Ensaio

Anísio é antena!

Educador baiano sempre esteve atento ao que estava acontecendo e adaptava as novidades para a área da educação

Anísio Teixeira: visionário da educação. Foto: site do jornal A TARDE

Quando se fala em Anísio Teixeira (1900-1971), é impossível não vir à cabeça alguns clichês como “um homem a frente do seu tempo”, “um visionário”, “o criador da escola verdadeiramente pública” e tantos outros. O fato é que, mesmo não sendo um homem que ficava preso a padrões, todos esses rótulos cabem muito bem ao baiano nascido em Caetité, em 12 de julho de 1900. Anísio não era clichê, não era “mais do mesmo”. Pelas informações encontradas em textos de pesquisadores e biógrafos, o que fica mais evidente é o espírito revolucionário do educador. Anísio era ruptura e inovação. Estudou Direito, era escritor, mas advogava mesmo, de forma ferrenha, por uma educação pública e de qualidade. Essa foi a grande causa de sua vida. Uma causa vencida, diga-se de passagem.
A vitória está no legado que ele deixou, no seu exemplo. Por isso, não é exagero afirmar que em toda prática educativa feita no Brasil tem muito dos ensinamentos de Anísio Teixeira. Ele pensou numa escola atraente, que fizesse sentido para educadores e educandos. Anísio pensou numa educação para todos, porque, para ele, educação não era nem deveria ser privilégio. Educação é um direito. Sendo assim, defendeu a formação integral, na qual todas as potencialidades de professores e estudantes seriam valorizadas. A escola pode ensinar as disciplinas do currículo comum, mas pode ir além, incrementando o processo de ensino e de aprendizagem com atividades voltadas para arte e cultura. Nesse sentido, vê-se um homem totalmente conectado com os dias atuais. Ou melhor: os reflexos de seus ideais estão presentes nos processos educativos de hoje em dia.
Muito antes do advento das tecnologias da informação e da comunicação (TICs), Anísio já trazia a tecnologia para a sala de aula. Lembrando que tecnologia não é só o que liga. Então, quando ele pensou numa educação plural, com mais arte e cultura, queria dar oportunidade para que os estudantes pudessem potencializar as próprias habilidades para fazer um ofício. Eles podiam aprender a técnica. Etimologicamente, tecnologia vem daí.
A fim de tornar o sistema de ensino mais qualificado e já na condição de Inspetor Geral do Ensino da Bahia (espécie de Secretário da Educação da época), Anísio fez viagens para a Europa e para os Estados Unidos. Com essa experiência, adquiriu conhecimentos acerca das práticas educativas daqueles lugares e implementou o que era possível em território nacional. Vale ressaltar que Teixeira foi muito influenciado pelas ideias e estudos de John Dewey, filósofo e educador norte-americano.
Em 1932, foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que propunha a adoção de uma pedagogia escolanovista. Essa pedagogia tinha como cerne a luta por uma escola com ensino livre e aberto, uma contraposição a tudo que era tradicional. Anísio tinha consciência de que a sociedade só seria justa e igualitária quando tivesse um bom modelo de “máquina que prepara as democracias”. Essa máquina era a escola pública.

Escola Parque em dois momentos: 1947 (esquerda) e 1956 (direita). Foto: Diógenes Rebouças

Assim, em 1950, inaugurou o Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro (conhecido como Escola Parque), em Salvador. O espaço sintetizou todos os ideais de Anísio: a) uma escola que apostava no pragmatismo, em que os estudantes eram estimulados a aprender pela experimentação, aprender fazendo; b) uma escola aberta, comum para todos, que garantia a universalização da educação pública, gratuita e de qualidade; c) uma escola de formação integral, que valorizava as múltiplas inteligências; d) uma escola de inclinação humanista, em que professores tinham consciência de que ensinavam e de que também aprendiam; e) uma escola que considerava a experiência do educando como base do aprendizado; f) uma escola que formava para a vida, para o trabalho e, acima de tudo, para uma vivência cidadã.
Anísio também defendia a formação do professor como um pilar essencial para a qualidade da educação. Atualmente, todas as práticas que têm esse intuito traz o DNA do caetiteense. No Brasil, são incontáveis as iniciativas cujo objetivo é fazer com que os professores adquiram ainda mais conhecimento e tenham uma formação ampla e abrangente. Mais uma vez, Teixeira se mostra conectado com o que se faz no presente. Mesmo não sendo um homem dos dias de hoje, ele projetou uma das principais demandas atuais da educação.
É que Anísio Teixeira sempre foi antena. O educador sempre esteve atento ao que estava acontecendo e tentava, de todo modo, adaptar as novidades para a área da educação. Por isso, não via empecilhos em usar o rádio e o cinema, algumas das tecnologias presentes na época em que viveu, para fins pedagógicos.
A experiência implementada na Escola Parque serviu de modelo para instituições de outros lugares do país e esse era um desejo de Anísio Teixeira. A democratização do ensino era uma de suas aspirações, bem como a possibilidade de implantação de escolas de formação integral em todo o território brasileiro. Anísio queria que os educandos fossem estimulados a mostrar as suas outras habilidades, que tivessem autonomia, um olhar abrangente para as coisas do mundo e pensamento crítico.

Ilustração: Biblioteca Virtual Anísio Teixeira

A fácil apropriação das TICs por parte dos estudantes, uma marca do século XXI, certamente seria motivo de orgulho para Anísio Teixeira. Ele pensaria em estratégias pedagógicas para que os professores aproveitassem todo o saber que o educando já traz sobre as tecnologias da informação e da comunicação. Mesmo defendendo uma educação humanista, fincada no aprender a conviver, seria um adepto das práticas de educação a distância (EaD). Isso porque Anísio não impunha barreiras para o processo de ensino e de aprendizagem. Progressista que era, pensava numa escola ativa, na qual o único limite era o de respeitar os direitos de professores e estudantes. O limite era respeitar o caráter heterogêneo das turmas, as peculiaridades de cada ser em formação.

Com Anísio, a escola é sempre nova. Se gestores, professores e educandos colocam em suas práticas os pilares da concepção de educação proposta por Teixeira — aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser — , o legado do mestre será sempre perpetuado. A escola é nova quando mostra o sentido do aprendizado para o educando. A escola é nova quando propõe atividades para que os estudantes aprendam a partir de uma experiência prática, quando eles conseguem refletir sobre a ação que desempenham. A escola é nova quando enfatiza que a relação interpessoal deve ser uma constante, porque é na convivência que se aprende a respeitar os outros e cada integrante da comunidade escolar tem a oportunidade de aprender com o outro. A escola é nova quando possibilita que os educandos busquem a própria identidade, quando dá autonomia para que os estudantes trilhem os seus próprios caminhos. A escola é nova sempre que tem Anísio.
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