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No Carnaval que homenageou cultura afro, artistas negros reconhecem avanços, mas cobram mais protagonismo

Salvador Capital Afro e 50 Anos de Blocos Afro. Nossa Energia é Ancestral foram os temas escolhidos, respectivamente, pelo governo municipal e estadual

Artistas negros de Salvador avaliam presença do afro no Carnaval. No sentido horário: Sergio Nunes (da banda Adão Negro), Antonio Jorge (Tio Elétrico), Negro Léo (Vixe Mainha), Nara Couto, Aloísio Menezes e Pierre Onassis (Afrodisíaco). Fotos dos homens: Raulino Júnior. Foto de Nara: reprodução da internet.

Por Raulino Júnior || Especial – Carnaval sem Confete ||

O Carnaval de Salvador chegou ao fim e, neste ano, homenageou a cultura afro. O tema escolhido pelo governo municipal foi Salvador Capital Afro. Já o do governo estadual foi 50 Anos de Blocos Afro. Nossa Energia é Ancestral. Diante disso, o Desde entrevistou alguns artistas negros que integraram a programação da festa a fim de saber a avaliação deles sobre a presença do afro na edição de 2024 da folia. Sergio Nunes, vocalista da banda de reggae Adão Negro, reconhece que atualmente há gestores públicos mais sensíveis, mas os desafios continuam. “Eu percebo, sinceramente, que hoje nós temos gestores públicos nas duas esferas, tanto municipal quanto estadual, e mais ainda, na instância federal, que podemos citar já uma pessoa que é pedra fundamental do Pelourinho, que é João Jorge, na frente da Palmares, existe uma sensibilidade hoje muito maior desses gestores públicos em cada uma dessas esferas. Nós estamos otimistas, apesar de que reconhecemos que ainda há muitos desafios. Por exemplo: você sabe que o Adão toca, naturalmente, para o povo da periferia. O Pelourinho está sendo o único show, esse show hoje aqui, onde a gente está tocando no circuito principal de Salvador. A gente foi para Periperi ontem [a entrevista foi foi feita no último dia de Carnaval, 13/2, quando a banda Adão Negro estava prestes a tocar no Largo Pedro Archanjo], a gente estava no interior da Bahia… Temos muito orgulho porque a nossa música nos chama até lá, mas a gente percebe que é ainda preciso mexer nesse jogo de forças pra gente fazer o Carnaval, de fato, diverso a tal ponto que a gente perceba nosso povo preto mais presente na festa. Retornando o que eu falei no começo: temos hoje, apesar dos desafios, gestores públicos que já são sensíveis a isso”.

Sergio Nunes, da banda Adão Negro: “Existe uma sensibilidade hoje muito maior dos gestores públicos, mas ainda há muitos desafios”. Foto: Raulino Júnior

Para Antonio Jorge, do projeto Tio Elétrico, que conta a história do trio elétrico através das canções, a homenagem é uma reparação, mesmo que tardia. “Eu recebo esse fato como uma reparação, na verdade. Porque enquanto alguns trios e alguns blocos deixaram de existir, o bloco afro sempre resistiu. Então, é uma questão de resiliência e de luta, e que tem que ser reconhecida. Então, pra mim, nada mais que uma reparação. A homenagem foi um pouquinho tardia, mas antes tarde do que nunca”.

Antonio Jorge, do projeto Tio Elétrico: “Para mim, nada mais que uma reparação. A homenagem foi um pouquinho tardia, mas antes tarde do que nunca”. Foto: Raulino Júnior

Negro Léo, atual vocalista da banda Vixe Mainha, sentiu a falta de uma presença mais frequente do cantor e compositor Lazzo Matumbi. “Eu vi que foi uma presença bem marcante dos afros no Carnaval de Salvador, mas faltaram ainda uns nomes. Tem que dar mais ênfase a Lazzo Matumbi, que precisa de um espaço, tem que ter um espaço maior no nosso Carnaval. Quando eu vi o Instagram de Lazzo, eu vi, acho, dois shows só. Lazzo era pra tocar no Carnaval inteiro, ter um trio, ter uma coisa, sabe? Lazzo fez muito pela música da gente. Mas, em relação aos afros dentro do Carnaval, eu vi uma presença bem marcante e uma ênfase bem maravilhosa, até nacionalmente também. Pelo fato de ter a abertura do Carnaval na [Praça] Castro Alves com Carlinhos Brown, BaianaSystem, Ivete Sangalo e Ilê Aiyê estar ali, completando 50 anos, abrilhantando aquela festa ali, foi marcante também. A Vixe Mainha está presente também, é um afro presente no Carnaval, pela nossa linguagem, pelas nossas músicas”.

Negro Léo, atual vocalista da banda Vixe Mainha: “Tem que dar mais ênfase a Lazzo Matumbi, que precisa de um espaço, tem que ter um espaço maior no nosso Carnaval”. Foto: Raulino Júnior

Para Pierre Onassis, da banda Afrodisíaco, a iniciativa de homenagear a cultura afro demorou para acontecer. “Eu acho que é um pertencimento, é uma afirmação de ocupação territorial mesmo. Sobretudo do que representamos como história e é uma iniciativa, talvez, um pouco tardia, mas que veio. O importante é que nós estamos aí representados pelos blocos afro. Os blocos me representam também! Quando eu vejo o Olodum desfilar, o Muzenza, o Ilê Aiyê, eu acho que é a história da gente sendo contada através da música e um registro de personalidade musical, porque a Bahia é afro sim. A história da música baiana começa na música afro. Olodum, Ilê Aiyê, Faraó, entre outras canções que nos trazem essa importância. Toda população negra, preta de Salvador agradece a esse momento de brilho, de respeito, e a gente entende que isso fortalece um movimenta e nos leva pra um futuro diferente”.

Pierre Onassis, da banda Afrodisíaco: “É uma iniciativa, talvez, um pouco tardia, mas que veio. O importante é que nós estamos aí representados pelos blocos afro”. Foto: Raulino Júnior

Aloísio Menezes acha que Salvador Capital Afro tem que ser um tema da vida inteira. “Neste ano, eu tive o prazer de ver os blocos afros passarem muito bem. Porque, a partir do momento que você faz parte da inclusão, a coisa muda. Eu vi a qualidade. O Cortejo Afro, não é porque eu sou do Cortejo Afro, estava lindo demais. O Ilê Aiyê lindo demais. Eu vi o próprio Muzenza, Didá, Malê Debalê, todo mundo esbanjando beleza, esbanjando autoridade. Eu não queria que a Salvador Capital Afro fosse só este ano, tem que ser a vida inteira, porque a Bahia é uma cidade preta. Então, o afro está no nosso sangue o ano inteiro, a vida inteira. O tema este ano foi Capital Afro, mas que continuem trabalhando pelo afro, dando apoio aos afros, colocando os afros com dignidade e beleza como esse ano. Quero parabenizar o governo do estado e a prefeitura, porque é isso que o povo quer. O povo quer se sentir bem. A partir do momento que você me trata com dignidade e com respeito, você vai ver coisa boa. Anos atrás, eu via o povo com a cuia pedindo “pelo amor de Deus, me ajude botar o meu bloco na rua”. Neste ano, o Ouro Negro deu um show”.

Aloísio Menezes: “Eu não queria que a Salvador Capital Afro fosse só este ano, tem que ser a vida inteira, porque a Bahia é uma cidade preta”. Foto: Raulino Júnior

A cantora Nara Couto filosofa e diz que fica feliz com as homenagens. “A gente está falando de coisas que já acontecem há muitos anos. Neste ano, por conta do bloco afro Ilê Aiyê, que foi o primeiro bloco afro no Brasil, teve essa reverência, mas eu acompanho os blocos afro há muito tempo, nasci no Curuzu e para mim é reverenciar o que já está dito, o que já está posto. Quando a gente faz divulgação da Bahia, a gente chama os blocos afro. Quando a gente quer imagem para falar da musicalidade da Bahia, a  gente traz os blocos afro. Isso é o que a gente tem de mais precioso. Acima de qualquer artista que possa existir. E até de mim. É o nosso embrião, é o nosso útero. Os blocos afro representam esse lugar e cada um traz sua particularidade. E o mais importante: sua raiz. A partir disso, a partir da existência dos blocos afro, a gente sabe que a Bahia nunca vai mudar a rota da própria existência. O que eu vejo hoje é uma reverência, uma honra, que é muito bonito de se ver, mas é uma coisa que já está posta, que já existe há muito mais tempo. Então, que bom que estão acontecendo essas homenagens. Fico muito feliz dessas honras, dessas homenagens, mas o que a gente está falando são de existências que existem há muito mais tempo e estão aí o tempo todo. Quando você veste uma roupa do Ilê, a gente se veste de identidade, de potência, de vaidade, de força, de militância. É nesse lugar que o bloco afro se apresenta todos os anos para todas as pessoas que estão saindo nos blocos afro, pra todas as pessoas que vão pras saídas, que vão pros festivais de música, que também é uma outra vertente dos blocos afro, que é muito importante, sobre os compositores. É uma escolha, é um refinamento, que bom que está sendo visto, sempre foi reverenciado, mas agora com mais ênfase. Os bloco afro sempre existiram e sempre vão existir”.

Nara Couto: “Nunca vai ser suficiente, porque  gente está falando de muitas camadas”. Foto: reprodução da internet

Ao ser questionada se considerou as homenagens satisfatórias, ela não titubeia: “Nunca vai ser, porque a gente está falando de muitas camadas, de muitos blocos afro. A gente está falando do Muzenza, do Ilê, do Gandhy, do Malê, do Bankoma, das Filhas de Gandhy, a gente está falando de muitos outros blocos afro. É um mapeamento. Eu acho que, talvez, depois, mais à frente, saindo desse âmbito do Carnaval, se a gente conseguir, a partir desse olhar agora, nessa festividade, ter um olhar para com os blocos afro e integrar outras coisas, como o próprio Ilê Aiyê faz, que tem a escolinha da Mãe Hilda. É muito benéfico que essas honras estejam acontecendo agora e eu acho que é um ano muito produtivo para os blocos afro a partir do momento dessa organização para propor coisas também. Não vai ser suficiente, porque  gente está falando de muitas camadas. A gente está falando do Ilê, que tem 50 anos, mas o Gandhy é o mais velho. A gente está falando do Malê, do Muzenza, do Bankoma, que é liderado por mulheres, que é uma outra forma de falar do bloco afro. Outra forma de colocar na rua essa arte. São tantas camadas que não seriam suficientes, mesmo se eles quisessem. A gente está falando de uma festa popular que envolve outros artistas. A gente tem essa chancela do Carnaval mais plural e mais diverso do mundo. Então, são tantas outras coisas acontecendo, os artistas da nova geração, que os blocos afro é uma parte e vem nesse lugar de homenagem. Mesmo se o próprio governo, tanto prefeitura quanto secretaria, quisesse, não ia conseguir fazer essa homenagem nesse lugar. Mas eu acho que a partir disso, a partir desse olhar que a gente está vendo nos últimos dez dias, quinze dias, e ainda vai ter pós-Carnaval, vai se estender o verão, com certeza esse olhar vai ajudar muito a algumas marcas enxergarem os blocos afro. Eu acredito nisso. Eu sou uma pessoa de fé. Acredito na fé porque acho que é a única coisa que nos move. Quando as pessoas abalam a nossa autoestima, nossa autoestima e outras coisas são fáceis de ser abaladas, mesmo que a gente retome ao centro, mas quando a gente tem fé, a fé nos move pra muitos lugares. E eu tenho fé nisso. A partir desse olhar, existem marcas que podem olhar os blocos afro de outra forma”.

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