13 anos de sorte!, Audiovisual, Axé Music, Cultura, Entrevista, Jornalismo Cultural, Música, Produção Cultural, Samba-Reggae, Sem Edição

Sem Edição| Negro Léo, Vixe Mainha, Música Baiana e Samba-Reggae

Negro Léo, atual vocalista da Vixe Mainha. Foto: Josi Carvalhos

Por Raulino Júnior 

Na abertura da 10ª temporada do Sem Edição, conteúdo audiovisual do Desde, o convidado de honra é Negro Léo, cantor e compositor nascido e criado no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador-BA. Atualmente, Léo é vocalista da emblemática banda Vixe Mainha, que já contou com os vocais de Jau e Pierre Onassis, referências na música baiana. Na entrevista, Léo fala como veio o convite para integrar o grupo e como ingressou no universo da música. A sua trajetória musical também é pauta no bate-papo. Léo opina sobre o atual cenário da música baiana e sobre a necessária renovação dos artistas da cena. Ele ainda fala sobre todos os projetos musicais dos quais faz parte e sobre os próximos passos da Vixe Mainha. Não deixe de ver!

Agradecimentos mais que especiais Negro Léo! Obrigado pela confiança e disponibilidade! Você é um artista maravilhoso e original! Mais sucesso!

Padrão
13 anos de sorte!, Cultura, Jornalismo Cultural, Música, Texto de Quinta

Músicas que já nascem com status de “sucesso do verão” ou “hit” são bombas que não estouram

  “O maior sucesso de todos os tempos entre os dez maiores fracassos”*

Foto: montagem feita a partir de captura de tela de story do Instagram.

Por Raulino Júnior ||Texto de Quinta|| 

É muito comum, principalmente nesta época do ano, o público ser bombardeado com lançamentos musicais de artistas de diversos gêneros. Nada novo sob o sol. Isso é uma tônica da indústria fonográfica desde sempre. Cantores, cantoras e bandas querem emplacar o sucesso do verão e não medem esforços para isso. Nenhum mesmo! O que é, digamos, relativamente novo, é a forma como o marketing em torno desses lançamentos acontece. Tenho certeza de que você já viu um card (ou story) nas redes sociais ou um outdoor nas vias por onde circula anunciando a música do artista “X” ou “Y” como “o novo sucesso do verão” ou “o hit”. É nesse momento que você se pergunta: “Que música é essa que eu nunca ouvi? É hit mesmo?”. Tais questionamentos não têm a ver com arrogância, de se achar superior porque não escuta “esse tipo de música”. Na verdade, têm relação com uma consciência de entender que uma música se torna “o sucesso” de forma muito orgânica e não trazendo esse título previamente. É como se o artista invalidasse a importância da curadoria do público. Estranho demais. Afinal, “todo artista tem de ir aonde o povo está”, não é?

Antigamente, o marketing da “música de trabalho” era todo feito pelas gravadoras, que ditavam o mercado. Os artistas, obviamente, tinham que divulgá-la ao máximo. Em geral, a música era escolhida por mandachuvas das empresas, que pouco entendiam do riscado e não eram, necessariamente, artistas. Fazia parte do modus operandi. Hoje, o próprio artista tem essa autonomia para escolher a música que vai trabalhar em cada período do ano. Como o cenário está cada vez mais competitivo, muitas estratégias são utilizadas para fazer a música “hitar”. Uma delas é fingir que o lançamento é um sucesso retumbante. Nunca é, mas o artista faz parecer ser. Muitas vezes, até dentro da bolha dele (os fãs), a aposta não estoura. Os fãs toleram, mas sabem que a música não é aquilo tudo que o artista vende. E por que alguns artistas mantêm essa ilusão? Há várias razões, mas a principal delas é a presunção de que a música vai acontecer. Quase sempre, não acontece e flopa (para usar um termo da atualidade) de maneira não esperada pelos envolvidos. É uma bomba mesmo, que não estoura! No máximo, um traque junino, que não abala estrutura nenhuma.

Em recente entrevista para o BahiaCast, podcast de Salvador, o cantor e compositor Ricardo Chaves fez uma analogia que se aplica ao que está sendo discutido aqui. Ele falou que a música perdeu o efeito perfume, devido à velocidade de produção dos tempos de hoje: “O que é que eu chamo de efeito perfume? Quando você sente um perfume, ele lhe remete a alguma coisa de alguém que usou aquele perfume. Seja sua vó, seja sua mãe, seja seu pai, seu melhor amigo, sua primeira namorada, seu momento legal. E a música tinha esse efeito, hoje ela não tem mais”. A música marcava porque tinha uma identificação e conexão com o público. Apesar de toda a busca por lucro que está presente na indústria cultural, a impressão que dá é que antes as músicas não eram feitas, deliberadamente, para marcar. Elas, simplesmente, marcavam. Pode ser ingenuidade pensar assim, mas era o que parecia. Havia uma espontaneidade no ar. Hoje, há toda essa sanha de ter o sucesso do verão, de querer marcar goela abaixo. E não marca. Qual foi a grande música do verão passado? Ninguém sabe. O radicalismo é intencional!

Uma música só vira sucesso mesmo quando sai da bolha do artista, porque, para o fã, a música do seu ídolo sempre vai ser bem-sucedida. Alguns fãs não têm criticidade para discernir entre realidade e fantasia. Ou, simplesmente, não querem. Para ser didático: a música da cantora “X” só vira, de fato, um “hit” quando atinge quem não acompanha a moça, pessoas que estão alheias ao que acontece na carreira dela e que são atravessadas, involuntariamente, pela canção. Durante participação na Expo Carnaval Brazil, evento que aconteceu em Salvador em novembro do ano passado, o cantor e compositor Magary Lord criticou essa busca desenfreada para ser o artista dono da “Música do Carnaval”. “Essa necessidade de ser a Música do Carnaval acabou plastificando a nossa música, que perdeu a força de poesia”. E quando perde essa força, a música atende a outros propósitos. Por isso, alguns artistas induzem o público a achar que seus lançamentos são “hit” e “novo sucesso do verão”. Alguém já disse que a propaganda é a alma do negócio. De vez em quando, essa alma fica debilitada e produz “o maior sucesso de todos os tempos entre os dez maiores fracassos”. 
Padrão
"Adolescendo Solar", Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Música

“Nosso Sonho” é um filme para todos os faixas

Juan Paiva e Lucas Penteado na pele dos funkeiros Buchecha e Claudinho, respectivamente. Foto: divulgação.

Por Raulino Júnior ||DESDEnhas: as resenhas do Desde|| 

Estreou ontem, em todo o Brasil, o filme Nosso Sonho – A história de Claudinho e Buchecha, que conta a trajetória até o sucesso e a fama da dupla de amigos Claudio Rodrigues de Mattos (Claudinho) e Claucirlei Jovêncio de Sousa (Buchecha). Ou melhor: conta a história dos faixas Claudinho e Buchecha, vividos, respectivamente, pelos atores Lucas Penteado (que dá um show de interpretação!) e Juan Paiva (que está muito bem também, mas o personagem Claudinho tem muito mais camadas para explorar e suplanta a linearidade de Buchecha). Faixa significa “muito amigo, mais que irmão” e era a forma como os dois se tratavam. A cinebiografia é de emocionar e deve fazer muita gente chorar durante e depois de assistir. Não só pelo desfecho que já é sabido por todos, mas porque a obra é repleta de cenas tocantes e poéticas. Quem acompanhou a história da dupla quando ela estava acontecendo, desaba; quem não acompanhou, se identifica. Nosso Sonho celebra as amizades verdadeiras, aquelas em que as pessoas se doam e, mesmo que passem muito tempo sem se ver, a chama amistosa se mantém acesa, intensa e indelével.

O filme é narrado pela ótica do personagem Buchecha, que mostra, a todo tempo, por que considera Claudinho como um anjo em sua vida. Em vários momentos, o faixa o ajudou a superar dificuldades. Claudinho teve a ideia de criar a dupla e sempre impulsionava Buchecha a acreditar. Este, por sua vez, não levava a sério e chegava a afirmar: “A gente é feio demais pra ser artista”. Pensamento que, obviamente, é fruto do racismo e de tudo que ele provoca. A propósito, a temática é abordada na obra de forma sutil, como se o diretor Eduardo Albergaria não quisesse focar nisso. Escolha corajosa e, de certa forma, acertada. O racismo é um assunto presente no cotidiano da população negra, mas não é um limitador. O povo negro não está circunscrito a isso.

A obra pega o espectador também pela memória afetiva. Tem muita música e quem assiste canta junto. É emocionante ver cenas como a da criação da música Rap do Salgueiro (Claudinho/Buchecha) e a da gravação no estúdio da emblemática Nosso Sonho (Claudinho/Buchecha), que batiza o filme. Peca por abordar o sucesso retumbante da música Conquista (Buchecha) de maneira muito tímida. É uma cena em que os familiares estão reunidos e cantam a canção. Dessa forma, não traz a noção do quanto Conquista foi importante na carreira da dupla. Acerta no uso da tecnologia quando faz a inserção de programas de TV que os artistas participaram. Um trecho do extinto Jô Soares Onze e Meia (SBT) é exibido e a edição dá um show de competência.

Caminhando para o desfecho, a gente se pergunta: por que não contextualizaram a história da família de Claudinho? Sobre Buchecha, a gente sabe quem foi o pai (problemático) e a mãe (no sentido amplo da palavra), por exemplo. Claro que é o personagem Buchecha quem narra os acontecimentos, mas o filme se vende como sendo “a história de Claudinho e Buchecha”. Quando os créditos começam a aparecer, a gente lê: “Nosso Sonho – A história de Buchecha com Claudinho”. Título muito mais adequado para o que é narrado. De qualquer modo, Nosso Sonho está à altura do que a dupla Claudinho e Buchecha representou para a cultura brasileira.
Padrão
Cultura, Entrevista, Jornalismo Cultural, Música, Sem Edição, Toca o Desde

Sem Edição| Carla Lis, Música, Poder Feminino e Samba-Reggae

Carla Lis: música na alma. Foto: reprodução do vídeo

No mês em que se celebra o Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha, o Sem Edição, conteúdo audiovisual do Desde, traz uma entrevista especial e exclusiva com Carla Lis, cantora e musicista. Dona de uma voz suave e marcante, Carla tem a arte na sua vida desde a infância. Aos 13, começou a fazer shows em Salvador. Nesta entrevista, ela fala desse início de carreira e dos 25 anos que passou na banda Didá, referência em percussão comandada por mulheres. Durante a conversa, conta como foi conviver com Neguinho do Samba, ícone da cultura baiana e criador do samba-reggae: “Eu achava Neguinho muito completo”.

No bate-papo, fica evidente o amor de Carla em relação àquilo que faz, que é cantar: “A música me cura, me salva”. E completa: “Eu sou música o tempo todo”. Nesse sentido, reflete sobre a indústria da música em Salvador, que não dá espaço para artistas como ela: “Eu acho, sem nenhuma falsa modéstia, que eu poderia estar ocupando outros espaços, poderia ter uma projeção melhor na minha carreira, mas ser mulher, ser gorda, ser negra, ser nordestina, é muito complicado. A mídia é cruel em relação a essas coisas”.

A cantora conta como foi a experiência de participar do documentário Salvador, Mulheres e Histórias, produzido pelo Shopping Piedade, e fala da emoção em cantar no Carnaval de Salvador.  Responde sobre como nasceu o primeiro e único CD de sua carreira, intitulado Pedidos, de 2011. No final, fala da Yayá Muxima, banda de samba-reggae da qual faz parte atualmente, e canta Perto de Ti, sua única composição até hoje, faixa que abre o disco citado anteriormente. Não deixe de ver!

Agradecimentos mais que especiais à Carla Lis! Obrigado pela confiança e disponibilidade, Carla! Mais sucesso! Estendo os agradecimentos aos profissionais (Lázaro Gomes, Irlane Lopes, Ana Lúcia e José Paulino) da Faculdade de Medicina da UFBA, que autorizaram o uso da Bibliotheca Gonçalo Moniz como locação. Obrigado!

Padrão
#NoveAnosDoDesde, Cultura, Desde Então, Jornalismo Cultural, Música

O álbum que fez a dupla Claudinho e Buchecha conquistar o Brasil

CD Claudinho & Buchecha, de 1996: qualidade musical e expressão contundente de uma época. Foto: reprodução do site Funk Antigo.

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora|| 
Claudio Rodrigues de Mattos (Claudinho) e Claucirlei Jovêncio de Sousa (Buchecha) fizeram o Brasil balançar em 1996, ao som do funk carioca. O CD Claudinho & Buchecha (MCA, 1996), produzido pelo DJ Memê, foi uma revolução na história do gênero e é lembrado até hoje como um divisor de águas no segmento, tanto pela qualidade sonora quanto pelas letras, que popularizaram o funk melody. O álbum, que recebeu disco de platina triplo pela Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD), hoje Pró-Música Brasil Produtores Fonográficos Associados, expressa toda a vivacidade dos funks de então, com mensagens que falam de amor, de festa e da realidade social de quem está imerso na manifestação cultural própria de “preto, de favelado…”*.
O baile em forma de disco da dupla é aberto com Pra Lembrar de Você (Buchecha), em que os MCs começam fazendo um convite para os ouvintes se divertirem com eles. Nesse sentido, citam algumas regiões e bailes famosos do Rio daquela época. Mas, ao longo da música, o eu lírico percebe que tudo que faz no presente é motivo para lembrar um romance que ficou no passado e deixou saudade. O término se deu por ciúmes e insegurança, mas não ficou ressentimento, como comprovam estes versos: “Minha rainha, foi bom te namorar/E sempre no meu ser, eu vou te coroar”.  Depois, a gente ouve uma versão cheia de identidade do clássico Tempos Modernos (Lulu Santos), que foi gravado por Lulu em 1982, no seu primeiro e homônimo disco. É impossível não ir para a pista com a batida da regravação de Claudinho e Buchecha.
Em Temperamental (Claudinho/Buchecha), os amigos fluminenses elevam ao grau máximo a coisa melodiosa do funk. Na introdução, um trecho instrumental de Nosso Sonho; na letra, uma exposição do que acontece em toda e qualquer relação amorosa: “Temperamental é o nosso amor/Feito de malícia, implicância e dor/Mas contém razão, harmonia e paz/E, além de tudo, isso satisfaz”. O eu lírico pede uma definição para o relacionamento, se vai mudar ou se vai continuar como está. No final, o arremate: “Deixa o coração, Amor, guiar você”Chance (Buchecha) segue a mesma linha de Temperamental. Trata-se de um exemplo emblemático do funk melody de Claudinho e Buchecha. Aqui, o mote da letra é outro. O relacionamento já acabou, o eu lírico reconhece os erros, mas pede uma outra chance: “Sei que errei e você também errou/Te dei tanto amor, será que acabou?”. Destaque para as partes em que Claudinho canta, “rapeando” o funk. A quinta faixa, Nosso Sonho (Claudinho/Buchecha), é uma das músicas mais conhecidas da dupla. Quem, que viveu aquela época, não sabe de cor a marcante introdução? Duvido se tem alguém que não se rendeu ao “Gatinha, quero te encontrar/Vou falar: sou Claudinho/Menina, musa do verão/Você conquistou o meu coração/Tô vidrado/Eu hoje sou um Buchecha apaixonado. Liberta, DJ!”. O DJ libertou e todo mundo entrou no sonho da fã e do ídolo. A música narra uma história de amor iniciada durante um show, mas que não se concretiza, porque a fã é muito mais nova que o ídolo: “Seus doze aninhos permitem somente um olhar”, diz um dos versos. A letra traz ainda duas palavras pouco usadas no nosso cotidiano: “desditoso” (infeliz) e “adjudicar” (que, na música, não tem o sentido de “conceder”, mas de “permitir”). Assim como a introdução, muita gente queria (e conseguiu!) cantar de cor o trecho no qual o eu lírico enumera os possíveis locais em que poderia encontrar a fã, já que no show não foi possível, devido ao tumulto comum da ocasião.
 
Conquista (Buchecha) faz jus ao nome. Com a música, os MCs conquistaram, literalmente, o reconhecimento em todo o Brasil. Com ela, Claudinho e Buchecha se apresentaram em inúmeros programas de TV e ficaram nas paradas de sucesso das rádios. Foi a música de trabalho do disco, a carro-chefe, com clipe e tudo. Ela atendia a todos os ingredientes do mercado da época: tinha uma batida envolvente e suingada, letra interessante, que muita gente se identificava (“Você junto a mim/Nada se compara a esse prazer”), e uma dança que todo mundo queria imitar (um dos passos fazia referência ao jeito de andar de Dino, da Família Dinossauros, série que fez sucesso na TV).

Contracapa do CD Claudinho & Buchecha, de 1996: um sucesso atrás do outro. Foto: reprodução do site Funk Antigo.

Se em Temperamental e Chance a relação estava com problemas, cheia de altos e baixos, em Apaixonados (Buchecha) está tudo azul, como se diz: “Hoje, somos dois apaixonados/Cada dia mais te amo/Sou teu coroão, teu príncipe encantado/Aos delírios eu te chamo”.  A música é muito boa. A única ressalva está nos versos iniciais, que trazem uma ideia que fica sem lógica, por causa do uso da palavra “sonolência”: “Lembro o dia em que você me olhou/’Tá aqui no pensamento/Era o início do nosso amor/Sonolência total no momento”. Em Pedra Preciosa (Claudinho/Buchecha), o eu lírico busca a reconquista e sabe que a mulher ainda gosta dele: “Amor, eu sei que errei/Venho lhe pedir perdão/Não adianta tentar fugir/Sei que você me quer”. É um hino do “só dá valor quando perde”. Por isso, descamba para o romantismo exagerado: “Hoje, tornou-se obsessão/Esse sabor de amor”Teu Olhar (Buchecha) retrata uma paixão ao primeiro olhar. Daquelas em que o apaixonado já começa a fazer planos de algo que ainda não aconteceu: “E vamos seguir/Juntos até que a morte nos separe/Usufruir/A vida enquanto tudo vale”.
 
Carrossel de Emoções (Claudinho/Buchecha) abre a parte rap do álbum. Aqui, já se percebe uma preocupação em emitir mensagens que evocassem a união do lazer com a paz: “Nós viemos ao baile pra nos divertir/A paz no salão tem o dom de nos unir”. Com Barco da Paz (Claudinho/Buchecha) a mensagem ganha maturidade: “As equipes fazem tudo para melhorar/Lutam pela paz, para o show continuar/As gatas vêm ao baile e só querem amor/Mas alguns vacilões vêm brigar, botar terror”. O Rap do Salgueiro (Claudinho/Buchecha) é uma homenagem a São Gonçalo (cidade onde nasceram) e ao Salgueiro (comunidade da qual são oriundos) e fecha a trilogia dos raps. Uma letra mais despojada, mas que insiste na pacificação nos bailes. Nele, está um dos versos mais bonitos da dupla: “No escuro/Eu levo a paz como iluminação”Só Nós Dois (Buchecha) fecha o álbum e destoa totalmente da sonoridade das outras músicas. Trata-se de um pagode/samba romântico. Tem explicação: na época, o gênero estava no auge. Então, Claudinho, Buchecha e a produção do CD não queriam perder o bonde. Foi em vão. A música não se destacou tanto, mas é boa. Segue a gramática do estilo e tem refrão que pega: “Vem acabar com o tormento/Paixão, venha nesse momento/Amar, só nós dois/O amanhã é o talvez/Ou quem sabe depois”.
Infelizmente, no dia 13 de julho de 2002, Claudinho sofreu um acidente de carro e morreu. Dessa forma, chegava ao fim a parceria musical que teve início em 1995. Há um projeto de filme sobre a história da dupla, chamado Nosso Sonho. A previsão é de que o lançamento seja neste ano. Contudo, com a pandemia do novo coronavírus, tudo pode mudar. O nosso sonho mesmo é de que a história de Claudinho e Buchecha nunca seja apagada e continue conquistando fãs. Esse sonho não pode acabar. Segue libertando, DJ!
_____
* Trecho do funk Som de Preto (MC Amilcka/MC Chocolate/MC Baby).
Padrão
Cultura, Jornalismo Cultural, Música, Reportagem, Reportagem Especial, Samba

Homenagem a Riachão reforça grandiosidade do artista

Sambista foi homenageado por amigos e admiradores em seminário no IGHB

Riachão: artista ganhou merecida homenagem no IGHB, em Salvador. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
“O samba é Deus e Deus é o samba. O samba é alegria, é vida, é ternura, é tudo de bom. O samba é Deus, Deus é a música. O samba, para mim, é Deus. Nada melhor do que Deus. Então, a música está, realmente, no coração de toda a humanidade”. Foi assim, ao ser indagado o que era o samba, que o próprio Riachão, 97 anos, abriu o seminário Eu sou o Samba, realizado em sua homenagem, na tarde de ontem, no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), em Salvador. Com seu jeito peculiar, o sambista encantou a todos com a alegria e vivacidade de sempre. Para a homenagem, o IGHB reuniu um time de admiradores de Clementino Rodrigues (nome de batismo de Riachão): Roberto MendesAlessandra CarvalhoJuliana RibeiroÊnio Bernardes e Chocolate da Bahia.

Da esquerda para a direita: Alessandra Carvalho, Juliana Ribeiro, Riachão, Roberto Mendes e Enio Bernardes. Foto: Raulino Júnior

Roberto Mendes falou sobre a origem do samba e sobre o samba chula. No final da apresentação, cunhou: “O samba é Deus de barriga cheia”. Concordando, assim, com as palavras do homenageado. Em seguida, foi a vez de Juliana Ribeiro reverenciar o mestre Riachão (a cantora e todos os convidados se referiram assim a ele, o tempo todo). Ela abriu a exposição com um áudio de Retrato da Bahia, uma das composições mais conhecidas do cantor. Enquanto a música era reproduzida, Riachão se balançava na cadeira onde estava sentado, feliz da vida. No seminário, Juliana falou sobre as histórias dela com o artista e os encontros proporcionados pela vida artística. O primeiro, por exemplo, foi em 2009, num show durante a Festa de Santa Bárbara. A cantora destacou a generosidade e vitalidade de Riachão: “Essa vitalidade ele tem sempre. Está sempre disposto, sempre disponível. Ele também é muito generoso. Não existe um momento de cantar. Ele está sempre cantando. Não para nunca”. Além disso, Juliana pontuou o fato de Riachão colocar a mulher, na própria obra e na vida, num lugar sagrado: “Ele tem noção de equidade de gênero e conseguiu transmutar o machismo, lembrando que é um homem que nasceu no início do século 20. Por decisão própria, não canta mais ‘Vá morar com o diabo‘”, explicou. No final, Juliana colocou Até Amanhã para tocar, Riachão deu canja e aproveitou para cantar também Somente Ela.

Chocolate da Bahia (nome artístico de Raimundo Nonato da Cruz) fez uma verdadeira intervenção durante o seminário. Contou histórias de sua vida, falou da importância que Riachão teve para o início de sua carreira e cantou algumas de suas músicas e jingles. No final, entoou Cada Macaco no seu Galho, para alegria do homenageado. Alessandra Carvalho, filha de Chocolate, trouxe um tom mais acadêmico para o seminário, ao apresentar informações da sua dissertação de Mestrado, defendida em 2006. Na ocasião, falou sobre o contexto histórico do nascimento do samba e desmistificou a ideia de que o samba foi prontamente aceito na sociedade da época: “A história que descobri, pesquisando sobre o samba, é uma história de muita luta, exploração, fome e pobreza”, elucidou. Enio Bernardes contou um pouco de sua relação com o samba e mostrou-se preocupado com a preservação desse patrimônio cultural. Ao falar de Riachão, choveu no molhado: “Você chega na casa dele, a primeira coisa que ele fala, depois que a gente cumprimenta, é: ‘Já comeu? Já bebeu?’. É um cuidado, uma generosidade que não tem tamanho”.

Roda de Bambas

Na homenagem, o que não faltou, obviamente, foi samba. Tanto o homenageado quanto os artistas convidados cantaram músicas do gênero e transformaram a sede do IGHB numa típica roda de samba. E roda de samba que se preze tem que ter muitas histórias. Riachão aproveitou para contar as dele. Contou, por exemplo, como fez a sua 1ª composição, em 1936, aos 25 anos de idade: “Saí da alfaiataria com destino à Ladeira da Misericórdia, para comprar material de trabalho. Vi um pedaço de papel de revista no chão, peguei e estava escrito: ‘Se o Rio não escrever, a Bahia não canta’. Aquilo não saiu da minha cabeça. No dia seguinte, compus a música”, recorda. No vídeo abaixo, você escuta trecho do samba, que não tem nome.

Exclusivamente para o Desde, o sambista falou como foi receber a homenagem promovida pelo IGHB.

O cantor e compositor Roberto Mendes falou sobre a marca que Riachão deixa para o mundo, não só para o samba, e revelou: “Se um dia Deus me permitir voltar, quero ser Riachão”. Veja o vídeo abaixo.

Artista, digamos, da nova guarda do samba, a cantora e compositora Juliana Ribeiro disse que participar da homenagem para Riachão foi fundamental. Segundo ela, artistas como Riachão abriram caminho para ela e para tantos outros: “Se não tivesse Riachão, como é que eu estaria aqui?”. No vídeo abaixo, você confere a declaração de Juliana.

Para finalizar o seminário, uma roda de samba só com músicas de Riachão reuniu bambas de todas as etnias, idades, gêneros e credos, como o homenageado gosta.

Homenagem acabou em samba. Foto: Cleide Nunes

Padrão
Cultura, Jornalismo Cultural, Música, Teatro

Yan Brumas é MUTANTE!

Prestes a completar 20 anos de carreira, artista inicia comemorações

Yan Brumas: mutabilidade na vida e na arte. Foto: André Fridman

Por Raulino Júnior

Lá nos idos de 1999, Yan Brumas estreava o seu primeiro espetáculo profissional, um musical de Pluft, o Fantasminha, que lhe rendeu indicação na categoria de ator-revelação no Prêmio SESC/SATED (Serviço Social do Comércio/Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões, de Minas Gerais). Em 2014, estreou o seu primeiro show musical, intitulado De Peito Aberto. Em 2015, foi a vez de Tropical. Agora, prestes a completar 20 anos de carreira, involuntária e intuitivamente, o ator e cantor mineiro inicia as comemorações com MUTANTE, um espetáculo cênico-musical que sintetiza muito do que ele é: um artista em constante transformação. “O show une música brasileira e textos que falam da nossa condição humana e mutante, tradicional e transgressiva”, revela Yan.

Arte: Jaques Diogo

MUTANTE terá apresentação única, no dia 20 de novembro, às 20h, no Teatro Marília, em Belo Horizonte. Na ocasião, Brumas vai apresentar 17 canções entrecortadas com textos de escritores brasileiros, como Drummond e Nilton Bonder. O cantor será acompanhado pelo multi-instrumentista Thiago Miotto e o show contará com participação da cantora Anna Paula Sabina. No repertório, músicas de Chico BuarqueLenineZé KétiJoão Bosco e Adriana Calcanhotto. Além disso, o espetáculo vai dar espaço para canções inéditas, de compositores contemporâneos: Estátua de Gelo (do mineiro Leandro Ramos), Baião e Mistérios (O Que Sou Eu?) (de Cassiano Luiz, que também é mineiro) e O Preço do Pecado (da pernambucana Isabela Moraes). O show tem assessoria artística de Guilherme Toledo (encenação) e de Pablo Libere (figurino). A produção executiva é de Jaques Diogo. Os ingressos, que estão à venda na bilheteria do teatro ou, antecipadamente, no site www.sympla.com.br, custam  R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia).

Padrão
#Desde7, Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Música, MPB, Negritude, Resenha

A vida e a vida de Luiz Melodia

Cerimônia do 29º Prêmio da Música Brasileira faz homenagem do tamanho do talento do artista fluminense

29º Prêmio da Música Brasileira homenageou Luiz Melodia. Na foto, a atriz Leandra Leal na abertura da cerimônia. Imagem: reprodução do vídeo

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Luiz Melodia vive e está entre nós. Pelo menos, essa foi a impressão de quem acompanhou, pelo Canal Brasil ou presencialmente, a cerimônia do 29º Prêmio da Música Brasileira, na qual o cantor e compositor oriundo do morro do Estácio foi homenageado. O evento, que aconteceu na última quarta-feira, 15 de agosto, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, reafirmou o talento congênito de Melodia. Idealizado e dirigido por José Maurício Machline, desde 1989, a edição de 2018 teve roteiro de Zélia Duncan (que está no posto há cinco anos), cenografia de Gringo Cardia, direção musical de João Carlos Coutinho e direção artística de Giovanna Machline. A artiz Leandra Leal abriu a noite com um lindo depoimento em que falava de seu amor por Luiz e que trazia dados da vida do cantor e coube a Débora Bloch e Camila Pitanga a responsabilidade de apresentar a tradicional premiação.
E Luiz Melodia foi reverenciado da forma que merece. Sim! No tempo presente mesmo! A sua obra provou o quanto que ele é imortal e isso foi evidenciado no Prêmio da Música Brasileira. A história de vida do cantor foi entrecortada com a entrega dos prêmios e, a cada momento, um número musical era apresentado. Todas as apresentações poderiam, por exemplo, ir para um DVD, pela qualidade artística e primor do que foi exposto. Teve Pedro LuísHamilton de Yolanda e Yamandu Costa brindando o público com uma versão emocionante de FadasXênia França e Áurea Martins interpretando Juventude Transviada com muita força e sensibilidade; Lenine e o filho, João Cavalcanti, mostrando que talento é mesmo CongênitoSalve Linda Canção sem Esperança, com CéuNegro Gato (Getúlio Côrtes), com IzaLazzo e LinikerBaby do Brasil numa versão precisa de MagrelinhaÉbano, com Fabiana CozzaDores de Amores, com Zezé Motta e Sandra de SáEstácio Holly Estácio, com Alcione e Pérola Negra, num encontro familiar de Caetano VelosoMoreno VelosoTom VelosoZeca Veloso e Maria Bethânia. Foi, abusando do clichê, lindo demais.
A cerimônia foi muito bem dirigida e repleta de poesia. Sem excesso e sem chatice, como, muitas vezes, eventos dessa natureza costumam ter. A premiação celebrou a vida de Luiz Melodia e trouxe ainda mais vida para a sua obra, com releituras tão boas quanto as versões originais das canções. O 29º Prêmio da Música Brasileira fez a voz do morro ecoar, mais uma vez, para a eternidade.
Assista, no vídeo abaixo, à cerimônia do 29º Prêmio da Música Brasileira:

Padrão
#Desde7, Cultura, Desde Então, Jornalismo Cultural, Música

A música da Copa

Há 20 anos, o Time Campeão dava voz à música Festa Brasileira. Imagem: Spotify

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora|| 
Em época de Copa, é sempre a mesma coisa: o mercado da música se movimenta para lançar o hit do evento esportivo. No mundial de 1998, que aconteceu na França, não foi diferente. A gravadora PolyGram (hoje, Universal Music) colocou em campo a faixa Festa Brasileira (Mais uma Vez), composta por Seu Jorge e Gabriel Moura. A gravação fez parte do CD Festa Brasileira – Ao Vivo, produzido pela PolyGram e dirigido por Alexandre Agra. O álbum em questão continha 22 faixas, entre elas, a versão em estúdio de Festa Brasileira. O disco está disponível no Spotify. O curioso é que a última faixa, Acabou, com Jheremias Não Bate Corner (embrião do Jammil e Uma Noites) traz uma versão de Festa Brasileira com o Brasil já vitorioso com o pentacampeonato, como aconteceu. Os versos dizem: “Mais uma vez, vamos vestir/A bela camisa amarela/Aquela que é pentacampeã….”. Obviamente, a faixa tinha sido previamente preparada.
O Time Campeão (como os intérpretes foram chamados pela gravadora) que deu voz, literalmente, à música foi formado por Cheiro de Amor (Carla Visi), Banda Eva (Ivete Sangalo), É o Tchan (Beto Jamaica), Netinho e Zeca Pagodinho. Como de praxe em obras dessa natureza, a música convoca a torcida brasileira e o grande destaque da letra é o último verso do refrão, que diz “Eu tô torcendo daqui, mas na verdade eu tô lá”. Ou seja, todo mundo está no espírito da Copa, independentemente de onde esteja. A distância não separa, une. Esse é principal conceito da música feita sob encomenda. Abaixo, você confere a letra completa e o videoclipe oficial, que está disponível no YouTube, no canal DaneTV – Videoclipes.
Festa Brasileira (Mais um Vez)
(Seu Jorge/Gabriel Moura)
Mais uma vez, vamos torcer
E vestir a camisa amarela
Aquela, que é tetracampeã
Aquela, do nosso coração, Brasil
É, galera! Tira o pé do chão, Brasil!
 
Mais uma vez, vamos torcer
E vestir a camisa amarela
Aquela, que é tetracampeã
Aquela, do nosso coração
Brasil!
 
A nossa seleção vai dar as mãos de novo
Balançar a rede
Sacudir o povo
Nosso país com fé, chuteira no pé
E bandeira na mão
Vai ligar a televisão
Se Deus quiser, o caneco vem pra nossa mão
 
Bola na área encobrindo o zagueiro
O Brasil inteiro vai cabecear
Eu sinto cheiro de vitória no ar
Eu tô torcendo daqui, mas na verdade eu tô lá!
 
Bola na área encobrindo o zagueiro
O Brasil inteiro vai cabecear
Eu sinto cheiro de vitória no ar
Eu tô torcendo daqui, mas na verdade eu tô lá!

Padrão
#Desde7, Axé Music, Cultura, Jornalismo Cultural, Música, Reportagem

O oba-oba da Casa do Carnaval

Equipamento cultural feito às pressas deixa a desejar em alguns aspectos
 

Fachada do prédio que abriga a Casa do Carnaval da Bahia, na Praça Ramos de Queiroz, Centro Histórico de Salvador. Foto: Raulino Júnior

O Carnaval de Salvador agora tem um espaço que abriga um pouco da sua história e criatividade: a Casa do Carnaval da Bahia. Localizado na Praça Ramos de Queiroz, no Pelourinho, ao lado do Plano Inclinado Gonçalves, o museu foi inaugurado no dia 5 de fevereiro de 2018 e segue com visitação gratuita até o final do mês. Para isso, os interessados devem ligar para (71) 3324-6760 e agendar. O funcionamento é de terça a domingo, das 11h às 19h. Após o prazo de visitas gratuitas, quem quiser conhecer o lugar vai pagar R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia).

Foto: Raulino Júnior

Com curadoria geral de Gringo Cardia (contando com o auxílio de Paulo Miguez e Jonga Cunha), a Casa do Carnaval da Bahia surge pretensiosa, mas deixa a desejar em alguns aspectos. A começar pelo nome, que sugere abarcar a festa que acontece em toda a Bahia (Casa do Carnaval da Bahia), mas, no fundo, o conteúdo se restringe ao Carnaval de Salvador. Outra coisa que é muito fácil de constatar é a falta de uma maior atenção para os criadores do trio elétrico e da guitarra baiana, Dodô e Osmar. A referência presente no museu é muito pequena, diante da importância dos precursores. Os compositores, que são artistas fundamentais em todo o processo da festa, ficam à míngua. Por que o curador não foi alguém da Bahia, conhecedor dos nossos costumes e tradições? Nada contra Gringo, tudo a favor de uma história contada com o nosso olhar. Vale ressaltar que o equipamento cultural foi concebido em três meses. Então, pouco tempo para muita pesquisa que tinha de ser feita, não é?
Os vídeos exibidos na Casa são muito longos, o que torna a visita mais cansativa do que ir atrás do trio. Um parêntese: qual foi o critério de escolha dos narradores dos vídeos que são exibidos na exposição? Porque tem cada incoerência! Daniela Mercury narra o vídeo intitulado “O Carnaval afro” e Regina Casé narra dois: “Chamando gente” e “Cantores do Carnaval da Bahia” (em parceria com Margareth Menezes). Por que Regina Casé? Uma pesquisa no Google responde! Ela é amicíssima de Gringo! A interatividade proposta pelo curador é bem-vinda e está conectada com as demandas de hoje, mas será que, para quebrar a monotonia de um vídeo atrás do outro, não teria condições de contar com a participação de monitores bem informados para falar sobre a festa? Competência, certamente, não falta. Por que essa alternativa não foi pensada? Num museu que tem como temática o Carnaval, o que mais se espera é dinamismo, não é? Até a tentativa pensada para isso (a Sala Cinema Interativo – Vídeos de Dança), soa insossa e, o que se percebe, é que apostaram numa interação pela interação; vazia e sem um propósito substancial. Na sala, os visitantes são convidados “a viver a experiência” de estar no Carnaval de Salvador. Para isso, usam voluntariamente adereços carnavalescos e acompanham as “aulas de dança” que são apresentadas numa projeção. A ideia é aprender os passos e dançar junto (?). Perderam a chance de mostrar, por exemplo, as danças que surgiram naturalmente nas ruas, por causa do Carnaval, como a da galinha e muitas outras. Essa coisa ensaiadinha das danças foi uma invenção da indústria cultural e, mesmo sendo bem-sucedida, descaracterizou a naturalidade da nossa festa. Em entrevistas, Luiz Caldas sempre fala que a dança do fricote surgiu de uma cópia dos passos que um folião estava fazendo na rua, atrás do trio. É por aí.
Importância cultural

Teto e parede com arte de J. Cunha; homens de lata de Aloisio de Madre de Deus também integram o cenário. Foto: Raulino Júnior

Apesar de apostar num conceito que privilegia a superfície e não a base dessa potente manifestação popular, a importância cultural do museu é incontestável. Quem o visita, se depara com um universo carnavalesco muito rico e peculiar. Tudo foi pensado com capricho. Na entrada, tetos e paredes são cobertos por obras do artista plástico J. Cunha. Além disso, há uma instalação de homens de lata de Aloisio de Madre de Deus, do Bloco da Latinha. Ainda na primeira parte, uma máscara gigante da careta de Maragojipe, assinada por Memeu Barbudo, chama a atenção. Há também uma biblioteca, com livros que refletem sobre o Carnaval e seus personagens.

Máscara gigante da careta de Maragojipe, do artista Memeu Barbudo. Foto: Raulino Júnior

Biblioteca focada no Carnaval: estímulo à leitura. Foto: Raulino Júnior

A exposição é formada por três salas: a primeira, denominada Origens do Carnaval; a segunda, Criatividade e Ritmos do Carnaval e a terceira, já citada aqui, Sala Cinema Interativo. O visitante começa a imersão na Sala Origens do Carnaval. Lá, assiste a vídeos narrados por expoentes da festa, como Gerônimo (Origens do Carnaval da Bahia), Márcia Short (Carnaval das elites nos salões e nas ruas), Mariene de Castro (Celebrando o samba), Márcio Victor (A Praça Castro Alves) e Alberto Pitta (Afoxés do século XIX). Miniaturas de personagens do Carnaval (ambulantes, artistas, foliões), feitas pela artesã Cibele Sales, estão por toda a parte da sala.

Sala Origens do Carnaval. Foto: Raulino Júnior

Sala Origens do Carnaval. Foto: Raulino Júnior

Na Sala Criatividade e Ritmos do Carnaval, os vídeos são narrados por Carla Visi (O visual do Carnaval), Daniela Mercury (O Carnaval afro), Regina Casé (Chamando gente), Luiz Caldas (A mistura de ritmos no Carnaval da Bahia), Margareth Menezes (O tambor e a guitarra do Carnaval da Bahia), Claudia Leitte (Blocos de trio), Ivete Sangalo (O samba e o pagode no Carnaval da Bahia), entre outros.

Um dos figurinos de Carlinhos Brown. Foto: Raulino Júnior

Fantasias dos blocos de matriz africana. Foto: Raulino Júnior

O vídeo narrado por Caetano VelosoCantoras do Carnaval de Salvador, é reproduzido sem que o áudio do artista saia. Segundo um monitor do museu, o santoamarense não autorizou o uso de nenhum de seus áudios, incluindo os de entrevistas antigas sobre o Carnaval e os de músicas. Alguma pendenga judicial. Na sala em questão, o visitante vê alguns figurinos doados pelos artistas que fazem e fizeram o Carnaval acontecer, as fantasias dos blocos de matriz africana e uma instalação no teto, feita com tambores, um dos símbolos da festa. Visualmente, a exposição mata a pau.

Padrão