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Gabriel O Pensador quebrando a nossa cabeça

Foto: reprodução de imagem do canal oficial do artista no VEVO

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora|| 
Em 1997, todo o Brasil cantava os seguintes refrãos: “2345meia78!/Tá na hora de molhar o biscoito!/Eu tô no osso, mas eu não me canso!/Tá na hora de afogar o ganso!“; “Apaga a fumaça do revólver, da pistola/Manda a fumaça do cachimbo pra cachola/Acende, puxa, prende, passa/Índio quer cachimbo, índio quer fazer fumaça“; e “A festa da música tupiniquim/Que tá rolando aqui na rua Antônio Carlos Jobim/Todo mundo tá presente e não tem hora pra acabar/E muita gente ainda tá pra chegar“.  Eles fazem parte de músicas do CD Quebra-Cabeça (Sony/BMG), de Gabriel O Pensador. O disco foi produzido por Memê, teve direção artística de Ronaldo Vianna e conta com participações especiais de Lulu Santos (Cachimbo da Paz), Barão Vermelho (+1 Dose) e Evandro Mesquita (Eu e a Tábua).
Como é de praxe na discografia de Gabriel, Quebra-Cabeça tem músicas que tocam em temáticas sociais, mas sempre com humor e uma boa dose de ironia. Pátria que me Pariu (Gabriel O Pensador/André Gomes) é quase um soco na nossa cara, quando fala desses filhos do Brasil que não pedem para nascer e são maltratados desde a gestação: “Uma prostituta chamada Brasil se esqueceu de tomar a pílula e a barriga cresceu/Um bebê não estava nos planos dessa pobre meretriz de dezessete anos/Um aborto era uma fortuna e ela sem dinheiro/Teve que tentar fazer um aborto caseiro…“.

2345meia78(Gabriel O Pensador) é uma crônica bem divertida, que narra a agonia de um cara que não quer passar o fim de semana sem uma mulher, no “osso”. Cachimbo da Paz(Gabriel O Pensador/Memê/Bollado Emecê) é uma declarada apologia a um certo “cachimbo”, mas vai além ao tocar em questões como tráfico de drogas, violência e, até, descriminalização: “…e pro índio nada mais faz sentido/Com tantas drogas por que só o seu cachimbo é proibido?”. A acidez de Gabriel prevalece quando ele critica o sistema prisional do Brasil: “Na penitenciária, o ‘índio fora da lei’/Conheceu os criminosos de verdade/Entrando, saindo e voltando cada vez mais perigosos pra sociedade“.

Sem Saúde (Gabriel o Pensador/Memê/Fábio Fonseca), como o título já entrega, critica a insistente situação estrutural da saúde no Brasil: “Emergência! Eu tô passando mal/ Vô morrer aqui na porta do hospital/Era mais fácil eu ter ido direto pro Instituto Médico Legal/Porque isso aqui tá deprimente, doutor/Essa fila tá um caso sério/Já tem doente desistindo de ser atendido e pedindo carona pro cemitério“. Não deixa de falar dos erros médicos e da falta de ética da área, principalmente quando toca na temática do assédio sexual.

Pra Onde Vai? (Gabriel O Pensador/Memê/Alexandre Lucas/Alexandre Dantas) é a parte mais melancólica, triste e reflexiva do CD. Tanto na letra quanto no arranjo. A narrativa, que fala da morte de um jovem, revela um problema que continua atual: “Mais uma vítima de um mundo violento/Se Deus é justo, então quem fez o julgamento?“. +1 Dose (Gabriel O Pensador/Frejat/Rodrigo/Guto/Peninha/Fernando/Tiago/Memê) e Eu e a Tábua (Gabriel O Pensador/André Gomes) estão sobrando no CD. São duas canções insossas, dispensáveis. En La Casa (Gabriel O Pensador/Tito) também não empolga. É bem fraca, diante do bom repertório de toda a obra.

Dança do Desempregado (Gabriel O Pensador) é uma sátira muito bem feita pelo rapper carioca. Em 1997, no Brasil, tinha dança disso e dança daquilo pra tudo quanto era lado. A Bahia era a principal exportadora. Não foi por acaso que a batida do pandeiro e o suingue do pagode entraram no arranjo. O fato é que Gabriel teve uma ótima sacada e compôs a música, cujo refrão diz: “Essa é a dança do desempregado/Quem ainda não dançou tá na hora de aprender/A nova dança do desempregado/Amanhã o dançarino pode ser você“.

Bala Perdida (Gabriel O Pensador) revela, mais uma vez, o Gabriel crítico e observador da realidade: “Por favor, meu amor, eu não quero encontrar você morta se eu voltar pra casa vivo/Mas se eu não voltar não precisa chorar/Porque levar uma bala perdida hoje em dia é normal/Bem mais comum do que morte natural/Nem dá mais capa de jornal“. Assim, como personaliza o Brasil em Pátria que me Pariu, em Bala Perdida ele também usa essa personificação para dar o seu recado: “Eu gostaria de ser uma bala de mel/Feita com amor, embrulhada num papel/Mas vocês me fizeram pra acabar com a vida/Desde que eu nasci eu sou uma bala perdida/Eu sempre fui perdida, por natureza/Até num suicídio ou em legítima defesa/A maioria ainda nem percebeu: vocês tão muito mais perdidos do que eu“.

Em Festa da Música, os compositores Gabriel O Pensador e Memê mostram toda a criatividade deles. A música é muito boa. O mote é uma noite de festa reunindo os artistas da música brasileira. Detalhe: a festa acontece na rua Antonio Carlos Jobim. No encarte do CD, Gabriel traz a seguinte observação: “Esta obra de ficção é uma homenagem a todos que estiveram, estão ou estarão um dia na festa da música brasileira”. A última música do disco, O Sopro da Cigarra (Gabriel O Pensador) é, basicamente, a parte instrumental de Pátria que me Pariu.

Quebra-Cabeça é um CD que faz a gente refletir sobre vários problemas do Brasil. Dá pra ter ideia de como Gabriel pensa, qual é a sua ideologia e por que critica o que critica e defende o que defende. Se o objetivo do rapper era mexer com a nossa cabeça, ele conseguiu.

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O pedestre, o trânsito e a culpa alheia

Imagem com licença Creative Commons. Fonte: https://pixabay.com

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Já reparou como a gente se esbarra no trânsito? É um empurra-empurra, uma falta de paciência, uma pressa em chegar. Daí vem a pergunta: será que só os motoristas transitam de forma irresponsável? Preste mais atenção e veja como os pedestres se comportam nas vias públicas. É um verdadeiro caos. Com direito a congestionamento e tudo.

A verdade é que, como o poeta não previra, não há somente uma pedra no meio do caminho. Há muita coisa: postes, balde de lixo, orelhões (ainda!) e, obviamente, pessoas. Onde tem pessoas, tem confusão, pisada no pé e tombos. Eventualmente, um pedido de desculpa aqui e acolá. Contudo, a culpa por tudo isso acontecer nunca é minha, é sempre dos outros. É assim que justificamos.

Nós, pedestres, somos desatentos, prestamos atenção na vida alheia e não respeitamos o sinal de trânsito. Se ele estiver no vermelho, no amarelo ou no verde, pra gente, muitas vezes, tanto faz como tanto fez. Tal como alguns motoristas, também não seguimos as convenções. Estamos na era do celular na mão e do esquecimento de nosso entorno. A generalização colocada aqui é provocativa.
Será que seremos os motoristas que criticamos? Ou já somos? Uma coisa é certa: o comportamento de quem está no volante reflete a postura de quem está nas calçadas. Absolutamente. O pedestre impaciente de hoje é o motorista impaciente de amanhã. Não há direção defensiva que dê jeito!
Sigamos.
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