Crônica, Cultura, Desde Já, Jornalismo Cultural, Toca o Desde

O dia para resolver a vida

Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Todo mundo tem um dia para resolver a vida, não é? É aquele dia que você tira para ver as pendências, marcar consultas médicas, ir ao banco, organizar uma viagem que ainda vai fazer… É sempre um dia muito produtivo, que, quando acaba, a gente senta satisfeito no sofá e respira fundo. Esse respirar tem um misto de agradecimento e orgulho, principalmente por ter cumprido as metas que estabeleceu para aquelas 24 horas.

Esse dia, na verdade, começa na noite anterior, com os planos que a gente faz para o dia seguinte: “Amanhã, vou tirar o dia para resolver a minha vida. Vou fazer isso, aquilo e aquilo outro”. É um compromisso que a gente faz com a gente, depois de protelar “n” vezes o que tinha de ser feito há muito tempo. Em geral, coisas simples, que a internet ainda não dá conta. Alguns serviços públicos, por exemplo, que os telefones disponibilizados nunca são atendidos e os e-mails nunca são respondidos. O negócio é tomar coragem e ir resolver logo a vida.

Nessa decisão, muita coisa boa pode acontecer. No trajeto de ida, a gente pode encontrar aquela pessoa que nunca mais a gente viu (isso, obviamente, se potencializou no contexto da pandemia!). Se for pegar fila em algum momento, é certo de que vai rir, conversar ou, apenas, observar o que se passa e achar tudo muito curioso. Filas são crônicas vivas! Se der sorte, pode até começar uma nova amizade, porque, certamente, vai conhecer alguém que foi resolver um problema semelhante ao seu. Conversa vai, conversa vem: muitas identificações! Match amistoso!

O dia para resolver a vida requer disciplina e muita papelada. Ainda! Mesmo com toda a revolução tecnológica, a burocracia reina e tudo é uma cópia, um comprovante, uma guia… Vixe! Aí você, na noite anterior, revisa trezentas vezes para se certificar de que está com tudo organizado naquele classificador velho de sempre. É muita coisa! No final, com os objetivos alcançados, a gente fica aliviado. Ufa! Valeu o dia!

Sigamos.
Padrão
Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Resenha, Toca o Desde

Primeira biografia de Elis Regina mostra a artista bem de perto e com contradições coerentes

Imagem: reprodução do site Estante Virtual

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Hoje, faz exatos 40 anos que Elis Regina Carvalho Costa deixou fãs e admiradores muito tristes com a sua partida precoce aos 36 anos. Na época, foi uma comoção. Desde lá, a cada dia 19 de janeiro, o sentimento permanece e é isso que faz Elis se manter viva na memória da cultura brasileira. A morte de um ídolo dá vazão a uma série de documentos sobre sua vida e trajetória. Com a cantora porto-alegrense, não seria diferente. Nesse aspecto, Elis também é campeã. São documentários, livros, coletâneas, série e filme. Em 1985, três anos após a sua morte, a editora Nórdica publicava Furacão Elis, de Regina Echeverria, responsável pela primeira biografia da Pimentinha (apelido dado por Vinicius de Moraes).

A obra tem um diferencial por ter sido publicada pouco tempo depois do fatídico dia 19. Assim, Regina conseguiu colher depoimentos e apurar fatos com uma proximidade muito grande do acontecimento. A biógrafa fez mais de 100 entrevistas para contar a história da filha de Ercy Carvalho e Romeu Costa. O livro-reportagem detalha muita coisa. Por exemplo, o nome “Elis” foi sugerido por uma amiga de Ercy. “O Regina vem de uma exigência legal. Na burocracia da época, as crianças não podiam ser batizadas com nomes que tanto serviam para meninos como para meninas. Já prevendo que não pudesse batizar sua menina apenas Elis, dona Ercy mandou um Regina de reserva”, p. 16. Elis já cantava nas reuniões familiares, mesmo bem pequena. Porém, aos sete anos, quando foi se apresentar no programa Clube do Guri, da Rádio Farroupilha, travou. Só soltou a voz na atração quando tinha onze anos. E o Brasil ganhou aquela que é considerada sua maior cantora por causa da falta de dinheiro da família para comprar um piano. Na página 28, Regina narra: “Aos 9 anos, Elis foi aprender piano com a professora Waleska, uma vizinha da vila do IAPI. Estudou dois anos. Aprendia rápido demais, tão rápido que se viu diante do dilema: ou comprava um piano ou parava de estudar. Elis Regina começou a cantar porque não podia comprar um piano”. Através da leitura do livro, a gente fica sabendo que Elis fez um aborto. “Ela ficou grávida, fez o aborto e não me disse nada. Disse depois”, Solano Ribeiro em depoimento para o livro. Ele foi namorado de Elis e o término foi potencializado por causa desse fato.

Furacão Elis se debruça sobre a trajetória da cantora antes e depois que ela foi para o Rio de Janeiro, em março de 1964, aos 18 anos. A biografia mostra a ascensão da artista e traz depoimentos de pessoas que estavam na sua órbita, como Ronaldo Bôscoli, Miele, Roberto Menescal, Nelson Motta, Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil, só para citar alguns. Gil, inclusive, revela que tinha inveja e tesão por Elis: “Ela era diferente das outras cantoras – a gestuália toda, a voz, o modo de cantar, o repertório. E eu fiquei logo oprimido na primeira vez que a vi. Esses artistas todos me oprimem. Com Maria Bethânia tenho a mesma sensação. São todos meus pares, porém me sinto oprimido. Mas isso é coisa de deformação da minha personalidade mesmo, coisas de inveja, de dificuldade. E eu tinha muito isso com ela. Então, vê-la ali, em casa, descontraída, a coisa se tornava mais palpável. Eu ficava com tesão. Ficava louco por ela. Ela nunca soube disso. Pode ter suspeitado, porque eu era muito terno com ela”, p. 67. O livro mostra algumas contradições de Elis, desmistificando a ideia da cantora segura de si, independente. A Elis do livro é forte e frágil ao mesmo tempo. É humana. Longe de ser aquela fortaleza que muitas pessoas idealizavam. Solano afirma que “ela se deixava mesmo influenciar”. A personalidade forte, no entanto, aparece nas linhas escritas por Echeverria. A coisa de mudar da água para o vinho, dos ciúmes, da rivalidade com outras cantoras, a briga e a reconciliação na mesma intensidade: tudo está lá e caracteriza Elis. Na página 95, Regina afirma: “Seu furacão incomodava e instigava as pessoas. Seu pingue-pongue de ódio e paixão enlouquecia quem buscava nela alguma coerência”. E reforça isso no Capítulo VI: “Ao mesmo tempo em que pregava a independência, mergulhava em sofridos momentos de angústia, em profunda solidão”, p. 107.

De acordo com a narrativa de Furacão Elis, quando a cantora começou a ganhar dinheiro, a relação com a família ficou tensa. Houve um rompimento. Dona Ercy confidenciou a Echeverria que chegou a passar fome. Hoje em dia, o sonho de muitas cantoras é fazer carreira internacional. Elis não tinha esse desejo. Queria fazer sucesso no Brasil. E fez. Falso Brilhante, de 1975, foi uma apoteose. Ficou 14 meses em cartaz. Claro que muitos conflitos aconteceram, Myriam Muniz, que dirigiu o espetáculo, fala deles na biografia. A diretora ficou na função só até dez dias após a estreia.

É bonita a forma como Elis Regina e Rita Lee construíram uma tímida amizade. Isso é narrado no livro com uma atmosfera poética muito grande. Duas mulheres donas de si, desbravadoras, com muita personalidade. Rita e o marido, Roberto de Carvalho, compuseram Doce de  Pimenta para Elis. Uma letra certeira, que define muito bem a essência Elis Regina de ser. Maria Rita, filha de Elis, tem esse nome em homenagem a Rita. “Maria Rita” era uma das formas que Elis chamava Rita.

Teria muito mais coisa para falar sobre Furacão Elis, mas a melhor dica é ler. Lendo, a gente monta o quebra-cabeça e consegue ter uma noção de quem foi Elis e de toda a sua grandiosidade. Regina Echeverria fez um excelente trabalho. Deu lugar ao contraditório, mostrou as fraquezas e potencialidades da artista. Como canta Caetano, “de perto, ninguém é normal”. Não é. Elis não era.

Referência:

ECHEVERRIA, Regina. Furacão Elis. São Paulo: Editora Globo, 1994.

Padrão
Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Resenha, Toca o Desde

Você viveu a Boo?

Livro-reportagem conta a história de casa de show que se destacou na noite de Salvador

Ilustração: Jajá Cardoso

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Se você viveu, ótimo; se não viveu, tem uma oportunidade de conhecer toda a efervescência da casa de show que ficou em atividade por quatro anos (2006 a 2010), na Rua da Paciência, 307, Rio Vermelho: a leitura do livro-reportagem Efeito Boomerangue: o legado da casa de shows na cena cultural de Salvador, de autoria de Luciano Marins, produtor cultural, jornalista e mestre em Comunicação e Educação Audiovisual pela Universidad Internacional de Andalucía. A obra, publicada em 2016, é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso da graduação em Produção em Comunicação e Cultura, que Marins fez na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Em sete capítulos, Luciano discorre com propriedade sobre a Boomerangue, através de narrativas compostas por depoimentos, fotos e textos. Tudo com muito detalhe. Quem lê, fica sabendo do rider técnico, do cardápio, de como eram os ingresssos, da dinâmica pensada pela assessoria de imprensa para chamar a atenção da mídia e fazer uma comunicação responsável e de qualidade. A inauguração do espaço aconteceu no dia 28 de novembro de 2006, com show de Mariene de Castro. A última festa (Noite Fora do Eixo + Boogie Nights) foi no dia 4 de junho de 2010, deixando o público carente da Boo, como era carinhosamente chamada pelos frequentadores.

Com o slogan Quem vai, volta, a Boomerangue nasceu do sonho de Alex Góes de abrir uma casa noturna. O cantor e compositor soteropolitano, bastante conhecido na cena cultural da cidade, já tinha dez anos de carreira quando implementou o projeto. Obviamente, contou com a ajuda de parceiros. Além de Góes (responsável pela programação  musical e cultural da casa), André Barreto Gomes (responsável pelo gerenciamento do setor operacional), Aurélio Pires Júnior (relações públicas) e Rui Santos (setor financeiro e recursos humanos) fizeram o sonho acontecer. Técio Filho era sócio-proprietário da Boomerangue, em parceria com Alex Góes. Contudo, no livro, a forma como a sociedade se deu não é narrada. Técio é arquiteto e, em depoimento para a publicação, diz que entrou na casa “apenas para conceber o espaço físico, organizar a estrutura tanto no que tangia à parte funcional quanto estética. Depois que existiu o envolvimento no que eu poderia dizer que foi a segunda gestação, em que começamos a entender a vocação do espaço onde passamos a não só reforçar as diversas vocações percebidas, como também fazer com que elas interagissem de alguma forma, num processo de experimentação mesmo”, p. 15.

A Boomerangue se destacava pela pluralidade de sons. Isso era uma tônica da casa e aparece em quase todos os depoimentos do livro. Por lá, passaram artistas de blues, axé, funk, dance, pop, MPB, reggae e rock. Tudo isso convivia lado a lado na Boo. Ou melhor: no andar de cima e no andar de baixo. Porque o equipamento cultural “tinha dois ambientes independentes e acusticamente isolados”, p. 22. Outro ponto alto de lá eram as festas temáticas. O capítulo 4 é todo dedicado a elas e Luciano enumera algumas, como a Nave, o Baile Esquema Novo, a TOP TOP, a Brinks, a Kick e a JUMP UP.

O livro é muito rico em material de acervo. Luciano conseguiu reunir muitas fotos dos artistas que se apresentaram lá e imagens dos cartazes das festas emblemáticas, que marcaram a identidade da Boomerangue. A leitura é agradável. Principalmente, para quem se interessa por música e produção cultural. Quem vai, volta. E não existe ida sem volta. É preciso olhar o passado para construir o presente. A Boo deixou o legado dela. Viva!

Referência:

MARINS, Luciano. Efeito Boomerangue: o legado da casa de shows na cena cultural de Salvador, Salvador: 2016.

Padrão
Cultura, Jornalismo Cultural, Notícia, Toca o Desde

Toca o Desde…

 Para comemorar onze anos no ar, blog produzirá série especial sobre o centenário do rádio no Brasil

Depois de um 2021 de comemorações pelos dez anos em atividade, o Desde chega em 2022 ainda mais disposto a falar sobre a nossa cultura e de tudo que a tangencia. Para seguir tocando em frente com as suas experimentações, o blog, que comemora onze anos hoje, vai festejar o aniversário celebrando a presença do rádio no Brasil, que completa 100 anos em setembro. A série Tocando com Frequência: 100 anos do rádio no Brasil vai começar no nono mês do ano, mais precisamente no dia 7, data que alude à primeira transmissão radiofônica no país, em 1922. Vamos falar desse veículo pioneiro, que moldou a nossa televisão e que sempre esteve em evidência. Agora, em pleno século 21, acompanhamos a sua evolução, de mãos dadas com as tecnologias digitais da informação e da comunicação. Você já deve ter ouvido algum podcast por aí, não? Pois é! A série pretende falar disso e de muito mais. Estamos preparando tudo com carinho, responsabilidade e vontade de sair do mais do mesmo. Vamos tentar!

Sexo

Por sinal, a produção de séries tem sido uma tônica do Desde. É um exercício muito interessante, porque nos desafia, exige muita apuração e mantém a prática jornalística oxigenada, fundamental para uma caminhada de mais de dez anos. Como dissemos acima, tudo tangencia a nossa cultura. Tudo! Não podemos esquecer que cultura é comportamento. Em 2022, dentro das comemorações pelos onze anos, vamos incorporar mais uma série ao Sem Edição. Dessa vez, vamos falar sobre sexo no conteúdo audiovisual. A série Sem Edição – Com a Roupa do Corpo pretende falar de sexo de forma leve, educativa, investigativa e sem tabus. Vamos convidar pessoas que realizam estudos nessa área para debater questões importantes da sexualidade humana. Obviamente, vamos tratar de curiosidades, com profissionais de outras áreas, mas que vão trazer boas explicações para o debate. Por exemplo, já percebeu que usamos vários nomes para se referir ao ato sexual? Como ele é chamado na sua região? Na cidade onde mora? No grupo de amigos? Um especialista em Linguística nos ajudaria muito nessa discussão, não é? E você já ouviu falar em banheirão? Sabia que tem uma dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal da Bahia, que já discutiu o assunto? Pois é! Tem muita coisa a ser explorada e pretendemos abordar algumas delas na série especial.

Coisas do Pacotão

Em 2021, lançamos o Pacotão do DEZde, que consistia num conjunto de ações comemorativas pelos dez anos do blog. Muitas delas foram implementadas, como as Domingueiras: entrevistONAS de Domingo, as séries2021: Paulo Freire é 100!Sem Edição – Da Boca pra Fora. Contudo, devido à crise sanitária que ainda estamos vivemos, não podemos colocar em prática a série de grandes reportagens Outras Realidades e a Sem Edição – Passagem de Som. A ideia é fazer tudo isso acontecer nas próximas caminhadas. Assim que for possível, vamos implementar os projetos.

Agradecimentos

Para finalizar, queremos agradecer a você que passou por aqui em 2021! Muito obrigado! Que você continue acompanhando as nossas experimentações em 2022! O Desde é um espaço de reflexão, de problematização e de prestação de serviço. É isso que nos interessa! Chegar até aqui não foi fácil! Exigiu disciplina, persistência e muita responsabilidade! Conseguimos vencer os desafios e estamos preparados para os próximos que virão! Vamos seguir adiante! #TocaODesde com a gente!

Padrão