Concordo com Djamila, embora ache que devemos ter cuidado para não tratar a questão com um viés maniqueísta, caindo no “é melhor”, “é pior”, “é bom”, “é mau”, mas tem, de fato, uma geração que reclama de tudo, que vive patrulhando a vida alheia, que nada está bom e que nada faz para mudar. O lugar dessa geração é o de reclamar. Só e somente só. Se sentem donos de todas as razões, apontam as bolhas e não percebem que eles próprios vivem na Bolha da Lacração. Se acham os maiorais no jardim das ilusões. Não erram! São os mais antenados! Perfeitos! Não têm defeitos! São um poço de simpatia! Sabem viver em comunidade e, quem não segue o padrão estabelecido por eles, é tachado de esquentado, problemático, pessoa que gosta de confusão. Rechaçam qualquer sinal de humanidade em humanos. Só a turma deles presta! Fingem ser do diálogo e progressistas, mas, a qualquer sinal de discordância ou de não atendimento às suas expectativas, cancelam tudo e todos. Inclusive, a cultura do cancelamento é o grande troféu de parte dessa geração, que não debate, não está aberta a debater (muitas vezes, por falta de argumento!) e, por isso, “cancelam”. É mais fácil, não é? É lacração pura!
É uma galera que, certamente, acha que inventou o mundo. O mundo surgiu quando eles nasceram. Nada existia antes. Em sua participação no podcast Podpax, no dia 29 de novembro de 2021, o cantor Pedro Mariano refletiu sobre isso, ao falar da postura das novas gerações no universo da música: “Eu falo sempre pra todas as novas gerações: mas de onde você quer chegar, aproveita a viagem, que a viagem é muito importante, mas não esqueça da onde ‘cê veio e não esqueça quem que deixou o bastão aqui pra você. Eu tenho repetido isso até um pouquinho demais, mas nunca é demais lembrar, que essa nova geração […], parece que o mundo aconteceu num estalo no dia seguinte que eles nasceram, né, que não tinha nada antes, que tudo que ‘tá aqui, ‘tava aqui já, não foi ninguém que fez, ninguém entregou isso aqui, essa parada pronta, entendeu? Se você usa um boné brilhante, ninguém teve a ideia antes, né. Tudo começou agora e eu sou um gênio porque eu inventei tudo. Isso é o lema da nova geração”. Concordo com Pedro. É um povo que acha que inventou a militância, por exemplo. Militância de todas as naturezas. Só a militância deles é a que vale. Ninguém mais milita! Só eles! Inauguraram isso. A militância surgiu com eles.
Em geral, pessoas que fazem graduação, mestrado e doutorado e, por isso, se acham acima de tudo e de todos. Que não têm apenas o rei na barriga, mas o Império todo, num esforço de se aproximar da arrogância de alguns docentes das universidades, que inoculam esse vírus a torto e a direito. É a turma que fala que quer botar o professor universitário no potinho, num puxa-saquismo de enojar qualquer cidadão que tem consciência do seu potencial, que abdica dessa postura para alcançar os seus objetivos. Pessoas que, numa estratégia de alimentar a própria mediocridade, silenciam os outros, não reconhecem a potencialidade alheia, não elogiam. Só criticam. São os bonecos Revoltadinhos da Estrela, que têm um discurso bem bonito de justiça social, mas, na primeira oportunidade, lideram conchavos e malandragens. O povo do “Para além…”, nos debates acadêmicos. Que vomita autores o tempo todo, porque essa é a demonstração máxima de sapiência nos corredores e salas de aula das instituições de ensino superior. E também nos simpósios, congressos e mesas redondas! No fundo, no fundo, pessoas vazias. Se a gente espreme, não cai nem suor. Imediatistas, querem tudo para agora. Não valorizam a caminhada. Iniciam projetos, alguns até superbacanas, mas, como a ação não atende às expectativas traçadas, encerram. Querem ser bem-sucedidos, mas não querem trabalho. Pessoas que acham bonito falar que fazem terapia, porque veem os personagens de suas séries e de suas novelas prediletas falando. Não têm noção do que isso implica, da importância desse tratamento para a saúde dos mais de 20 milhões de brasileiros que fazem consultas dessa natureza (de acordo com dados de uma pesquisa feita pelo Instituto FSB). Para essa bolha, “Eu faço terapia” é quase uma senha para o mundo deles, que são os mais descolados, os conscientes, os mais-mais, as pessoas que têm a solução para tudo no mundo.
A Lacração tem sempre uma diva, rebolativa ou não, para chamar de sua. Quando alguém não curte o que eles curtem, argumentam com o clichezaço propalado na internet: “Aceita que dói menos”. Aceitar o quê, criatura?! Oxe, oxe, oxe! Para aceitar, tem que fazer parte da nossa vida. Tem artistas que estão aí, fazendo o trabalho deles, e a gente não tem nem ideia do que eles estão realizando. Simplesmente porque a gente não acompanha a vida deles. Em outubro, continuando a minha estratégia de ler uma coisa mais leve sempre quando termino de fazer leituras mais densas, resolvi ler a biografia de uma dessas “divas” rebolativas com aspirações internacionais intergaláticas. Ao me deparar com a narrativa do autor, um jornalista que cobre o disse me disse de pessoas famosas, percebi que não sabia metade das coisas citadas. Não conhecia algumas músicas elencadas e classificadas como “hits”. Ficava entre o livro e os sites de busca na internet, para me familiarizar com os personagens citados. Isso não é problema da artista, mas, sim, meu. Como não a acompanhava, não sabia de nada. Então, não tinha como aceitar. Não se aceita aquilo que nem existe para você.
Uma característica comum aos integrantes da Bolha da Lacração é a covardia. Eles não falam nada PARA você, mas DE você. De preferência, em grupos de WhatsApp, onde todos falam para todos e não ultrapassam aquela bolha ilusória da justiça e do bem viver social. É chuva de prints o dia todo! “Olha o que Fulano postou!”, “Vocês viram isso?!”, “Menina, eu tô passada!”. Claro que inventam apelidos bem cruéis para se referir aos alvos de suas críticas! Essa é a geração que vive bradando aos quatros ventos na rede social do momento que quer mudança social. É sobre isso, sabe?!
“É sobre isso” e “Paz”: o máximo de argumentação
A Bolha da Lacração se acha tão original, tão fundadora de tudo, que, obviamente, não se percebe, mesmo quando vai na onda dos modismos de hoje em dia. A gente já está cansado de saber que a língua é viva mesmo, é dos falantes e quais, quais, quais. Isso é indiscutível. Contudo, tem expressões que as pessoas usam apenas porque todo mundo está usando. Elas não refletem sobre o uso. Nos anos 90, foi assim com “a nível de”. Será que o “é sobre isso” é o “a nível de” de agora? Pode ser. O fato é que essa geração que se acha a dona de todas as verdades usa tal expressão para argumentar tudo. Em tempos de objetividade, principalmente a exigida para bombar nas redes sociais digitais, é até compreensível, não é? “Paz” também faz parte do repertório, mas, digamos, está menos frequente nas telas. É sabido que quantidade não determina qualidade, mas argumentar com 13 (É sobre isso!) ou quatro (Paz!) caracteres, de fato, deve ser coisa de iluminados. Quando não se tem nada para falar, largam um “É sobre isso”, que quer dizer, absolutamente, nada. Eu acho fofo quando vem acompanhado do “sabe”: “É sobre isso, sabe?”. Fico imaginando alguém argumentando assim na redação do ENEM. O tema da edição de 2021 foi “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. Oxe! Tasca um “É sobre isso” e fica aliviado! 1000 pontos! Também pensei numa festa de camisa colorida reunindo essa galera da argumentação sintética: “É Sobre Isso Fest!”. Muito original! Ninguém criou algo parecido! Mais uma vez, eles vão inaugurar um filão. Inclusive, parte da Bolha da Lacração que lê este texto, porque eles não têm paciência para textos com mais de dez caracteres, vai desqualificá-lo. Vai dizer que é raso, sem argumento, que é clichê, que eu falo o que qualquer pessoa podia falar. Argumento, de verdade, é o “é sobre isso”, sabe? Paz.
Legisladores das redes sociais
A Bolha da Lacração também se acha no direito, porque eles podem tudo, de dar pitaco sobre como uma pessoa administra e se comporta nas redes sociais digitais. “Fulano posta demais”, “Beltrano não posta nada”, “Sicrano posta as mesmas coisas, em todos os lugares. Que saco!”. Pois é. A nossa liberdade é cerceada pelos lacradores de plantão. No jardim das ilusões em que eles se deitam em berço esplêndido, acham que podem controlar o que quiser, determinar o que pode e o que não pode ser feito. Certa vez, uma desavisada veio me dizer, por mensagem privada no Instagram, que eu não deveria ter feito um comentário (elogioso até!) num post do perfil de uma faculdade de comunicação que frequentei por seis anos. Tratava-se de uma publicação que informava sobre uma roda de conversa que discutiria racismo estrutural na cobertura jornalística. De acordo com “a dona da verdade”, eu não deveria parabenizar uma entidade por fazer algo que é obrigação. E o tom da mensagem era de carão. Imagina?! A sorte é que sou bem educado… Ela só desconsiderou a minha vontade de elogiar a iniciativa, porque quis fazê-lo e fiz. Sou dono da minha liberdade, não é? Inclusive, é bom frisar: eu tinha elogiado “a iniciativa”, não “a instituição”, o que é bem diferente. Mas poderia ter elogiado a instituição, se quisesse e se achasse pertinente. Além de sensatez, faltou à coleguinha (sim! Ela é jornalista, oriunda da mesma faculdade) capacidade de interpretação de texto. Os lacrativos são assim: acham que podem controlar tudo! Até os nossos comentários! Uma menina bem pretensiosa (como muita gente que frequenta e frequentou a referida faculdade!), que não acredita no conceito de antirracismo e que usa “escurecer”, em vez de “esclarecer”, achando, com isso, que milita pela causa negra mais do que todo mundo. Ô dó! Vai fazer carreira na militância…
Bizarro! (argumento 1)
É sobre isso! (argumento 2)
Paz! (argumento 3)
____