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Somos todos infratores

Palestra discute direito autoral e mostra as brechas da lei

Ricardo Duarte na Biblioteca Central do Estado da Bahia: direito autoral em pauta. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
Na manhã desta sexta-feira, a Biblioteca Central do Estado da Bahia (BCEB) promoveu, integrando a programação da Semana Nacional do Livro e da Biblioteca, a palestra Direito Autoral e a Cópia de Livro, ministrada por Ricardo Duarte, advogado autoralista e diretor do Instituto Baiano de Direito Intelectual (IBADIN). Na ocasião, Ricardo falou sobre a proteção dos direitos autorais no contexto das novas tecnologias e como o cidadão, muitas vezes sem saber, comete crimes relacionados à propriedade intelectual.
Propriedade Industrial x Direitos Autorais
De forma didática, o advogado fez questão de esclarecer a diferença entre propriedade industrial e direitos autorais. “Não se pode confundir direitos autorais com propriedade industrial. A criação voltada para a indústria não é protegida por direitos autorais”, ressaltou. A propriedade industrial é regulada pela Lei 9.279/96 e diz respeito à concessão de patentes, registros de desenho industrial e marca, repressão às falsas indicações geográficas e à concorrência desleal. Já os direitos autorais são regidos pela Lei 9.610/98 e se referem às obras literárias, artísticas ou científicas.
Para assegurar o direito autoral, o registro da obra não é obrigatório. A redação da Lei, no artigo 18, traz o seguinte: “A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro”. “Para garantir os direitos autorais, mais importante do que o registro, é ter a prova de que sou o autor”, afirma Duarte. Contudo, para a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, é fundamental que o registro seja feito. “Se não fizer, você perde a paternidade, porque outra pessoa pode fazer”, completa.
 
Novas tecnologias e reprodução de “pequenos trechos”
As tecnologias da informação e da comunicação facilitaram os processos de trabalho no mundo inteiro, mas, para os criadores de obras intelectuais, elas trouxeram também muita dor de cabeça. Isso porque até existe a regulação, mas não o devido controle. Na palestra, Ricardo deu exemplo de softwares que facilitaram o acesso a obras, como Napster e Kazaa, mas que não asseguravam, de forma ampla e regulada, os direitos de autor. O advogado citou ainda a licença Creative Commons, na qual o autor, voluntariamente, disponibiliza a sua criação.
A tônica da palestra foi a discussão acerca da reprodução de “pequenos trechos” de obras intelectuais. No artigo 46, quando fala sobre o que não constitui ofensa aos direitos autorais, a lei afirma: “A reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”. Não precisa nem ser da área de direito para perceber que há brechas na afirmação. “O que a lei considera como ‘pequenos trechos’? Num livro de 500 páginas, copiar metade, é um pequeno trecho? Para mim, não. 20 páginas, para mim, já é”, reflete Ricardo. Ou seja, o critério é inconsistente e subjetivo.
Ainda dentro desse debate, o advogado citou as copiadoras presentes em universidades, que, muitas vezes, fazem cópias integrais de livros. “A lei atual está defasada, nesse sentido da cópia privada. A nova lei vai permitir a cópia integral”. Duarte defende a compensação equitativa, que consiste na utilização livre de cópia integral sem visar lucro, desde que haja uma forma coletiva de arrecadação para os autores. “Em Portugal, isso já existe”, assegura.

Vitor Brito: “A autoria não é delegável”. Foto: Raulino Júnior

Durante o encontro, os participantes também tiveram noções sobre a teoria dualista do direito autoral: direitos morais e direitos patrimoniais. Os direitos morais são aqueles que se referem aos direitos da personalidade e são irrenunciáveis. Mesmo que alguém queira, não é permitido abrir mão da autoria da obra. Os direitos patrimoniais são aqueles que permitem o autor lucrar com a utilização de suas obras intelectuais. O autor pode autorizar a exploração econômica da obra por outras pessoas. Os direitos patrimoniais são renunciáveis.
O administrador Vitor Brito, 30 anos, achou as informações passadas na palestra bem interessantes: “Ele trouxe conhecimentos, da área de direito autoral, que eu não conhecia. Para quem tem interesse de ser autor, foi muito bom. A gente tem que se apoderar da nossa criação. A autoria não é delegável a outra pessoa”.
Com a palavra, Ricardo Duarte

Foto: Raulino Júnior

Ricardo Duarte tem 29 anos e é graduado em Direito, pela Faculdade Ruy Barbosa (FRB). Fez especialização em Direito Processual Civil, na Universidade Salvador (UNIFACS), e mestrado em Direito, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). É professor universitário, membro e diretor do Instituto Baiano de Direito Intelectual (IBADIN). Em entrevista exclusiva para o Desde, ele fala sobre garantias do direito do autor, infrações, autoplágio e a principal novidade que consta no projeto da nova lei de direito autoral.

Desde que eu me entendo por gente: O que um cidadão pode fazer para, de fato, garantir os direitos dos autores?

Ricardo Duarte: Em regra, para qualquer tipo de utilização, é preciso requerer a autorização do autor. A melhor forma possível, depende do tipo de obra intelectual. Se for uma música, o que eu sugiro é buscar as associações musicais ou o próprio ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), caso você não saiba quem seja o autor daquela música. Agora, se o sujeito, de forma alguma, consegue encontrar o autor para pedir uma autorização, eu recomendo resguardar a boa-fé. O que é isso? É divulgar em um jornal de grande circulação, ou na TV, ou na rádio.

Desde: Qual é a infração mais comum que as pessoas cometem, sem saber, em relação aos direitos autorais?

RD: Reprodução (pirataria) com fim comercial. O sujeito faz a cópia em série. Às vezes, abre uma empresa para fazer cópias e vender isso de forma ilegal. Acontece muito. Mas o pior não é nem quem faz, é quem adquire. Muitas vezes, a pirataria é alimentada pelo próprio usuário, que não sabe também, muitas vezes, que aquilo é uma pirataria. Mas a gente não pode alegar desconhecimento da lei, para não cumpri-la. A pirataria, sem dúvida, é algo que acontece bastante (a reprodução indevida com fim comercial) e plágio. Eu vejo muito plágio, principalmente na própria academia. O pessoal dando CTRL + C e CTRL+V sem indicar quem é o autor, sem colocar a citação correta ou sem fazer as referências corretamente. Pegando citações de outros textos e utilizando a citação como se fosse do texto original e não do que ele acessou. A pirataria e o plágio, sem dúvida, são as maiores ilicitudes que hoje são cometidas pelas pessoas e, muitas vezes, elas não sabem que estão cometendo. Além também do próprio compartilhamento de arquivos, de forma integral, na internet. Porque hoje as novas tecnologias permitem isso de forma muito fácil e as pessoas acham que isso é normal: compartilhar, fazer cópias integrais de obras. A cópia integral não é permitida, mesmo que não tenha fim lucrativo.

Desde: O autoplágio existe?

RD: Autoplágio não existe. Autoplágio é questão de ética, de moral, de decoro. Ninguém vai cometer um ilícito contra si próprio. Quando eu crio uma obra intelectual e quero criar outras obras, mas que também a minha primeira obra, de alguma forma, faça parte, por uma questão ética e moral, de decoro, eu tenho que fazer a citação da obra originária. Mas se eu não fizer e incluir esse conteúdo na minha obra, eu estarei cometendo algum tipo de ilicitude, crime? Não! Se foi você que criou?! A criação é sua! Você está explorando ali algo que foi você que criou.

Desde: Qual é a principal novidade que consta no projeto da nova lei de direito autoral?

RD: Uma das principais é a que tem relação com a cópia integral. Essa nova lei de direito autoral busca permitir a utilização livre de cópia de um exemplar para uso privado do copista, sem intuito de lucro, mas integral, e não mais em pequenos trechos. Acho que essa é uma das grandes inovações do projeto de lei.

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O primeiro de Ana

Ana Carolina na capa do seu primeiro CD. A foto é de Greg Vanderlans. Imagem: reprodução do site da artista

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora|| 
Minha garganta estranha, quando não te vejo/Me vem um desejo doido de gritar/Minha garganta arranha a tinta e os azulejos/Do teu quarto, da cozinha, da sala de estar“. Em 1999, esses versos eram bastante populares no Brasil. A responsável por isso foi a cantora e compositora Ana Carolina. O primeiro CD dela, intitulado Ana Carolina (BMG), ecoou com o grito forte de Garganta, música de Totonho Villeroy,  faixa 6 da obra. A canção traz um eu lírico feminino “empoderado” e bastante coerente com os debates dos dias de hoje: “Sei que não sou santa, vezes vou na cara dura/Vezes ajo com candura, pra te conquistar/Mas não sou beata, me criei na rua/E não mudo minha postura só pra te agradar“.

O disco de estreia da mineira de trouxe também a metafórica Tô Saindo (Totonho Villeroy): “[…] Eu tô saindo, eu tô saindo deste buraco/Help! Eu preciso sambar […]“; e Alguém Me Disse (Evaldo Gouveia/Jair Amorim), uma dessas de dor de cotovelo, com melodia agradável, arranjo de bolero e letra interessante: “[…] Se vais beijar/Como eu bem sei/Fazer sonhar/Como eu sonhei/Mas sem ter nunca amor igual/Ao que eu te dei“. A faixa 3, Nada Pra Mim, tocou bastante no rádio. A letra de Jonh Ulhoa (da banda Pato Fu) ganhou força na interpretação de Ana Carolina, ficando ainda mais filosófica. Trancado, a primeira da série de canções da própria Ana que figura no CD, tem eu lírico masculino e mensagem introspectiva: “Eu tranco a porta para todos os gritos/E o silêncio também está lá fora/Agora, a porta está trancada“. Em Armazém (Ana Carolina), a cantora deixa evidente o seu lado de instrumentista. O pandeiro bem marcado ajuda a dar graça à letra simples e descomprometida.

A Canção Tocou Na Hora Errada (Ana Carolina) é a sétima faixa do CD. Tem ótima letra e melodia. É uma das melhores do álbum. Assim como Agora Ou Nunca (Arnaldo Antunes), O Melhor De Mim (Frejat/Paulinho Moska/Dulce Quental), O Avesso Dos Ponteiros (Ana Carolina) e Beatriz (Chico Buarque/Edu Lobo). Aqui, valem algumas ressalvas: Agora Ou Nunca é uma daquelas letras cheias de ludicidade e de espírito filosófico que saem da cabeça de Arnaldo Antunes: “Nunca se responde uma pergunta/Nunca é o Dia de São Nunca“; O Melhor De Mim é uma declaração de amor sem moderação. Beira o ultrarromantismo: “[…] Se amor tivesse um nome/Seria o seu […]“; O Avesso Dos Ponteiros tem poesia rica, que fala de transitoriedade do tempo: “A idade aponta na falha dos cabelos/Outro mês aponta na folha do calendário/As senhoras vão trocando o vestuário/As meninas viram a página do diário/O tempo faz tudo valer a pena/E nem o erro é desperdício/ Tudo cresce/ E o início/Deixa de ser início/E vai chegando ao meio/Aí começo a pensar que nada tem fim/Que nada tem fim“. A melodia é primorosa, com o som dos violinos contribuindo para que a canção fique ainda mais bonita; Beatriz dispensa comentários, não é? A interpretação de Ana é certeira e cheia de personalidade.

Além de regravar Chico (Beatriz) e Tom Jobim (Retrato Em Branco e Preto, parceria dele com Chico Buarque), Ana regravou Lulu Santos (Tudo Bem). Em todas, ela emprestou muito bem a sua identidade musical. Perder Tempo Com Você (Alvin L.) destoa do bom repertório do CD. Foi uma perda de tempo gravá-la. Tô Caindo Fora (Ana Carolina/Marilda Ladeira/Fernando Barreto) fecha com qualidade o primeiro trabalho da cantora. De fato, o disco é muito bom. Escute. A sua garganta não vai estranhar.

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