13 anos de sorte!, Cultura, Jornalismo Cultural, Notícia

Primeiro sitcom produzido na Bahia exalta a força da nordestinidade

Forrobodó da Paixão reúne elenco predominantemente nordestino e busca não perpetuar estereótipos sobre a região

Carlos Betão em cena de Forrobodó da Paixão. Foto: Wrias Meireles

Atores se maquiando, produção de arte organizando o cenário, técnicos passando pra lá e pra cá, teste de som, ajustes no microfone, orientações do diretor: todas essas ações  foram acompanhadas no último sábado, 16 de março, durante a espera para o início das gravações de mais um episódio da série Forrobodó da Paixão, no Teatro Sesc Casa do Comércio, em Salvador. Naquele dia, a equipe chegou às 6h20 e só sairia às 20h do teatro, porque teria ensaio e todos os ajustes para a próxima gravação. O sitcom (abreviação da expressão situation comedy, que pode ser traduzida como “comédia de situação”), dirigido por Fernando Guerreiro e produzido pela Têm Dendê Produções, conta, em oito episódios, “a história do Bar do Paixão, localizado em Caicó, no Rio Grande do Norte. Com a morte do dono do estabelecimento de forró tradicional, Legítima, uma jovem cozinheira, precisa se desdobrar para manter o local funcionando em meio a relações amorosas, problemas financeiros, herdeiros loucos e os constantes ataques de sua mãe, uma milionária disposta a qualquer coisa para derrubar o lugar”, como consta em texto divulgado no site da produtora. As gravações em Salvador começaram no dia 12 e se estenderão até 20 de março. Carlos Betão vive o protagonista, Paixão. Além dele, o elenco é formado por Mariana Costa (Legítima), Edmilson Barros (Paulista), Ana Mametto (Paloma), Matteus Cardoso (Artemides), Álvaro Dantas (Carneirinho) e Denise Correia (Judith). Apenas Denise não nasceu no Nordeste. Ela é natural de Alvorada do Sul, cidade da região metropolitana de Londrina, no Paraná. O sitcom será exibido pelo STB Nordeste.

Vânia Lima, diretora da Têm Dendê Produções. Foto: reprodução do site da Tem Dendê.

Em entrevista concedida pelo WhatsApp, Vânia Lima, diretora da Têm Dendê, revelou ao Desde como nasceu a ideia de produzir a série: “Eu nasci no interior da Bahia e meu avô era dono de uma venda, com sinuca. Como ele e minha avó eram separados, eu cresci o visitando esporadicamente e fantasiando sobre esse bar. Então, quando escrevi o primeiro argumento, meu avô tinha partido, e eu estava com essa história inicial na cabeça: um dono de um bar no interior do Nordeste que deixa uma herança cheia de amor, dívidas, música com confusão de um herdeiro perdido. Os personagens e as histórias foram sendo ajustados no encontro com os roteiristas Caio Guerra, Letícia Simões, Cláudio Simões e Daniel Árcades, a seguir com Fernando Guerreiro e Alan Miranda”. Questionada sobre quais questões, para além do humor, a série pretende trazer à tona, Vânia aposta na resistência e na quebra de estereótipos: “Acredito muito que estamos contando uma história de amor e humor. E o humor é um lugar de resistência. Assumimos um sotaque do Nordeste, de uma região do país que é o Rio Grande do Norte, pouco retratada. Trazemos um elenco diverso e talentoso, picardia e acidez para mostrar como os rótulos do ‘regionalismo’ precisam ser ultrapassados”. Betão, que enviou áudio pelo WhatsApp para responder às perguntas do blog, enfatiza o orgulho que o personagem Paixão tem em pertencer ao seu território: “O Paixão é um personagem solar, é um personagem que tem uma alegria  de viver. Além disso tudo, ele é um cara que tem um pertencimento da sua comunidade, do seu território, da sua gente, da sua cultura. Ele é um adido cultural de Caicó. O seu bar é uma espécie de Ministério da Cultura de Caicó. Lá, ele reúne os melhores músicos de forró. É um resgate do forró, um ritmo tipicamente nordestino, nosso, pé no chão. Então, fazer esse personagem é um aprendizado muito grande, porque estamos diante de uma persona que tem um carinho, um apego, um interesse da sua terra, das coisas da sua terra, da sua cultura. Isso é muito bom”. O ator ainda diz como é fazer o protagonista e estar no elenco de uma iniciativa pioneira na produção cultural de Salvador: “Fazer o protagonista dessa série é um presente maravilhoso para mim como ator, para a minha carreira. E fazer parte da primeira série em formato sitcom gravado aqui na Bahia, produto da casa , abrindo portas para mais uma possibilidade, para mais uma frente de trabalho para nós, artistas, atores, é importantíssimo. Eu em sinto muito honrado, muito alegre”, finalizou.

Fernando Guerreiro. Foto: Raulino Júnior/Arquivo do Desde-Janeiro de 2017

Fernando Guerreiro, diretor de teatro e atual presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), é movido a desafios e contou ao blog o que foi determinante para que aceitasse dirigir o primeiro sitcom gravado na Bahia. “A possibilidade de exercitar o humor em outras linguagens. Na verdade, eu tenho uma paixão muito grande pelo humor. A segunda coisa: o humor nordestino. Porque é uma comédia ambientada em Caicó e tem um elenco basicamente nordestino, quase 100%. Por incrível que pareça, a única pessoa que não é nordestina é Denise, mas veio pra cá com seis anos. Então, é nordestina. Eu tenho uma vontade muito grande de fazer alguma coisa na universidade sobre o humor do Nordeste, que eu acho que ele é muito característico”. Guerreiro opinou sobre a importância de projetos dessa natureza para a produção cultural nordestina: “Fundamentais. Acho que tem uma coisa muito legal, que é assim: a Bahia se desconectou um pouco do Nordeste. Parece que a Bahia não é nem Nordeste nem Sudeste. Tem um momento assim que você fica no meio do caminho. Quando eu comecei a minha carreira teatral, em 1970, a segunda peça que eu montei foi um cordel, chamado ‘Comigo ninguém pode’. E nessa época a gente tinha uma conexão muito grande, até de sotaque, de tudo, com o Nordeste. Depois, isso descolou. Ficou parecendo que a Bahia está fora de tudo. E eu acho importante reforçar, com toda questão política que está aí, que o Nordeste é um país, que o Nordeste tem caraterísticas próprias e é muito interessante”. Fernando também falou sobre o desafio de dirigir um sitcom, pois os atores têm que equilibrar as caraterísticas de atuação para teatro e para TV: “É um aprendizado. Ainda estamos tateando. Muitas vezes, gera uma confusão aí no meio. Como a plateia é apresentada, quem está em casa vai ver o público, será algo mais próximo do Sai de Baixo. Quem assistir vai saber que isso é, praticamente, uma peça filmada. Já tem mais liberdade para você trabalhar. Tem um coisa aí que já vê um caminho desenhado, que acaba facilitando bastante”.

Foto: Wrias Meireles

A essa altura, você já deve estar se perguntando: por que o nome não é Forrobodó do Paixão? Guerreiro responde: “Resolvemos botar ‘da Paixão’ porque tem várias coisas amorosas. Todas as tramas acabam descambando para um caso amoroso. Teve essa discussão, mas acabou ficando ‘da'”.

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O blog agradece ao jornalista Kirk Moreno, à mediadora cultural Silara Aguiar, ao produtor Cristiano Luz e a Fernando Guerreiro por possibilitarem a produção desta matéria.

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No Carnaval que homenageou cultura afro, artistas negros reconhecem avanços, mas cobram mais protagonismo

Salvador Capital Afro e 50 Anos de Blocos Afro. Nossa Energia é Ancestral foram os temas escolhidos, respectivamente, pelo governo municipal e estadual

Artistas negros de Salvador avaliam presença do afro no Carnaval. No sentido horário: Sergio Nunes (da banda Adão Negro), Antonio Jorge (Tio Elétrico), Negro Léo (Vixe Mainha), Nara Couto, Aloísio Menezes e Pierre Onassis (Afrodisíaco). Fotos dos homens: Raulino Júnior. Foto de Nara: reprodução da internet.

Por Raulino Júnior || Especial – Carnaval sem Confete ||

O Carnaval de Salvador chegou ao fim e, neste ano, homenageou a cultura afro. O tema escolhido pelo governo municipal foi Salvador Capital Afro. Já o do governo estadual foi 50 Anos de Blocos Afro. Nossa Energia é Ancestral. Diante disso, o Desde entrevistou alguns artistas negros que integraram a programação da festa a fim de saber a avaliação deles sobre a presença do afro na edição de 2024 da folia. Sergio Nunes, vocalista da banda de reggae Adão Negro, reconhece que atualmente há gestores públicos mais sensíveis, mas os desafios continuam. “Eu percebo, sinceramente, que hoje nós temos gestores públicos nas duas esferas, tanto municipal quanto estadual, e mais ainda, na instância federal, que podemos citar já uma pessoa que é pedra fundamental do Pelourinho, que é João Jorge, na frente da Palmares, existe uma sensibilidade hoje muito maior desses gestores públicos em cada uma dessas esferas. Nós estamos otimistas, apesar de que reconhecemos que ainda há muitos desafios. Por exemplo: você sabe que o Adão toca, naturalmente, para o povo da periferia. O Pelourinho está sendo o único show, esse show hoje aqui, onde a gente está tocando no circuito principal de Salvador. A gente foi para Periperi ontem [a entrevista foi foi feita no último dia de Carnaval, 13/2, quando a banda Adão Negro estava prestes a tocar no Largo Pedro Archanjo], a gente estava no interior da Bahia… Temos muito orgulho porque a nossa música nos chama até lá, mas a gente percebe que é ainda preciso mexer nesse jogo de forças pra gente fazer o Carnaval, de fato, diverso a tal ponto que a gente perceba nosso povo preto mais presente na festa. Retornando o que eu falei no começo: temos hoje, apesar dos desafios, gestores públicos que já são sensíveis a isso”.

Sergio Nunes, da banda Adão Negro: “Existe uma sensibilidade hoje muito maior dos gestores públicos, mas ainda há muitos desafios”. Foto: Raulino Júnior

Para Antonio Jorge, do projeto Tio Elétrico, que conta a história do trio elétrico através das canções, a homenagem é uma reparação, mesmo que tardia. “Eu recebo esse fato como uma reparação, na verdade. Porque enquanto alguns trios e alguns blocos deixaram de existir, o bloco afro sempre resistiu. Então, é uma questão de resiliência e de luta, e que tem que ser reconhecida. Então, pra mim, nada mais que uma reparação. A homenagem foi um pouquinho tardia, mas antes tarde do que nunca”.

Antonio Jorge, do projeto Tio Elétrico: “Para mim, nada mais que uma reparação. A homenagem foi um pouquinho tardia, mas antes tarde do que nunca”. Foto: Raulino Júnior

Negro Léo, atual vocalista da banda Vixe Mainha, sentiu a falta de uma presença mais frequente do cantor e compositor Lazzo Matumbi. “Eu vi que foi uma presença bem marcante dos afros no Carnaval de Salvador, mas faltaram ainda uns nomes. Tem que dar mais ênfase a Lazzo Matumbi, que precisa de um espaço, tem que ter um espaço maior no nosso Carnaval. Quando eu vi o Instagram de Lazzo, eu vi, acho, dois shows só. Lazzo era pra tocar no Carnaval inteiro, ter um trio, ter uma coisa, sabe? Lazzo fez muito pela música da gente. Mas, em relação aos afros dentro do Carnaval, eu vi uma presença bem marcante e uma ênfase bem maravilhosa, até nacionalmente também. Pelo fato de ter a abertura do Carnaval na [Praça] Castro Alves com Carlinhos Brown, BaianaSystem, Ivete Sangalo e Ilê Aiyê estar ali, completando 50 anos, abrilhantando aquela festa ali, foi marcante também. A Vixe Mainha está presente também, é um afro presente no Carnaval, pela nossa linguagem, pelas nossas músicas”.

Negro Léo, atual vocalista da banda Vixe Mainha: “Tem que dar mais ênfase a Lazzo Matumbi, que precisa de um espaço, tem que ter um espaço maior no nosso Carnaval”. Foto: Raulino Júnior

Para Pierre Onassis, da banda Afrodisíaco, a iniciativa de homenagear a cultura afro demorou para acontecer. “Eu acho que é um pertencimento, é uma afirmação de ocupação territorial mesmo. Sobretudo do que representamos como história e é uma iniciativa, talvez, um pouco tardia, mas que veio. O importante é que nós estamos aí representados pelos blocos afro. Os blocos me representam também! Quando eu vejo o Olodum desfilar, o Muzenza, o Ilê Aiyê, eu acho que é a história da gente sendo contada através da música e um registro de personalidade musical, porque a Bahia é afro sim. A história da música baiana começa na música afro. Olodum, Ilê Aiyê, Faraó, entre outras canções que nos trazem essa importância. Toda população negra, preta de Salvador agradece a esse momento de brilho, de respeito, e a gente entende que isso fortalece um movimenta e nos leva pra um futuro diferente”.

Pierre Onassis, da banda Afrodisíaco: “É uma iniciativa, talvez, um pouco tardia, mas que veio. O importante é que nós estamos aí representados pelos blocos afro”. Foto: Raulino Júnior

Aloísio Menezes acha que Salvador Capital Afro tem que ser um tema da vida inteira. “Neste ano, eu tive o prazer de ver os blocos afros passarem muito bem. Porque, a partir do momento que você faz parte da inclusão, a coisa muda. Eu vi a qualidade. O Cortejo Afro, não é porque eu sou do Cortejo Afro, estava lindo demais. O Ilê Aiyê lindo demais. Eu vi o próprio Muzenza, Didá, Malê Debalê, todo mundo esbanjando beleza, esbanjando autoridade. Eu não queria que a Salvador Capital Afro fosse só este ano, tem que ser a vida inteira, porque a Bahia é uma cidade preta. Então, o afro está no nosso sangue o ano inteiro, a vida inteira. O tema este ano foi Capital Afro, mas que continuem trabalhando pelo afro, dando apoio aos afros, colocando os afros com dignidade e beleza como esse ano. Quero parabenizar o governo do estado e a prefeitura, porque é isso que o povo quer. O povo quer se sentir bem. A partir do momento que você me trata com dignidade e com respeito, você vai ver coisa boa. Anos atrás, eu via o povo com a cuia pedindo “pelo amor de Deus, me ajude botar o meu bloco na rua”. Neste ano, o Ouro Negro deu um show”.

Aloísio Menezes: “Eu não queria que a Salvador Capital Afro fosse só este ano, tem que ser a vida inteira, porque a Bahia é uma cidade preta”. Foto: Raulino Júnior

A cantora Nara Couto filosofa e diz que fica feliz com as homenagens. “A gente está falando de coisas que já acontecem há muitos anos. Neste ano, por conta do bloco afro Ilê Aiyê, que foi o primeiro bloco afro no Brasil, teve essa reverência, mas eu acompanho os blocos afro há muito tempo, nasci no Curuzu e para mim é reverenciar o que já está dito, o que já está posto. Quando a gente faz divulgação da Bahia, a gente chama os blocos afro. Quando a gente quer imagem para falar da musicalidade da Bahia, a  gente traz os blocos afro. Isso é o que a gente tem de mais precioso. Acima de qualquer artista que possa existir. E até de mim. É o nosso embrião, é o nosso útero. Os blocos afro representam esse lugar e cada um traz sua particularidade. E o mais importante: sua raiz. A partir disso, a partir da existência dos blocos afro, a gente sabe que a Bahia nunca vai mudar a rota da própria existência. O que eu vejo hoje é uma reverência, uma honra, que é muito bonito de se ver, mas é uma coisa que já está posta, que já existe há muito mais tempo. Então, que bom que estão acontecendo essas homenagens. Fico muito feliz dessas honras, dessas homenagens, mas o que a gente está falando são de existências que existem há muito mais tempo e estão aí o tempo todo. Quando você veste uma roupa do Ilê, a gente se veste de identidade, de potência, de vaidade, de força, de militância. É nesse lugar que o bloco afro se apresenta todos os anos para todas as pessoas que estão saindo nos blocos afro, pra todas as pessoas que vão pras saídas, que vão pros festivais de música, que também é uma outra vertente dos blocos afro, que é muito importante, sobre os compositores. É uma escolha, é um refinamento, que bom que está sendo visto, sempre foi reverenciado, mas agora com mais ênfase. Os bloco afro sempre existiram e sempre vão existir”.

Nara Couto: “Nunca vai ser suficiente, porque  gente está falando de muitas camadas”. Foto: reprodução da internet

Ao ser questionada se considerou as homenagens satisfatórias, ela não titubeia: “Nunca vai ser, porque a gente está falando de muitas camadas, de muitos blocos afro. A gente está falando do Muzenza, do Ilê, do Gandhy, do Malê, do Bankoma, das Filhas de Gandhy, a gente está falando de muitos outros blocos afro. É um mapeamento. Eu acho que, talvez, depois, mais à frente, saindo desse âmbito do Carnaval, se a gente conseguir, a partir desse olhar agora, nessa festividade, ter um olhar para com os blocos afro e integrar outras coisas, como o próprio Ilê Aiyê faz, que tem a escolinha da Mãe Hilda. É muito benéfico que essas honras estejam acontecendo agora e eu acho que é um ano muito produtivo para os blocos afro a partir do momento dessa organização para propor coisas também. Não vai ser suficiente, porque  gente está falando de muitas camadas. A gente está falando do Ilê, que tem 50 anos, mas o Gandhy é o mais velho. A gente está falando do Malê, do Muzenza, do Bankoma, que é liderado por mulheres, que é uma outra forma de falar do bloco afro. Outra forma de colocar na rua essa arte. São tantas camadas que não seriam suficientes, mesmo se eles quisessem. A gente está falando de uma festa popular que envolve outros artistas. A gente tem essa chancela do Carnaval mais plural e mais diverso do mundo. Então, são tantas outras coisas acontecendo, os artistas da nova geração, que os blocos afro é uma parte e vem nesse lugar de homenagem. Mesmo se o próprio governo, tanto prefeitura quanto secretaria, quisesse, não ia conseguir fazer essa homenagem nesse lugar. Mas eu acho que a partir disso, a partir desse olhar que a gente está vendo nos últimos dez dias, quinze dias, e ainda vai ter pós-Carnaval, vai se estender o verão, com certeza esse olhar vai ajudar muito a algumas marcas enxergarem os blocos afro. Eu acredito nisso. Eu sou uma pessoa de fé. Acredito na fé porque acho que é a única coisa que nos move. Quando as pessoas abalam a nossa autoestima, nossa autoestima e outras coisas são fáceis de ser abaladas, mesmo que a gente retome ao centro, mas quando a gente tem fé, a fé nos move pra muitos lugares. E eu tenho fé nisso. A partir desse olhar, existem marcas que podem olhar os blocos afro de outra forma”.

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Banda Mel retorna ao Carnaval de Salvador e evidencia a importância do axé music manter sua essência

Marcia Short e Robson Morais cobram presença da poesia do samba-reggae nas músicas atuais do gênero

Robson Morais e Marcia Short: vozes e potências da Banda Mel. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior || Especial – Carnaval sem Confete ||

A antológica Banda Mel fez o seu retorno ao Carnaval de Salvador na noite de domingo, no circuito Dodô (Barra-Ondina). Capitaneada por Marcia Short e Robson Morais, vocalistas que ingressaram no grupo, respectivamente, em 1989 e 1990, a atração foi acompanhada por um público saudosista pela época em que a axé music tinha mais riqueza poética, tanto nas letras quanto nas melodias. Canções como Prefixo de Verão, Baianidade Nagô, Crença e Fé e Mulher Primazia, obviamente, figuraram no repertório e foram acompanhadas em coro. Marcia falou sobre a emoção que viveu: “Eu estou arrepiada até agora. Esse foi o estado em toda a avenida. Saudade é um negócio que é tão genuíno, é tão verdadeiro. E a gente via isso no olhar das pessoas, o abraço, o acolhimento, o respeito, o reconhecimento dos que vieram antes. Isso que a gente tem falado tanto, de preservar os que vieram antes. Acho que a gente precisa regar essa raiz, adubar essa raiz, pra essa árvore voltar a dar frutos suculentos, frutos frondosos, frutos frescos. A gente está alimentando a raiz. Daqui a pouco, tudo volta pro lugar”. Robson destacou a lealdade das pessoas ao trabalho da Banda Mel: “Tiveram pessoas aqui que eu não acreditei que viriam, que vêm me sinalizando que viriam pra ver a gente e estavam aqui. Pessoas do Distrito Federal, de São Paulo, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro… Estavam aqui e não queriam subir no trio, não. Queriam ir na pipoca, do lado da gente. Isso é muito bacana. E vieram na pipoca até agora, até o final. Debaixo de chuva, cheia de questões, mas estavam aqui, chegaram até o fim. Então, essa lealdade ao nosso trabalho, essa confiança no trabalho da gente, essa alegria toda nos comove ainda e isso e muito bom”.

Essência do Axé

Por onde passam, Marcia e Robson fazem questão de levantar a bandeira a respeito da qualidade e essência do axé. O Desde entrevistou os cantores a fim de saber sobre qual essência eles se referem. Marcia foi categórica: “O samba-reggae. A mola mestra de tudo. O motivo de tudo. Se hoje a gente está passando nesse caminho ladrilhado, foi o samba-reggae que abriu. O nome axé music foi uma brincadeira que ficou séria, mas a mola mestra de toda a cena da música da Bahia, que vigora até hoje, chama-se samba-reggae”. Ao ser questionado sobre o que dessa essência falta atualmente no gênero, Robson não titubeou: “Qualidade. Muita música curtinha, muita música feita pra ser sucesso imediato e aí o pessoal esquece da qualidade. Acho que isso está faltando e acho que gente pode contribuir muito com isso também. Obviamente, vamos chamar todos os nossos amigos compositores, os antigos, que compunham música pra gente lá atrás, e os novos compositores, pra gente tentar buscar canções novas, formas novas de tocar o nosso samba-reggae, porque a gente também precisa evoluir, mas com essência toda, a célula lá de trás”. Marcia complementa: “Eu acho que, quando tem quem consuma, a gente tem que ficar atento, pra gente não invadir o espaço dos outros. Eu acho que mulher é poesia e a mulher tem que ser cantada com amor e respeito. Quem deu passagem pra todo mundo aqui foi uma mulher. Eu tenho algumas ressalvas com relação às letras. Eu acho que essa linha de composição é delicada, mas eu não aponto nem como bom nem como ruim. Eu só consumo o que eu gosto. Se eu não gosto, eu não ouço”.

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Foliões opinam sobre música que, definitivamente, não pode ser eleita como a “do Carnaval”

Fotos: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior || Especial – Carnaval sem Confete ||

O Carnaval de Salvador é uma vitrine para os artistas da música. Cantores, cantoras e bandas querem emplacar a música do evento. Isso rende mais visibilidade e, consequentemente, mais contratos ao longo do ano. Em geral, as enquetes perguntam aos foliões a opinião deles sobre qual música será eleita como a do Carnaval. O Desde foi ao circuito Osmar (Campo Grande) para saber o contrário: qual música, das cotadas para levar o título, não pode, definitivamente, ser eleita como tal? Veja as respostas a seguir.

Evelin Lima, 22 anos, autônoma

“A música Liquitiqui eu não gosto. Também porque eu não gosto de Claudia Leitte. Eu não vou com a cara dela. Não gostei da música. Achei muito sem graça. Então, acho que a música que não deveria ganhar o Carnaval é Liquitiqui, de Claudia Leitte”.

Genivaldo Queiroz, 39 anos, atendente

“A música do Carnaval, que eu acho que não tem nada a ver, é a do Polêmico, essa do rufo, rufo, rufo. Eu acho que não é a cara do Carnaval. Não tem nada a ver com Carnaval”.

Beatriz Silva, 19 anos, autônoma

“Eu acredito que seja a música Rufo Rufo, do cantor Polêmico, porque não tem letra. É somente isto: rufo, rufo o tempo todo. Só tem a batida. E existem outras músicas muito melhores que estão concorrendo e que devem ganhar”.

Guido Velansk, 36 anos, ator e jornalista

“Eu acho que é Macetando, de Ivete Sangalo, porque eu acho que esse tipo de música tem uma intenção sexual e eu não gosto muito dessa coisa. Tudo hoje as pessoas falam “macetando”, “eu quero macetar”, sempre levam para o lado sexual. A própria coreografia mesmo que eles montaram com essa música tem esse cunho muito sexual. Eu acho que poderia, talvez, usar uma outra forma. Eu acho que ela não deveria ser eleita”.

Alexsandro Nascimento, 31 anos, analista de redes

“Pra mim, na minha humilde opinião, porque eu não estou aqui pra tá julgando música nem nada, sou apenas um consumidor do conteúdo, mas a música que Claudia Leitte fez agora não tem muito a ver com Carnaval. É uma música feita pra um ambiente diferente, que não é o ambiente do Carnaval. Pra mim, essa aí, poderia estar descartada”.

Joelma Silva, 46 anos, assistente social

“Na minha humilde opinião, eu acho que a música de Ivete Sangalo não deveria ser a música eleita do Carnaval, pelo simples fato de que eu sou uma mulher preta, ela é uma mulher que não vende a nossa cultura, que não valoriza a nossa cultura. É uma mulher que pensa pela branquitude e não pela negritude e isso me incomoda muito, por ser uma mulher preta, uma mulher gorda, uma mulher que luta pela nossa cultura, pelos nossos direitos”.

Andrea Leôncio, 30 anos, advogada

“Na minha opinião, a música de Psirico não tem nada a ver com Carnaval. Porque a letra, pelo que eu conheço, só tem ‘música do Carnaval, música do Carnaval’ e não tem outra letra. Então, pra mim, a música de Psirico não deve concorrer  à melhor música do Carnaval”.

Enimara Ferreira, 52 anos, professora

“Na minha opinião, a música que não deve ganhar é a de Claudinha Leitte, porque eu acredito que uma música para ser eleita a Música do Carnaval, tem que ser uma música que esteja na boca do povo, que você sinta a vibração e que todo mundo consiga se identificar com ela a partir da mensagem que está sendo transmitida. Então, essas músicas intelectualizadas, com palavras que as pessoas não sabem nem o que é, eu acredito que não tem o intuito do que é o Carnaval, que é uma festa popular, aquilo que, de fato, mexe com o povo naquele momento”.

Paulo Barbosa, 64 anos, aposentado

“Pra mim, a pior música do Carnaval deste ano, de todas, é a do Léo Santana, que é Perna Bamba. Eu achei ela muito apelativa, acho que não é legal para as mulheres esse tipo de situação. É mais uma apelação, é mais uma falta de respeito com relação à mulher. Bota as mulheres para baixo, aquela história machista. Então, pra mim, essa jamais ganharia”.

Cissa Artes, 65 anos, artesã

“Aquela que não sacode os baianos, aquela que ninguém quer: “Quilo, quilo, quilo, quilo”, Claudia Leitte. Nada a ver com a energia do baiano, da brasilidade”.

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13 anos de sorte!

Desde completa 13 anos em atividade

Na cultura ocidental, é comum associar o número 13 a azar e coisa ruim. Para o Desde, que completa 13 anos hoje, o numeral é motivo de muita sorte. Afinal, chegar até aqui, se reinventando e se desafiando, é razão suficiente para comemorar. O jornalismo cultural requer leitura, criatividade, pesquisa e criticidade. O blog se esforça para garantir todos esses elementos na sua prática. Ao longo desses treze anos, a qualidade do que é feito por aqui sempre foi o objetivo principal. O jornalismo pode muito mais do que apenas reproduzir release. A nossa preocupação é esta: fugir do mais do mesmo. Estamos conseguindo e isso nos orgulha.

E o que se espera de um blog de jornalismo cultural? Essa pergunta permeia todas as nossas produções. Sempre fazemos esta autorreflexão quando pensamos numa pauta. É um exercício fundamental para seguir adiante, ter estímulo e contribuir para a sociedade da qual fazemos parte. Jornalismo é coisa séria e não pode ser feito sem propósito, à toa.

Vamos seguir com um olhar diferenciado para os nossos aspectos culturais. O jeito Desde de cobrir a cultura já tem uma identidade e vamos mantê-la. Isso significa que a apuração bem feita, o debate aprofundado de assuntos da atualidade e a singularidade no processo de produção das notícias vão permanecer no nosso cotidiano. É mais um período para seguir colhendo tudo que foi plantado. O nosso plantio foi feito sem pular etapas e com muita vontade de colher bons frutos. Que você continue nos acompanhando! Vumbora! Parabéns para o Desde!

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Qualidade de música feita para o Carnaval vira foco de debate em feira sobre a festa

Compositores baianos opinaram sobre músicas feitas para o período carnavalesco

Rafa Chagas, Manno Góes, Marcio Mello e Magary Lord em painel que debateu sobre música do Carnaval. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior

A Expo Carnaval Brazil, feira de negócios sobre a festa que é considerada a maior do país, promoveu, na tarde de hoje, um debate sobre música do Carnaval e sobre a importância dos compositores dentro de toda a estrutura carnavalesca. Rafa Chagas, Manno Góes, Marcio Mello e Magary Lord refletiram e opinaram sobre o tema. Entre discussão sobre processo criativo para compor e o que faz uma música ser bem-sucedida, os compositores debateram sobre a qualidade da música feita para a folia. Assunto sempre controverso, pois há muita crítica em relação aos critérios utilizados para dizer que uma música é de qualidade ou não, foi Magary Lord quem levantou a bola: “Essa necessidade de ser a Música do Carnaval acabou plastificando a nossa música, que perdeu a força de poesia”. Manno concordou com Magary, mas pontuou que isso é reflexo da sociedade. “Hoje, a linguagem é mais direta. A música perdeu as metáforas. O cara fala logo que quer meter… Nem sempre a Música do Carnaval é a música inesquecível. Tem músicas que ganharam como Música do Carnaval que ficou lá esquecida naquele Carnaval e nunca mais ninguém nem falou, nem quis ouvir, nem quis citar”. Para Marcio Mello, as pessoas não devem levar tão a sério a música feita para o Carnaval. Ele ainda destacou a importância da espontaneidade artística nesse processo. “Antigamente, os intérpretes ouviam as músicas dos compositores e decidiam gravar porque gostavam das canções. Eu não mandei Nobre Vagabundo para Daniela [Mercury]. Ela foi a um show meu, ouviu e gostou. É preciso pegar a espontaneidade do compositor e tornar algo perene”.

Música do Carnaval: apenas negócio?

Em entrevista exclusiva para o Desde, Rafa Chagas, Magary Lord e Marcio Mello opinaram sobre o fato de alguns artistas buscarem o tempo todo o título da Música do Carnaval, sem se preocupar com o fazer artístico. Para Rafa, isso gera um desafio, que pode ter seus prós e seus contras. “Acaba gerando um desafio entre o artista. Se for de uma forma positiva, a gente sai ganhando, porque contribui para o movimento. Principalmente, se for música da quebrada, o fortalecimento é muito maior. Se for do lado negativo, a gente sai perdendo, mas a música tem esse poder de unir. A música é universal, agrega todos os ritmos, todos os povos. A música é o encontro de tribos”. Indagado se a música deve ser só pensada como negócio ou como produto artístico que é, ele é enfático: “Os dois! A gente precisa colocar comida dentro de casa. A gente precisa pagar a nossa conta, a conta do filho, a escola, o cartão de crédito que está ali devendo… Acho que se a gente juntar esses dois lados, a economia e a questão da arte, a gente consegue caminhar e ter uma resposta positiva para o nosso trabalho”.

Rafa Chagas: “Se a gente juntar esses dois lados, a economia e a questão da arte, a gente consegue caminhar e ter uma resposta positiva pro nosso trabalho”. Foto: Raulino Júnior

Magary acha que o problema está na falsa percepção de que todo mundo pode compor. “A composição e a poesia são coisas para pessoas especiais. A poesia é coisa muito séria. Então, essa coisa virou uma dinâmica de muito imediatismo da música, da rima de mamão com melão. Isso acaba nos prejudicando como compositores que lemos um bom livro, que lemos dicionários, que temos uma oratória e que nos importamos realmente com a mensagem. A mensagem é mais importante do que a música em si. A batida do pagode é uma batida maravilhosa, que a gente adora, mas quando coloca algumas letras em cima, a coisa fica plastificada e não presta mais”.

Magary Lord: “A mensagem é mais importante do que a música em si. A batida do pagode é uma batida maravilhosa, que a gente adora, mas quando coloca algumas letras em cima, a coisa fica plastificada e não presta mais”. Foto: Raulino Júnior

Ao responder sobre as composições voltadas para o Carnaval feitas na atualidade, Marcio Mello diz que elas abraçam mais ritmos. “A música vive um momento muito bom hoje, porque ela é aberta a milhões de possibilidades. No meu tempo que eu pulava Carnaval, na adolescência, era mais voltado para marchinhas e tinha quatro, cinco compositores. Hoje, a diversidade é muito grande. Consequentemente, a música também se torna muito maior, muito mais abrangente. A música do Carnaval hoje abraça todos os ritmos. Então, o compositor tem que ter uma cabeça muito mais aberta, para que possa fluir mais a música. Eu acho que hoje em dia está acontecendo isso. Você vê de tudo na avenida, todos os ritmos, todos os sons, todas as possibilidades”. E quanto as letras? “As letras das músicas de Carnaval sempre foram divertidas e sempre vão ser. Quando se parte do pressuposto de que a música é para o Carnaval, que você só está preocupado com o período do Carnaval, a música tem que ser divertida mesmo. Partindo do pressuposto de que a música é para o Carnaval, eu acho divertida, eu acho bacana. Tem coisas que eu não gosto, mas também não vou ouvir na minha casa, vou ouvir na rua e está tudo certo”, finaliza.

Marcio Mello: “Quando se parte do pressuposto de que a música é para o Carnaval, que você só está preocupado com o período do Carnaval, a música tem que ser divertida mesmo”. Foto: Raulino Júnior

A Expo Carnaval Brazil acontece em Salvador, no Centro de Convenções, e está na sua segunda edição. Desde o dia 24 de novembro, tem promovido reflexões sobre os carnavais do Brasil. O evento será encerrado amanhã, no Pelourinho, com um encontro de manifestações carnavalescas. Neste site, você fica por dentro da programação: https://expocarnavalbrazil.com.br/.

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O que é que o BahiaCast tem?

Podcast soteropolitano é uma tribuna aberta para todos os temas, até os controversos

Equipe que faz o BahiaCast acontecer. Da esquerda para a direita: Kabas, Suani Camila, Jorge Billy e Pedro Valente. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 

Em 1938, quando Dorival Caymmi compôs e gravou O que é que a baiana tem, um dos seus sambas mais conhecidos, jamais imaginaria que, anos depois, a ação de perguntar e ouvir a resposta, tal qual acontece na sua canção, seria algo que prenderia a atenção das pessoas na era da explosão tecnológica. É isso que acontece nos podcasts em vídeo (videocasts) que têm o bate-papo como o principal mote da programação. O BahiaCast é um deles. Fundado em Salvador em 19 de julho de 2021, por Jorge Billy, músico e professor, o programa é um espaço de escuta de tudo e de todos. “A ideia do podcast é ouvir. O podcast te ensina a escutar. Eu aprendi coisas aqui no podcast que eu não sabia. Eu só vim entender que eu tinha TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade), por exemplo, há pouco tempo, porque veio uma psicóloga aqui”, confidencia. A inciativa de criar o podcast nasceu durante a pandemia, período em que todas as pessoas foram obrigadas, de acordo com cada realidade, a trabalhar em casa. “Eu dava minha aula e os alunos pediam mais aula durante o dia. Terminava a minha aula e eles pediam para eu fazer lives à tarde. A live começou a cair, cair, cair. Eu comecei a pesquisar para ver o que podia fazer e, coincidentemente, veio um corte de um cara que já me treinou, Caio Carneiro, e Felipe Tito, um podcast que eles fizeram. Eu comecei a me interessar e o YouTube começou a mandar mais, aí veio o Podpah, o Flow e tal, comecei a assistir todos eles. Eu já tinha um ano de atraso. Não sabia nem que existia isso. Aí convidei Serginho (Sergio Nunes, vocalista da Adão Negro, banda da qual Jorge foi guitarrista. Serginho foi o primeiro apresentador do BahiaCast. De acordo com Billy, ele pediu afastamento em julho deste ano devido a outros compromissos profissionais) e Kabas. Serginho falou que era entusiasta e topou. Kabas já conhecia podcast há muito mais tempo e já tinha esse interesse. Só queria transformar para videocast, porque ele é especialista nessa parte do audiovisual, um cara estudioso pra caramba. Autodidata, mas muito competente para o que ele faz. Fizemos, começamos. Chamava a galera, chegava: ‘Vamos entrevistar vocês num podcast’. ‘Aonde? Pod o quê?’. Artistas não sabiam nem o que era podcast”.

Jorge Billy: idealizador e diretor geral do BahiaCast.

O empreendimento cresceu tanto que Billy, que foi professor até março deste ano, trocou de vez a sala de aula pelo estúdio. Formado em Letras e com 50 anos de idade, ele dedicou 28 ao magistério, ensinando em instituições públicas e privadas (a maior parte do tempo). “Não dava para conciliar as coisas”. Se, no início, alguns convidados marcavam e desmarcavam no mesmo dia a ida ao BahiaCast, hoje isso mudou muito. “Antes, a gente se humilhava, se ajoelhava. O cara marcava e, na hora, desmarcava. Hoje em dia, os produtores procuram a gente”. Indagado sobre quais critérios utiliza para aceitar ou não a sugestão de convidados, Billy chama Pedro Valente para a conversa: “Eu acho que tem a ver com a relevância para a nossa audiência. Tem gente que tem uma história extremamente interessante pra contar, mas a pessoa não é interessante pra contar. E, às vezes, é o contrário: a pessoa é uma subcelebridade, alguém que você não daria nada, mas é uma pessoa interessante. Aquela pessoa que, diante de você, sem câmera, sem nada, ela é magnética. Você iria conversar um tempão. Você ia achar o máximo. Ela ia dar umas tiradas incríveis, que iam dar cortes incríveis. Então, é a ciência menos exata que tem é essa aqui. Aí você vai ter os consagrados, não tem erro: Ivete Sangalo. Não tem erro. É uma estrela, consagrada, que é magnética, tem carisma, vai sentar aqui, vai dar cada corte incrível, mas é difícil a gente trazer para o BahiaCast, porque ela está sendo cortejada pela Record, pela Globo, por trezentos milhões de podcasts, enfim… Então, a gente fica nessa ciranda com a nossa agenda. Buscando gente que pode render, que seja interessante, que tenha uma história interessante ou que seja um assunto do momento”.

Atual apresentador

Pedro é o atual apresentador do BahiaCast. Ou, como a equipe trata, o host (anfitrião, em inglês). Em novembro de 2022, ele esteve no podcast como convidado. Logo após, recebeu o convite de Billy para ser c0-host. Dividiu a bancada com Serginho até julho. Depois, assumiu o comando do programa. Ao Desde, ele falou com foi a receptividade do público, uma vez que passou a integrar um projeto que já era bem-sucedido e que já tinha uma identidade. “No início, eu sofri  uma certa resistência dos seguidores antigos do BahiaCast. Porque o BahiaCast trazia pautas muito relevantes, raciais, minorias, e tudo mais, e eu, obviamente, não sou um representante de nenhuma minoria. Sou um cara hétero, sou branco. Então, houve, inicialmente, uma resistência. E até de uma forma agressiva comigo. Eu entendi o processo, segui o meu trabalho e acho que depois essa coisa se abrandou um pouco. De alguma maneira, eu acho que a gente ganhou algumas pessoas que torciam contra. Uma coisa que eu faço questão de fazer é: quando surge uma mensagem negativa e agressiva, eu peço pra botar na tela. Não pra constranger ninguém, é somente pra dizer: ‘Pô. Mas vamos lá: por que você está pensando isso? Será que realmente eu sou isso? Vamos falar sobre isso?’ Aí a pessoa desarma. Eu acho que isso é muito humano. Eu, no lugar dele, também me desarmaria”.

Pedro Valente: atual apresentador do BahiaCast. Foto: Raulino Júnior

Pedro tem 45 anos, é publicitário e influenciador digital. Ganhou notoriedade na pandemia, quando começou a fazer vídeos no Instagram para amenizar a ansiedade potencializada naquele período. A coisa pegou e as marcas começaram a chegar. Com isso, veio uma independência financeira que o fez encerrar uma sociedade que tinha com um amigo numa agência de publicidade. Antes de viralizar no Instagram, já usava a internet para dar as suas opiniões. Ele era um dos integrantes do Solteiropolitanos, que contava ainda com Léo Pirão, Daniel Rabello e Gabriel Dantas. O projeto, que teve início em 2017, tinha como intuito “abrir a caixa preta do universo masculino”. Tanto que o slogan era: “Papo de homem para mulher”. “O Solteiropolitanos era um podcast, só não tinha a mesa. Da experiência que adquiri lá, trouxe para o BahiaCast a atenção na hora de ouvir o convidado, além de ter o cuidado de não atropelar ninguém que está falando”. Pedro não tinha o costume de acompanhar podcasts. Passou a colocar na rotina quando começou a fazer parte da equipe do BahiaCast. Ao falar sobre a função do programa que apresenta, ele é categórico: “É a Bahia traduzida para baianos e para não baianos”.

O cara da técnica

Kabas concentrado durante a exibição do episódio com Igor Kannário, no dia 13 de setembro. Foto: Raulino Júnior

“Eu sou quem opero aqui, basicamente, todo equipamento técnico. Sou eu quem faço os cortes daqui. Sou eu que faço toda a programação das próprias lives. Eu faço, praticamente, a parte técnica toda. Desde  programar a live, que é o início de tudo, até a finalização. E aprontar o episódio do dia seguinte”. Essa foi a resposta de Kabas ao ser questionado sobre qual era a sua função no BahiaCast. Ao acompanhar dois episódios no estúdio, a equipe do Desde percebeu o quanto que o profissional fica ligado em tudo. Áudio, vídeo, posicionamento da câmera e dos objetos. Se qualquer coisa sai do esperado, ele organiza ou se comunica com Pedro Valente e com Jorge Billy, para deixar tudo organizado. “Kabas” é o apelido de Valterson Carvalho. “Kabas vem de El Cabong. Eu sou músico. El Cabong era um desenho antigo. Era um cavalo que atacava os vilões com um violão na cabeça. E meu nick da internet era El Cabong. Eu era El Cabong, há muito tempo, mas acabavam me chamando de Kabas”. Como podcast é um formato mais livre, perguntamos a Kabas se programas dessa natureza têm diretor: “Tem diretor. Na verdade, Billy é chamado diretor, mas aqui, fazemos todos a direção. Vou dando dicas pra ele em tempo real. Tem direção, agora é uma direção muito dinâmica”.

A produtora

Suani Camila: produtora do BahiaCast.

Suani Camila é a produtora do BahiaCast. Para que tudo vá ao ar de maneira satisfatória, ela fica atenta aos detalhes. “Eu sou a responsável pela agenda, por marcar com o pessoal para dar entrevista aqui, montar o estúdio, ver a alimentação e a comunicação também. Recepciono os convidados e as pessoas que vêm com eles. A gente funciona como estúdio de gravação, alugamos o estúdio, e eu fico responsável pela parte de recepcionar os outros podcasts”. Além do BahiaCast, o estúdio abriga o CadyCast, de Daniel Cady; o PodSena, de Darino Sena; e o +1Pod, de Psit Mota. Por isso, Pedro apelidou a empresa de “Projac Baiano dos Podcasts”, numa referência ao antigo nome dos Estúdios Globo. Suani explica a dinâmica para agendar as entrevistas: “Às vezes, o pessoal procura a gente. Antigamente, a gente que procurava. Hoje em dia, estão procurando bastante a gente. Eu olho a agenda, vejo se a do mês está fechada. Se não estiver, eu dou até duas opções de data e horário”.

O formato podcast e o BahiaCast

Registro do bate–papo entre Pedro Valente, Leozito Rocha (anfitrião convidado) e Igor Kannário , durante episódio do BahiaCast. Foto: Rauino Júnior

Embora haja relatos do surgimento de podcasts já na década de 1980, é no final dos anos 90 e início de 2000 que o formato começa a ser difundido com mais ênfase. O ano de 2004 é considerado como um marco na trajetória histórica do podcast. Foi quando o americano Adam Curry e o britânico Dave Winer criaram um programa digital de rádio que podia ser ouvido e baixado de acordo com a vontade dos ouvintes, na hora em que eles quisessem. Inclusive, é isso que caracteriza esse produto midiático. A escuta por demanda é o que também explica o sucesso do podcast. O nome “podcast” vem da junção de iPod, extinto reprodutor de áudio da Apple, com “broadcast”, que significa transmissão. Atualmente, com a popularização, a palavra se refere tanto a programas que disponibilizam apenas o áudio quanto os que são audiovisuais. Cada pessoa opta pela forma que mais lhe agrada. Ou seja, se vai escutar ou se vai assistir.

Independentemente da forma, a audiência do BahiaCast é cativa. De acordo com Billy, os soteropolitanos são os que mais acompanham. Em seguida, nesta ordem, vem os bahiacasters (como o próprio podcast denomina as pessoas que acompanham) de São Paulo e do Rio de Janeiro. Depois, os feirenses e os lauro-freitenses. Ele atribui a popularização dos podcasts à credibilidade que o formato traz. “A galera está creditando uma verdade aos podcasts. Por isso, eles vêm crescendo. Não é nenhum artista que acaba conduzindo as pessoas a um determinado assunto. É um cara igual a mim que está falando, que eu não conhecia, nunca tinha ouvido falar. Então, você acaba acreditando um pouco mais”. Para o diretor, o principal objetivo do BahiaCast é ouvir: “Ouvir várias pessoas, explicando seus pontos de vista, sua forma de viver. A gente teve Aline Castelo Branco, por exemplo, que falou que a mulher não pode pegar peso e tal, que quem tem que fazer isso é o homem. A gente ouviu isso. Ouvir é o nosso papel. Trazer você pra falar de qualquer coisa, qualquer assunto, mesmo que ele seja polêmico. A gente quer ouvir, quer entender. A gente não quer ditar, quer ouvir. A gente debate e não tem a ideia absoluta da coisa. A gente está aqui pra ouvir e pra perguntar”, esclarece.

Além de gostar do Podpah e do Flow, o Inteligência Ltda foi uma grande referência para Billy quando pensou no BahiaCast. Inclusive, se dependesse dele, o programa se chamaria Terceira Via, porque nasceu numa época pré-eleitoral. Contudo, numa votação, a sugestão dele perdeu para a de Kabas, que Serginho endossou. Hoje, ele sabe que a marca BahiaCast ficou forte. Tanto que já teve alguns desdobramentos, como o BahiaCast na Estrada, série de programas que fizeram na Chapada Diamantina. A prefeita de Lençóis já  fez o convite para o tradicional festival de lá. A expansão está acontecendo. “Muitas marcas grandiosas estão chegando. Eu não sei o tamanho do BahiaCast. Eu sei que a gente está trabalhando arduamente e preocupado em jogar conteúdo pra galera”. Billy se dedica quase 24h para o projeto. O seu plantão vai das 8h às 2h da madrugada. Se Deus ajuda quem cedo madruga, como diz o ditado, o céu será o limite para o BahiaCast.

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No Dia do Feirante, Desde lança exposição “Tá Pago!”

Exposição “Tá Pago!” será publicada no 25 de agosto. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior 

Uma exposição para refletir sobre uma atividade profissional imprescindível para o Brasil, sobre saúde, economia e sobre a polissemia de uma expressão: é a Tá Pago! Será publicada no Dia do Feirante, 25 de agosto, aqui no Desde. É dinheiro vivo! É cultura viva! Até lá!
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MerrECA: cadê as políticas culturais voltadas para adolescentes?

Em Salvador, faltam ações culturais pensadas para os adolescentes e profissionais do setor reconhecem a lacuna

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 

No seu Capítulo IV, ao tratar do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) traz o seguinte: “Art. 59. Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude”. Um pouquinho antes, no artigo 4º, há uma alínea que diz que crianças e adolescentes devem ter “preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas”. Isso, em Salvador, e também considerando o estado da Bahia, não passa de uma falácia. Desde o fim de fevereiro, o Desde apura essa questão para esta reportagem e o resultado de todas as pesquisas feitas é de que há uma lacuna nas ações voltadas para esse público. A ausência de políticas públicas de cultura para adolescentes é evidente e reconhecida por pessoas do setor, como Fernando Guerreiro, atual presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), “órgão vinculado à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (SECULT), que tem como finalidade formular e executar a política cultural do Município de Salvador”, como consta no site. Questionado sobre esse problema, Guerreiro não titubeou: “Recentemente, George [Vladimir], que é hoje é o meu gerente de produção cultural, teve um encontro com Marcone Araponga, que é um grande produtor dessa área infantojuvenil, provocou justamente essa questão e George chegou para mim, semana passada [a entrevista foi feita em 27 de março, durante evento comemorativo pelo aniversário de Salvador, na sede da Associação dos Procuradores do Município do Salvador] com essa demanda: ‘Guerreiro, a gente precisa trabalhar pra esse segmento’. Então, a gente já está estudando como é que a gente vai entrar, dentro dos editais, com especificidade para esse segmento”. O gestor tocou num ponto crucial dentro do debate, que é a formação de público para espetáculos de cultura: “Porque tem um negócio interessante: se a criança não vai ao teatro e o adolescente não vai ao teatro, o adulto não vai. Se ele não está acostumado a ir ao museu, ele não vai quando ficar adulto. Se ele não está acostumado a ir ao cinema, ele

Fernando Guerreiro: “O adolescente fica num limbo quando se trata de política cultural”. Imagem: Arquivo do Desde/Janeiro de 2017

não vai. Então, a coisa tem que começar desde pequeno. Hoje, você já tem teatro para bebê […] e a grande lacuna você sabe onde é? Adolescente. Você tem teatro infantil, mas o segmento adolescente fica num limbo aí. Então você vai, leva o seu filho, quando ele chega aos dez, doze anos ‘Eu não quero ver peça infantil! Coisa ridícula!’, e muitas vezes não quer ir para o adulto. Então, você tem uma lacuna que a gente vai ter que se debruçar. A gente teve um projeto em Salvador brilhante, chamado Cuida Bem de Mim, que foi um projeto criado pelo Liceu de Artes e Ofícios, que circulou durante muito tempo. Wagner Moura passou por lá, Lázaro Ramos passou por lá, que é um projeto, justamente, voltado para esse público, em cima de preservação das escolas. No final do depoimento, o presidente da FGM reforçou a ausência e falou sobre a importância de convocar artistas adolescentes para construírem ações voltadas para eles, uma vez que vão traduzir o que gostam e o que querem ver sendo implementado. “Então, é um segmento que eu acho que a gente precisa ter uma atenção especial. O infantil, mas, principalmente, o adolescente, porque hoje ele está com o celular colado no rosto o dia inteiro. […] Então, é um trabalho que a gente tem que fazer muito passo a passo, para trazer esse público para o teatro. E aí eu venho com o diretor também ligado no público. Ele tem que ser ágil, tem que tocar em temas que interessem, tem que ter a tecnologia no meio, dialogar com eles. Tem que trazer, inclusive, atores adolescentes para construírem isso junto, porque eles vão dizer o que é que eles querem ver. Eles vão colocar ali o que é que vai ser interessante”.

George Vladimir: diálogo aberto com os fazedores de arte para os adolescentes. Imagem: reprodução das redes sociais

O Desde aproveitou o ensejo e conversou também com George Vladimir,  gerente de promoção cultural da FGM, para saber quais, de fato, são as ações que estão sendo pensadas dentro do órgão para o fomento cultural do público em debate e ele citou três ações que estão prestes a ser colocadas em prática. “A gente, por enquanto, ainda está pensando nisso, vendo quais as vertentes de política cultural a gente pode fazer para esse segmento, mas uma coisa a gente já está decidido: a gente vai destinar uma parcela dos contemplados dos nossos editais, exclusivamente, para projetos voltados para infâncias e juventudes. A outra política que a gente tem pensado, é trazer para próximo esse público consumidor para um diálogo. Então, vamos nos reunir com fazedores de arte adolescentes para pensar junto com eles políticas públicas para esse segmento. A outra coisa é garantir, dentro das nossas pautas do programa Boca de Brasa, sempre um percentual fixo destinado para a produção de arte desse segmento. Então, acho que a primeira coisa é a gente garantir a presença desse segmento dentro das políticas que a gente já desenvolve, com uma parcela realmente de foco. E, juntamente com esse público consumidor, com os fazedores de arte voltada para esse público, é chegar no entendimento do que mais a gente pode fazer”.

O blog entrou em contato com a assessoria do atual secretário de Cultura e Turismo de Salvador, Pedro Tourinho, a fim de saber qual é a posição da pasta sobre o assunto, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos resposta. Enviamos três e-mails, nas seguintes datas: 27 de março, 5  e 17 de abril. Nas mensagens, a secretária do gestor pedia para a gente aguardar o retorno, que ainda não chegou. Assim que acontecer, vamos atualizar a reportagem.

O que é política pública

Em linhas gerais, políticas públicas são decisões governamentais (de todas as esferas: municipal, estadual e federal) que têm como objetivo assegurar os direitos dos cidadãos. Tanto para a sociedade como um todo quanto para um determinado segmento, como está sendo discutido aqui. Como já foi colocado no texto, a política pública de cultura é assegurada no ECA, só para citar uma legislação. O infográfico abaixo, copiado do site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), é bem didático ao explicar todo o processo para que uma política pública seja implementada:

Políticas Públicas - Sobre

Em 2021, o Tribunal de Contas da União (TCU), que é, reprodução do site, “responsável pela fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades públicas do país quanto à legalidade, legitimidade e economicidade”, publicou uma cartilha para que a sociedade civil entendesse o que é política pública. Intitulada Política Pública em Dez Passos, a publicação conceitua: “Políticas públicas podem ser definidas como o conjunto de diretrizes e intervenções emanadas do estado, feitas por pessoas físicas e jurídicas, públicas e/ou privadas, com o objetivo de tratar problemas públicos e que requerem, utilizam ou afetam recursos públicos”.

Adolescentes com a palavra

Carla Silva: “Eu acabo indo para os mesmos lugares”. Imagem: reprodução das redes sociais

O Desde, obviamente, foi ouvir os maiores interessados na pauta: os próprios adolescentes. Conversamos com duas meninas, ambas de 17 anos, para saber quais são os anseios delas sobre as ações culturais. As opiniões de cada uma foram bem diferentes. Carla Silva, que é modelo, atriz, poetisa e cantora, acha que Salvador não tem boas opções de atividades culturais para adolescentes. “Salvador é uma cidade conhecida pelos seus talentos, onde você for irá encontrar pessoas movidas pela arte, porém, dificilmente você encontrará locais onde oportunizem crianças e adolescentes a terem uma formação artística. Quando achamos, são projetos sem nenhum apoio governamental. Projetos criados por pessoas que não tiveram oportunidade e resolveram mudar essa rota de falta de acessibilidade”. De acordo com a artista, ela acaba indo sempre aos mesmos lugares, quando quer se divertir. “Mesmo que Salvador seja uma cidade turística, uma cidade que recebe muita gente, para quem mora aqui, acredito que falta investimento cultural. Eu, como adolescente, acabo indo para os mesmo lugares, como o cinema, por exemplo”. Para ela, a cidade deveria valorizar mais os artistas e potencializar projetos de formação artística. “Uma cidade tão bonita e tão potente deveria valorizar a gama de artista que tem; patrocinando peças de teatro (em horários acessíveis também, porque quando surgem são no turno da noite e a cidade infelizmente é muito perigosa), potencializando projetos que formam artistas, criando projetos para incentivar jovens a se descobrir no mundo da arte. A gente cansa de ouvir artistas dizendo que se descobriram na arte por meio de concurso de canto, por exemplo, e acho que seria um investimento bom pra cidade, atrairia essa curiosidade até de quem ainda não está imerso nesse meio, de quem não se reconhece como artista”.

Stephanie Braga: “Gostaria que tivesse mais shows para a nossa faixa etária”. Imagem: reprodução das redes sociais

Stephanie Braga acha que a capital da Bahia tem boas opções de atividades culturais para os adolescentes. “Eu adoro visitar lugares assim aqui em Salvador, mas muitos não possuem tanta visibilidade e acabam ficando meio descuidados ou repetitivos”. Quando sai com os amigos, ela costuma ir ao shopping, para ver algum filme, aos parques ou vai para a Barra só para andar mesmo. Ela queria que a cidade tivesse mais shows voltados para os adolescentes, com preço modesto. “Gostaria que tivesse mais shows para nossa faixa etária, mais atrações em teatros ou em rua mesmo. E também com um preço mais acessível, porque muitas vezes deixamos de ir por serem bem caros”, reclama.

O que o estado (não) tem feito

No estado, a situação não difere muito do município. A Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) foi categórica ao responder o e-mail enviado pelo Desde: “Informamos que está [sic] Fundação não tem nenhum projeto especifico [sic] para o público adolescente, porém temos projetos direcionado para o público infantil que se chama Dança para Infância que terá sua terceira edição em 2023”. A mensagem foi enviada por Aline Lepingard, assessora da diretoria das artes da FUNCEB. Entramos em contato também com a Fundação Pedro Calmon (FPC). Solicitamos, no dia 22 de fevereiro, uma entrevista com o atual diretor geral, Vladimir Pinheiro, não obtendo êxito. Entre as muitas mensagens trocadas, Weslana Azevedo, secretária da Diretoria Geral da FPC, disse, no dia 15 de março, que “ainda não conseguimos ajustar uma possível data”. Ligamos para a fundação no dia 20 de março informando que, na impossibilidade do encontro presencial, mandaríamos as perguntas para Pinheiro responder. Assim foi feito. No dia 27 de março, recebemos um e-mail de Weslana em que ela dizia que as perguntas encaminhadas para o diretor foram respondidas por Tamires Neves Conceição, diretora do sistema estadual de bibliotecas públicas da Bahia. Decidimos reproduzir aqui a íntegra das respostas, para que os leitores tirem as próprias conclusões:

  1. Quais os projetos culturais da FPC pensados para o público adolescente?

A Fundação Pedro Calmon por meio da Diretoria de Bibliotecas Públicas do Estado da Bahia (DIBIP), desenvolve Projetos Culturais, voltados a todos os perfis de públicos. Estes estão categorizados em: projetos temáticos mensais e subprojetos que ocorrem durante todo o ano. 

Tanto nos projetos temáticos, como também nos específicos, existem ações que tem por objetivo atingir o público-alvo que são adolescentes, tais como: Gravidez na Adolescência; Oficinas de Grafite; bate papo com temáticas diversas desde a questão da Mulher na [sic] Adolescente ao Mercado de Trabalho; Oficinas Literárias voltadas ao desenvolvimento de escrita criativa;  Apresentação teatral; Mediação de leitura, entre outros.

Além dos citados, tem também: Aulões nas Bibliotecas (voltados principalmente para o ENEM) e o Projeto Companhia de Teatro da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato que atende ao público de 8 a 17 anos.

  1. Esses projetos acontecem quando? São calendarizados?

Todas as ações culturais são executadas, seguindo como base um Calendário Cultural que é construído anualmente, em conjunto, pelas unidades de bibliotecas. Neste calendário é considerado temáticas guarda-chuva que norteiam grande parte das ações de determinado mês, além de listar datas comemorativas e/ou de conscientização, aniversário de grandes personalidades do mundo da cultura e marcos históricos. Ex: uma palestra no mês de Março pode trazer em seu tema algo relacionado ao Dia das Mulheres, que é comemorado neste mês, bem como em Novembro pode ser realizado um evento que faça referência ao Dia da Consciência Negra. 

Nesse sentido, existem ações que são semanais, outras mensais, ou mesmo anuais, a depender da data, projeto ou subprojeto, o qual está relacionado, como é possível ver abaixo: 

Assim sendo elencamos os Projetos desenvolvidos pela Diretoria de Bibliotecas (DIBIP)

      Projetos Guarda-Chuva

  • Verão Nas Bibliotecas ( janeiro e fevereiro)
  • Março Mulher ( março)
  • Abril do Livro Infantil ( abril)
  • Maio da liberdade ( maio)
  • Festas Juninas ( Junho) 
  • Comemorações ao Dois de Julho ( julho)
  • Cultura Popular (agosto)
  • Leitura para Todos ( setembro)
  • Mês da Criança ( outubro)
  • Novembro Negro ( novembro)
  • Natal Solidário ( dezembro)
Outro Projetos que compõem as DIBIP que acontecem durante todo o ano, independente do mês.
  • Saúde nas Bibliotecas 
  • Aulões nas Bibliotecas
  • Companhia de Teatro da BIML
  • Projeto Encontro com o Escritor
  • Terça do Empoderamento
  1. Há algum documento institucional que embase tais projetos? Ele está disponível? Onde?

Os Projeto são acompanhados internamente pelo Sistema Eletrônico de Informações (SEI) e publicizados por meio do site oficial da FPC: http://www.fpc.ba.gov.br/ o qual contém a programação cultural das bibliotecas públicas estaduais (https://sway.office.com/sEBW4XjnOB3Ga7R4?ref=Link) (https://sway.office.com/BC1KnEPiHEbW2Rbk?ref=Link). 

  1. Em 2023, quais projetos serão, de fato, implementados para esse público? E quando vão acontecer?

Como dito anteriormente, ações culturais tais como palestras, cursos, oficinas entre outros, ocorrem periodicamente nas Bibliotecas Públicas que integram o SEBP. Quanto a especificamente aos Aulões nas Bibliotecas (voltados principalmente para o ENEM)  (abri [sic] a dezembro) e Projeto Companhia de Teatro da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato que atende ao público de 8 a 17 anos. abril a dezembro.

A gerência do Sistema Estadual de Bibliotecas está à disposição nos seguintes contatos: 71 3277-3253/ gesb.programacao@fpc.ba.gov.br/ gesb.fpc@fpc.ba.gov.br

De fato, o público adolescente merece mais atenção dos órgãos de fomento à cultura. Caso contrário, a formação de plateia para os espetáculos ficará comprometida e, quando todo mundo se der conta, será tarde demais para resolver o problema. É preciso cumprir o que está preconizado no ECA. Muitos profissionais do setor, ouvidos para esta reportagem, reconheceram que a lacuna existe. Quais serão as ações planejadas para mudar essa realidade?

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Em palestra-show na UFBA, Carla Visi mostra como canções brasileiras contribuem para a educação ambiental

Cantora participou do Semina HCEL 2023 na Faculdade de Educação da UFBA e apresentou pesquisa oriunda de mestrado em Portugal

Carla Visi. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior

“Eu sou Carla Visi. Certo. Pra quem não sabe. Sou cantora. Mesmo! Na minha vida inteira, o que sou é cantora, realmente, porém uma cantora inquieta e que tem uma grande felicidade de que essa inquietação se concretiza nessa busca eterna pelo conhecimento. Então, eu sou, de fato, uma eterna aprendiz. Mas não só aprendo, como também gosto de compartilhar o que descubro. E descubro, principalmente, através de uma vida inteira onde eu fui forjada pela música brasileira. Eu sou filha, neta e bisneta de cantoras. Muito do que sou, do que eu acredito enquanto mulher, enquanto cidadã, enquanto brasileira, enquanto ecocidadã, que seria a palavra ideal, eu aprendi com a música brasileira. E como essa música me influenciou tanto, eu passei a acreditar que essa música tem esse potencial de mexer com as pessoas”. Foi com essa reflexão que a cantora Carla Visi abriu sua palestra-show, na noite de ontem, no Semina HCEL 2023, evento bianual promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (PPGE/UFBA) e pelo grupo de pesquisa HCEL (História da Cultura Corporal, Educação, Esporte, Lazer e Sociedade). O tema desta edição foi Educação, Cultura e Meio Ambiente: Desafios e Possibilidades que Atravessam os Corpos no Tempo Presente. Na ocasião, a cantora compartilhou a pesquisa feita no mestrado em Ecologia Humana e Problemas Sociais Contemporâneos, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa. Intitulada A Canção da Natureza e a Natureza da Canção: Análise de Conteúdo Temático de Canções Brasileiras para Educação Ambiental Crítica, a dissertação, defendida em 2021, teve como objetivo “realizar uma análise temática de algumas músicas do cancioneiro brasileiro cujo discurso literomusical ecológico pode contribuir para a educação ambiental, que dentre as diversas abordagens conceituais, tem como finalidade promover no educando a consciência ecológica e a adoção de atitudes cidadãs para o bem do Planeta”, como consta no resumo do trabalho.

Durante a palestra, a artista tocou em questões necessárias para se pensar a ecologia humana, que, como esclareceu, trata-se de interações permanentes e recíprocas entre o ser humano e os ambientes. Num dado momento, indagou: “A gente já está há, pelo menos, 50 anos falando sobre isso, pensando, descobrindo coisa. As ciências ambientais evoluíram muito. A gente tem conhecimento à beça, mas por que as pessoas não estão mudando o seu comportamento?”. Questionada pelo Desde sobre como, na visão dela, deve ser essa conscientização, considerando que já existem algumas campanhas, a cantora afirmou que acredita que o apelo emocional deve prevalecer: “Eu acho que as campanhas são importantes, sim, mas para haver mudança, realmente, nós precisamos que essas informações, esses conhecimentos sejam apreendidos, incorporados, de uma forma mais emocional até do que racional. Se você sentir natureza, você perceber que você faz parte do planeta Terra, que você divide esse planeta com várias espécies vivas e que se essas espécies deixam de existir, consequentemente, a espécie humana também está ameaçada. São conhecimentos que precisam ser passados de uma maneira, talvez, mais profunda, pra chegar ao coração mais do que a razão. Talvez. Eu não tenho, e se tivesse seria milionária, a receita, mas que a gente precisa abordar mais e abordar de uma maneira mais lúdica e, talvez, mais da emoção mesmo, do sentimento… E unir sentimento, razão e sensibilidade. Acho que essa é uma parceria importante e a gente pode chegar lá”.

Natureza da Canção

Na parte show da palestra, Carla mostrou por que a música corre nas suas veias e, acompanhada pelo violonista Rudnei Monteiro, cantou algumas das canções que analisou na sua pesquisa. Luz do Sol, de Caetano Veloso, foi a primeira a ser interpretada. A cada execução das músicas, a pesquisadora trazia dados sobre elas (quando foi composta, em que contexto, qual mensagem de cunho ecológico e sociológico a obra trazia etc.). A seguir, ouça Luz do Sol.

Planeta Blue (Milton Nascimento/Fernando Brant), Lugar Comum (João Donato/Gilberto Gil), Matança (Jatobá) e O Sal da Terra (Beto Guedes/Ronaldo Bastos) também foram apresentadas no evento. No mestrado, além delas, Carla analisou Terra (Caetano Veloso), Sobradinho (Sá/Guarabyra), Planeta Água (Guilherme Arantes), Monsieur Binot (Joyce), Saga da Amazônia (Vital Frias), Passaredo (Chico Buarque/Francis Hime) e Xote Ecológico (Luiz Gonzaga). Carla, que trabalhou essencialmente com canções, fez o seguinte questionamento para a plateia: “Vocês sabem a diferença entre música e canção, gente? Toda canção é música, mas nem toda música é canção. É porque canção tem letra, melodia, harmonia e ritmo. E música nem sempre tem a letra”. Ouça a canção O Sal da Terra, cantada por Carla e pelo público do evento:

Abaixo, você assiste ao vídeo com a íntegra da palestra-show de Carla Visi.

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