"Adolescendo Solar", Artigo de Opinião, Cultura, Jornalismo Cultural, Opinião de Segunda

Bebês, como qualquer ser humano, não têm corpo público

Imagem: reprodução do site Freepik

Por Raulino Júnior ||Opinião de Segunda||

O que faz uma pessoa achar que pode tocar num bebê, sem autorização, sempre que encontra pais e mães com seus filhos na rua? O que faz? Essa pergunta é feita com um misto de revolta e de incredulidade por saber que é algo recorrente e que muitas pessoas não se mancam por ter esse comportamento inadequado e inadmissível. Bebês, como qualquer outro ser humano, não têm corpo público. Por isso, não devem ser tocados. Nunca! É muito importante refletir e provocar reflexão sobre um ato que, em geral, tem um viés carinhoso, mas ultrapassa a barreira do respeito, do que pode e o de que não pode ser feito com os filhos dos outros. Inclusive, tal comportamento abre precedentes para outras discussões mais complexas, como o abuso, o assédio e a pedofilia.

É muito comum, quando pais e mães estão em lugares públicos com seus bebês, as pessoas quererem interagir, demonstrar afeição, carinho. E isso não é de todo ruim. Pelo contrário, é muito bom. Geralmente, a interação vem sempre com palavras encorajadoras, com parabéns, com elogios. Isso envaidece e fortalece a família. A gente fica feliz, entusiasmado, querendo cuidar com mais amor e atenção dos nossos filhos. A coisa fica complicada quando, do nada, e sem autorização, a pessoa pega no bebê, toca no seu rosto, beija a sua mão. Como agir diante disso? Sendo mal-educado também e dando um esporro na pessoa ou respirando fundo e seguindo adiante? Além de todos os problemas que estão atrelados nesse ato sem noção, existe ainda o fato de a pessoa estar com a mão suja, que a gente não sabe onde foi colocada anteriormente… Beijar a mão de um bebê é deixar saliva no corpo dele. O que aprendemos com a pandemia do coronavírus? Ou não aprendemos nada? Pelo visto, a segunda opção prevalece.

Pais e mães responsáveis têm um cuidado descomunal com seus filhos. Principalmente, quando são bebês, porque é tudo novo e, recorrendo ao clichê, todo cuidado é pouco. Uma simples saída de casa demanda uma lista enorme de preocupações e recomendações. Nada é exagero. Tudo respaldado pela ciência, por pediatras, por pessoas que já passaram por essa experiência. Então, quando o bebê é tocado como se fosse um patrimônio público, gera uma revolta incontida no pai e na mãe. É um comportamento descabido, incômodo. Não faça isso. Bebês, assim como você, têm privacidade.

Da próxima vez que encontrar um pai e uma mãe com o seu bebê, fique à vontade para interagir, para desejar felicidade para a família, para falar palavras de carinho, mas não toque nem beije o bebê. Não faça isso. Ninguém te deu autorização. Vale para todo mundo e, principalmente, para desconhecidos. Basta!

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Ser fã não é ser babaca

Imagem: reprodução do site GratisPNG.

Por Raulino Júnior ||Opinião de Segunda||

Nos bastidores do evento São João da Bahia, Claudia Leitte foi questionada por um jornalista sobre se era a favor da polêmica proposta da prefeitura de Salvador de criar um novo circuito Dodô (orla da Boca do Rio) para desafogar o atual (Barra-Ondina), mantendo nele apenas atrações de pequeno porte. Esse circuito surgiu como alternativo, mas se tornou principal e mais midiático. Diante da pergunta que exigia um posicionamento firme, uma vez que os artistas têm um papel bem importante na dinâmica da festa, Claudia Leitte respondeu assim: “Rapaz, sou a favor de Carnaval em qualquer lugar do mundo! Tem que ter é Carnaval! Carnaval! Pro meu povo!”. Nos comentários da postagem na rede social do site de notícias, uma fã esbravejou: “Ela não foi questionada!!! Ela foi perguntada somente do que acha. Questionamento seria, se fosse perguntando ‘Claudia Leite, carnaval entre farol da barra e boca do rio, qual a sua opção ? Gente, nós poupem com esse jornalismo tendencioso.” [sic]. Esse preâmbulo todo foi só para mostrar o grau de alienação de alguns fãs. A pergunta que não quer calar: o que é ser fã?

Ser fã não é ser babaca. Certamente. Quem é fã tem que ter consciência de que aquele ídolo é um ser humano como ele, cheio de defeitos e de qualidades. É muito cruel endeusar essas pessoas, colocar num pedestal, tirar a humanidade. O ídolo erra (e o fã não tem nada a ver com isso! Cada um com seus problemas! Cada pessoa é responsável pelos seus próprios atos! O erro do ídolo é do ídolo! Digo isso porque é comum algumas pessoas exigirem do fã um posicionamento sobre uma derrapada do ídolo. É possível?! É cada uma…), escolhe não ser relevante para o seu tempo, fica em cima do muro, fala bobagens, não se desafia, não se reinventa, não se coloca como o cidadão que é, e o fã tem que reconhecer isso. O reconhecimento, em muitos casos, não invalida a admiração. Muitas vezes, até potencializa, o que é bem estranho. Tem fã que escolhe ser babaca…

Nisso, se aliena, se limita, fica no mesmo lugar, não aceita opiniões contrárias em relação à pessoa que admira. Prefere insistir numa defesa doentia, de não querer enxergar os deslizes, a falta de noção e de responsabilidade de famosos e não famosos que ele nutre um carinho especial.

Sempre achei bonito o amor de fã, que é um amor como qualquer outro, mas que idealiza o ser amado à décima potência. A doação, o carinho, a torcida, o cuidado, as loucuras que são feitas: tudo vale a pena, se o sentimento é de verdade e consciente. Tem uma música, intitulada , da cantora e compositora Mônica San Galo, que diz assim num dos trechos: “Não durmo direito, não como, não bebo/Só vivo de te ver passar/Você realiza o meu sonho/É a minha razão de sonhar”. Considerando a hipérbole da compositora (em muitos casos, não é só figura de linguagem! A gente sabe!), o que não vale é fazer tudo isso e achar que o ídolo é perfeito. Não é. Nunca vai ser.

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Pedir para ir ao banheiro revela autoritarismo na educação básica

Placas de Banheiro em Alumínio Tamanho 15x15cm

Imagem: reprodução do site Sinalize Brasil

Por Raulino Júnior 

A sala está cheia. O professor chega e os educandos se acomodam. A aula começa. Decorridos uns vinte minutos, um estudante interrompe: “Professor, posso ir ao banheiro?”. Essa narrativa hipotética é só para ilustrar um fenômeno que acontece na sala de aula da educação básica e que, para mim, deve ser motivo de reflexão. Pedir para ir ao banheiro revela um autoritarismo implícito que nunca combinou e não deve ter mais espaço nos processos de ensino e de aprendizagem. Principalmente, num país que tem Paulo Freire como Patrono da Educação. Evocar Freire é falar de liberdade o tempo todo. Sendo assim, algumas posturas devem ser revistas. Caso contrário, a escola na modalidade EaD vai ganhar cada vez mais espaço.

Estamos em 2022 e é muito comum, durante as aulas da educação básica (falo, especificamente, do ensino fundamental e médio. A pré-escola tem demandas que justificam tal postura dos educandos), os estudantes pedirem ao professor para ir ao banheiro. Sempre que me deparo com essa situação, fico reflexivo e me pergunto: “Qual é a razão desse pedido? O que está por trás disso?”. Ter vontade de ir ao banheiro e de beber água (há também pedido para isso!) faz parte da necessidade fisiológica básica de todo ser humano. Não tem razão o pedido. É, na minha opinião, descabido. Se o educando tem sede, precisa fazer xixi ou defecar, ele deve se levantar e ir. No máximo, para ser educado, pode avisar ao professor: “Vou ao banheiro”, “Vou beber água”. Nunca pedir para ir. Pedir revela que a escola vive sob a égide do autoritarismo, que não é um lugar de liberdade. Isso é um problema. Se o pedido for negado, pior ainda. É inconstitucional! O direito de ir e vir foi desrespeitado.

Casos de autoritarismo, infelizmente, não são difíceis de encontrar no ambiente escolar. Lembro de uma turma me dizer que uma professora não deixava ninguém comer durante a aula dela. Os estudantes não podiam abrir seus salgadinhos ou biscoitos. Era proibido. O que a ingestão de alimentos durante as aulas ia interferir na prática pedagógica e no aprendizado, até hoje, não se sabe, não foi descoberto. Tal postura mais afasta que aproxima. A escola tem que ser um lugar agradável, convidativo, em que o estudante se sinta bem. Se ele sai de casa para ser perseguido, censurado, tolhido, violentado, não vai querer continuar. Isso dá vazão a discursos que afirmam que professor é dispensável. Na modalidade EaD, o educando faz tudo na hora que quer, no lugar onde quer. Nessa lógica, não precisa pedir para ir ao banheiro. Muitas vezes, o banheiro vira o ambiente de estudo. Quem já assistiu à aula no vaso sanitário ou tomando banho, entende o que eu digo.

Escola não é bagunça. A comunidade escolar não deve abrir mão de regras e de combinados para manter a ordem. Isso tudo deve ser dito aos estudantes, logo no início do ano letivo, para que eles saibam o que podem e o que não podem fazer. Afinal, formar cidadãos críticos, que saibam dos seus direitos e dos seus deveres, é a função primeira da escola. E formar para a cidadania é informar ao educando que ele tem direito de fazer as suas necessidades fisiológicas básicas sempre quando quiser, sem precisar pedir. Caso contrário, a educação libertadora de que falava Freire vai ficar só no discurso.

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“O Brasil não tem povo, tem público”: o início das aulas remotas na rede estadual

Card divulgado no site e nas redes sociais digitais da Secretaria da Educação do Estado da Bahia: “O que será que será?”

Por Raulino Júnior ||Opinião de Segunda||

Quase um ano depois de suspender as aulas na rede estadual, inicialmente em Salvador, Feira de Santana e Porto Seguro, cidades que, àquela época, 17 de março de 2020, já apresentavam casos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, o governo do Estado estabeleceu a data de hoje, 15 de março, como o início do ano letivo, que terá atividades remotas e currículo contínuo. Ou seja, o processo de ensino e aprendizagem não será presencial e os estudantes vão fazer dois anos em um, até 29 de dezembro. Exemplo: quem estava na 1ª série do ensino médio em 2020 foi, automaticamente, matriculado na 2ª. Na prática, todo mundo passou de ano; na teoria, não. De acordo com os documentos divulgados pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC-BA), o educando vai iniciar o ano aprendendo os conteúdos da série anterior e, gradativamente, avançará para a série seguinte. E quem estava no 3º ano, prestes a concluir essa fase dos estudos? Bem, sobre isso, prefiro nem comentar…

Pouca gente entendeu a demora da SEC-BA em tomar uma providência para garantir o direito de estudar de milhares de estudantes. E, não tem como evitar comparações, fica evidente a falta de diálogo com secretarias de outros estados, que já tinham tomado algumas medidas nesse sentido. Isso serviria para estudar modelos e implantar aqui, evitando esse longo período de aulas suspensas. Alguns colégios enviaram atividades para os estudantes, a fim de garantir o vínculo com eles. Entretanto, ao que tudo indica, esse esforço não será reconhecido pela SEC-BA, pois, como alega a secretaria, não foi uma ação oficial, gerida por ela.

Quase 365 dias depois da suspensão das aulas, a SEC-BA apresenta um pacote de ações confuso, que deixou a comunidade escolar com mais perguntas do que com respostas. Mesmo depois de ouvir os blá-blá-blás proferidos na Pré-Jornada e na Jornada Pedagógica. Essa, inclusive, batizada de Jornada Paulo Freire. Será que o mestre avalizaria o que está posto? Tudo bem que estimular a autonomia dos estudantes é importante, mas, infelizmente, em geral, a gente tem turmas compostas por estudantes que não são tão autônomos assim. São educandos que não têm o hábito de estudar sozinhos, de anotar as dúvidas e perguntar aos professores no dia seguinte. Eles vão ter que se acostumar com isso, assim, de supetão. Presumo que Paulo Freire não ficaria muito feliz com tal cenário.

No pacote utópico da SEC-BA, pensado sem consulta ampla à comunidade escolar nem chamada pública para isso, o estudante vai organizar o seu tempo de estudo em casa, sendo auxiliado pelos professores, que, mais do que nunca, vão atuar como mediadores. Eles vão passar as atividades, direcionar os estudos e estarão disponíveis para explicar o conteúdo e tirar as dúvidas das turmas. Obviamente, cada professor vai se organizar e criar as suas metodologias para isso. Caberá ao estudante, estudar. Mas, agora, estudar mesmo, através dos recursos disponibilizados: livros didáticos e de literatura, cadernos de apoio produzidos pelos professores, salas virtuais e aplicativos. A dinâmica vai exigir muita disciplina, principalmente por parte dos educandos. Quem tem acesso à internet, vai se comunicar com os docentes através das novas tecnologias digitais da informação e da comunicação; quem não tem, vai pegar o material impresso na escola (isso mesmo, em plena pandemia, alguns estudantes vão ter que se arriscar!) e terá que, junto com o professor, criar estratégias para ser acompanhado, para aprender, para ter as dúvidas sanadas. Vai ser que vai!

Se, na modalidade presencial, os programas de aceleração já são, digamos, uma falácia, imagine de forma remota? Claro que esses programas têm a sua importância, contribuem para transformar a vida de muita gente, mas poucos funcionam com a qualidade que deveria. Na real, estão repletos de práticas superficiais, que não despertam a criticidade de quem recebe as informações. O objetivo é, como diz o nome, acelerar e gerar estatística.

Pelo que se desenha, o ano letivo na rede estadual de ensino vai ser um arremedo, um cala-boca. Sem contar a pressão que os professores vão sofrer para transformar conhecimento em números e “passar todo mundo”. Quando a gente lembra que a escola pública é, predominantemente, frequentada por pretos e pobres, não é difícil concluir por que a qualidade do processo de ensino e aprendizagem nunca é pensada como prioridade pelos governantes. Para muitos deles, o tópico educação só é importante como bandeira de campanha política. Fingem ou não querem entender que  a educação que é paga com nossos impostos é, sem titubear, o principal alicerce do Brasil. Por isso, tem que ser levada a sério. Não há nenhuma outra instituição que forme mais cidadãos do que a escola pública. Se a maioria do povo brasileiro está ou esteve nela, é ela que é a base desse país. Quando a sociedade acordar e perceber que exigir uma educação pública de qualidade deve ser uma pauta de todo mundo, assim como a luta pela extinção do racismo, da homofobia e do machismo, as coisas poderão ter outro rumo. Enquanto isso não acontece, a famosa frase atribuída a Lima Barreto, cunhada em 1922, continuará fazendo sentido por aqui: “O Brasil não tem povo, apenas público. Povo luta por seus direitos, público só assiste de camarote”.

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É Desde! É Dez! É DEZde!

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Morar numa cidade e votar em outra: a contribuição para o Brasil ser como é

Imagem: reprodução da Wikipédia

Por Raulino Júnior 

Quantas pessoas da sua órbita têm domicílio eleitoral diferente do domicílio civil? O que você acha disso? Eu acho bem problemático. Morar numa cidade e votar em outra, para mim, é contribuir para o Brasil ser do jeito que é: um país com democracia representativa frágil, cheio de trambiques e, claro, de conchavos. Isso causa problemas no âmbito municipal, estadual e federal. Para o Executivo, Legislativo e Judiciário. É a Lei do Menor Esforço prevalecendo sobre a vontade, de fato, de transformar o país num lugar melhor. Ou seja: o nosso discurso é, quase sempre, uma eterna fantasia. Típico.

O Brasil é um país em que as migrações internas sempre foram muito constantes. As pessoas mudavam de cidade em busca de uma vida melhor, de seus sonhos. Nos últimos anos, de acordo com os dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a migração mais intensa foi aquela entre municípios de um mesmo estado, em vez de região para região. E isso é percebido sem lupa. Quantas pessoas, nos últimos dez, quinze anos, saíram de suas casas e deixaram as suas famílias porque precisavam/queriam trabalhar ou estudar? Inúmeras! Eu conheço algumas. Você também deve conhecer.

Tais mudanças trazem impactos individuais e coletivos. E um que é, podemos dizer, um misto dessas duas esferas, é o ato de votar. Quem se muda, quer mudança, e isso não pode ficar apenas no plano pessoal, pois denota um egoísmo daqueles. Fazer a transferência do título do eleitor para o município em que fixou residência deveria ser uma obrigação consciente de todo e qualquer cidadão, mas não é. Vale destacar que essa ação é bastante simples e pode ser feita em qualquer cartório eleitoral. Quer dizer: não há dificuldade nenhuma. Quem não o faz, não faz porque não quer e por achar que não é importante. Mas é. Quando você passa a exercer a sua cidadania num outro lugar, você passa a ser cidadão desse lugar. É para ele que vai todas as taxas tributárias dos impostos que você paga.

Os municípios têm algumas fontes de receita, entre elas, os impostos: IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana), ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) e ISS (Imposto Sobre Serviços). Quem paga qualquer um deles, contribui para o orçamento da cidade em que mora. Isso significa que escolas e postos de saúde, por exemplo, são beneficiados com esse aporte financeiro. Você ajuda nisso. No município que mora, não no que vota.

Quem ainda vota na cidade em que não mora mais, só atrapalha o desenvolvimento dela. Como não vive mais lá, não sabe dos problemas e não tem como escolher de forma consciente quem vai atuar no Executivo e na Câmara Municipal. Não tem como. Não adianta alegar que trabalha lá, que vai com frequência, que conhece todo mundo. Não adianta. Você não vive mais a cidade, não sabe o que ela precisa, quais são as principais demandas, quais os planos dos candidatos, se são coerentes e viáveis.

Ir à cidade de origem de vez em quando é ter contato apenas com as coisas boas dela. É rever parentes, amigos e tomar o seu sorvete predileto, que lembra os melhores gostos da infância e da adolescência. Quem tem compromisso com o país, e não vive de discursos cheios de pompa nas redes sociais digitais, age de outra forma. Sabe que as funções de prefeitos e vereadores são fundamentais para o crescimento e cidadania de um lugar, e que é preciso escolher com muita consciência esses representantes. Caso contrário, não vai poder criticar os faltosos do Congresso Nacional que não vivem o dia a dia do Senado e da Câmara dos Deputados. No fundo, é a mesma coisa. Vale tudo.

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Discurso de favela e promessas monumentais: o pleito de 2020 e as práticas de 1500

Imagem: reprodução do site do jornal A Plateia

Por Raulino Júnior ||Opinião de Segunda||

Eleição que é eleição tem que ter enganação. Isso poderia ser um slogan, mas não é. É só uma percepção mesmo. No próximo dia 15 de novembro, mais de 147 milhões de brasileiros vão escolher prefeitos e vereadores, em 5.569 municípios, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para isso acontecer de forma responsável, é preciso ficar bem atento a várias questões, inclusive ao marketing político de cada candidato. Gente que nunca foi favela está usando tal discurso para se eleger. Você não vai cair nessa, não é? Estamos em 2020 e não podemos mais aceitar práticas eleitoreiras de 1500.

Pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a favela, ou para ser mais fiel ao termo que é utilizado pelo órgão desde 2010, o aglomerado subnormal “é uma forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia – públicos ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas com restrição à ocupação”. Dizer que é favela é bem diferente de ser favela. Se o candidato não vive essa realidade, não pode dizer que é favela, porque não é. O uso adjetivado do termo, já incorporado pela linguística, é passarela de oportunismo em período de eleição. Muita gente desfila, busca os flashes e quer associação com o lugar que carece de políticas públicas adequadas. Além disso, a visão retratada pelo marketing político é sempre estereotipada, como se toda favela fosse igual. E não é.

Coisa que político entende é de fazer promessas. As desse ano, são mais monumentais ainda. Por exemplo: como alguém vai gerar 50 mil empregos em pleno período de recessão da economia, que, ao que parece, vai se estender? Essa é uma promessa descabida, que não precisa ser cientista político ou economista para concluir o quanto será difícil colocá-la em prática nos próximos quatro anos. Não por maldade, mas por falta de condições mesmo. Isso tem que ser avaliado criticamente pelos eleitores. Afinal de contas, não dá para acreditar em quem promete o mar e não tem nem água para isso. É sempre muita promessa e pouca proposta.

Nos debates, o que se vê é a política infinita do ataque. Todos os candidatos seguindo a mesma gramática. É bem primária a forma como a política partidária se configurou no Brasil. Tem sempre os mesmos tipos: o candidato ridículo, o que apela para o emocional, o que se apega aos clichês, o engomadinho, robótico e leitor de “teleprompter”. Para piorar, não superam a argumentação de quem está brigando pela bola. Difícil…

Para que isso mude, é necessário ter uma sociedade mais instruída, que saiba os seus direitos e deveres. Lima Barreto afirmou: “O Brasil não tem povo, tem público”. Quando isso, de fato, vai deixar de ser uma verdade? É preciso ler, investigar, comparar e cobrar. Caso contrário, os discursos falsos vão se perpetuar e a política do Brasil vai continuar sendo a do “vou fazer” sem nunca ter feito.

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“Um amor assim delicado/Você pega e despreza” *: sobre o descarte de pessoas em relacionamentos amorosos

O descarte de pessoas é o resultado mais cruel da falta de responsabilidade afetiva. Imagem: publicdomainvectors.org

Em 1982, Caetano Veloso lançou o disco Cores, Nomes, em que há a canção Queixa e, como é próprio dos artistas geniais, na letra, ele já chamava a atenção e prenunciava algo que começa a ser debatido com mais intensidade nos dias de hoje: a responsabilidade afetiva. Nos primeiros versos de Queixa, Caetano, que é o autor da obra, diz: “Um amor assim delicado/Você pega e despreza/Não o devia ter despertado/Ajoelha e não reza”. Que ninguém é de ninguém e que deixar de gostar faz parte da natureza das relações amorosas, não é segredo nem pode ser alvo de julgamentos. Contudo, o que estamos fazendo para não machucar a outra parte da relação? Falamos realmente sobre o que estamos sentido ou deixamos a coisa “em suspenso”, sem nenhuma definição? Você já pensou sobre isso, sobre o que incita no outro afetivamente?

A falta de responsabilidade afetiva provoca o descarte de pessoas, que é muito cruel e demonstra uma falta de humanidade sem tamanho. Isso, certamente, não é de agora, mas agora ficou mais evidente, principalmente com o advento das redes sociais digitais, em que tudo é mais superficial, tendo os aplicativos de relacionamento como o símbolo maior desse fenômeno. Essa superficialidade se reflete nas relações amorosas. A busca por prazer momentâneo faz com que as pessoas colecionem amores por aí, despertem sentimentos nas outras e só. Não há uma preocupação nem com os próprios sentimentos nem com os dos outros. A lógica, se é que existe lógica nisso, é a do descarte. É preciso transformar essa realidade, independentemente se houve um “contrato” ou não daquela relação que acabara de iniciar e que, estranhamente, já caminha para o fim. Responsabilidade é importante.

Querer ter prazer aqui e acolá, no fundo, denota como a solidão está presente na vida de quem não tem responsabilidade afetiva. Em geral, são pessoas que, ou vivem na clandestinidade, por motivos pessoais, que cabe a todo mundo respeitar, ou levam o “ninguém é de ninguém” muito a sério, ao pé da letra. No final, esse comportamento revela como essa busca é oca e sem sentido, uma vez que todo prazer passa. E o que é que fica? Nada.

Relacionamentos superficiais, busca de prazer momentâneo, falta de responsabilidade afetiva: isso tudo também é violência. Às vezes, a gente não percebe o quanto o nosso comportamento é nocivo para o outro. Respeito e responsabilidade devem fazer parte de todos os âmbitos da nossa vida. Inclusive, o amoroso. Num mundo de friezas, qualquer calor é bem-vindo, não importa o cobertor. Aí está o erro. Para quem já foi vítima dessa sanha, amor próprio é bom e não faz mal. “Um amor assim violento/Quando torna-se mágoa/É o avesso de um sentimento/Oceano sem água”.
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*: versos da música Queixa, de Caetano Veloso. Ouça:

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“Como é triste a tristeza mendigando um sorriso” *

Imagem reproduzida do site Jornal GGN

As tecnologias da informação e da comunicação trouxeram vários benefícios para a vida do homem. Hoje em dia, é possível conhecer gente, ler livros, pagar contas e fazer de um tudo apenas com um clique. Isso é o máximo! Contudo, essa mesma humanidade que é beneficiada, não sabe aproveitar o que tem e se apega a coisas do tamanho de um byte para viver nessa era de revolução tecnológica.
 
Não é muito difícil constatar que o “estar” é melhor que o “postar”; que “viver” é melhor que “filmar”, fazendo uma releitura de um dos versos mais famosos do saudoso Belchior. E já que estou na seara da música, o título deste texto sintetiza muito bem o que o motivou. É muito triste ver “amigos” te tratando com indiferença apenas porque você não curtiu uma publicação deles ou não visualizou uns stories. Que é isso, minha gente?! Estamos na era em que a “amizade” é mensurada por curtidas e visualizações?! É isso mesmo?! Aí, a pessoa se zanga e ignora a vida on e off-line de quem não curtiu, não reagiu, não comentou e não visualizou uma publicação. É sério isso?! Eu penso que a vida é muito mais do que likes e afins. No final disso tudo, a gente vai olhar pra trás e perceber o quanto a nossa imbecilidade limitou a nossa forma de viver e de estar no mundo.

Amizades verdadeiras, e aqui eu recorro a um clichê, se sobrepõem ao tempo. Não é necessário “seguir” um amigo para demonstrar o quanto aquela amizade é importante e significativa para você. Quantos amigos não se veem com frequência, mas, quando se encontram, sabem que o laço amistoso se mantém vivo como sempre esteve? Estamos na era da idiotia com atestado. A era líquida, como postulou Bauman. O carinho está sendo substituído por números que, no final das contas, não querem dizer nada. A vida é muito mais do que um evento organizado pelo Facebook ou um story no Instagram. Vamos amadurecer! Esse processo é tão simples que não precisa de likes nem internet. Olha que maravilha!
 
Não vale a pena concentrar energia nessas coisas, gente! A vida é muito mais do que isso! Muito mais! É saber que os amigos estão bem! É encontrar na rua, dar um abraço e falar: “Estava com saudades!”. Dizem que a vida é a arte do encontro, e é mesmo! Like nenhum vai substituir isso. Muito menos um story. Porque, por mais que seja uma realidade a intermediação das redes nas relações de hoje, nada se compara à presença presente (redundância convicta!), que é, entre pessoas que se gostam de verdade, cheia de calor, de carinho e de afeto. Vamos nos apegar ao que realmente importa, ao que não é fluido e não desmancha no ar feito bola de sabão. Comecei com música e encerro com música: “Sofrer com tanta angústia/Por coisas tão pequenas/Gastar essa energia/Assim não vale a pena” **. Vamos fazer a vida valer a pena! Eu acredito que você seja capaz disso! Curtiu?! 😂😂😂
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*: verso da música Sinônimos, de César Augusto, Cláudio Noam e Paulo Sérgio. Veja o vídeo:

**: versos da música À noite sonhei contigo, de Kevin Johansen e Paula Toller. Veja o vídeo:

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O dia “D”

Vladimir Herzog. Foto: arquivo do Instituto Vladimir Herzog

Por Raulino Júnior 

Hoje, é o Dia da Democracia aqui no Brasil. A data foi escolhida para lembrar a luta e a resistência do jornalista Vladimir Herzog, que foi torturado pelo governo militar em 25 de outubro de 1975. Estamos prestes a decidir o que vai ser do Brasil até 2022. Estamos com medo. O pânico está se instalando. Nenhuma pessoa que pensa no próximo, que respeita a nossa peculiar diversidade, que sabe da importância de ter direitos e que quer viver num país democrático, está tranquila neste momento. Muitas vezes, a gente se pega atônito, assistindo a vários absurdos e, na prática, pouco podemos fazer. A sensação é a de que estamos voltando para os porões da História. O pior: essa sensação pode se tornar real.
Na rua, quando a gente encontra com alguém, é impossível não pensar: “Será que essa pessoa é a favor de práticas antidemocráticas? Será que ela concorda com a chacina de negros, de LGBTI+, de mulheres? O que será que ela pensa para o país?”. Essas indagações são feitas também quando estamos conversando com pessoas próximas, como parentes, amigos e colegas. O duro é constatar que gente do nosso microcosmo apoia discursos nazifascistas.
A nossa democracia está ameaçada. No próximo domingo, a população brasileira tomará uma das decisões mais importantes da história do país. Quem for eleito, obviamente, vai ser escolhido por meio de um processo democrático. Isso ninguém discute. O que é urgente pensar é no que vem depois disso. Diante do cenário que está se desenhando, os anos de chumbo vão voltar. Pelo que se vê, teremos um país esfacelado em 2022. Isso não é pessimismo, é constatação do caos.
No Dia da Democracia, o que a gente pede é coerência. Olhe para a história do Brasil e veja como o que estamos vivendo tem semelhança com um período nem tão distante assim. Se você se diz democrata, não é coerente ser a favor de candidatos que plantam a barbárie como forma de governo. Quantos Vlados terão que morrer para que você viva livre?!
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O voto, a estupidez e o futuro de um país

Ordem?! Progresso?! Imagem: Gazeta do Cerrado

Desde muito novo, ouço dizer que “brasileiro tem memória curta”, e essa afirmativa nunca fez tanto sentido quanto agora. Estamos às vésperas das Eleições Gerais de 2018, ocasião em que os cidadãos vão escolher o presidente e vice-presidente da República, governador e vice-governador do estado e do Distrito Federal, senador, deputado federal, estadual e distrital, e, pelo que se vê, parece que houve um esquecimento dos tempos sombrios de outrora e a cidadania está dando lugar a um retrocesso voluntário, radical e inconsequente, como se o voto fosse brincadeira de criança. Só que, no contexto em que estamos, o peso da perda é muito maior. Na verdade, todo o país pode sair prejudicado por um ato que, na sua origem, não tem nada de consciente. É estupidez pura.
Muita gente ainda não sabe qual a importância e a razão do voto numa democracia. Obviamente, cada pessoa tem o direito de escolher em quem vai votar, mas essa escolha não deve ser feita de forma irresponsável, sem pensar numa coletividade. Deixar de olhar para o próprio umbigo é o primeiro passo para votar bem, independentemente do candidato que você vai escolher. Contudo, tem candidaturas que surgem para testar a ignorância do eleitor diante da História e o resultado é sempre positivo: somos ignorantes e estúpidos nesse aspecto. Caso contrário, não assistiríamos ao nascimento de um Hitler brasileiro de forma tão passiva e sob aplausos.

Ninguém devia duvidar de que ditaduras deixam um legado negativo para qualquer sociedade. Ninguém devia, mas isso não corresponde à realidade. No Brasil, por exemplo, quem viveu aquele período histórico deve, certamente, lamentar com mais veemência. Por outro lado, quem conheceu a Ditadura pelos livros e tem noção do que ela representou, sabe que esse regime de supressão de direitos não faz nenhuma sociedade resolver os seus problemas. É o oposto: os problemas se potencializam. Por aqui, o período ditatorial durou 21 anos (de 1964 a 1985) e fez a população conviver com censura de toda e qualquer natureza, perseguição política, falta de liberdade de expressão, supressão de direitos constitucionais e repressão a toda ideia que contrariava o que estava estabelecido. Dá para esquecer isso? Não! É triste e revoltante constatar que, em 2018, tem pessoas que concordam com ideias de candidatos que têm como principal bandeira política perpetuar esse legado. É cuspir na nossa Constituição. É menosprezar e jogar no lixo as poucas conquistas da luta dos negros, das feministas e do público LGBTI+, por exemplo. Isso é nazi-fascismo em pó! Isso é sério! Isso é um absurdo!

O momento atual do país exige uma reflexão profunda sobre onde ele está e para aonde ele vai. Não dá para ficar na timeline brincando de polêmica e de busca por “likes”, corroborando com ideais que visam descartar direitos conquistados depois de séculos de luta. Há muita diferença entre um projeto de governo e um projeto desgovernado de extermínio. Votar não é escolher quem é melhor para você. É escolher quem é melhor para todo um país. Senão, num futuro bem próximo, seu candidato vai te botar no bolso, mané, e decretar o AI-5.2 no primeiro dia de janeiro.

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