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Promessas para o feriadão

Imagem: reprodução do site da Unideau

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Mais um feriadão e mais promessas. Assim é a vida de Sônio. Toda vez que o calendário o deixa mais feliz, ele promete coisas que, quase sempre, não cumpre. “No feriadão, vou arrumar o meu quarto”, “Vou aproveitar o feriadão para concluir aquela leitura que se arrasta há seis meses”, “Eu só vou poder fazer isso no feriadão”, “No feriadão, estarei mais tranquilo. Eu ligo para você e a gente combina alguma coisa”. Ultimamente, a vida de Sônio é mais retórica e menos prática.
Quando o feriadão chega, a preguiça vem a galope e ele acaba sem fazer nada. Não faz o que tem que fazer nem faz aquilo que poderia fazer. Poderia aproveitar para ver uma exposição, ir ao teatro, curtir uma praia, visitar os amigos. Poderia. Futuro do pretérito. Sônio faz tanto “tudo ao mesmo tempo agora” que, quando tem uma folguinha, aproveita para dormir.
Nisso, ele é campeão. O celular desperta, ele vira para o lado e fica alheio ao som do aparelho. Promete que vai levantar. Só promete. O telefone, configurado para tocar de 15 em 15 minutos, cumpre a sua função. Já Sônio…

Quando, de fato, vai levantar, perdeu toda a manhã. Aí empurra as promessas para a noite, certo de que vai cumpri-las. Liga o rádio, a TV, o computador. Tudo ao mesmo tempo. É facilmente seduzido pelo entretenimento. Promete que, no dia seguinte, vai cumprir o acordo que fez consigo. O dia chega e a preguiça também. Sônio consulta o calendário para saber quando será o próximo feriadão. Não tem. Desespera-se e tenta fazer “tudo ao mesmo tempo agora”. Mas o pouco tempo que resta não vai dar tempo para isso. Sônio promete que vai mudar.

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Artigo de Opinião, Opinião

A nossa velha cultura do golpe

O descarte da democracia. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior

Sabe aquela sensação que você tem quando joga algo no lixo sem pensar muito e, um tempo depois, percebe que aquilo era importante e que você não deveria se livrar apenas porque queria “limpar a casa”? É quando você se dá conta de que, contrariando o poeta que afirmara “que o novo sempre vem”, a sujeira e a bagunça, nossas velhas conhecidas, estarão sempre por ali. Entre avanços e retrocessos, parece que a gente insiste em ficar no mesmo lugar, abrindo mão de critérios coerentes para justificar o que motivou a atitude de amassar o papel e jogá-lo no balde.
Se no período da Redemocratização a palavra “abertura” (a política, é claro!) estava em evidência, hoje, principalmente depois dos últimos acontecimentos da política nacional, a palavra “golpe” volta a ser amplamente usada. Nesse contexto, não há quem conteste: ela sempre carrega uma carga negativa, que nos remete a períodos de perseguição política e de supressão de direitos adquiridos. Infelizmente, o golpismo faz parte do nosso dia a dia, está entranhado na nossa cultura e é sempre algo injusto. Além disso, marca situações em que há uma vontade premeditada de tirar vantagem das coisas.
Golpe é tanto uma pancada forte quanto uma manobra para conseguir aquilo que vai beneficiar uma pessoa ou um grupo, um estratagema. O golpe baixo está presente na maioria das relações sociais. Afinal, as atitudes antiéticas, visando alcançar o que se deseja, estão por aí e não são novidades para ninguém. Você pode não praticar, mas sabe que elas existem. Ou, por outro lado, pode até ser protagonista delas. O que não dá é bancar de inocente numa hora dessas.
O golpe de Estado, que tem uma magnitude maior porque atinge mais pessoas, é só mais um reflexo da sociedade de que fazemos parte. Os objetivos são os mesmos. Tem sempre alguém querendo tirar vantagem da situação. Se o golpe é de mestre ou do baú, não importa, a intenção é a mesma. Diante disso, o país agoniza e sofre outro golpe: o de misericórdia.

Foto: Raulino Júnior

É importante lutar pela nossa democracia, para que ela não seja descartada de forma aleatória, sem razões para tal. Em contrapartida, é importante também olhar para o “fundo do fundo/de você, de mim” e perceber o quanto a gente contribui para que os golpes se naturalizem. As nossas próprias atitudes diárias  no trabalho, na família, na roda de amigos, em casa — podem dizer muito sobre isso.

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