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Bebês, como qualquer ser humano, não têm corpo público

Imagem: reprodução do site Freepik

Por Raulino Júnior ||Opinião de Segunda||

O que faz uma pessoa achar que pode tocar num bebê, sem autorização, sempre que encontra pais e mães com seus filhos na rua? O que faz? Essa pergunta é feita com um misto de revolta e de incredulidade por saber que é algo recorrente e que muitas pessoas não se mancam por ter esse comportamento inadequado e inadmissível. Bebês, como qualquer outro ser humano, não têm corpo público. Por isso, não devem ser tocados. Nunca! É muito importante refletir e provocar reflexão sobre um ato que, em geral, tem um viés carinhoso, mas ultrapassa a barreira do respeito, do que pode e o de que não pode ser feito com os filhos dos outros. Inclusive, tal comportamento abre precedentes para outras discussões mais complexas, como o abuso, o assédio e a pedofilia.

É muito comum, quando pais e mães estão em lugares públicos com seus bebês, as pessoas quererem interagir, demonstrar afeição, carinho. E isso não é de todo ruim. Pelo contrário, é muito bom. Geralmente, a interação vem sempre com palavras encorajadoras, com parabéns, com elogios. Isso envaidece e fortalece a família. A gente fica feliz, entusiasmado, querendo cuidar com mais amor e atenção dos nossos filhos. A coisa fica complicada quando, do nada, e sem autorização, a pessoa pega no bebê, toca no seu rosto, beija a sua mão. Como agir diante disso? Sendo mal-educado também e dando um esporro na pessoa ou respirando fundo e seguindo adiante? Além de todos os problemas que estão atrelados nesse ato sem noção, existe ainda o fato de a pessoa estar com a mão suja, que a gente não sabe onde foi colocada anteriormente… Beijar a mão de um bebê é deixar saliva no corpo dele. O que aprendemos com a pandemia do coronavírus? Ou não aprendemos nada? Pelo visto, a segunda opção prevalece.

Pais e mães responsáveis têm um cuidado descomunal com seus filhos. Principalmente, quando são bebês, porque é tudo novo e, recorrendo ao clichê, todo cuidado é pouco. Uma simples saída de casa demanda uma lista enorme de preocupações e recomendações. Nada é exagero. Tudo respaldado pela ciência, por pediatras, por pessoas que já passaram por essa experiência. Então, quando o bebê é tocado como se fosse um patrimônio público, gera uma revolta incontida no pai e na mãe. É um comportamento descabido, incômodo. Não faça isso. Bebês, assim como você, têm privacidade.

Da próxima vez que encontrar um pai e uma mãe com o seu bebê, fique à vontade para interagir, para desejar felicidade para a família, para falar palavras de carinho, mas não toque nem beije o bebê. Não faça isso. Ninguém te deu autorização. Vale para todo mundo e, principalmente, para desconhecidos. Basta!

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Ser fã não é ser babaca

Imagem: reprodução do site GratisPNG.

Por Raulino Júnior ||Opinião de Segunda||

Nos bastidores do evento São João da Bahia, Claudia Leitte foi questionada por um jornalista sobre se era a favor da polêmica proposta da prefeitura de Salvador de criar um novo circuito Dodô (orla da Boca do Rio) para desafogar o atual (Barra-Ondina), mantendo nele apenas atrações de pequeno porte. Esse circuito surgiu como alternativo, mas se tornou principal e mais midiático. Diante da pergunta que exigia um posicionamento firme, uma vez que os artistas têm um papel bem importante na dinâmica da festa, Claudia Leitte respondeu assim: “Rapaz, sou a favor de Carnaval em qualquer lugar do mundo! Tem que ter é Carnaval! Carnaval! Pro meu povo!”. Nos comentários da postagem na rede social do site de notícias, uma fã esbravejou: “Ela não foi questionada!!! Ela foi perguntada somente do que acha. Questionamento seria, se fosse perguntando ‘Claudia Leite, carnaval entre farol da barra e boca do rio, qual a sua opção ? Gente, nós poupem com esse jornalismo tendencioso.” [sic]. Esse preâmbulo todo foi só para mostrar o grau de alienação de alguns fãs. A pergunta que não quer calar: o que é ser fã?

Ser fã não é ser babaca. Certamente. Quem é fã tem que ter consciência de que aquele ídolo é um ser humano como ele, cheio de defeitos e de qualidades. É muito cruel endeusar essas pessoas, colocar num pedestal, tirar a humanidade. O ídolo erra (e o fã não tem nada a ver com isso! Cada um com seus problemas! Cada pessoa é responsável pelos seus próprios atos! O erro do ídolo é do ídolo! Digo isso porque é comum algumas pessoas exigirem do fã um posicionamento sobre uma derrapada do ídolo. É possível?! É cada uma…), escolhe não ser relevante para o seu tempo, fica em cima do muro, fala bobagens, não se desafia, não se reinventa, não se coloca como o cidadão que é, e o fã tem que reconhecer isso. O reconhecimento, em muitos casos, não invalida a admiração. Muitas vezes, até potencializa, o que é bem estranho. Tem fã que escolhe ser babaca…

Nisso, se aliena, se limita, fica no mesmo lugar, não aceita opiniões contrárias em relação à pessoa que admira. Prefere insistir numa defesa doentia, de não querer enxergar os deslizes, a falta de noção e de responsabilidade de famosos e não famosos que ele nutre um carinho especial.

Sempre achei bonito o amor de fã, que é um amor como qualquer outro, mas que idealiza o ser amado à décima potência. A doação, o carinho, a torcida, o cuidado, as loucuras que são feitas: tudo vale a pena, se o sentimento é de verdade e consciente. Tem uma música, intitulada , da cantora e compositora Mônica San Galo, que diz assim num dos trechos: “Não durmo direito, não como, não bebo/Só vivo de te ver passar/Você realiza o meu sonho/É a minha razão de sonhar”. Considerando a hipérbole da compositora (em muitos casos, não é só figura de linguagem! A gente sabe!), o que não vale é fazer tudo isso e achar que o ídolo é perfeito. Não é. Nunca vai ser.

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“O Brasil não tem povo, tem público”: o início das aulas remotas na rede estadual

Card divulgado no site e nas redes sociais digitais da Secretaria da Educação do Estado da Bahia: “O que será que será?”

Por Raulino Júnior ||Opinião de Segunda||

Quase um ano depois de suspender as aulas na rede estadual, inicialmente em Salvador, Feira de Santana e Porto Seguro, cidades que, àquela época, 17 de março de 2020, já apresentavam casos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, o governo do Estado estabeleceu a data de hoje, 15 de março, como o início do ano letivo, que terá atividades remotas e currículo contínuo. Ou seja, o processo de ensino e aprendizagem não será presencial e os estudantes vão fazer dois anos em um, até 29 de dezembro. Exemplo: quem estava na 1ª série do ensino médio em 2020 foi, automaticamente, matriculado na 2ª. Na prática, todo mundo passou de ano; na teoria, não. De acordo com os documentos divulgados pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC-BA), o educando vai iniciar o ano aprendendo os conteúdos da série anterior e, gradativamente, avançará para a série seguinte. E quem estava no 3º ano, prestes a concluir essa fase dos estudos? Bem, sobre isso, prefiro nem comentar…

Pouca gente entendeu a demora da SEC-BA em tomar uma providência para garantir o direito de estudar de milhares de estudantes. E, não tem como evitar comparações, fica evidente a falta de diálogo com secretarias de outros estados, que já tinham tomado algumas medidas nesse sentido. Isso serviria para estudar modelos e implantar aqui, evitando esse longo período de aulas suspensas. Alguns colégios enviaram atividades para os estudantes, a fim de garantir o vínculo com eles. Entretanto, ao que tudo indica, esse esforço não será reconhecido pela SEC-BA, pois, como alega a secretaria, não foi uma ação oficial, gerida por ela.

Quase 365 dias depois da suspensão das aulas, a SEC-BA apresenta um pacote de ações confuso, que deixou a comunidade escolar com mais perguntas do que com respostas. Mesmo depois de ouvir os blá-blá-blás proferidos na Pré-Jornada e na Jornada Pedagógica. Essa, inclusive, batizada de Jornada Paulo Freire. Será que o mestre avalizaria o que está posto? Tudo bem que estimular a autonomia dos estudantes é importante, mas, infelizmente, em geral, a gente tem turmas compostas por estudantes que não são tão autônomos assim. São educandos que não têm o hábito de estudar sozinhos, de anotar as dúvidas e perguntar aos professores no dia seguinte. Eles vão ter que se acostumar com isso, assim, de supetão. Presumo que Paulo Freire não ficaria muito feliz com tal cenário.

No pacote utópico da SEC-BA, pensado sem consulta ampla à comunidade escolar nem chamada pública para isso, o estudante vai organizar o seu tempo de estudo em casa, sendo auxiliado pelos professores, que, mais do que nunca, vão atuar como mediadores. Eles vão passar as atividades, direcionar os estudos e estarão disponíveis para explicar o conteúdo e tirar as dúvidas das turmas. Obviamente, cada professor vai se organizar e criar as suas metodologias para isso. Caberá ao estudante, estudar. Mas, agora, estudar mesmo, através dos recursos disponibilizados: livros didáticos e de literatura, cadernos de apoio produzidos pelos professores, salas virtuais e aplicativos. A dinâmica vai exigir muita disciplina, principalmente por parte dos educandos. Quem tem acesso à internet, vai se comunicar com os docentes através das novas tecnologias digitais da informação e da comunicação; quem não tem, vai pegar o material impresso na escola (isso mesmo, em plena pandemia, alguns estudantes vão ter que se arriscar!) e terá que, junto com o professor, criar estratégias para ser acompanhado, para aprender, para ter as dúvidas sanadas. Vai ser que vai!

Se, na modalidade presencial, os programas de aceleração já são, digamos, uma falácia, imagine de forma remota? Claro que esses programas têm a sua importância, contribuem para transformar a vida de muita gente, mas poucos funcionam com a qualidade que deveria. Na real, estão repletos de práticas superficiais, que não despertam a criticidade de quem recebe as informações. O objetivo é, como diz o nome, acelerar e gerar estatística.

Pelo que se desenha, o ano letivo na rede estadual de ensino vai ser um arremedo, um cala-boca. Sem contar a pressão que os professores vão sofrer para transformar conhecimento em números e “passar todo mundo”. Quando a gente lembra que a escola pública é, predominantemente, frequentada por pretos e pobres, não é difícil concluir por que a qualidade do processo de ensino e aprendizagem nunca é pensada como prioridade pelos governantes. Para muitos deles, o tópico educação só é importante como bandeira de campanha política. Fingem ou não querem entender que  a educação que é paga com nossos impostos é, sem titubear, o principal alicerce do Brasil. Por isso, tem que ser levada a sério. Não há nenhuma outra instituição que forme mais cidadãos do que a escola pública. Se a maioria do povo brasileiro está ou esteve nela, é ela que é a base desse país. Quando a sociedade acordar e perceber que exigir uma educação pública de qualidade deve ser uma pauta de todo mundo, assim como a luta pela extinção do racismo, da homofobia e do machismo, as coisas poderão ter outro rumo. Enquanto isso não acontece, a famosa frase atribuída a Lima Barreto, cunhada em 1922, continuará fazendo sentido por aqui: “O Brasil não tem povo, apenas público. Povo luta por seus direitos, público só assiste de camarote”.

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É Desde! É Dez! É DEZde!

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Discurso de favela e promessas monumentais: o pleito de 2020 e as práticas de 1500

Imagem: reprodução do site do jornal A Plateia

Por Raulino Júnior ||Opinião de Segunda||

Eleição que é eleição tem que ter enganação. Isso poderia ser um slogan, mas não é. É só uma percepção mesmo. No próximo dia 15 de novembro, mais de 147 milhões de brasileiros vão escolher prefeitos e vereadores, em 5.569 municípios, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para isso acontecer de forma responsável, é preciso ficar bem atento a várias questões, inclusive ao marketing político de cada candidato. Gente que nunca foi favela está usando tal discurso para se eleger. Você não vai cair nessa, não é? Estamos em 2020 e não podemos mais aceitar práticas eleitoreiras de 1500.

Pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a favela, ou para ser mais fiel ao termo que é utilizado pelo órgão desde 2010, o aglomerado subnormal “é uma forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia – públicos ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas com restrição à ocupação”. Dizer que é favela é bem diferente de ser favela. Se o candidato não vive essa realidade, não pode dizer que é favela, porque não é. O uso adjetivado do termo, já incorporado pela linguística, é passarela de oportunismo em período de eleição. Muita gente desfila, busca os flashes e quer associação com o lugar que carece de políticas públicas adequadas. Além disso, a visão retratada pelo marketing político é sempre estereotipada, como se toda favela fosse igual. E não é.

Coisa que político entende é de fazer promessas. As desse ano, são mais monumentais ainda. Por exemplo: como alguém vai gerar 50 mil empregos em pleno período de recessão da economia, que, ao que parece, vai se estender? Essa é uma promessa descabida, que não precisa ser cientista político ou economista para concluir o quanto será difícil colocá-la em prática nos próximos quatro anos. Não por maldade, mas por falta de condições mesmo. Isso tem que ser avaliado criticamente pelos eleitores. Afinal de contas, não dá para acreditar em quem promete o mar e não tem nem água para isso. É sempre muita promessa e pouca proposta.

Nos debates, o que se vê é a política infinita do ataque. Todos os candidatos seguindo a mesma gramática. É bem primária a forma como a política partidária se configurou no Brasil. Tem sempre os mesmos tipos: o candidato ridículo, o que apela para o emocional, o que se apega aos clichês, o engomadinho, robótico e leitor de “teleprompter”. Para piorar, não superam a argumentação de quem está brigando pela bola. Difícil…

Para que isso mude, é necessário ter uma sociedade mais instruída, que saiba os seus direitos e deveres. Lima Barreto afirmou: “O Brasil não tem povo, tem público”. Quando isso, de fato, vai deixar de ser uma verdade? É preciso ler, investigar, comparar e cobrar. Caso contrário, os discursos falsos vão se perpetuar e a política do Brasil vai continuar sendo a do “vou fazer” sem nunca ter feito.

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