O descarte da democracia. Foto: Raulino Júnior
Por Raulino Júnior
Sabe aquela sensação que você tem quando joga algo no lixo sem pensar muito e, um tempo depois, percebe que aquilo era importante e que você não deveria se livrar apenas porque queria “limpar a casa”? É quando você se dá conta de que, contrariando o poeta que afirmara “que o novo sempre vem”, a sujeira e a bagunça, nossas velhas conhecidas, estarão sempre por ali. Entre avanços e retrocessos, parece que a gente insiste em ficar no mesmo lugar, abrindo mão de critérios coerentes para justificar o que motivou a atitude de amassar o papel e jogá-lo no balde.
Se no período da
Redemocratização a palavra “abertura” (a política, é claro!) estava em evidência, hoje, principalmente depois dos últimos acontecimentos da política nacional, a palavra “golpe” volta a ser amplamente usada. Nesse contexto, não há quem conteste: ela sempre carrega uma carga negativa, que nos remete a períodos de perseguição política e de supressão de direitos adquiridos. Infelizmente, o golpismo faz parte do nosso dia a dia, está entranhado na nossa cultura e é sempre algo injusto. Além disso, marca situações em que há uma vontade premeditada de tirar vantagem das coisas.
Golpe é tanto uma pancada forte quanto uma manobra para conseguir aquilo que vai beneficiar uma pessoa ou um grupo, um estratagema. O golpe baixo está presente na maioria das relações sociais. Afinal, as atitudes antiéticas, visando alcançar o que se deseja, estão por aí e não são novidades para ninguém. Você pode não praticar, mas sabe que elas existem. Ou, por outro lado, pode até ser protagonista delas. O que não dá é bancar de inocente numa hora dessas.
O golpe de Estado, que tem uma magnitude maior porque atinge mais pessoas, é só mais um reflexo da sociedade de que fazemos parte. Os objetivos são os mesmos. Tem sempre alguém querendo tirar vantagem da situação. Se o golpe é de mestre ou do baú, não importa, a intenção é a mesma. Diante disso, o país agoniza e sofre outro golpe: o de misericórdia.
Foto: Raulino Júnior
É importante lutar pela nossa democracia, para que ela não seja descartada de forma aleatória, sem razões para tal. Em contrapartida, é importante também olhar para o “fundo do fundo/de você, de mim” e perceber o quanto a gente contribui para que os golpes se naturalizem. As nossas próprias atitudes diárias — no trabalho, na família, na roda de amigos, em casa — podem dizer muito sobre isso.