Aula de suingue baiano, na Pró Saúde Academia, em Paripe. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 

Quando se fala em Axé Music, é natural pensar numa música dançante, feita para pular e que, quase sempre, traz coreografias fáceis de aprender. Neste ano, o gênero, que é apenas mais um segmento artístico dentro do universo musical da Bahia, comemora 30 anos de vida e vê o seu nome associado a uma crise de criação bastante evidente para alguns e não percebida por outros, principalmente artistas e empresários do ramo. A fim de investigar se o estado de crise é real, o Desde resolveu visitar as aulas de suingue baiano de cinco academias de Salvador para saber se, de fato, o suingue ainda é baiano.

Origens

As aulas de suingue baiano se popularizaram no início dos anos 90, do século passado, juntamente com a ascensão e consolidação da Axé Music, vertente da música baiana que ganhou o Brasil a partir de 1985. Sucesso nas academias, as aulas costumam atrair homens e mulheres que querem se exercitar, perder peso ou aprender as coreografias das músicas mais tocadas do momento. Nessa seara das “músicas mais tocadas do momento”, hoje em dia, a Axé Music coexiste com o funk, o sertanejo, o forró, o arrocha e as músicas de artistas internacionais. O repertório das academias é pensado, principalmente, levando em consideração as músicas que estão tocando no rádio ou que fazem parte da trilha sonora das novelas. O professor Eric Araújo, o Pincel, 27 anos, da F4 Academia, que fica no bairro de Nazaré, elenca três pontos primordiais para colocar uma música no seu repertório: “Primeiro, eu busco o lance comercial, as músicas que estão tocando nas rádios; o segundo ponto é buscar coreografias que tenham um lado metodológico, com indicações como ‘direita, esquerda, em cima, embaixo’; por último, é o lado fitness. A gente busca, dentro do repertório, oscilações de ritmos que vão auxiliar na frequência cardíaca do aluno e, consequentemente, num maior gasto calórico”. Ou seja, um prato cheio para o Axé, que, em parte, atende a todos os requisitos citados por Pincel. Contudo, para ele, que dá aulas de suingue baiano há cinco anos e trabalha em seis academias, o Axé Music se modelou negativamente para as aulas de dança. “O axé deixou de ser um show interativo para ser um show expositivo. Antigamente, eram coreografias que induziam o público a dançar e participar do show e isso era muito fácil de a gente reproduzir dentro da sala de aula. O que eu percebo é que o axé se tornou mais expositivo e começou a excluir um pouco a dança participativa para ter uma dança espetáculo. Eu não estou dizendo que isso é ruim, estou dizendo que o axé mudou um pouco a sua raiz”, esclarece.

Eric Araújo, o Pincel, e parte de seus alunos posam após mais uma aula de suingue baiano, na F4 Academia. Da esquerda para a direita: Heliana Conceição, Thawant Teixeira, Pincel e Cíntia Daiana. Foto: Raulino Júnior

F4 Academia foi fundada em 2012 e, desde então, oferece aulas de suingue baiano. De acordo com França Maria, 38 anos, que é administradora do espaço, a decisão de colocar as aulas na grade da academia partiu, principalmente, pela demanda. “No Centro, é muito forte a procura. As pessoas já vêm à academia procurando saber se tem aula de suingue baiano. Então, é o nosso carro-chefe”, admite. Em média, 16 a 18 alunos frequentam a aulana F4. Segundo França, o Axé continua predominando no repertório, mas, na opinião dela, para o gênero se manter em alta no futuro, deve fazer um retrocesso. “Acho que ele chegou a um ponto que evoluiu tanto que, agora, está regredindo, voltando às origens. O É o Tchan está voltando a cantar as músicas antigas, os grupos antigos estão voltando porque eles perceberam que aquele axé, lá do comecinho, fazia e faz muito mais sucesso do que, digamos, a baixaria que estão fazendo hoje em dia. Eu acho um retrocesso bem inteligente e acho que o axé não acaba nunca”.

França Maria, administradora da F4 Academia. “O suingue baiano é o nosso carro-chefe”. Foto: Raulino Júnior

Vivendo do que já foi

A professora Dérica de Assis, 40 anos, que dá aulas em quatro academias, também acha que o Axé não vai acabar, mas pondera: “Nas minhas aulas, o axé predomina, mas eu faço um resgate porque, hoje, os artistas não lançam músicas que contribuam para a gente selecionar um repertório legal e colocar numa aula de 1h. Hoje em dia, realmente, está essa decadência. O axé vive do que já foi”, avalia. Dérica tem 22 anos de profissão e dá aulas de suingue baiano há 15. Na Jump Cat Academia, localizada na Avenida Sete de Setembro, ela é professora de zumba. Por sinal, a Jump Cat é, das cinco academias visitadas, a única cuja aula não recebe a denominação de “suingue baiano”. Mas, o que é a zumba? “É a reunião de vários ritmos latinos, como bachata, merengue, reggaeton e salsa”, afirma Santiago Sales, 23 anos, um dos professores da Jump. Nesse sentido, o suingue da Bahia é incorporado à zumba nas aulas de Dérica, o que tem agradado aos alunos. “Fiz a primeira vez e fiquei apaixonada, porque é dinâmica, divertida e trabalha o corpo todo; principalmente o aeróbico, a coordenação motora e a resistência”, conta a entusiasmada Lindinalva Berlink, de 51 anos, que é professora de educação física e estudante de biomedicina. Ela só não gosta de “pagode baixo-astral”.

Lindinalva Berlink: “Gosto de axé, só não gosto de pagode baixo-astral”. Foto: Raulino Júnior

Na Jump, Dérica dá aula de zumba em parceria com o professor Ubiratan Sá, de 28 anos, que trabalha com suingue baiano desde 2013. Ubiratan é um crítico contumaz da atual cena da Axé Music e diz que, pela experiência que tem, a adesão às aulas dessa natureza foi diminuindo ao longo do tempo. “Está um pouco decadente. Eu estou pegando música antiga, de dois, três anos atrás e nada de baixaria. Hoje em dia, o pagode tem muita baixaria e algumas músicas do axé estão partindo para o lado do pagode”.

Dérica e Ubiratan, professores de zumba da Jump Cat Academia. Foto: Raulino Júnior

O profissional de educação física Charles Fraga, 45 anos, dono e administrador da Jump Cat, decidiu colocar aula de dança na academia porque a modalidade costuma atrair muitos alunos. “Desde o início da academia, há 8 anos, a gente oferece aula de suingue baiano. Há uma ano e três meses, apostamos na zumba. Decidi colocar dança aqui porque atrai muito mais aluno e chama mulher para academia. Nem todo mundo quer fazer musculação”, garante. Cada aula de zumba na Jump Cat tem, em média, cerca de 15 a 20 alunos.

Charles Fraga, dono e administrador da Jump Cat Academia. “As aulas de dança chamam mulher para a academia”. Foto: Raulino Júnior

Suingue misturado

O professor Alex de Oliveira, 37 anos, mais conhecido como Leleco, dá aula de suingue baiano há 10 anos e trabalha em oito academias. Entre elas, a Academia Alabama Fitness, que fica nos Barris. As aulas de Leleco são sempre cheias, com uma média de 25 alunos. O repertório é selecionado tendo como parâmetro as músicas que tocam nas rádios e as que fazem sucesso nas novelas. Embora admita que o axé predomine nas suas aulas, Leleco diz que o suingue não é mais só baiano. “Misturou. A música baiana virou mistura. A essência não é tão forte como era o Olodum, que era o pilar da coisa. O Ilê Aiyê, com aquele suingue gostoso. Hoje, você não vê muito isso. Nas aulas de dança, predomina o ritmo baiano, mas você vê muito funk. O próprio pagode baiano está sendo baseado no funk”. Há nove anos, Leleco mantém o projeto Dance com Leleco, que acontece sempre aos domingos, às 10h, no Farol da Barra. A ação é tão bem-sucedida que já chegou a reunir cerca de 150 pessoas. Hoje, ela integra o projeto Ruas de Lazer, capitaneado pela Prefeitura de Salvador em parceria com o Shopping Barra.

Leleco (na frente, com camisa de manga comprida) e sua turma da Academia Alabama Fitness. Foto: Raulino Júnior

Quem tem uma opinião semelhante à de Leleco é o professor da Espaço 10 Academia, que fica no Campo Grande, André Teixeira, 22 anos. A proposta da aula dele é a de misturar ao máximo os ritmos, mas o pagode e o samba predominam. “O suingue não é mais totalmente baiano. Hoje, você vê o crescimento do sertanejo, que deu uma misturada com o arrocha que surgiu aqui na Bahia. Numa aula, você pode encontrar pagode baiano, axé, ritmos latinos e até hip-hop norte-americano. Com a globalização, músicas que tocam em outros lugares chegam com mais facilidade a nosso estado”. André ainda afirma que, quando começou a dar aulas, em 2010, a música baiana era quase que exclusiva no repertório. “Tinha quase que 100% de música baiana. Mas, como falei, com a globalização, não dá para ficar somente nela”. Ele é professor de suingue baiano das duas unidades da Espaço 10 (Piedade e Campo Grande). Na do Campo Grande, que é a filial, tem uma média de 8 a 12 alunos. Na matriz, a média é de 25 pessoas por aula.

André Teixeira (sentado) e os alunos da Espaço 10 Academia, unidade do Campo Grande: ele aposta na mistura de ritmos. Foto: Raulino Júnior

Desde quando foi fundada, em 2000, a Espaço 10 oferece aula de dança e a modalidade se tornou, como assegura Manoelito Magalhães, de 51 anos, “o carro-chefe da academia”. Manoelito administra a unidade do Campo Grande, que é um pouco mais nova, com oito anos de atividade, e traz um depoimento que revela que as aulas de suingue baiano servem de iscas para os baianos frequentarem a academia. “Quando as pessoas vêm procurar a academia, principalmente o público baiano, a primeira coisa que pergunta é: ‘Tem suingue baiano?'”. Porém, na opinião dele, a Axé Music estagnou. “Não houve renovação, a fórmula ficou a mesma coisa. Os mesmos cantores fazem sucesso. Hoje, se resume a quê: cinco, seis, né?”, questiona.

Manoelito Magalhães, administrador da Espaço 10 Academia: “O Axé não se renovou”. Foto: Raulino Júnior

Para Dhieggo Astral, 30 anos, professor da Pró Saúde Academia, em Paripe, o pagode baiano tomou o espaço do Axé. “O Axé permitiu isso. Não inovou”. Com 11 anos de experiência e, atualmente, dando aula em cinco academias, Dhieggo seleciona o repertório tendo como referência as músicas que tocam no rádio. “Vejo o que está bombando em cada região e faço um repertório eclético, mas boto mais as coisas que rolam aqui na Bahia”. Dhieggo não se considera mais um professor de suingue baiano, mas, sim, de fitdance. “É uma aula de ritmos, mais elaborada”. No Portal FitDance, a modalidade é descrita como “um programa que através dos diversos ritmos musicais torna a prática de atividade física mais divertida através da dança”. Por isso, para o professor da Pró Saúde, o suingue deixou de ser baiano e ganhou o mundo. “O suingue passou a ser mundial porque, se a galera prestar atenção nos sites de vídeo, como o YouTube, vai ver que no mundo todo, hoje, tem aula de suingue baiano; que nasceu justamente aqui na Bahia, aqui no Brasil”.

Dhieggo (o 4º, da primeira fileira, da direita para a esquerda) e os alunos da Pró Saúde Academia: aula de fitdance. Foto: Raulino Júnior

E a crise?

Levando em consideração o universo das academias, com a Axé Music ainda predominando no repertório e as aulas de suingue baiano sendo bastante frequentadas, há alguma razão para falar em crise? Pincel, da F4, pondera: “Só que, hoje, a gente tem a invasão do arrocha, do funk carioca, AnittaNaldo e os alunos cobram a inserção dessas músicas nas aulas, o que vai tomando o espaço do axé. Eu tenho, às vezes, até metade do repertório preenchido por músicas que não são provenientes do axé. Então, isso, eu considero que é um reflexo do que estão chamando de crise”. Dérica, da Jump Cat, vê o aspecto econômico da coisa como justificativa para a atual fase do Axé. “Parece que a Axé Music se prostituiu, no sentido de que só visam o dinheiro e esquecem do poder das letras, da poesia, da nossa cultura e de falar da nossa história, como o Olodum sempre fez. Eu estou bem decepcionada. Pode ser que melhore ou pode ser que não, que continue nessa mesma situação; marketing”, desabafa.

Em enquete promovida pelo site da Espaço 10 Academia, o Axé está em 3º lugar na preferência de qual gênero musical as pessoas gostam de ouvir enquanto malham. Num universo de 67 votantes, obteve 10.4% dos votos, ficando atrás de “Música Eletrônica” (55.2%) e “Outros” (20.9%). Captura de tela feita em 5 de fevereiro de 2015.

Em entrevista concedida pelo Twitter, o cantor e compositor Tierry Coringa, 25 anos, que deixa a banda de pagode Fantasmão após o carnaval para seguir carreira solo, assegura que não há dúvidas de que o Axé esteja em crise. “Sem dúvida, há uma crise na música baiana (Axé) como um todo. Crise financeira e de identidade musical. O momento é crítico. O Axé parou no tempo e sua sonoridade já não agrada mais como antes. Acho que temos que respeitar o tempo. Espero que melhore”. Tierry, que já foi gravado por artistas reconhecidamente da Axé Music, como Claudia LeitteIvete SangaloPsiricoLéo SantanaTimbalada, e Cheiro de Amor, só para citar os de maior expressão na atualidade, pretende unir o ritmo bachata com o groove da Bahia em sua carreira solo.

Vera Lacerda, fundadora do bloco e da banda Ara Ketu, concorda com Tierry no que diz respeito à existência da crise no Axé. Em entrevista via Facebook, ela não poupou palavras para falar sobre a situação do gênero musical. “Não poderia dizer que o axé  não está em crise, pois isso é uma coisa latente no momento. Acho que a música da Bahia passou por um momento de acomodação e isso implicou numa falta de criatividade e mesmice. Graças a Deus que, em meio a crise, as pessoas sentiram a necessidade de investir na criatividade e qualidade do que sabemos fazer. O Ara Ketu, por exemplo, estará investindo nessa mudança, pois estamos trabalhando no resgate cultural do nosso trabalho”, revelou. Vera se refere à nova formação do Ara Ketu, que terá Érico Brás e Tonho Matéria como vocalistas.

A propósito, Tonho Matéria também foi procurado pelo Desde para comentar sobre a tão falada crise da Axé Music. Por e-mail, o cantor e compositor enviou um significativo relato falando sobre a temática. Por questões editoriais, o blogue decidiu reproduzir na íntegra o texto do artista. Dessa forma, o Desde cumpre a sua função de noticiar com ética e responsabilidade. A seguir, o relato de Tonho.

Com a palavra, Tonho Matéria

Foto: Sandra Câmera

“A maior base da Axé Music foi a música dos blocos afro que, com suas letras voltadas ao conhecimento cultural, transformou não só a Bahia, mas o Brasil. Essa música fez diversos artistas e bandas se tornarem de ponta no país, enquanto os blocos afro permaneceram no mesmo lugar, insistindo e acreditando na proposta que tinham, a de conservar a tradição e o legado. 

Depois que as grandes bandas e artistas começaram a fazer sucesso no país, o olhar do empresariado se tornou mercadológico e, assim, fomentou o desejo de ganhar dinheiro. Desse modo, o dinheiro, juntamente com a ambição do quero mais, matou a ‘galinha dos ovos de ouro’. Os grandes compositores deixaram de ser gravados porque produtores e intérpretes passaram a compor. As micaretas espalhadas pelo Brasil passaram a ser festa indoors e, nestes espaços, só entravam artistas que faziam parte do cast de determinadas empresas, ‘grupo de empresários’.

Assim, a crise começou a acontecer. A Axé Music deixou de ser música de interesse mercadológico, porque esses empresários já estavam migrando para outros movimentos, como, por exemplo, o sertanejo, o pagode, o arrocha e tudo que venha a ser universitário. A crise não está só na Axé Music, está em tudo que essa galera [o empresariado] toca. Tanto que, para se fazer um grande show, é preciso juntar dezenas de artistas para lotar um espaço. Com o Axé em alta, um só artista conseguia lotar o espaço com mais de 30 mil pessoas. Então, para mim, não procede dizer que o Axé está em crise. Como um segmento vive em crise com seus artistas ganhando prêmios internacionais e nacionais? No Melhores do Ano, do Domingão do Faustão, a artista Claudia Leitte ganhou como a melhor cantora do ano e, junto com ela, estavam concorrendo Ivete Sangalo e a cantora Paula Fernandes, a única do gênero sertanejo. Então, como é que um gênero desse está em crise? O que acontece é que as pessoas não acreditam mais na força e sinergia do Axé Music, porque foi um gênero que já surgiu renegado e sendo tratado como qualquer coisa por um determinado jornalista aqui na Bahia.

Se hoje existe uma crise no Axé Music, é como em qualquer outro gênero. Mas,  não é uma crise mercadológica e, sim, ideológica. Se as rádios voltarem a tocar esse estilo de música, principalmente aqui na Bahia, acontecerá uma nova revolução. A prova disso é o grupo É o Tchan, que voltou com força total. Por isso, aguardem o Ara Ketu com Tonho Matéria e Érico Brás no comando.

Tonho Matéria”

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Posicionamento do CREF sobre as aulas de suingue baiano

 

De acordo com o presidente do Conselho Regional de Educação Física (CREF)Paulo César Vieira Lima, 60 anos, a aula de suingue baiano é uma atividade física que deve ser ministrada por profissionais de educação física devidamente registrados no sistema CONFEF (Conselho Federal de Educação Física)/CREFs, conforme determina a Lei 9696/98. Segundo Paulo, os profissionais de dança também podem ministrar as aulas, desde que estejam registrados no mesmo sistema citado anteriormente. “O CREF fiscaliza todas as atividades físicas e esportivas e as academias devem ter registro no CREF e um responsável técnico”, alerta. Paulo César preside o CREF desde 2008, eleito pelos profissionais de educação física em três eleições consecutivas.

Desde entrou em contato com a direção da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA) para saber o posicionamento da unidade sobre as aulas de suingue baiano nas academias e, até o fechamento desta reportagem, não obteve resposta.

Hoje em dia, as academias estão bastante preocupadas em atender aos critérios estabelecidos pelos órgãos reguladores e os profissionais da área sabem da importância do aprimoramento. Dérica, da Jump Cat, tem um histórico de cursos de dança no currículo e vai começar a graduação em Educação Física, na Faculdade Social da Bahia. Nessa mesma instituição, estudam Pincel, da F4Leleco, da Alabama Fitness e André, da Espaço 10Dhieggo, da Pró Saúde, fez curso de fitdance, promovido pela empresa FitDanceSantiago, da Jump Cat, se formou em Educação Física no ano passado, pela Universidade Federal da BahiaCharles, o dono da academia, também tem formação na área. Em 2003, concluiu a graduação em educação física na Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia (FACCEBA).

Santiago Sales, da Jump Cat, é profissional de educação física formado pela UFBA. Foto: Raulino Júnior

Carla Marques, 33 anos, administradora da Alabama Fitness desde os 18, faz questão de ressaltar que a academia tem a preocupação de colocar profissionais da área acompanhando os alunos. “Aqui tem vários profissionais de educação física para acompanhar os alunos. Cada turno tem um professor. Temos dois estagiários da área também”. Na mesma linha pensa França Maria, da F4. “Em todos os horários nós temos professores e todos são formados em educação física. Temos alunos de educação física, que estagiam aqui. Além disso, meu irmão, que é sócio da academia, é profissional de educação física”. França é formada em administração, pela Faculdade da Cidade do Salvador.

 *

Curiosidade: as aulas de suingue baiano são ministradas, predominantemente, por homens e frequentadas, de forma hegemônica, por mulheres. Das cinco academias visitadas pelo Desde, apenas a Jump Cat tem uma mulher coordenando a atividade, Dérica. Mesmo assim, ela dá aula em parceria com Ubiratan.

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Esta reportagem foi produzida no período de 7 a 20 de janeiro de 2015.

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Axé Music, Carnaval, Cultura, Jornalismo, Jornalismo Cultural, Pagode, Reportagem, Samba

O pagode desce, que desce, que desce?

O pagode da Bahia se afastou de suas raízes e se transformou numa música estranha até para os precursores do gênero
Gera Samba, que depois se tornou É o Tchan, foi o precursor do pagode na Bahia. Na foto, Débora Brasil, Beto Jamaica, Compadre Washington, Jacaré e Carla Perez. |Crédito: Divulgação
Do Gera Samba à Bronkka. Pode-se afirmar que essa é a linha evolutiva do pagode baiano. De 1994, quando o Gera Samba (que se tornou É o Tchan) estourou com o pout-pourri É o Tchan/Pau que Nasce Torto/Melô do Tchan até 2008, quando A Bronkka surgiu, muita coisa aconteceu no universo musical do gênero oriundo do samba do Recôncavo. Com as transformações, vieram as críticas em relação às letras, à postura de alguns cantores e ao caráter apelativo das bandas. O caminho que o ritmo vai trilhar de agora em diante é uma incógnita para todo mundo. A única certeza é a dúvida contida no seguinte questionamento: será que vai piorar?
Em entrevista concedida através do Facebook, o empresário Cal Adan, 50 anos, acha que não. Mentor de grupos como É o TchanCompanhia do PagodeGang do SambaCafuné, dentre outros, Cal acredita que a tendência será o aparecimento de grupos com a mesma identidade do Gera Samba, que apostava no samba de roda. “Atualmente, o pagode está muito percussivo. Eu não gosto. Sinto falta do cavaco e do pandeiro nas bandas. Os rumos apontam para uma volta do som feito pelo Gera Samba”, avalia. Adan contribuiu para a consolidação do gênero na Bahia e não imaginava que o ritmo fosse ganhar tamanha magnitude. Mas reconhece que há muita coisa de mau gosto nas bandas atuais. “O pagode está desgastadíssimo por causa das baixarias”, critica.

“Retomar a origem é o que vai fortalecer o ritmo”, acredita Caio Coutinho. | Crédito: Tairine Ceuta

O jornalista Caio Coutinho, 29 anos, ex-diretor do programa Universo Axé, da TV Aratu, também concorda no que diz respeito ao desgaste do ritmo. Em entrevista via Twitter, Caio afirmou: “O pagode atravessa um momento difícil. Uma imagem negativa vem sendo vinculada ao gênero por causa dos escândalos envolvendo alguns representantes. No entanto, acho que é uma fase e vai passar. O fortalecimento do ritmo virá com uma retomada da origem, um pagode divertido. Com duplo sentido, sim, mas não tão sexual nem vulgar”. Contudo, Coutinho vê pontos positivos na cena atual.  Para ele, bandas como É o Tchan, Harmonia do Samba e Psirico são bons exemplos de que investir em letras menos apelativas pode ser uma garantia de sucesso. “Edcity é um bom exemplo disso também. Ele faz uma música boa e consegue chegar a emissoras nacionais, como a Globo. Faz música de protesto, quando necessário, e fala de sexo de maneira amena. Igor Kannário é outro. Apesar de se envolver em escândalos, faz uma música em que o sexo não é o tema principal. Ele faz crítica social”, conclui.

Por outro lado, há quem não saiba para aonde o pagode vai. É o caso do vocalista do Terra SambaReinaldo Nascimento, 42 anos. Em entrevista para o Desde, ele foi enfático: “O capitalismo tirou a essência de verdade da nossa música. Não sei, realmente, qual será o futuro do pagode”. Fazendo uma paródia de um dos trechos do poema José, de Carlos Drummond de Andrade, fica a indagação: e agora, o pagode marcha para onde?

Observação: Esta matéria foi originalmente produzida para a disciplina Oficina de Jornalismo Digital, ministrada pela professora Suzana Barbosa, da Faculdade de Comunicação da UFBA.

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“Gosto de pagode. Acho gostoso como gênero”, afirma professor da UFBA

Paulo Miguez faz uma análise sensata do pagode baiano e afirma que o duplo sentido presente nas letras é oriundo de uma tradição do cancioneiro nacional
 
Paulo Miguez, professor da UFBA | Crédito: Lucas Seixas
Paulo Miguez tem 58 anos, é doutor em Comunicação e Culturas Contemporâneas, professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC) e do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal Bahia. O estudioso é referência quando o assunto é música baiana e o carnaval de Salvador. Nesta entrevista, ele se debruça sobre o pagode baiano e coloca as suas impressões acerca do gênero.

Desde Que Eu Me Entendo Por Gente: O que, em sua opinião, contribuiu para ascensão de grupos de pagode como o É o Tchan dentro do mercado brasileiro de música?

Paulo Miguez: Acho que a própria ambiência do carnaval explica isso, que é o lugar onde eles surgem e que vão aparecer para o Brasil e para o mundo. O sucesso do carnaval explica muito o sucesso desses grupos. No finalzinho dos anos 80, o carnaval baiano sofreu um processo de transformação, que ganhou musculatura no início dos anos 90. Logo na sequência, esses grupos de pagode explodem. Na verdade, eles já existiam. Sempre tivemos grupos de pagode e de samba aqui. O pagode, do ponto de vista musical, tem características interessantíssimas. Num certo sentido, ele me sugere a ideia de atualização do samba de roda, numa perspectiva mais eletrônico-aeróbica, porque incorpora os instrumentos eletrônicos e retrabalha toda a forma de dançar do samba, permitindo que essa coreografia mais tradicional seja contaminada pelos movimentos das academias de ginásticas.

DQEMEPG: O declínio veio por falta de manejo dos empresários ou por que esses grupos não atenderam mais às expectativas do público e do próprio mercado?

Crédito: Lucas Seixas

PM: Acho que a gente tem que qualificar melhor essa ideia de que eles entraram em decadência total. Os grupos de pagode podem ter desaparecido do topo da lista de mais vendidos da indústria fonográfica, mas continuam fazendo shows o tempo inteiro. Alguns nomes do pagode baiano continuam tendo lugar de algum destaque no carnaval. Esse pagode de agora, funkeado, que dialoga com outros gêneros, produziu, nos últimos anos, figuras muito interessantes na cena carnavalesca e no show business. Do ponto de vista das carreiras, boa parte desse pessoal que é reconhecido como grande nome da axé continua com a agenda lotada. Eles vendem, por exemplo, mais do que nomes consagrados da música brasileira. Não vendem mais sete milhões porque a indústria do disco não vende mais isso.

DQEMEPG: Os grupos É o Tchan, Terra Samba  e Nossa Juventude, por exemplo, que fizeram sucesso na década de 90, ficaram fora do circuito midiático e voltaram com certo apelo popular. O que explica isso?

PM: O que explica é que eles saem da grande mídia, deixam de ser a bola da vez, e vão ficar acomodados em nichos de consumo cultural que continuam celebrando-os como grandes estrelas. É evidente que quando eram “a bola da vez” a caixa registradora funcionava numa rapidez e numa magnitude maior. Eles podem não aparecer mais na mídia, mas não desaparecem do cardápio de show business Brasil afora.

DQEMEPG: O senhor gosta de pagode?

PM: Gosto! Claro! Adoro! Acho gostoso como gênero. Interessa-me o seu viés como festa carnavalesca baiana.

DQEMEPG: Hoje em dia, a gente vê muitas críticas em relação às letras do pagode. A qualidade nas letras piorou ou não dá nem para mensurar?

Crédito: Lucas Seixas

PM: Piorou em relação ao quê? Fala-se muito que atualmente há críticas em relação a isso, mas sempre teve muita crítica, com teor muito semelhante. As pessoas, às vezes, não se dão contam da bobagem que estão falando quando comparam as letras de agora com as de antigamente. Querem comparar com o quê? Com as marchinhas carnavalescas, por exemplo? Não vejo que sentido de grandeza poética elas tinham. Até porque a intenção, quando se escreve uma letra para um samba que vai tocar na rua ou uma marchinha que vai nos animar no carnaval, é fazer a festa. A gente sempre teve uma longa tradição da canção com sátira, com duplo sentido. Não é uma coisa estranha e não foi inventado pelo pagode. O jeito de dançar, as letras, tudo sempre foi objeto de muita crítica entre os setores, digamos, mais letrados e intelectualizados. Eu não alinho com eles, não. Adoro a molecagem pagode. Adoro o ritmo. Acho bacanérrimo.

DQEMEPG: O pagode baiano é um fenômeno da indústria cultural que é pouco estudado na academia. Nesse sentido, as universidades têm preconceito com o pagode?

PM: Eu diria que não necessariamente com o pagode. Mas, dependendo do lugar da universidade, você vai ver que tem temas que não são, exatamente, os temas mais bem acolhidos. Eu, por exemplo, tive alguma resistência quando, no mestrado em administração, quis estudar o carnaval; porque carnaval é coisa para antropólogo estudar. No máximo, sociólogo ou historiador. Então, algumas das áreas das universidades delimitam um repertório de temas que são eleitos como bons e outros passam a ser temas menores. Essa é uma razão. A outra é quando alguém diz que este é um tema que não pode ser estudado pela universidade, que não tem a dignidade para se transformar em objeto de estudo. Aí é que eu acho complicado. Mas isso também não é incomum, não. Essa coisa do tema maldito, do tema mais difícil de ser absorvido como objeto de estudo, é bastante frequente.

Observação: Esta entrevista foi originalmente produzida para a disciplina Oficina de Jornalismo Digital, ministrada pela professora Suzana Barbosa, da Faculdade de Comunicação da UFBA.

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Terra Samba: o pagode na ótica de quem faz

Reinaldo Nascimento e Mário Ornellas fazem uma análise do pagode baiano e falam sobre o período em que estavam no auge 
 
Reinaldo Nascimento e Mário Ornellas, líderes do Terra Samba. | Crédito: Raulino Júnior
 
O grupo Terra Samba nasceu em 1991, no Engenho Velho da Federação, em Salvador. Ganhou expressiva notoriedade em 1998, com o lançamento do CD Ao Vivo e a Cores (Som Livre), gravado em Belo Horizonte, com mais de 2 milhões de cópias vendidas. Em 2009, Reinaldo Nascimento, 42, saiu do grupo e foi substituído por Mano Moreno, ex-Braga Boys. Porém, o Terra, como é carinhosamente chamado, não teve os mesmos méritos. Reinaldo reassumiu os vocais da banda em 2011 e, junto com o percussionista Mário Ornellas, 48, conversa com o Desde.
 
Desde Que Eu Me Entendo Por Gente: O Terra Samba se intitula como uma banda de pagode? Pergunto isso porque, pela discografia da banda, a gente vê regravações de Cazuza, Cidade Negra, Cássia Eller…
 
 

Reinaldo Nascimento: O Terra Samba é world music. Tem o nome de Terra Samba, mas não ficou preso ao samba. Gravamos samba-reggae, merengue, salsa, misturamos as células. O Terra Samba é assim: tem a célula básica dele, que é o samba, mas a partir disso a gente viaja na música.

 

Mário Ornellas: Nós não nos prendemos a ritmo nenhum. Já gravamos samba em inglês. E, há pouco tempo, gravamos em italiano. A gente tem essa característica de misturar tudo.

 

DQEMEPG: Vocês tiveram ascensão muito grande na década de 90, inclusive chegaram a apresentar o Planeta Xuxa em 1998, quando a apresentadora estava em licença-maternidade. Com a saída de Reinaldo do grupo, houve uma baixa e agora vocês estão de volta, com certa repercussão e apelo popular. O que mudou nesse intervalo, mercadologicamente falando?

 

RN: O samba da nossa linha, voltado para o samba-reggae e para o samba de roda, não existiu nesse intervalo. De lá pra cá, não nasceram grupos como o Terra Samba nem como o É o Tchan. Nós tivemos que voltar para mostrar uma ideologia musical. As coisas se misturaram muito. Misturaram funk com o samba e o sertanejo. Tudo foi se misturando pela falta do samba raiz da Bahia. E isso é natural. A luta pela sobrevivência vai gerando essa nova condição musical. Eu vou condenar? O mercado gerou essa outra forma de fazer suingueira, o chamado groove arrastado. É a evolução musical mesmo que gera isso. Tem gente que faz uma música excelente, tem outros que apelam para outro sentido. E aí a música vai.

 

DQEMEPG: Vocês tiveram muita notoriedade na década de 90. Hoje, os holofotes não estão mais voltados para a banda. O que aconteceu? A fórmula desgastou?

 

MO: Antes, tinha uma coisa muito importante: as gravadoras olhavam para a música baiana e para o samba, o que nos ajudava a fazer uma penetração no eixo Rio-São Paulo e, consequentemente, na mídia. Isso já não tem mais, o que dificulta muito. E também tivemos uma sorte muito grande, porque um grupo foi surgindo atrás do outro. Primeiro, veio o É o Tchan; depois, a gente, a Companhia do Pagode, o Harmonia do Samba, entre outros. Isso nos ajudou.

 

RN: Isso foi uma das coisas, mas fazendo uma autocrítica, acho que a música tem que se renovar, tem que encontrar novos caminhos. Acho que é importante sempre pesquisar, porque a música está sempre em mutação. Eu saí do grupo também, a gente sofreu uma separação. Nessa transformação do mercado, tudo isso, de certa forma, enfraqueceu. Agora, a gente está no reinício, colocando tijolo por tijolo nessa casa para poder retornar no cenário musical.

 

DQEMEPG: O que vocês acham do atual momento da música baiana? Quando falo de música baiana, me refiro a todo o tipo de som produzido aqui, não só o axé music.  Nesse sentido, quero que vocês falem detidamente sobre o pagode.

 

RN: A música feita nos carnavais de dez, 15 anos atrás, era muito melhor do que a que se faz hoje. Nunca mais se teve uma Prefixo de Verãonem uma Milla. O carnaval virou uma festa de objetivos financeiros e perdeu um pouco a arte carnavalesca, a criatividade. O carnaval popular não existe. Hoje, a moda é o carnaval dos camarotes, para uma elite. Tudo isso, de certa forma, transformou o carnaval numa coisa diferente. A música, em si, acaba se tornando a última prioridade. Quanto ao novo cenário do pagode, não gosto nem de comentar, porque são meninos que estão chegando agora. Eles têm uma linguagem do gueto. Outro dia, eu recebi o Igor Kannário num projeto paralelo. Ele cantou as músicas do gueto e eu achei interessante. Algumas coisas são muito legais, outras são desnecessárias. Mas não quero condenar ninguém. Quando os governantes passam a proibir uma determinada música, é porque ela está causando problema. Nós não seguimos essa linha. Fazemos outro tipo de música.

 

MO: É um tipo de música que a gente não faria.

 

DQEMEPG: Quais estratégias vocês utilizam para não ser somente mais uma banda de pagode da Bahia?

 

RN: É o critério, não é? A gente já deixou de gravar coisa que sabia que ia tocar na Bahia, que ia ser sucesso, mas não tinha a identidade do Terra Samba. Nós já erramos em determinadas músicas, mas agora queremos ser mais criteriosos.

 

DQEMEPG: Fazendo um exercício de profecia, para aonde vai o pagode baiano?

 

RN: O capitalismo está imperando na música baiana. Hoje, se fabricam as bandas. Tem artistas que surgem que eu nunca vi na minha vida. Antes, a gente via os artistas ralando. Saulo é um bom exemplo disso. Veio da Chica Fé, passou pela Banda Eva e hoje está aí. E é fantástico. O capitalismo tirou a essência da verdade da nossa música. Sobre o futuro, eu não sei.

 
 
 

Observação: Esta entrevista foi originalmente produzida para a disciplinaOficina de Jornalismo Digital, ministrada pela professora Suzana Barbosa, da Faculdade de Comunicação da UFBA.

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Eles querem ser o Jacaré

Dançarinos da Bahia sonham em conquistar vaga deixada por Jacaré no É o Tchan

“Amo a dança e o Tchan”, confessa Henrique Benn | Crédito: David Guerrieri

Bastou um famoso site de entretenimento publicar a notícia de que o É o Tchan estaria de “novo moreno” (foi essa a expressão usada pelo jornalista Adan Nascimento, que assinou o texto), para o burburinho nas redes sociais começar. Alguns internautas parabenizavam a banda por ter, supostamente, voltado às origens, com o trio de dançarinos. Outros condenavam a atitude e questionavam o motivo pelo qual o grupo não havia selecionado o profissional através de concurso, fórmula comum e desgastada que imperou no Brasil na década de 90 e no início dos anos 2000. Aí, o pagode estava feito.

Se antigamente o foco das atenções era pela vaga das mulheres (a morena e a loira) no grupo, hoje, a coisa mudou e muitos homens anseiam o lugar que um dia foi de Edson Cardoso, o Jacaré. A formação atual do É o Tchan conta com os veteranos Beto Jamaica e Compadre Washington, além das novas dançarinas Joyce Mattos e Elisângela Pereira, que foram escolhidas sem concurso. Jacaré, coreógrafo oficial do grupo na época em que dançava, ficou no É o Tchan durante 12 anos. Em 2006, saiu para seguir a carreira de ator. A partir daí, a esperança de uma possível seleção ficou na cabeça de muitos rapazes. A exemplo do dançarino profissional Henrique Benn, de 29 anos, morador do bairro de Mata Escura, na periferia de Salvador. Henrique dança desde os 13, já fez parte do balé de Nara Costa e no carnaval deste ano dançou com o Terra Samba. O baiano acalenta o sonho de entrar para a “família”, como ele chama, É o Tchan: “Se o Tchan fizesse concurso, eu me inscreveria, sim. Amo a banda e amo dançar. O sonho de qualquer dançarino é fazer parte do É o Tchan”, confessa. Henrique, porém, faz uma ressalva e critica a postura de Cal Adan, empresário-mor do É o Tchan, pelo fato de ele não colocar mais dançarino na banda. “Ele não sabe o erro que está cometendo. O Tchan deveria ter sempre a formação com três dançarinos. Mas Cal não dá oportunidade pra gente”, reclama.
Em entrevista concedida através do Twitter, o ex-dançarino Jacaré, de 40 anos, afirmou que o fato de o É o Tchan voltar a ter um dançarino depende, unicamente, dos atuais interesses do grupo. “Se hoje o grupo quer voltar a ter duas meninas e um menino, por que não? Deu certo no passado e pode dar agora também. Isso vai do interesse do próprio grupo”, pontuou.

Jacaré, entre Carla Perez e Scheila Carvalho, durante a gravação do DVD de 10 anos do É o Tchan, em 2004 | Crédito: Divulgação

Fábio Santana já faz parte de um grupo de dança, mas sonha em dançar no É o Tchan | Crédito: Jaqueline Belo

Quem está doido para que o interesse do grupo seja esse é o baiano Fábio Santana, de 30 anos. Morador de Castro Alves, cidade que fica localizada a 187 km de Salvador, Fábio é coreógrafo e integrante do grupo de dança Pankadão Baiano, que atua há sete anos no município e que já se apresentou em alguns programas de TV, como o Bom D+ com Scheila Carvalho, da TV Itapoan (Record Bahia). Ele dança desde os 13 e diz que o É o Tchan serviu de estímulo para isso. “Sou fã do Tchan desde os 13 anos. Comecei a dançar por causa do grupo. Se tivesse concurso, eu participaria porque tenho um amor muito grande pelo É o Tchan. Seria também uma forma de fortalecer o meu grupo de dança, pois, caso fosse o vencedor, ia tentar conciliar o Tchan com o Pankadão”, fala esperançoso. O dançarino já atuou na banda de forró Selo de Amor e no Compressão, grupo de pagode de Castro Alves.

Contudo, os candidatos à vaga de Jacaré vão ter que esperar mais um pouco, uma vez que a produção do É o Tchan descarta a possibilidade de realização de concurso para tal fim. “O caminho agora é outro”, afirma Cal Adan, 50 anos, dando fim às especulações. Depois do burburinho, o grupo postou uma nota em sua página oficial do Facebook desmentindo a contratação de um novo dançarino. Mas, como no mundo artístico tudo pode acontecer, a esperança é a última que morre mesmo.
Nota oficial publicada pelo É o Tchan, em 4 de março de 2013, no Facebook :
Data de captura da imagem: 11 de março de 2013

Observação: os depoimentos dos dançarinos foram obtidos através de troca de mensagens no Facebook.

Observação 2: Esta matéria foi originalmente produzida para a disciplina Oficina de Jornalismo Digital, ministrada pela professora Suzana Barbosa, da Faculdade de Comunicação da UFBA.

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