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“Nosso Sonho” é um filme para todos os faixas

Juan Paiva e Lucas Penteado na pele dos funkeiros Buchecha e Claudinho, respectivamente. Foto: divulgação.

Por Raulino Júnior ||DESDEnhas: as resenhas do Desde|| 

Estreou ontem, em todo o Brasil, o filme Nosso Sonho – A história de Claudinho e Buchecha, que conta a trajetória até o sucesso e a fama da dupla de amigos Claudio Rodrigues de Mattos (Claudinho) e Claucirlei Jovêncio de Sousa (Buchecha). Ou melhor: conta a história dos faixas Claudinho e Buchecha, vividos, respectivamente, pelos atores Lucas Penteado (que dá um show de interpretação!) e Juan Paiva (que está muito bem também, mas o personagem Claudinho tem muito mais camadas para explorar e suplanta a linearidade de Buchecha). Faixa significa “muito amigo, mais que irmão” e era a forma como os dois se tratavam. A cinebiografia é de emocionar e deve fazer muita gente chorar durante e depois de assistir. Não só pelo desfecho que já é sabido por todos, mas porque a obra é repleta de cenas tocantes e poéticas. Quem acompanhou a história da dupla quando ela estava acontecendo, desaba; quem não acompanhou, se identifica. Nosso Sonho celebra as amizades verdadeiras, aquelas em que as pessoas se doam e, mesmo que passem muito tempo sem se ver, a chama amistosa se mantém acesa, intensa e indelével.

O filme é narrado pela ótica do personagem Buchecha, que mostra, a todo tempo, por que considera Claudinho como um anjo em sua vida. Em vários momentos, o faixa o ajudou a superar dificuldades. Claudinho teve a ideia de criar a dupla e sempre impulsionava Buchecha a acreditar. Este, por sua vez, não levava a sério e chegava a afirmar: “A gente é feio demais pra ser artista”. Pensamento que, obviamente, é fruto do racismo e de tudo que ele provoca. A propósito, a temática é abordada na obra de forma sutil, como se o diretor Eduardo Albergaria não quisesse focar nisso. Escolha corajosa e, de certa forma, acertada. O racismo é um assunto presente no cotidiano da população negra, mas não é um limitador. O povo negro não está circunscrito a isso.

A obra pega o espectador também pela memória afetiva. Tem muita música e quem assiste canta junto. É emocionante ver cenas como a da criação da música Rap do Salgueiro (Claudinho/Buchecha) e a da gravação no estúdio da emblemática Nosso Sonho (Claudinho/Buchecha), que batiza o filme. Peca por abordar o sucesso retumbante da música Conquista (Buchecha) de maneira muito tímida. É uma cena em que os familiares estão reunidos e cantam a canção. Dessa forma, não traz a noção do quanto Conquista foi importante na carreira da dupla. Acerta no uso da tecnologia quando faz a inserção de programas de TV que os artistas participaram. Um trecho do extinto Jô Soares Onze e Meia (SBT) é exibido e a edição dá um show de competência.

Caminhando para o desfecho, a gente se pergunta: por que não contextualizaram a história da família de Claudinho? Sobre Buchecha, a gente sabe quem foi o pai (problemático) e a mãe (no sentido amplo da palavra), por exemplo. Claro que é o personagem Buchecha quem narra os acontecimentos, mas o filme se vende como sendo “a história de Claudinho e Buchecha”. Quando os créditos começam a aparecer, a gente lê: “Nosso Sonho – A história de Buchecha com Claudinho”. Título muito mais adequado para o que é narrado. De qualquer modo, Nosso Sonho está à altura do que a dupla Claudinho e Buchecha representou para a cultura brasileira.
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O que é que o BahiaCast tem?

Podcast soteropolitano é uma tribuna aberta para todos os temas, até os controversos

Equipe que faz o BahiaCast acontecer. Da esquerda para a direita: Kabas, Suani Camila, Jorge Billy e Pedro Valente. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 

Em 1938, quando Dorival Caymmi compôs e gravou O que é que a baiana tem, um dos seus sambas mais conhecidos, jamais imaginaria que, anos depois, a ação de perguntar e ouvir a resposta, tal qual acontece na sua canção, seria algo que prenderia a atenção das pessoas na era da explosão tecnológica. É isso que acontece nos podcasts em vídeo (videocasts) que têm o bate-papo como o principal mote da programação. O BahiaCast é um deles. Fundado em Salvador em 19 de julho de 2021, por Jorge Billy, músico e professor, o programa é um espaço de escuta de tudo e de todos. “A ideia do podcast é ouvir. O podcast te ensina a escutar. Eu aprendi coisas aqui no podcast que eu não sabia. Eu só vim entender que eu tinha TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade), por exemplo, há pouco tempo, porque veio uma psicóloga aqui”, confidencia. A inciativa de criar o podcast nasceu durante a pandemia, período em que todas as pessoas foram obrigadas, de acordo com cada realidade, a trabalhar em casa. “Eu dava minha aula e os alunos pediam mais aula durante o dia. Terminava a minha aula e eles pediam para eu fazer lives à tarde. A live começou a cair, cair, cair. Eu comecei a pesquisar para ver o que podia fazer e, coincidentemente, veio um corte de um cara que já me treinou, Caio Carneiro, e Felipe Tito, um podcast que eles fizeram. Eu comecei a me interessar e o YouTube começou a mandar mais, aí veio o Podpah, o Flow e tal, comecei a assistir todos eles. Eu já tinha um ano de atraso. Não sabia nem que existia isso. Aí convidei Serginho (Sergio Nunes, vocalista da Adão Negro, banda da qual Jorge foi guitarrista. Serginho foi o primeiro apresentador do BahiaCast. De acordo com Billy, ele pediu afastamento em julho deste ano devido a outros compromissos profissionais) e Kabas. Serginho falou que era entusiasta e topou. Kabas já conhecia podcast há muito mais tempo e já tinha esse interesse. Só queria transformar para videocast, porque ele é especialista nessa parte do audiovisual, um cara estudioso pra caramba. Autodidata, mas muito competente para o que ele faz. Fizemos, começamos. Chamava a galera, chegava: ‘Vamos entrevistar vocês num podcast’. ‘Aonde? Pod o quê?’. Artistas não sabiam nem o que era podcast”.

Jorge Billy: idealizador e diretor geral do BahiaCast.

O empreendimento cresceu tanto que Billy, que foi professor até março deste ano, trocou de vez a sala de aula pelo estúdio. Formado em Letras e com 50 anos de idade, ele dedicou 28 ao magistério, ensinando em instituições públicas e privadas (a maior parte do tempo). “Não dava para conciliar as coisas”. Se, no início, alguns convidados marcavam e desmarcavam no mesmo dia a ida ao BahiaCast, hoje isso mudou muito. “Antes, a gente se humilhava, se ajoelhava. O cara marcava e, na hora, desmarcava. Hoje em dia, os produtores procuram a gente”. Indagado sobre quais critérios utiliza para aceitar ou não a sugestão de convidados, Billy chama Pedro Valente para a conversa: “Eu acho que tem a ver com a relevância para a nossa audiência. Tem gente que tem uma história extremamente interessante pra contar, mas a pessoa não é interessante pra contar. E, às vezes, é o contrário: a pessoa é uma subcelebridade, alguém que você não daria nada, mas é uma pessoa interessante. Aquela pessoa que, diante de você, sem câmera, sem nada, ela é magnética. Você iria conversar um tempão. Você ia achar o máximo. Ela ia dar umas tiradas incríveis, que iam dar cortes incríveis. Então, é a ciência menos exata que tem é essa aqui. Aí você vai ter os consagrados, não tem erro: Ivete Sangalo. Não tem erro. É uma estrela, consagrada, que é magnética, tem carisma, vai sentar aqui, vai dar cada corte incrível, mas é difícil a gente trazer para o BahiaCast, porque ela está sendo cortejada pela Record, pela Globo, por trezentos milhões de podcasts, enfim… Então, a gente fica nessa ciranda com a nossa agenda. Buscando gente que pode render, que seja interessante, que tenha uma história interessante ou que seja um assunto do momento”.

Atual apresentador

Pedro é o atual apresentador do BahiaCast. Ou, como a equipe trata, o host (anfitrião, em inglês). Em novembro de 2022, ele esteve no podcast como convidado. Logo após, recebeu o convite de Billy para ser c0-host. Dividiu a bancada com Serginho até julho. Depois, assumiu o comando do programa. Ao Desde, ele falou com foi a receptividade do público, uma vez que passou a integrar um projeto que já era bem-sucedido e que já tinha uma identidade. “No início, eu sofri  uma certa resistência dos seguidores antigos do BahiaCast. Porque o BahiaCast trazia pautas muito relevantes, raciais, minorias, e tudo mais, e eu, obviamente, não sou um representante de nenhuma minoria. Sou um cara hétero, sou branco. Então, houve, inicialmente, uma resistência. E até de uma forma agressiva comigo. Eu entendi o processo, segui o meu trabalho e acho que depois essa coisa se abrandou um pouco. De alguma maneira, eu acho que a gente ganhou algumas pessoas que torciam contra. Uma coisa que eu faço questão de fazer é: quando surge uma mensagem negativa e agressiva, eu peço pra botar na tela. Não pra constranger ninguém, é somente pra dizer: ‘Pô. Mas vamos lá: por que você está pensando isso? Será que realmente eu sou isso? Vamos falar sobre isso?’ Aí a pessoa desarma. Eu acho que isso é muito humano. Eu, no lugar dele, também me desarmaria”.

Pedro Valente: atual apresentador do BahiaCast. Foto: Raulino Júnior

Pedro tem 45 anos, é publicitário e influenciador digital. Ganhou notoriedade na pandemia, quando começou a fazer vídeos no Instagram para amenizar a ansiedade potencializada naquele período. A coisa pegou e as marcas começaram a chegar. Com isso, veio uma independência financeira que o fez encerrar uma sociedade que tinha com um amigo numa agência de publicidade. Antes de viralizar no Instagram, já usava a internet para dar as suas opiniões. Ele era um dos integrantes do Solteiropolitanos, que contava ainda com Léo Pirão, Daniel Rabello e Gabriel Dantas. O projeto, que teve início em 2017, tinha como intuito “abrir a caixa preta do universo masculino”. Tanto que o slogan era: “Papo de homem para mulher”. “O Solteiropolitanos era um podcast, só não tinha a mesa. Da experiência que adquiri lá, trouxe para o BahiaCast a atenção na hora de ouvir o convidado, além de ter o cuidado de não atropelar ninguém que está falando”. Pedro não tinha o costume de acompanhar podcasts. Passou a colocar na rotina quando começou a fazer parte da equipe do BahiaCast. Ao falar sobre a função do programa que apresenta, ele é categórico: “É a Bahia traduzida para baianos e para não baianos”.

O cara da técnica

Kabas concentrado durante a exibição do episódio com Igor Kannário, no dia 13 de setembro. Foto: Raulino Júnior

“Eu sou quem opero aqui, basicamente, todo equipamento técnico. Sou eu quem faço os cortes daqui. Sou eu que faço toda a programação das próprias lives. Eu faço, praticamente, a parte técnica toda. Desde  programar a live, que é o início de tudo, até a finalização. E aprontar o episódio do dia seguinte”. Essa foi a resposta de Kabas ao ser questionado sobre qual era a sua função no BahiaCast. Ao acompanhar dois episódios no estúdio, a equipe do Desde percebeu o quanto que o profissional fica ligado em tudo. Áudio, vídeo, posicionamento da câmera e dos objetos. Se qualquer coisa sai do esperado, ele organiza ou se comunica com Pedro Valente e com Jorge Billy, para deixar tudo organizado. “Kabas” é o apelido de Valterson Carvalho. “Kabas vem de El Cabong. Eu sou músico. El Cabong era um desenho antigo. Era um cavalo que atacava os vilões com um violão na cabeça. E meu nick da internet era El Cabong. Eu era El Cabong, há muito tempo, mas acabavam me chamando de Kabas”. Como podcast é um formato mais livre, perguntamos a Kabas se programas dessa natureza têm diretor: “Tem diretor. Na verdade, Billy é chamado diretor, mas aqui, fazemos todos a direção. Vou dando dicas pra ele em tempo real. Tem direção, agora é uma direção muito dinâmica”.

A produtora

Suani Camila: produtora do BahiaCast.

Suani Camila é a produtora do BahiaCast. Para que tudo vá ao ar de maneira satisfatória, ela fica atenta aos detalhes. “Eu sou a responsável pela agenda, por marcar com o pessoal para dar entrevista aqui, montar o estúdio, ver a alimentação e a comunicação também. Recepciono os convidados e as pessoas que vêm com eles. A gente funciona como estúdio de gravação, alugamos o estúdio, e eu fico responsável pela parte de recepcionar os outros podcasts”. Além do BahiaCast, o estúdio abriga o CadyCast, de Daniel Cady; o PodSena, de Darino Sena; e o +1Pod, de Psit Mota. Por isso, Pedro apelidou a empresa de “Projac Baiano dos Podcasts”, numa referência ao antigo nome dos Estúdios Globo. Suani explica a dinâmica para agendar as entrevistas: “Às vezes, o pessoal procura a gente. Antigamente, a gente que procurava. Hoje em dia, estão procurando bastante a gente. Eu olho a agenda, vejo se a do mês está fechada. Se não estiver, eu dou até duas opções de data e horário”.

O formato podcast e o BahiaCast

Registro do bate–papo entre Pedro Valente, Leozito Rocha (anfitrião convidado) e Igor Kannário , durante episódio do BahiaCast. Foto: Rauino Júnior

Embora haja relatos do surgimento de podcasts já na década de 1980, é no final dos anos 90 e início de 2000 que o formato começa a ser difundido com mais ênfase. O ano de 2004 é considerado como um marco na trajetória histórica do podcast. Foi quando o americano Adam Curry e o britânico Dave Winer criaram um programa digital de rádio que podia ser ouvido e baixado de acordo com a vontade dos ouvintes, na hora em que eles quisessem. Inclusive, é isso que caracteriza esse produto midiático. A escuta por demanda é o que também explica o sucesso do podcast. O nome “podcast” vem da junção de iPod, extinto reprodutor de áudio da Apple, com “broadcast”, que significa transmissão. Atualmente, com a popularização, a palavra se refere tanto a programas que disponibilizam apenas o áudio quanto os que são audiovisuais. Cada pessoa opta pela forma que mais lhe agrada. Ou seja, se vai escutar ou se vai assistir.

Independentemente da forma, a audiência do BahiaCast é cativa. De acordo com Billy, os soteropolitanos são os que mais acompanham. Em seguida, nesta ordem, vem os bahiacasters (como o próprio podcast denomina as pessoas que acompanham) de São Paulo e do Rio de Janeiro. Depois, os feirenses e os lauro-freitenses. Ele atribui a popularização dos podcasts à credibilidade que o formato traz. “A galera está creditando uma verdade aos podcasts. Por isso, eles vêm crescendo. Não é nenhum artista que acaba conduzindo as pessoas a um determinado assunto. É um cara igual a mim que está falando, que eu não conhecia, nunca tinha ouvido falar. Então, você acaba acreditando um pouco mais”. Para o diretor, o principal objetivo do BahiaCast é ouvir: “Ouvir várias pessoas, explicando seus pontos de vista, sua forma de viver. A gente teve Aline Castelo Branco, por exemplo, que falou que a mulher não pode pegar peso e tal, que quem tem que fazer isso é o homem. A gente ouviu isso. Ouvir é o nosso papel. Trazer você pra falar de qualquer coisa, qualquer assunto, mesmo que ele seja polêmico. A gente quer ouvir, quer entender. A gente não quer ditar, quer ouvir. A gente debate e não tem a ideia absoluta da coisa. A gente está aqui pra ouvir e pra perguntar”, esclarece.

Além de gostar do Podpah e do Flow, o Inteligência Ltda foi uma grande referência para Billy quando pensou no BahiaCast. Inclusive, se dependesse dele, o programa se chamaria Terceira Via, porque nasceu numa época pré-eleitoral. Contudo, numa votação, a sugestão dele perdeu para a de Kabas, que Serginho endossou. Hoje, ele sabe que a marca BahiaCast ficou forte. Tanto que já teve alguns desdobramentos, como o BahiaCast na Estrada, série de programas que fizeram na Chapada Diamantina. A prefeita de Lençóis já  fez o convite para o tradicional festival de lá. A expansão está acontecendo. “Muitas marcas grandiosas estão chegando. Eu não sei o tamanho do BahiaCast. Eu sei que a gente está trabalhando arduamente e preocupado em jogar conteúdo pra galera”. Billy se dedica quase 24h para o projeto. O seu plantão vai das 8h às 2h da madrugada. Se Deus ajuda quem cedo madruga, como diz o ditado, o céu será o limite para o BahiaCast.

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