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Ruth de Souza: uma estrela (também) da TV!

 Atriz brilhou no teatro, no cinema e deixou a sua marca na televisão brasileira

Ruth de Souza: talento e perseverança. Imagem: reprodução do site da Imprensa Oficial

Por Raulino Júnior ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

É impossível comemorar os 70 anos da televisão brasileira sem citar pessoas que dedicaram toda a vida para essa fantasia acontecer. Nesse sentido, o nosso destaque vai para a atriz Ruth de Souza (1921-2019). Em 2007, foi publicada a biografia Ruth de Souza: estrela negra, de autoria de Maria Angela de Jesus. A obra integra a famosa e bem-sucedida Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, que tem como objetivo “preservar a memória da cultura nacional e democratizar o acesso ao conhecimento”.
O livro parte de um depoimento de Ruth a Maria Angela e isso torna a narrativa bem intimista, como se o leitor estivesse na sala da homenageada, ouvindo aquela conversa interessante. Ao tomar parte do bate-papo, ele fica sabendo que a artista carioca não gostava de revelar a idade, de palavrões, nem de falar de sua vida íntima. Embora, se sentindo à vontade diante da autora, soltava uma coisa aqui outra ali. Como, por exemplo, o relacionamento que teve com Abdias do Nascimento, considerado um dos mais marcantes da sua vida. A propósito, com Abdias, fundou, em 1944, o Teatro Experimental do Negro (TEN), importante referência nas artes cênicas do Brasil. No TEN, fez grandes papéis e foi, de acordo com o que é documentado na biografia, a primeira Desdêmona negra do Brasil. Tal personagem integra a peça Otelo, do inglês William Shakespeare. Ao longo da carreira no teatro, atuou em Vestido de Noiva (Nelson Rodrigues) e Quarto de Despejo (adaptação de Edy Lima com base no livro de Carolina Maria de Jesus). Em 1983, Ruth voltou a representar Carolina num episódio de Caso Verdade, programa exibido pela Rede Globo. “Foi um dos melhores trabalhos que fiz na televisão. Era um ótimo papel, interpretando uma pessoa viva, e com uma produção extremamente caprichada da Rede Globo”, p. 62.

Ruth de Souza e Abdias do Nascimento em Otelo, de Shakespeare. Imagem: reprodução do livro

Nascida no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, Ruth viveu um tempo em Minas Gerais e voltou para o Rio quando tinha nove anos, onde fixou residência em Copacabana. Filha de Alaíde Pinto de Souza e de Sebastião Joaquim Souza, a atriz sempre foi apaixonada por cinema. Apesar de o livro trazer a informação de que Ruth evitava fazer discursos sobre preconceito racial, a atriz tinha consciência da violência racista que estava presente nos estúdios e nos palcos pelos quais passou: “O fato é que realmente não existia espaço para o ator negro. Era uma realidade da época. Hollywood também massacrava seus atores negros. Isso é uma verdade”, afirma na página 29.
O sonho de trabalhar com cinema se concretizou na vida adulta e Ruth passou pela Atlântida e pela Vera Cruz, companhias cinematográficas que revolucionaram a sétima arte brasileira. Nelas, entre outros, fez os filmes Terra Violenta (Atlântida, 1948) e Sinhá Moça (Vera Cruz, 1953), que rendeu a sua indicação para o Prêmio Saci, do qual foi vencedora.

Ruth de Souza: linda pela própria natureza. Imagem: reprodução do livro

A biografia mostra a parceria de Ruth com alguns notáveis colegas de trabalho, como Grande OteloOscarito e Mazzaropi. Faz críticas duras em relação a esse último: “[…] Mazzaropi era uma pessoa muito difícil e era muito pão-duro. Era até um pouco racista. Ele não me dava muita atenção. Não era meu amigo. Nunca foi! Ele não era nem um pouco generoso”, p. 83. Durante um ano, estudou teatro nos Estados Unidos. Para ela, “o teatro é a base da arte de representar”, p. 74. Ainda na mesma página, complementa: “Acho que todo ator tem de fazer teatro para depois partir para o cinema ou televisão. Só assim o artista vai realmente entender o que está fazendo, o que é ser ator”.
Brilho na TV
Na televisão, Ruth fez novelas, especiais e participou de programas de humor, como Os Trapalhões. Passou pela ExcelsiorTupiRecordTV e Rede Globo. A primeira novela que fez foi A Deusa Vencida (Excelsior, 1965) e considerava o trabalho em A Cabana do Pai Tomás (Globo, 1969) com um dos mais importantes da sua carreira na TV: “Se fizer um balanço da minha carreira na televisão, o trabalho em A Cabana do Pai Tomás foi um dos mais importantes. Foi a única novela que estrelei mesmo, fazendo o papel principal da trama: a mulher do protagonista, Sérgio Cardoso”, p. 96. Na trama, Ruth fazia Cloé,  principal papel feminino da novela.

Ruth como Cloé em A Cabana do Pai Tomás (1969). Imagem: reprodução do livro

No livro, ela cita outros trabalhos marcantes que fez na caixinha setentona: Duas Vidas (1977), Sétimo Sentido (1982) e O Grito (1975), todos da Rede Globo; mas também critica outros, como Sinal de Alerta (Globo, 1978) e O Rebu (Globo, 1974). Sobre Sinal de Alerta, esbraveja “Que novela horrorosa! Era sobre poluição, com direção de Walter Avancini. Um papel chato, que não me traz grandes lembranças”, p.  101. Sobre O Rebu, é categórica: “Era um papel que não ia me acrescentar nada. Pedi para sair!”, p. 102. A atriz também não via com bons olhos a pressão imposta em produções de TV, julgava desnecessária: “A televisão tem uma capacidade muito maior do que o cinema para fazer uma cena bonita, mesmo com toda a correria. Aliás, uma correria que não tem tanta necessidade. Não vejo porque é preciso correr tanto, fazer tudo para ontem, o que é um horror! E o que é a televisão? É uma boa história, um bom texto. Quando você percebe cada ponto, cada vírgula, isso é um bom texto”, p. 70 e 71.
Ler a biografia de Ruth de Souza é estar diante de uma mulher determinada, segura, sem meias palavras, consciente do seu talento e que sempre estava disposta a trabalhar. Durante toda a vida, Ruth mostrou que ser perseverante era o caminho para conquistar os próprios sonhos. Num dos trechos da excelente obra, Maria Angela de Jesus destaca uma reflexão da atriz sobre essa característica: “A força de uma pessoa que tem talento, que persiste no sonho e tem um objetivo, acaba fazendo as coisas acontecerem. Só é preciso planejar. A gente tem de planejar no seguinte sentido: O que eu quero?! Como é que vou conseguir isso? Como é que vou chegar onde quero?“, p. 52. Ruth nunca se casou nem teve filhos, mas deixou para a cultura brasileira um legado que vai atravessar gerações.
Referência:
 
JESUS, Maria Angela de. Ruth de Souza: estrela negra. 2. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. (Coleção Aplauso).
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A telona se rende à telinha: o olhar do cinema para a televisão

 Curtas mostram como a televisão provocou mudanças nos hábitos das famílias

Cenas de Túnel e 29 Polegadas: a TV no cinema. Imagens: reprodução do vídeo

Por Raulino Júnior ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Durante esses 70 anos de presença no Brasil, a televisão foi tema de um monte de coisa. Nem o cinema nacional ficou alheio à revolução provocada pelo aparelho que chegou por aqui em 1950, numa aventura capitaneada por Assis Chateaubriand. Das produções feitas pelos amantes da Sétima Arte, vamos destacar dois curtas-metragens: Túnel (Bruno Kennedy e Mayra Jucá, 5 min, 1994, Rio de Janeiro) e 29 Polegadas (Bernard Attal, 21 min, 2004, Bahia).
Em Túnel, a televisão ganha uma relevância tão grande que nada é mais importante do que aquilo que está sendo exibido nela. Há um círculo vicioso que faz com que algumas famílias retratadas no filme não percebam (ou não façam nenhum esforço para isso) o que acontece ao seu redor. O curta apresenta um adolescente que assiste a um programa de TV no qual uma família aparece fazendo a maior algazarra na mesa, enquanto o pai assiste a outro programa, que, por sua vez, traz uma família preconceituosa que só para de despejar a sua violência verbal quando a vinheta do Jornal Olho de Vidro, da TV Olho de Vidro, entra no ar. O telejornal é daqueles que mostram “o mundo cão”, com repórter fugindo de tiroteios e protesto de moradores. No final, o adolescente do início volta a aparecer. Dessa vez, com partes do corpo gangrenadas. Inclusive, a orelha até cai. Ou seja: o ser humano se anulando por causa da programação da TV. Atualmente, isso acontece com o vício nos smartphones, não é?
29 Polegadas retrata um lugarejo em que o marido, funcionário público, sai para trabalhar e a sua mulher, que é dona de casa, sai para traí-lo com o vizinho. O curta, produzido na Bahia, é estrelado pelos atores Bertho Filho (um gênio da atuação), Claudia Di Moura e AC Costa. Quando o marido, interpretado por Bertho, compra uma TV de 29 polegadas, há uma mudança de comportamento no casal de amantes. Em vez de a mulher ir para a casa do vizinho, é ele quem passa a visitá-la, em busca de prazeres (sexuais e os proporcionados pela programação das emissoras). É o “televizinho”. O marido, por outro lado, se mostra como um cara apenas preocupado em prover o seu lar. Quando compra a televisão, isso fica ainda mais evidente: ele chega do trabalho, não interage com a companheira, mas tem todo o tempo do mundo para assistir aos programas veiculados na TV.
Ninguém duvida do poder de transformação que a caixinha de 70 anos provocou na sociedade. Os dois curtas abordam isso. Os filmes mostram, com leveza e com um tom crítico, como um aparelho é capaz de dominar o homem. As produções servem para suscitar debates em ambientes de produção de conhecimento, como escolas e universidades. A TV no cinema é uma TV para ser repensada. Isso é sempre bom.
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Televisão na Música: a crítica de Chico Buarque e dos Titãs

Artistas usam canções para criticar a TV, enfatizando a alienação causada por ela

A MPB e a crítica a um dos canhões da indústria cultural: a televisão. Imagens: reprodução da internet

Por Raulino Júnior ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

A televisão sempre esteve no centro dos debates, para o bem ou para o mal. E a arte, com a sua capacidade de expressar valores de uma época, e até de prenunciar o que não é percebido num momento presente, é um instrumento eficaz para manifestar opiniões acerca de comportamentos e da indústria cultural. Foi o que Chico Buarque fez, em 1967, ao refletir sobre a caixinha mágica que completou 70 anos há um mês. O artista carioca, que nasceu seis anos antes da chegada da TV no Brasil, fez uma crítica sobre ela através de um samba-canção lançado 17 anos após o feito de Assis Chateaubriand. A música A Televisão, de autoria do próprio Chico, que integra o disco Chico Buarque de Hollanda – Volume 2, o terceiro da carreira do artista, mostra o poder de alienação do objeto septuagenário.
Na obra, um narrador-onisciente conta a história de um “homem da rua” que, a princípio, resiste, mas, com o tempo, se rende à magia da televisão. O homem da rua, no contexto, é um boêmio, que é cooptado pela telinha. Na primeira estrofe do samba, a resistência do personagem em relação ao novo meio de comunicação fica bem evidente:
Na obra, um narrador-onisciente conta a história de um “homem da rua” que, a princípio, resiste, mas, com o tempo, se rende à magia da televisão. O homem da rua, no contexto, é um boêmio, que é cooptado pela telinha. Na primeira estrofe do samba, a resistência do personagem em relação ao novo meio de comunicação fica bem evidente:
O homem da rua
Fica só, por teimosia
Não encontra companhia
Mas pra casa, não vai não
Ou seja: o homem prefere ficar só a acompanhar o entusiasmo da família diante da programação da TV. Para um boêmio, ficar sem companhia é um teste de fogo. Vale ressaltar que, por muito tempo, algumas famílias tinham o hábito de se reunir diante da televisão para acompanhar os seus programas. Nesse sentido, as reuniões serviam como uma prática de lazer. A segunda estrofe complementa a primeira e justifica o motivo pelo qual o homem não vai para casa:
Em casa, a roda
Já mudou, que a moda muda
A roda é triste, a roda é muda
Em volta lá da televisão
Em casa, todos estão hipnotizados e mudos. Ninguém se comunica. “A roda é triste/A roda é muda”. Quem reina é a televisão. Aqui, Chico consegue trazer uma imagem emblemática para o que é cantado. Fazendo uma associação com os dias de hoje, é possível substituir a palavra “televisão” por “smartphone”. Além disso, quando fala que “a roda já mudou, que a moda muda”, se refere aos diferentes públicos que acompanham a programação. Alguns atrações são mais voltadas para os adultos, outras para crianças e adolescentes. Dessa forma, a audiência  vai mudando. Toda hora é uma moda, um programa diferente, para um público diferente.
Até a lua, em vão, tenta chamar a atenção dos telespectadores:
No céu, a lua
Surge grande e muito prosa
Dá uma volta graciosa
Pra chamar as atenções
 
O homem da rua
Que da lua está distante
Por ser nego bem falante
Fala só com seus botões
Chico, de forma genial, traz o verso “Fala só com seus botões”, mostrando que o homem da rua está tão isolado quanto quem está em casa, falando com os botões da TV. E o verso é propositalmente ambíguo: o homem fala “sozinho com os seus botões” e fala “somente com os seus botões”. Nas estrofes seguintes, a crítica ao fato de a TV mudar os hábitos e substituir algumas práticas culturais:
O homem da rua
Com seu tamborim calado
Já pode esperar sentado
Sua escola não vem não
 
A sua gente
Está aprendendo humildemente
Um batuque diferente
Que vem lá da televisão
E a lua, como elemento da natureza, insiste em chamar a atenção: muda de fase, evolui, mas não é percebida nem pelo homem da rua, pois “não estava no programa” (outra ambiguidade!):
No céu, a lua
Que não estava no programa
Cheia e nua, chega e chama
Pra mostrar evoluções
 
O homem da rua
Não percebe o seu chamego
E por falta doutro nego
Samba só com seus botões
Nestas estrofes, Chico fala da alienação de forma mais contumaz. É a TV interferindo nas relações humanas e fazendo até com que a vida pare diante dela:
Os namorados
Já dispensam seu namoro
Quem quer riso, quem quer choro
Não faz mais esforço não
 
E a própria vida
Ainda vai sentar sentida
Vendo a vida mais vivida
Que vem lá da televisão
O homem da rua, enfim, é vencido e vai ligar os botões da TV. A máquina dominou o homem.
O homem da rua
Por ser nego conformado
Deixa a lua ali de lado
E vai ligar os seus botões
 
No céu, a lua
Encabulada e já minguando
Numa nuvem se ocultando
Vai de volta pros sertões
A seguir, ouça o samba de Chico.

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Em 1985, com três anos de vida, foi a vez da banda Titãs criticar a televisão. Contudo, a crítica do grupo paulistano foi muito mais ácida que a de Chico. Tanto que Lulu Santos, um dos produtores do disco Televisão (o segundo da carreira do grupo), que traz a canção homônima, ponderou a presença dela no álbum. “Dizia-se atingido pela canção de Arnaldo AntunesMarcelo Fromer e Tony Bellotto, cujos versos não poderiam ser mais diretos: ‘É que a televisão me deixou burro, muito burro demais/E agora eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais‘. Lulu alegava que também dependia da TV e que a música poderia abortar o sucesso do LP na mídia. Mas os Titãs estavam decididos a não abrir mão da faixa”, afirma Natan Barros Pereira, em seu Trabalho de Conclusão de Curso defendido em 2010, na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), e intitulado “Ó, Cride! Fala pra mãe que o discurso anticonsumismo dos Titãs os capturam [sic]: Análise do álbum Televisão. O fato é que o receio de Lulu não se confirmou. A música fez bastante sucesso e a banda se apresentou em diversos programas de TV.

Contudo, quando a gente analisa a letra, a tendência é concordar com Lulu, que, em 2017, regravou a música com um arranjo totalmente diferente do original. Os dois primeiros versos da canção já prenunciavam o que estava por vir:
A televisão me deixou burro, muito burro demais
Agora, todas coisas que eu penso me parecem iguais
Aí está uma crítica à massificação e a uma padronização de comportamento estimulado pelos programas de TV. O eu lírico denuncia que já não reflete sobre nada que vê e se assume vítima da globalização. Os dois versos seguintes abordam a alienação do indivíduo, que, em primeira pessoa, fala de sua própria vida com o advento da televisão:
O sorvete me deixou gripado pelo resto da vida
E, agora, toda noite quando deito é: “Boa noite, querida”.
 
O “Boa noite, querida” pode ter duas interpretações: a primeira, como se o sujeito fosse tão manipulado pela TV que a considera como uma pessoa, membro da família. É aquela pessoa que responde ao “boa noite” dos apresentadores de jornal, tendo a falsa impressão de uma companhia; a segunda, é o eu lírico reproduzindo aquilo que vê na TV, o comportamento visto como ideal. Então, antes de dormir, tem que se cumprir esse ritual de dar boa noite. A citação do sorvete remete ao consumismo exagerado de algo que a TV anunciou e considerou como bom.
No refrão, os Titãs utilizam o bordão do personagem Pacífico, interpretado por Ronald Golias no humorístico A Praça da Alegria (embrião de A Praça é Nossa), que estreou em 1956,  na TV Paulista:
Ô, Cride, fala pra mãe!
Que eu nunca li num livro que um espirro fosse um vírus sem cura
Vê se me entende pelo menos uma vez, criatura!
Ô, Cride, fala pra mãe!
 
Cride é o apelido de Euclides Gomes dos Santos, amigo de infância de Golias. O verso “Que eu nunca li num livro que um espirro fosse um vírus sem cura” complementa o crédito dado à TV quando o eu lírico diz “O sorvete me deixou gripado pelo resto da vida”É o pensamento de que tudo que é veiculado na TV, é verdade. Os Titãs mostram um sujeito que vive prostrado diante do objeto e o associam a um burro. De fato!
A mãe diz pra eu fazer alguma coisa, mas eu não faço nada
A luz do sol me incomoda, então deixa a cortina fechada
É que a televisão me deixou burro, muito burro demais
E, agora, eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais
 
O personagem está tão hipnotizado pela televisão que não desgruda da tela, a ponto de não fazer nada. “Esse menino passa o dia todo assistindo. Vai procurar alguma coisa para fazer”, diria a mãe dele. O próprio eu lírico tem consciência do efeito nocivo desse comportamento. O agressivo verso “E, agora, eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais” confirma isso. De acordo com a música, a televisão aprisiona e não faz pensar, ter criticidade.
No final, o poder da televisão fica tão evidenciado, que o eu lírico afirma:
Ô, Cride, fala pra mãe
Que tudo que a antena captar, meu coração captura
Vê se me entende pelo menos uma vez, criatura!
Ô, Cride, fala pra mãe!
Tudo que passa na TV, passa a fazer parte da vida do personagem. Ele crê em tudo! Se deu na TV, é verdade. Há uma passividade diante do que se vê. O cara foi capturado. Abaixo, ouça Televisão.

As duas músicas são pontos de vistas que, obviamente, devem ser considerados. “Assim caminha a humanidade”: com percepções diferentes sobre as coisas. A crítica é sempre importante e faz crescer. Que a TV dos próximos setenta anos não repita os erros do passado e seja ainda mais interessante.

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Deu na TV: livro conta como jovens inexperientes revolucionaram a comunicação em 1950

Obra narra a história da TV Tupi, que estreou há 70 anos  

A história do primeiro canal de TV narrada por quem fez parte. Imagem: captura de tela

Por Raulino Júnior ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Há exatos 70 anos, no Alto do Sumaré, em São Paulo, jovens inexperientes, na faixa dos 20 anos, e poucos com mais de 30, ergueram a TV Tupi, primeira emissora de televisão do Brasil e da América Latina. Toda a aventura é narrada num livro por uma testemunha e participante efetiva da história: a atriz Vida Alves(1928-2017). Em TV Tupi: uma linda história de amor (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, Coleção Aplauso), Vida conta o início, o auge e o declínio da TV criada pelo paraibano Assis Chateaubriand(1892-1968). Ela também fazia parte da turma que ajudou a emissora acontecer. Atuou como atriz, apresentadora, novelista, garota-propaganda e mais um monte de funções. Essa era a tônica. Todo mundo fazia tudo. “Ganhamos um brinquedo e começamos a brincar”, frase atribuída a Cassiano Gabus Mendes, então diretor artístico da Tupi, que Vida reproduz no livro. Cassiano, na época, tinha 23 anos de idade. O diretor geral da emissora, o baiano Dermival Costalima (o sobrenome está escrito assim, no livro), não tinha nem 40. A Tupi surgiu cheia de improviso, com programação ao vivo e vontade de marcar época. E marcou.

Dermival Costalima e Cassiano Gabus Mendes: pioneiros da televisão. Imagem: reprodução do livro

No livro de memórias, Vida narra os perrengues do dia da inauguração (18 de setembro de 1950), que foi tenso, com uma câmera que não funcionou, mas que Jorge Edo conseguiu reverter. O leitor fica sabendo qual foi o primeiro programa artístico (TV na Taba), a primeira telenovela (Sua vida me pertence, que teve menos de 30 capítulos e beijo no final, entre Vida e Walter Forster, um escândalo para a época), o primeiro programa interativo (Tribunal do Coração, no qual os telespectadores participavam através de carta), o primeiro seriado para jovens (O Falcão Negro, protagonizado por José Parisi), e o primeiro programa voltado para as donas de casa (Revista Feminina, apresentado por Maria Thereza Gregori e onde Ofélia Anunciato começou).

No início, a programação era noturna. Só seis anos mais tarde, em 1956, a Tupi abriu a faixa diurna. Para se ter ideia, o horário infanto-juvenil começava às 18h. A influência do rádio é sempre pontuada na narrativa de Vida Alves. Inclusive, a atriz fala do preconceito que alguns artistas tinham com a TV, pois consideravam algo menor. Isso mudou em 1951, quando estreou o Grande Teatro Tupi, que foi bem-sucedido de imediato. A primeira atriz a se apresentar na TV foi Madalena Nicol, em 10 de janeiro daquele ano. Também em 1951, foi fundada a segunda emissora, a TV Tupi do Rio de Janeiro, inaugurada no dia do aniversário da cidade, 20 de janeiro.

O livro de Vida é assim: cheio de detalhes. Ela fala de cada profissional envolvido no “fazer televisão”: as garotas-propaganda, os diretores, os sonoplastas, os novelistas. Fica evidente o esforço da artista para documentar bem a história, sem esquecer de ninguém. Ao abordar o jornalismo, cita o primeiro telejornal, Imagens do Dia, lançado na noite da inauguração; o icônico Repórter Esso, que ficou no ar por 17 anos, e o primeiro jornal da tarde, Edição Extra, que estreou em 1960 e durou quatro anos.

Vida Alves: uma vida dedicada à TV. Imagem: reprodução do livro

Ao longo de 67 capítulos, Vida expõe para o leitor o que viu, fez e viveu. Mostra a expansão da Tupi e a revolução tecnológica da época, como a chegada do videoteipe no Brasil, em 21 de abril de 1960. Os programas que ficaram marcados, como Clube dos ArtistasAlmoço com as Estrelas e o TV de Comédia. Quem lê, percebe que Vida é uma testemunha ocular apaixonada pelo seu objeto de estudo, mas ela não disfarça: “Este é um livro de memórias, que contém dados históricos. Não sou historiadora. Sou, ou quero ser, uma cronista da vida vivida”, reitera, no capítulo 61. Depois de 22 anos de casa, Vida saiu da Tupi, no mesmo ano da morte de Assis Chateaubriand, em 1968. Parece que a ida do capitão degringolou tudo. A crise se instalou e a Tupi saiu do ar 12 anos depois, em 1980. Em 1995, a atriz fundou a Pró-TV (Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão no Brasil) e, em 2017, saiu de cena definitivamente, vítima de falência múltipla dos órgãos. Para quem gosta de televisão, apesar de alguns trechos bem enfadonhos, o livro é um ótimo programa.
Referência:
 
ALVES, Vida. TV Tupi: uma linda história de amor. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. (Coleção Aplauso).
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“Desde 1950: 70 anos da TV no Brasil”: série de resenhas de produtos culturais que falam sobre televisão encerra ações que pré-comemoram os dez anos do Desde

Série é a segunda e última ação do projeto #Esquenta10AnosDoDesde

Por Raulino Júnior

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no quarto trimestre de 2018, e que investigou o acesso à Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), a TV está presente em 96,4% dos domicílios brasileiros. No dia 18 de setembro de 2020, faz exatos 70 anos da primeira transmissão no Brasil, quando a TV Tupide São Paulo entrou no ar. E é também nessa data que se inicia a nossa nova série pré-comemorativa pelos dez anos do DesdeDesde 1950: 70 anos da TV no Brasil. Ela é a segunda e última ação do projeto #Esquenta10AnosDoDesde. A primeira foi a série Gente é pra brilhar!, que começou no domingo passado, 30 de agosto, e se estenderá até o final do ano. O aniversário de dez anos do blog será no dia 1º de janeiro de 2021.
Como vai ser

Card publicado nas redes sociais digitais, em 17 de agosto, dando pistas da série pré-comemorativa

Ao longo desses 70 anos, muitos produtos culturais tiveram a televisão como assunto: livros, músicas, documentários, trabalhos acadêmicos… A lista é infinita. Nós vamos escolher alguns deles e resenhar por aqui. Não há nada melhor do que comemorar os 70 anos da TV brasileira refletindo sobre ela, não é? Então, é isso que vamos fazer. Ler, analisar e entender o que é fazer televisão no Brasil. Esperamos, assim, contribuir para que ela seja ainda melhor nos próximos 70 anos. A nossa atração começa a temporada em 18 de setembro e termina em 18 de dezembro. Uma vez por mês, vamos falar sobre TV, sempre trazendo um produto cultural diferente. A gente quer contar com a sua audiência!
Breve histórico da TV no Brasil
O Brasil foi o primeiro país da América Latina a ter uma emissora de televisão. A proeza aconteceu em 18 de setembro de 1950 e o responsável foi o jornalista e empresário paraibano Assis Chateaubriand, dono do conglomerado de mídia Emissoras e Diários Associados. A TV Tupi-Difusora de São Paulo entrou no ar contando com a ajuda de profissionais oriundo do rádio, que teve a sua primeira transmissão no país em 1922. O legado do rádio influenciou bastante todo o processo de implantação da TV em solo brasileiro. Não é à toa que, nos seus primeiros anos, ela recebeu a alcunha de “rádio com imagens” ou “rádio televisionado”. No artigo A TV Pública, publicado em 2000, no livro A TV aos 50: criticando a televisão brasileira no seu cinquentenárioLaurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e doutor em Ciências da Comunicação, discorre sobre tal questão com mais propriedade:
A televisão brasileira é herdeira do rádio em todos os sentidos. Dele vieram
a mão-de-obra pioneira, as fórmulas dos programas e o modelo institucional
adotado. Diferentemente dos Estados Unidos, onde a inspiração estava no
cinema, ou da Europa, onde o teatro era referência importante, aqui o rádio
foi a matriz da televisão.
Seus primeiros programas nada mais eram do que o rádio televisionado. O
show de inauguração da TV Tupi de São Paulo, em 18 de setembro de 1950,
é o melhor exemplo. Foi um espetáculo de rádio realizado diante das
câmeras […].
Contudo, essa associação do rádio com a TV não durou muito tempo. Dez anos após a primeira transmissão, ela já tinha adotado um modelo próprio de gestão e produção. A fundação da TV Excelsior, em 1960, marcou essa independência. Em seu livro A TV no Brasil do século XX, publicado em 2002, Othon Jambeiro, que é jornalista e doutor em Comunicação, afirma:
Os anos 60 marcam […] a definitiva separação do rádio e da televisão como
indústrias autônomas: o rádio começa a se regionalizar e a procurar
específicas e segmentadas audiências; a televisão torna-se um veículo de
massa, atingindo todo o mercado nacional, e ocupando assim o papel que o
rádio tinha desempenhado nos anos 40 e 50.
A TV brasileira, obviamente, continuou passando por mudanças que caracterizariam a sua identidade. A chegada do videoteipe foi uma delas, cujo maior benefício gerado foi a implantação da estratégia de programação horizontal, fazendo com que as pessoas criassem o hábito de assistir à televisão, num mesmo horário, a fim de ver as mesmas coisas.
O desenvolvimento histórico da TV no Brasil atravessou fases de inovação, transição e de popularidade. A telenovela mostrou a sua força desde os primeiros anos e, enveredando para a sua tendência comercial, a publicidade se tornou a mandatária dos programas de TV. Muitas atrações traziam os nomes de seus patrocinadores na marca, a exemplo do famoso telejornal Repórter Esso. O também jornalista e doutor em Comunicação Sérgio Mattos, no livro História da Televisão Brasileira: uma visão econômica, social e política, publicado em 2010, demarca sete fases desse desenvolvimento: a) a fase elitista, que vai de 1950 a 1964. Nesse período, o aparelho custava caro, possibilitando apenas que pessoas da elite pudessem comprá-lo; b) a fase populista, que dura de 1964 a 1975, é marcada por um padrão mais profissional de administração, inspirado no modelo norte-americano, e a TV se consolida como meio de comunicação de massa, principalmente pelo sucesso das telenovelas; c) a fase do desenvolvimento tecnológico, de 1975 a 1985, em que a TV brasileira contou com o apoio do governo para se “nacionalizar”, evitando, assim, o excesso de programas importados na sua grade. As atrações eram produzidas com aparatos mais sofisticados; d) a fase da transição e da expansão internacional, de 1985 a 1990, que teve mudanças importantes na legislação, maior competitividade entre as redes e intensificação nas exportações de programas; e) a fase da globalização e da TV paga, no período de 1990 a 2000, em que há esforços do país para acompanhar a modernidade e a TV se adapta a isso, com o oferecimento de canais por assinatura; f) a fase da convergência e da qualidade digital, que vai de 2000 a 2010, e cuja palavra de ordem é interatividade. A TV usa a internet como uma extensão de sua grade e começa o processo de implantação da TV digital no país e g) a fase da portabilidade, mobilidade e interatividade digital, que, segundo o pesquisador, começa em 2010 e segue até os dias atuais. Nela, a convergência entre a TV e as novas tecnologias se consolida, principalmente com o uso de dispositivos móveis, como o celular digital.
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