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Pedir para ir ao banheiro revela autoritarismo na educação básica

Placas de Banheiro em Alumínio Tamanho 15x15cm

Imagem: reprodução do site Sinalize Brasil

Por Raulino Júnior 

A sala está cheia. O professor chega e os educandos se acomodam. A aula começa. Decorridos uns vinte minutos, um estudante interrompe: “Professor, posso ir ao banheiro?”. Essa narrativa hipotética é só para ilustrar um fenômeno que acontece na sala de aula da educação básica e que, para mim, deve ser motivo de reflexão. Pedir para ir ao banheiro revela um autoritarismo implícito que nunca combinou e não deve ter mais espaço nos processos de ensino e de aprendizagem. Principalmente, num país que tem Paulo Freire como Patrono da Educação. Evocar Freire é falar de liberdade o tempo todo. Sendo assim, algumas posturas devem ser revistas. Caso contrário, a escola na modalidade EaD vai ganhar cada vez mais espaço.

Estamos em 2022 e é muito comum, durante as aulas da educação básica (falo, especificamente, do ensino fundamental e médio. A pré-escola tem demandas que justificam tal postura dos educandos), os estudantes pedirem ao professor para ir ao banheiro. Sempre que me deparo com essa situação, fico reflexivo e me pergunto: “Qual é a razão desse pedido? O que está por trás disso?”. Ter vontade de ir ao banheiro e de beber água (há também pedido para isso!) faz parte da necessidade fisiológica básica de todo ser humano. Não tem razão o pedido. É, na minha opinião, descabido. Se o educando tem sede, precisa fazer xixi ou defecar, ele deve se levantar e ir. No máximo, para ser educado, pode avisar ao professor: “Vou ao banheiro”, “Vou beber água”. Nunca pedir para ir. Pedir revela que a escola vive sob a égide do autoritarismo, que não é um lugar de liberdade. Isso é um problema. Se o pedido for negado, pior ainda. É inconstitucional! O direito de ir e vir foi desrespeitado.

Casos de autoritarismo, infelizmente, não são difíceis de encontrar no ambiente escolar. Lembro de uma turma me dizer que uma professora não deixava ninguém comer durante a aula dela. Os estudantes não podiam abrir seus salgadinhos ou biscoitos. Era proibido. O que a ingestão de alimentos durante as aulas ia interferir na prática pedagógica e no aprendizado, até hoje, não se sabe, não foi descoberto. Tal postura mais afasta que aproxima. A escola tem que ser um lugar agradável, convidativo, em que o estudante se sinta bem. Se ele sai de casa para ser perseguido, censurado, tolhido, violentado, não vai querer continuar. Isso dá vazão a discursos que afirmam que professor é dispensável. Na modalidade EaD, o educando faz tudo na hora que quer, no lugar onde quer. Nessa lógica, não precisa pedir para ir ao banheiro. Muitas vezes, o banheiro vira o ambiente de estudo. Quem já assistiu à aula no vaso sanitário ou tomando banho, entende o que eu digo.

Escola não é bagunça. A comunidade escolar não deve abrir mão de regras e de combinados para manter a ordem. Isso tudo deve ser dito aos estudantes, logo no início do ano letivo, para que eles saibam o que podem e o que não podem fazer. Afinal, formar cidadãos críticos, que saibam dos seus direitos e dos seus deveres, é a função primeira da escola. E formar para a cidadania é informar ao educando que ele tem direito de fazer as suas necessidades fisiológicas básicas sempre quando quiser, sem precisar pedir. Caso contrário, a educação libertadora de que falava Freire vai ficar só no discurso.

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“O Brasil não tem povo, tem público”: o início das aulas remotas na rede estadual

Card divulgado no site e nas redes sociais digitais da Secretaria da Educação do Estado da Bahia: “O que será que será?”

Por Raulino Júnior ||Opinião de Segunda||

Quase um ano depois de suspender as aulas na rede estadual, inicialmente em Salvador, Feira de Santana e Porto Seguro, cidades que, àquela época, 17 de março de 2020, já apresentavam casos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, o governo do Estado estabeleceu a data de hoje, 15 de março, como o início do ano letivo, que terá atividades remotas e currículo contínuo. Ou seja, o processo de ensino e aprendizagem não será presencial e os estudantes vão fazer dois anos em um, até 29 de dezembro. Exemplo: quem estava na 1ª série do ensino médio em 2020 foi, automaticamente, matriculado na 2ª. Na prática, todo mundo passou de ano; na teoria, não. De acordo com os documentos divulgados pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC-BA), o educando vai iniciar o ano aprendendo os conteúdos da série anterior e, gradativamente, avançará para a série seguinte. E quem estava no 3º ano, prestes a concluir essa fase dos estudos? Bem, sobre isso, prefiro nem comentar…

Pouca gente entendeu a demora da SEC-BA em tomar uma providência para garantir o direito de estudar de milhares de estudantes. E, não tem como evitar comparações, fica evidente a falta de diálogo com secretarias de outros estados, que já tinham tomado algumas medidas nesse sentido. Isso serviria para estudar modelos e implantar aqui, evitando esse longo período de aulas suspensas. Alguns colégios enviaram atividades para os estudantes, a fim de garantir o vínculo com eles. Entretanto, ao que tudo indica, esse esforço não será reconhecido pela SEC-BA, pois, como alega a secretaria, não foi uma ação oficial, gerida por ela.

Quase 365 dias depois da suspensão das aulas, a SEC-BA apresenta um pacote de ações confuso, que deixou a comunidade escolar com mais perguntas do que com respostas. Mesmo depois de ouvir os blá-blá-blás proferidos na Pré-Jornada e na Jornada Pedagógica. Essa, inclusive, batizada de Jornada Paulo Freire. Será que o mestre avalizaria o que está posto? Tudo bem que estimular a autonomia dos estudantes é importante, mas, infelizmente, em geral, a gente tem turmas compostas por estudantes que não são tão autônomos assim. São educandos que não têm o hábito de estudar sozinhos, de anotar as dúvidas e perguntar aos professores no dia seguinte. Eles vão ter que se acostumar com isso, assim, de supetão. Presumo que Paulo Freire não ficaria muito feliz com tal cenário.

No pacote utópico da SEC-BA, pensado sem consulta ampla à comunidade escolar nem chamada pública para isso, o estudante vai organizar o seu tempo de estudo em casa, sendo auxiliado pelos professores, que, mais do que nunca, vão atuar como mediadores. Eles vão passar as atividades, direcionar os estudos e estarão disponíveis para explicar o conteúdo e tirar as dúvidas das turmas. Obviamente, cada professor vai se organizar e criar as suas metodologias para isso. Caberá ao estudante, estudar. Mas, agora, estudar mesmo, através dos recursos disponibilizados: livros didáticos e de literatura, cadernos de apoio produzidos pelos professores, salas virtuais e aplicativos. A dinâmica vai exigir muita disciplina, principalmente por parte dos educandos. Quem tem acesso à internet, vai se comunicar com os docentes através das novas tecnologias digitais da informação e da comunicação; quem não tem, vai pegar o material impresso na escola (isso mesmo, em plena pandemia, alguns estudantes vão ter que se arriscar!) e terá que, junto com o professor, criar estratégias para ser acompanhado, para aprender, para ter as dúvidas sanadas. Vai ser que vai!

Se, na modalidade presencial, os programas de aceleração já são, digamos, uma falácia, imagine de forma remota? Claro que esses programas têm a sua importância, contribuem para transformar a vida de muita gente, mas poucos funcionam com a qualidade que deveria. Na real, estão repletos de práticas superficiais, que não despertam a criticidade de quem recebe as informações. O objetivo é, como diz o nome, acelerar e gerar estatística.

Pelo que se desenha, o ano letivo na rede estadual de ensino vai ser um arremedo, um cala-boca. Sem contar a pressão que os professores vão sofrer para transformar conhecimento em números e “passar todo mundo”. Quando a gente lembra que a escola pública é, predominantemente, frequentada por pretos e pobres, não é difícil concluir por que a qualidade do processo de ensino e aprendizagem nunca é pensada como prioridade pelos governantes. Para muitos deles, o tópico educação só é importante como bandeira de campanha política. Fingem ou não querem entender que  a educação que é paga com nossos impostos é, sem titubear, o principal alicerce do Brasil. Por isso, tem que ser levada a sério. Não há nenhuma outra instituição que forme mais cidadãos do que a escola pública. Se a maioria do povo brasileiro está ou esteve nela, é ela que é a base desse país. Quando a sociedade acordar e perceber que exigir uma educação pública de qualidade deve ser uma pauta de todo mundo, assim como a luta pela extinção do racismo, da homofobia e do machismo, as coisas poderão ter outro rumo. Enquanto isso não acontece, a famosa frase atribuída a Lima Barreto, cunhada em 1922, continuará fazendo sentido por aqui: “O Brasil não tem povo, apenas público. Povo luta por seus direitos, público só assiste de camarote”.

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É Desde! É Dez! É DEZde!

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Morar numa cidade e votar em outra: a contribuição para o Brasil ser como é

Imagem: reprodução da Wikipédia

Por Raulino Júnior 

Quantas pessoas da sua órbita têm domicílio eleitoral diferente do domicílio civil? O que você acha disso? Eu acho bem problemático. Morar numa cidade e votar em outra, para mim, é contribuir para o Brasil ser do jeito que é: um país com democracia representativa frágil, cheio de trambiques e, claro, de conchavos. Isso causa problemas no âmbito municipal, estadual e federal. Para o Executivo, Legislativo e Judiciário. É a Lei do Menor Esforço prevalecendo sobre a vontade, de fato, de transformar o país num lugar melhor. Ou seja: o nosso discurso é, quase sempre, uma eterna fantasia. Típico.

O Brasil é um país em que as migrações internas sempre foram muito constantes. As pessoas mudavam de cidade em busca de uma vida melhor, de seus sonhos. Nos últimos anos, de acordo com os dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a migração mais intensa foi aquela entre municípios de um mesmo estado, em vez de região para região. E isso é percebido sem lupa. Quantas pessoas, nos últimos dez, quinze anos, saíram de suas casas e deixaram as suas famílias porque precisavam/queriam trabalhar ou estudar? Inúmeras! Eu conheço algumas. Você também deve conhecer.

Tais mudanças trazem impactos individuais e coletivos. E um que é, podemos dizer, um misto dessas duas esferas, é o ato de votar. Quem se muda, quer mudança, e isso não pode ficar apenas no plano pessoal, pois denota um egoísmo daqueles. Fazer a transferência do título do eleitor para o município em que fixou residência deveria ser uma obrigação consciente de todo e qualquer cidadão, mas não é. Vale destacar que essa ação é bastante simples e pode ser feita em qualquer cartório eleitoral. Quer dizer: não há dificuldade nenhuma. Quem não o faz, não faz porque não quer e por achar que não é importante. Mas é. Quando você passa a exercer a sua cidadania num outro lugar, você passa a ser cidadão desse lugar. É para ele que vai todas as taxas tributárias dos impostos que você paga.

Os municípios têm algumas fontes de receita, entre elas, os impostos: IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana), ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) e ISS (Imposto Sobre Serviços). Quem paga qualquer um deles, contribui para o orçamento da cidade em que mora. Isso significa que escolas e postos de saúde, por exemplo, são beneficiados com esse aporte financeiro. Você ajuda nisso. No município que mora, não no que vota.

Quem ainda vota na cidade em que não mora mais, só atrapalha o desenvolvimento dela. Como não vive mais lá, não sabe dos problemas e não tem como escolher de forma consciente quem vai atuar no Executivo e na Câmara Municipal. Não tem como. Não adianta alegar que trabalha lá, que vai com frequência, que conhece todo mundo. Não adianta. Você não vive mais a cidade, não sabe o que ela precisa, quais são as principais demandas, quais os planos dos candidatos, se são coerentes e viáveis.

Ir à cidade de origem de vez em quando é ter contato apenas com as coisas boas dela. É rever parentes, amigos e tomar o seu sorvete predileto, que lembra os melhores gostos da infância e da adolescência. Quem tem compromisso com o país, e não vive de discursos cheios de pompa nas redes sociais digitais, age de outra forma. Sabe que as funções de prefeitos e vereadores são fundamentais para o crescimento e cidadania de um lugar, e que é preciso escolher com muita consciência esses representantes. Caso contrário, não vai poder criticar os faltosos do Congresso Nacional que não vivem o dia a dia do Senado e da Câmara dos Deputados. No fundo, é a mesma coisa. Vale tudo.

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Discurso de favela e promessas monumentais: o pleito de 2020 e as práticas de 1500

Imagem: reprodução do site do jornal A Plateia

Por Raulino Júnior ||Opinião de Segunda||

Eleição que é eleição tem que ter enganação. Isso poderia ser um slogan, mas não é. É só uma percepção mesmo. No próximo dia 15 de novembro, mais de 147 milhões de brasileiros vão escolher prefeitos e vereadores, em 5.569 municípios, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para isso acontecer de forma responsável, é preciso ficar bem atento a várias questões, inclusive ao marketing político de cada candidato. Gente que nunca foi favela está usando tal discurso para se eleger. Você não vai cair nessa, não é? Estamos em 2020 e não podemos mais aceitar práticas eleitoreiras de 1500.

Pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a favela, ou para ser mais fiel ao termo que é utilizado pelo órgão desde 2010, o aglomerado subnormal “é uma forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia – públicos ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas com restrição à ocupação”. Dizer que é favela é bem diferente de ser favela. Se o candidato não vive essa realidade, não pode dizer que é favela, porque não é. O uso adjetivado do termo, já incorporado pela linguística, é passarela de oportunismo em período de eleição. Muita gente desfila, busca os flashes e quer associação com o lugar que carece de políticas públicas adequadas. Além disso, a visão retratada pelo marketing político é sempre estereotipada, como se toda favela fosse igual. E não é.

Coisa que político entende é de fazer promessas. As desse ano, são mais monumentais ainda. Por exemplo: como alguém vai gerar 50 mil empregos em pleno período de recessão da economia, que, ao que parece, vai se estender? Essa é uma promessa descabida, que não precisa ser cientista político ou economista para concluir o quanto será difícil colocá-la em prática nos próximos quatro anos. Não por maldade, mas por falta de condições mesmo. Isso tem que ser avaliado criticamente pelos eleitores. Afinal de contas, não dá para acreditar em quem promete o mar e não tem nem água para isso. É sempre muita promessa e pouca proposta.

Nos debates, o que se vê é a política infinita do ataque. Todos os candidatos seguindo a mesma gramática. É bem primária a forma como a política partidária se configurou no Brasil. Tem sempre os mesmos tipos: o candidato ridículo, o que apela para o emocional, o que se apega aos clichês, o engomadinho, robótico e leitor de “teleprompter”. Para piorar, não superam a argumentação de quem está brigando pela bola. Difícil…

Para que isso mude, é necessário ter uma sociedade mais instruída, que saiba os seus direitos e deveres. Lima Barreto afirmou: “O Brasil não tem povo, tem público”. Quando isso, de fato, vai deixar de ser uma verdade? É preciso ler, investigar, comparar e cobrar. Caso contrário, os discursos falsos vão se perpetuar e a política do Brasil vai continuar sendo a do “vou fazer” sem nunca ter feito.

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“Um amor assim delicado/Você pega e despreza” *: sobre o descarte de pessoas em relacionamentos amorosos

O descarte de pessoas é o resultado mais cruel da falta de responsabilidade afetiva. Imagem: publicdomainvectors.org

Em 1982, Caetano Veloso lançou o disco Cores, Nomes, em que há a canção Queixa e, como é próprio dos artistas geniais, na letra, ele já chamava a atenção e prenunciava algo que começa a ser debatido com mais intensidade nos dias de hoje: a responsabilidade afetiva. Nos primeiros versos de Queixa, Caetano, que é o autor da obra, diz: “Um amor assim delicado/Você pega e despreza/Não o devia ter despertado/Ajoelha e não reza”. Que ninguém é de ninguém e que deixar de gostar faz parte da natureza das relações amorosas, não é segredo nem pode ser alvo de julgamentos. Contudo, o que estamos fazendo para não machucar a outra parte da relação? Falamos realmente sobre o que estamos sentido ou deixamos a coisa “em suspenso”, sem nenhuma definição? Você já pensou sobre isso, sobre o que incita no outro afetivamente?

A falta de responsabilidade afetiva provoca o descarte de pessoas, que é muito cruel e demonstra uma falta de humanidade sem tamanho. Isso, certamente, não é de agora, mas agora ficou mais evidente, principalmente com o advento das redes sociais digitais, em que tudo é mais superficial, tendo os aplicativos de relacionamento como o símbolo maior desse fenômeno. Essa superficialidade se reflete nas relações amorosas. A busca por prazer momentâneo faz com que as pessoas colecionem amores por aí, despertem sentimentos nas outras e só. Não há uma preocupação nem com os próprios sentimentos nem com os dos outros. A lógica, se é que existe lógica nisso, é a do descarte. É preciso transformar essa realidade, independentemente se houve um “contrato” ou não daquela relação que acabara de iniciar e que, estranhamente, já caminha para o fim. Responsabilidade é importante.

Querer ter prazer aqui e acolá, no fundo, denota como a solidão está presente na vida de quem não tem responsabilidade afetiva. Em geral, são pessoas que, ou vivem na clandestinidade, por motivos pessoais, que cabe a todo mundo respeitar, ou levam o “ninguém é de ninguém” muito a sério, ao pé da letra. No final, esse comportamento revela como essa busca é oca e sem sentido, uma vez que todo prazer passa. E o que é que fica? Nada.

Relacionamentos superficiais, busca de prazer momentâneo, falta de responsabilidade afetiva: isso tudo também é violência. Às vezes, a gente não percebe o quanto o nosso comportamento é nocivo para o outro. Respeito e responsabilidade devem fazer parte de todos os âmbitos da nossa vida. Inclusive, o amoroso. Num mundo de friezas, qualquer calor é bem-vindo, não importa o cobertor. Aí está o erro. Para quem já foi vítima dessa sanha, amor próprio é bom e não faz mal. “Um amor assim violento/Quando torna-se mágoa/É o avesso de um sentimento/Oceano sem água”.
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*: versos da música Queixa, de Caetano Veloso. Ouça:

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“Como é triste a tristeza mendigando um sorriso” *

Imagem reproduzida do site Jornal GGN

As tecnologias da informação e da comunicação trouxeram vários benefícios para a vida do homem. Hoje em dia, é possível conhecer gente, ler livros, pagar contas e fazer de um tudo apenas com um clique. Isso é o máximo! Contudo, essa mesma humanidade que é beneficiada, não sabe aproveitar o que tem e se apega a coisas do tamanho de um byte para viver nessa era de revolução tecnológica.
 
Não é muito difícil constatar que o “estar” é melhor que o “postar”; que “viver” é melhor que “filmar”, fazendo uma releitura de um dos versos mais famosos do saudoso Belchior. E já que estou na seara da música, o título deste texto sintetiza muito bem o que o motivou. É muito triste ver “amigos” te tratando com indiferença apenas porque você não curtiu uma publicação deles ou não visualizou uns stories. Que é isso, minha gente?! Estamos na era em que a “amizade” é mensurada por curtidas e visualizações?! É isso mesmo?! Aí, a pessoa se zanga e ignora a vida on e off-line de quem não curtiu, não reagiu, não comentou e não visualizou uma publicação. É sério isso?! Eu penso que a vida é muito mais do que likes e afins. No final disso tudo, a gente vai olhar pra trás e perceber o quanto a nossa imbecilidade limitou a nossa forma de viver e de estar no mundo.

Amizades verdadeiras, e aqui eu recorro a um clichê, se sobrepõem ao tempo. Não é necessário “seguir” um amigo para demonstrar o quanto aquela amizade é importante e significativa para você. Quantos amigos não se veem com frequência, mas, quando se encontram, sabem que o laço amistoso se mantém vivo como sempre esteve? Estamos na era da idiotia com atestado. A era líquida, como postulou Bauman. O carinho está sendo substituído por números que, no final das contas, não querem dizer nada. A vida é muito mais do que um evento organizado pelo Facebook ou um story no Instagram. Vamos amadurecer! Esse processo é tão simples que não precisa de likes nem internet. Olha que maravilha!
 
Não vale a pena concentrar energia nessas coisas, gente! A vida é muito mais do que isso! Muito mais! É saber que os amigos estão bem! É encontrar na rua, dar um abraço e falar: “Estava com saudades!”. Dizem que a vida é a arte do encontro, e é mesmo! Like nenhum vai substituir isso. Muito menos um story. Porque, por mais que seja uma realidade a intermediação das redes nas relações de hoje, nada se compara à presença presente (redundância convicta!), que é, entre pessoas que se gostam de verdade, cheia de calor, de carinho e de afeto. Vamos nos apegar ao que realmente importa, ao que não é fluido e não desmancha no ar feito bola de sabão. Comecei com música e encerro com música: “Sofrer com tanta angústia/Por coisas tão pequenas/Gastar essa energia/Assim não vale a pena” **. Vamos fazer a vida valer a pena! Eu acredito que você seja capaz disso! Curtiu?! 😂😂😂
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*: verso da música Sinônimos, de César Augusto, Cláudio Noam e Paulo Sérgio. Veja o vídeo:

**: versos da música À noite sonhei contigo, de Kevin Johansen e Paula Toller. Veja o vídeo:

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O voto, a estupidez e o futuro de um país

Ordem?! Progresso?! Imagem: Gazeta do Cerrado

Desde muito novo, ouço dizer que “brasileiro tem memória curta”, e essa afirmativa nunca fez tanto sentido quanto agora. Estamos às vésperas das Eleições Gerais de 2018, ocasião em que os cidadãos vão escolher o presidente e vice-presidente da República, governador e vice-governador do estado e do Distrito Federal, senador, deputado federal, estadual e distrital, e, pelo que se vê, parece que houve um esquecimento dos tempos sombrios de outrora e a cidadania está dando lugar a um retrocesso voluntário, radical e inconsequente, como se o voto fosse brincadeira de criança. Só que, no contexto em que estamos, o peso da perda é muito maior. Na verdade, todo o país pode sair prejudicado por um ato que, na sua origem, não tem nada de consciente. É estupidez pura.
Muita gente ainda não sabe qual a importância e a razão do voto numa democracia. Obviamente, cada pessoa tem o direito de escolher em quem vai votar, mas essa escolha não deve ser feita de forma irresponsável, sem pensar numa coletividade. Deixar de olhar para o próprio umbigo é o primeiro passo para votar bem, independentemente do candidato que você vai escolher. Contudo, tem candidaturas que surgem para testar a ignorância do eleitor diante da História e o resultado é sempre positivo: somos ignorantes e estúpidos nesse aspecto. Caso contrário, não assistiríamos ao nascimento de um Hitler brasileiro de forma tão passiva e sob aplausos.

Ninguém devia duvidar de que ditaduras deixam um legado negativo para qualquer sociedade. Ninguém devia, mas isso não corresponde à realidade. No Brasil, por exemplo, quem viveu aquele período histórico deve, certamente, lamentar com mais veemência. Por outro lado, quem conheceu a Ditadura pelos livros e tem noção do que ela representou, sabe que esse regime de supressão de direitos não faz nenhuma sociedade resolver os seus problemas. É o oposto: os problemas se potencializam. Por aqui, o período ditatorial durou 21 anos (de 1964 a 1985) e fez a população conviver com censura de toda e qualquer natureza, perseguição política, falta de liberdade de expressão, supressão de direitos constitucionais e repressão a toda ideia que contrariava o que estava estabelecido. Dá para esquecer isso? Não! É triste e revoltante constatar que, em 2018, tem pessoas que concordam com ideias de candidatos que têm como principal bandeira política perpetuar esse legado. É cuspir na nossa Constituição. É menosprezar e jogar no lixo as poucas conquistas da luta dos negros, das feministas e do público LGBTI+, por exemplo. Isso é nazi-fascismo em pó! Isso é sério! Isso é um absurdo!

O momento atual do país exige uma reflexão profunda sobre onde ele está e para aonde ele vai. Não dá para ficar na timeline brincando de polêmica e de busca por “likes”, corroborando com ideais que visam descartar direitos conquistados depois de séculos de luta. Há muita diferença entre um projeto de governo e um projeto desgovernado de extermínio. Votar não é escolher quem é melhor para você. É escolher quem é melhor para todo um país. Senão, num futuro bem próximo, seu candidato vai te botar no bolso, mané, e decretar o AI-5.2 no primeiro dia de janeiro.

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“Só eu sei/As esquinas por que passei/Só eu sei…”

Imagem: divulgação

Por Raulino Júnior

Obrigado, Antonio Olavo. Muito obrigado por Travessias Negras. Obrigado demais! Hoje, amanhã, sempre e para sempre! Só sendo negro para constatar a importância dessa série documental. Não adianta dizer que tem amigo negro e, por isso, tem consciência do racismo que está presente na nossa sociedade. Não adianta! É no coração de quem tem a pele negra que o documentário bate mais forte. A série, que estreou hoje, na TV Educativa da Bahia, “busca retratar a vivência de jovens negros e negras, morador de periferia [sic], que ingressaram na universidade através das políticas afirmativas; ou seja, através das cotas, em cursos considerados e tidos como nobres: medicina, comunicação, direito e letras…”, nas palavras do próprio Olavo, diretor do audiovisual.

Quem é negro e sofre o racismo diário, se identifica com os depoimentos dos personagens. As falas poderiam ser de qualquer um de nós. O histórico dos depoentes, as angústias, o sofrimento. Tudo isso é nosso também. Faz parte da gente. Lembro bem de uma professora medíocre da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA) que, diante de minha negativa em contribuir para a compra de um cabo para a câmera, esbravejou: “Você gasta dez reais com droga, com baseado, e não quer ajudar a comprar o cabo?”. Antes de qualquer atitude, a gente paralisa. Depois, pensa como agir. Falei para ela que não fazia uso daquelas porcarias que ela citou e que achava um absurdo uma professora concluir aquilo sobre mim. Ela tentou reconsiderar, disse que não estava falando só de mim e apenas reafirmou o preconceito. Claro: um estudante negro, rasta, fruto das políticas afirmativas, numa faculdade de comunicação, só podia ser usuário de droga, não é? Fala sério! Não tomei uma atitude mais séria, como abrir processo por calúnia e difamação, além de injúria racial, porque um familiar da professora estava doente. Doença séria. Fiz uso da empatia.

Numa outra ocasião, com outra professora da referida faculdade, propus uma pauta sobre a trajetória do pagode baiano e quase fui trucidado pelos discursos carregados de preconceitos, discriminações e racismo. Tanto da docente quanto dos coleguinhas que hoje vomitam consciência social nas redes sociais digitais. Ai, ai.

O racismo quer que a gente não seja. O grande barato é que ele só quer, não significa que vai conseguir. Se depender de mim, não vai. É muito difícil mesmo, para uma sociedade racista, aceitar um negro com a autoestima no céu, que sabe que é bonito, inteligente e capaz de chegar aonde quiser. Esse negro sou eu! Como escreveu o poeta: “… só fito os Andes…”. Obrigado, Travessias!

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“Sou jornalista…”

“Sou um banana”. Foto: reprodução do site Beleza e Saúde

Jornalistas se acham, pela própria natureza da profissão (Argh!). Entretanto, não deixa de ser reconfortante testemunhar, com a ajuda das tecnologias atuais, quando alguém coloca esses profissionais no lugar de onde eles nunca deveriam ter saído: o de informar com responsabilidade. Ponto. Essa é a principal função do jornalista. O contrário é maquiagem que se usa em eventos sociais: subterfúgio para disfarçar uma constatada imperfeição. O episódio envolvendo o técnico do Esporte Clube VitóriaVagner Mancini, e o jornalista da Rádio BandeirantesFelipe Garraffa, só serve para constatar como o jornalismo está infectado pelo vírus da arrogância e da presunção.

Ontem, após a partida entre o Vitória e o Corinthians, na qual o time baiano saiu vencedor, Mancini concedeu uma entrevista coletiva e se deparou com a evidente parcialidade de Garraffa em relação ao desempenho dos clubes no jogo. Houve uma tensão entre o técnico e o jornalista. Mancini retrucou o que chamou de “visão equivocada” de Felipe. Este, por sua vez, trouxe dados que faziam sentido apenas para ele. Contudo, o que chama atenção no caso, além da sofrível prática jornalística, é o vírus que está inoculado em quase todos os analistas do cotidiano: o de estar (ou achar-se) acima do bem e do mal. Ao ser hipoteticamente chamado por Mancini de corintiano, Felipe respondeu: “Não. Sou jornalista”, demonstrando, assim, uma arrogância tão presente no universo dos jornalistas quanto a escolha da pauta do dia.

Por sinal, justificar qualquer estupidez com a oração “Sou jornalista” é a atitude mais arrogante que tenho visto nos últimos tempos. “Coisão” ser jornalista, não é?! Para alguns, é. Mas, o que muitos profissionais esquecem, ou fingem esquecer, é que o jornalismo é apenas mais uma atividade profissional que existe na sociedade. Ela não é melhor nem pior. É mais uma. Jornalistas não são sabichões, não estão acima do bem e do mal, nem determinam, com a visão subjetiva dos fatos, como as coisas devem ser. É uma ilusão pensar isso. Principalmente, nos dias de hoje, com o advento das novas tecnologias da informação e da comunicação e as mudanças ocorridas na dinâmica de produção de conteúdos informativos.

Clóvis Rossi, uma leitura básica para quem está iniciando no jornalismo, afirma, no livro O que é Jornalismo (1980, Brasiliense), que “a imprensa brasileira ainda não venceu a regra não escrita de que o jornalista é um especialista em generalidade. Ou, em outras palavras, um sujeito que sabe pouco de muitas coisas”. Ou seja: por trás de um “Sou jornalista”, tem a arrogância, a presunção e o pedantismo, mas falta a consciência da verdadeira função social da profissão, além de sobrar muita imodéstia. Que o episódio com Mancini seja mais uma lição. E sem corporativismo!

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Quando o buraco é mais embaixo e eu faço questão de empurrar

A indústria da cortesia. Foto: Raulino Júnior

A lista amiga não é amiga. Não vivo da renda de espetáculos artísticos, tampouco sou milionário, mas tenho consciência de que artistas precisam ser valorizados pela arte que produzem, e isso perpassa também pela valorização financeira. Todo mundo sabe que viver de arte, no Brasil, é um sonho que se torna real para poucos. Todo mundo sabe. Mas o que é que, sendo generalista, todo mundo faz? Nada. No menor sinal de “coloque o seu nome na lista e pague meia”, o que se vê é uma corrida desenfreada, tal qual formiga atrás de doce. É complicado. A indústria da cortesia está acabando com o fazer artístico de milhares de pessoas. Muitas vezes, os próprios artistas dão vazão para isso. Como combater esse mal? É o convite que eu faço: vamos pensar?
A Lei 12.933, de 29 de dezembro de 2013, que dispõe sobre “o benefício de pagamento da meia-entrada para estudantes, idosos, pessoas com deficiência e jovens de 15 a 29 anos comprovadamente carentes em espetáculos artísticos-culturais e esportivos”, é categórica ao dizer que apenas estudantes regularmente matriculados, que comprovem a sua condição de discente, têm direito ao benefício. Na prática, não é isso que acontece. Sem querer falar das ações fraudulentas que certamente pululam Brasil afora, há um instrumento ilegal que está tomando conta das casas de espetáculo há algum tempo: a tal da lista. “Ilegal” porque não existe legislação que embase tal procedimento. E o pior: a lista é, quase sempre, avalizada pelos próprios artistas, profissionais que não vivem da sua arte, por diversas razões, e que têm de se sujeitar a isso, para seduzir a audiência. É uma espécie de autoboicote. Ele existe e, talvez, o artista não perceba que está dando espaço para que isso aconteça. A criação de uma lista, que não tem legalidade alguma, não seria uma forma de desvalorizar a criação que já anda tão desvalorizada? Todos precisam pensar sobre isso. Principalmente, os fazedores de arte.
Como um artista de teatro, por exemplo, consegue manter a sua arte viva descambando para a lista amiga? Observe: eu sou um ator, faço das tripas coração para levantar um espetáculo, ensaio por horas a fio, perco noite, participo da produção e, quando estreio, percebo que as pessoas próximas, minhas amigas, só se sentem estimuladas a ir ao espetáculo se eu conceder uma cortesia ou colocar o nome dela na lista. Dessa forma, ela não paga nada ou paga a metade do valor do ingresso. No final, quem paga o meu trabalho? Eu mesmo?! Essa conta não fecha. Não tem que ser assim. Não pode ser assim.
O nome na lista no intuito de pagar meia causa um outro problema, que tem a ver com a legislação vigente. De acordo com a lei, “a concessão do direito ao benefício da meia-entrada é assegurada em 40% (quarenta por cento) do total dos ingressos disponíveis para cada evento”. Se há essa restrição, como é que um instrumento ilegal, como a lista, continua existindo, uma vez que ela passa a ser (ou deveria passar, para que não houvesse injustiças) um “benefício” à parte do 40% do total de ingressos disponíveis? Essa conta não fecha. Quem paga? Como ficam as pessoas que têm o direito legal de pagar meia-entrada nisso tudo? Como se sentem as pessoas que podem pagar, mas, ainda assim, colocam os seus nomes nas famigeradas listas?
A cota de meia deve ser destinada para quem realmente tem o direito de pagar meia. Caso contrário, mais uma encruzilhada será fomentada e os menos favorecidos serão sempre os atingidos. Você, que se vê como sujeito sensível a essa causa, nem perceberá que o buraco é mais embaixo e que você está fazendo questão de empurrar aquele artista que admira para lá.
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