"Adolescendo Solar", Cultura, Jornalismo Cultural

Então, é Natal… e a decoração dos shoppings, quem fez?

 Desde mostra quem são os artistas responsáveis pelas decorações de Natal de shoppings de Salvador

Da esquerda para a direita, Telma Calheira, Fernando Lacerda, Juarez Fagundes e Bianca Quiudini. Foto: montagem a partir de arquivo pessoal dos artistas.

Por Raulino Júnior 

Quando a gente ouve a palavra Natal, não tem como não pensar em luzes, brilho, músicas (“Então é Natal/E o que você fez?…”) e decoração, não é? Cada família decora as casas de acordo com as suas preferências e condições. Em cidades do interior, era comum ter a visitação nas casas da vizinhança a fim de conferir o presépio e toda a arrumação para o período natalino. É muito comum também ser noticiada a inauguração das decorações de shoppings presentes nos grandes centros urbanos, mas você já se perguntou quem são os artistas responsáveis por elas e como eles criam cada projeto? Como toda arte tem autoria, é sempre importante mostrar e valorizar esses criadores. Para produzir esta reportagem, o Desde visitou quatro shoppings de Salvador: Center Lapa, Piedade, Shopping da Bahia e Salvador Shopping. O objetivo era fotografar as exposições e pegar, através do setor de marketing de cada centro de compras, os contatos dos artistas. O Shopping da Bahia solicitou que enviássemos e-mail para conseguir tal informação, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos resposta.

A baiana Telma Calheira, da empresa Telma Calheira Ambientação Exclusiva, assina as decorações dos shoppings Lapa e Piedade. No primeiro, o tema escolhido foi Gran Circo do Lapa; no segundo, Natal na Neve. Em entrevista através de trocas de mensagens no WhatsApp, Telma respondeu como nasce o conceito e a ideia de cada decoração: “Nós oferecemos propostas de temas e nosso cliente escolhe o que melhor se adapta ao shopping e ao seu orçamento. Muitas vezes o cliente nos apresenta um tema e nós desenvolvemos”. Nascida em Ibirataia, a artista plástica autodidata tem 28 anos de experiência em decoração e cenografia. Além dos shoppings já citados, Telma também fez as decorações do Shopping Bela Vista, do Boulevard Shopping Camaçari e da cidade de Candeias. Sobre os custos dos projetos, o filho, sócio e representante comercial e de projetos da empresa, Vinícius Calheira, entra na conversa e prefere não dar muitos detalhes. Ele justifica: “Normalmente, a gente não fala, porque quando fala em valor, a gente tem que pedir autorização aos shoppings. A gente pode falar dos nortes financeiros que os shoppings de Salvador investem. Shoppings de pequeno e médio porte investem em torno de 250 a 400 mil reais. Depende se tem fachada externa, acessórios, enfim… Os shoppings maiores investem em torno de 700 a 1 milhão de reais”, explicou, enviando áudio no WhtasApp. Além do Natal, Telma faz decorações para festas juninas e Carnaval.

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A decoração de Natal do Salvador Shopping foi idealizada pela empresa paulista ZERO57 Comunicações Visuais. Por telefone, Fernando Lacerda, sócio e responsável pela parte administrativa e de gestão do estabelecimento, concedeu entrevista ao Desde para falar sobre detalhes da estrutura montada no centro de compras. O seu tio, Juarez Fagundes, é artista e fundou a ZERO57 em 1991. O site da empresa diz que ela “se especializou na produção e cenografia de eventos, com grande destaque para seus projetos de Natal”. E que “cuida de todas as etapas do projeto, desde a criação, produção dos elementos, instalação e desmontagem”. Fernando, que também contribui para a parte criativa, se juntou ao tio e à arquiteta Bianca Quiudini para elaborar a decoração do Salvador Shopping, cujo tema é Natal Musical. Sobre o conceito, ele afirma que foi criado em conjunto: “A gente trouxe a sugestão para o Salvador Shopping. Foi construído um conceito ,um projeto por nós da ZERO57 e apresentado ao shopping. Claro que o shopping participa, ajuda a construir. A ZERO57 se diferencia de alguns concorrentes porque a gente faz uma criação do zero. O Salvador Shopping nos pediu um projeto que tivesse alguma coisa interativa interessante, mas sem perder o clássico do Natal. A gente apresentou um piano enorme, com tela de LED, que traz modernidade, interação e foge do comum. No entanto, preservando todo o clássico do Natal”. Por causa da confidencialidade com o cliente, não é possível falar de custos dos projetos, mas Fernando dá uma média de quanto os centros de compras investem: “A gente atende bastante shoppings pelo Brasil e projetos grandiosos, certamente, ficam na faixa de 1 a 2 milhões de reais de investimento”.

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Juarez fez Direito, mas não concluiu. É pintor, artista plástico e sempre teve a arte no seu cotidiano. Foi o responsável, durante os cinco primeiros anos, pela decoração do tradicional Natal do Palácio Avenida, em Curitiba. Em 2023, o evento realizou sua 33ª edição, marcado pelas janelas decoradas do prédio e o coral natalino composto por crianças e adolescentes. Fernando é formado em administração de empresas, tem pós-graduação em finanças e trabalhou por cerca de dez anos no mercado financeiro. Bianca trabalha há uns cinco anos nos projetos da empresa. A arquiteta tem experiência em projetos voltados para o Natal. “O trabalho do profissional de arquitetura é muito importante num projeto, porque, além de todos os documentos que precisam ser expedidos, é fundamental saber se tudo vai caber direitinho, o posicionamento, fazer as ilustrações em 3D e as criações”, esclarece Fernando.

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“Rita Lee: outra autobiografia” traz deboche e consciência de finitude da artista

Relato aborda o diagnóstico do câncer e o tratamento durante a pandemia

Imagem: divulgação

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

“Algo me diz que tenho escrito muito sobre morte. Aliás, por que há tanta gente que até se benze quando tocamos no assunto? A morte é a única verdade, e cada dia a mais vivido é um dia a menos que se vive. Pra quê fazer tanta cara de enterro quando deveríamos tratar dela com humor? Desta vida, não escaparemos com vida”. Esse trecho, presente na página 82 de Rita Lee: outra autobiografia (Globo Livros, 2023), sintetiza muito bem o teor da obra: é um relato leve, debochado e repleto de passagens que constatam que a autora tinha muita consciência de sua finitude. No texto, a paulistana Rita Lee Jones de Carvalho (1947-2023) narra como se deu a descoberta do câncer no pulmão, o tratamento durante a pandemia do coronavírus (o diagnóstico foi dado em abril de 2021) e a preparação para uma exposição em homenagem à sua carreira. O deboche e a autozoação eram traços marcantes da personalidade de Rita, presentes nesta e também em sua primeira autobiografia, lançada em 2016.

A narrativa de Rita Lee parece ser uma conversa com amigos na sala de estar. É simples e interessante, além de bem-humorada. Ela trata as pessoas que conheceu durante o tratamento de “oncolegas” e batiza um dos seus tumores de “Jair”, numa referência a Jair Bolsonaro, amplamente criticado na autobiografia. Por sinal, referência era uma coisa que a roqueira tinha para dar e vender. Ao longo do texto, ela faz menção a várias canções da Música Popular Brasileira (MPB): “Mistérios sempre hão de pintar por aí” (p. 20), “Queria dar beijinhos e carinhos sem ter fim nessa moçada…” (p. 124), “É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte” (p. 144) e algumas outras. Rita também cita várias experiências sobrenaturais que teve durante a vida e durante o tratamento, reflete sobre a velhice, proteção de animais e da natureza. E mostra acidez e humor ao falar dessa última: “Fumava para meditar sobre uma letra de música, buscar uma solução para problemas caseiros ou dar uma pausa e só bundar no jardim pensando em como salvar a Natureza enquanto poluía com meu tabaco os delicados aromas das gardênias, dos manacás, das damas-da-noite, ou seja, a mesma Natureza que eu queria tanto salvar… lá estava eu jogando Marlboro no ar. Rita paradoxal. Alguma coisa estava fora da nova ordem mundial em relação aos cuidados com nossa Terra Nave Mãe”, p. 35-36.

Rita acreditava que fosse se curar do câncer. No último parágrafo do capítulo A radioterapia, ela diz: “Mas, em grande parte das vezes, o medo pelo sofrimento que a quimio causou em minha mãe foi suplantado pelo desejo de me curar daquele câncer em homenagem a ela, como uma vingança tipo máfia siciliana”, p. 52. Contudo, no próprio texto, ela revela algumas malandragens que fazia para não tomar os remédios e fingir que estava ganhando peso. Phantom (intervenções de Guilherme Samora), o fantasma onisciente que também esteve na primeira autobiografia, é quem entrega: “Rita, agora que está com dois quilos a mais, não seria a hora de contar o truque de colocar um peso de papel no bolso para enganar a balança e não ter que comer toda hora?”, p. 132.

No dia 8 de maio deste ano, Rita Lee morreu, deixando um legado na música, na literatura e no comportamento. “Aquela velha frase: nunca fui um bom exemplo, mas sempre fui gente fina”, p. 120.

Referência:
 
LEE, Rita. Rita Lee: outra autobiografia. 1. ed. São Paulo: Globo Livros, 2023.
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Qualidade de música feita para o Carnaval vira foco de debate em feira sobre a festa

Compositores baianos opinaram sobre músicas feitas para o período carnavalesco

Rafa Chagas, Manno Góes, Marcio Mello e Magary Lord em painel que debateu sobre música do Carnaval. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior

A Expo Carnaval Brazil, feira de negócios sobre a festa que é considerada a maior do país, promoveu, na tarde de hoje, um debate sobre música do Carnaval e sobre a importância dos compositores dentro de toda a estrutura carnavalesca. Rafa Chagas, Manno Góes, Marcio Mello e Magary Lord refletiram e opinaram sobre o tema. Entre discussão sobre processo criativo para compor e o que faz uma música ser bem-sucedida, os compositores debateram sobre a qualidade da música feita para a folia. Assunto sempre controverso, pois há muita crítica em relação aos critérios utilizados para dizer que uma música é de qualidade ou não, foi Magary Lord quem levantou a bola: “Essa necessidade de ser a Música do Carnaval acabou plastificando a nossa música, que perdeu a força de poesia”. Manno concordou com Magary, mas pontuou que isso é reflexo da sociedade. “Hoje, a linguagem é mais direta. A música perdeu as metáforas. O cara fala logo que quer meter… Nem sempre a Música do Carnaval é a música inesquecível. Tem músicas que ganharam como Música do Carnaval que ficou lá esquecida naquele Carnaval e nunca mais ninguém nem falou, nem quis ouvir, nem quis citar”. Para Marcio Mello, as pessoas não devem levar tão a sério a música feita para o Carnaval. Ele ainda destacou a importância da espontaneidade artística nesse processo. “Antigamente, os intérpretes ouviam as músicas dos compositores e decidiam gravar porque gostavam das canções. Eu não mandei Nobre Vagabundo para Daniela [Mercury]. Ela foi a um show meu, ouviu e gostou. É preciso pegar a espontaneidade do compositor e tornar algo perene”.

Música do Carnaval: apenas negócio?

Em entrevista exclusiva para o Desde, Rafa Chagas, Magary Lord e Marcio Mello opinaram sobre o fato de alguns artistas buscarem o tempo todo o título da Música do Carnaval, sem se preocupar com o fazer artístico. Para Rafa, isso gera um desafio, que pode ter seus prós e seus contras. “Acaba gerando um desafio entre o artista. Se for de uma forma positiva, a gente sai ganhando, porque contribui para o movimento. Principalmente, se for música da quebrada, o fortalecimento é muito maior. Se for do lado negativo, a gente sai perdendo, mas a música tem esse poder de unir. A música é universal, agrega todos os ritmos, todos os povos. A música é o encontro de tribos”. Indagado se a música deve ser só pensada como negócio ou como produto artístico que é, ele é enfático: “Os dois! A gente precisa colocar comida dentro de casa. A gente precisa pagar a nossa conta, a conta do filho, a escola, o cartão de crédito que está ali devendo… Acho que se a gente juntar esses dois lados, a economia e a questão da arte, a gente consegue caminhar e ter uma resposta positiva para o nosso trabalho”.

Rafa Chagas: “Se a gente juntar esses dois lados, a economia e a questão da arte, a gente consegue caminhar e ter uma resposta positiva pro nosso trabalho”. Foto: Raulino Júnior

Magary acha que o problema está na falsa percepção de que todo mundo pode compor. “A composição e a poesia são coisas para pessoas especiais. A poesia é coisa muito séria. Então, essa coisa virou uma dinâmica de muito imediatismo da música, da rima de mamão com melão. Isso acaba nos prejudicando como compositores que lemos um bom livro, que lemos dicionários, que temos uma oratória e que nos importamos realmente com a mensagem. A mensagem é mais importante do que a música em si. A batida do pagode é uma batida maravilhosa, que a gente adora, mas quando coloca algumas letras em cima, a coisa fica plastificada e não presta mais”.

Magary Lord: “A mensagem é mais importante do que a música em si. A batida do pagode é uma batida maravilhosa, que a gente adora, mas quando coloca algumas letras em cima, a coisa fica plastificada e não presta mais”. Foto: Raulino Júnior

Ao responder sobre as composições voltadas para o Carnaval feitas na atualidade, Marcio Mello diz que elas abraçam mais ritmos. “A música vive um momento muito bom hoje, porque ela é aberta a milhões de possibilidades. No meu tempo que eu pulava Carnaval, na adolescência, era mais voltado para marchinhas e tinha quatro, cinco compositores. Hoje, a diversidade é muito grande. Consequentemente, a música também se torna muito maior, muito mais abrangente. A música do Carnaval hoje abraça todos os ritmos. Então, o compositor tem que ter uma cabeça muito mais aberta, para que possa fluir mais a música. Eu acho que hoje em dia está acontecendo isso. Você vê de tudo na avenida, todos os ritmos, todos os sons, todas as possibilidades”. E quanto as letras? “As letras das músicas de Carnaval sempre foram divertidas e sempre vão ser. Quando se parte do pressuposto de que a música é para o Carnaval, que você só está preocupado com o período do Carnaval, a música tem que ser divertida mesmo. Partindo do pressuposto de que a música é para o Carnaval, eu acho divertida, eu acho bacana. Tem coisas que eu não gosto, mas também não vou ouvir na minha casa, vou ouvir na rua e está tudo certo”, finaliza.

Marcio Mello: “Quando se parte do pressuposto de que a música é para o Carnaval, que você só está preocupado com o período do Carnaval, a música tem que ser divertida mesmo”. Foto: Raulino Júnior

A Expo Carnaval Brazil acontece em Salvador, no Centro de Convenções, e está na sua segunda edição. Desde o dia 24 de novembro, tem promovido reflexões sobre os carnavais do Brasil. O evento será encerrado amanhã, no Pelourinho, com um encontro de manifestações carnavalescas. Neste site, você fica por dentro da programação: https://expocarnavalbrazil.com.br/.

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“Ó Paí, Ó 2” mantém verve artística e compromisso social da primeira versão

Imagem: divulgação

Por Raulino Júnior ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

É sempre uma tarefa difícil dar sequência a uma obra artística quando a primeira versão dela é bem-sucedida, porque surgem dúvidas, inseguranças e medo do julgamento alheio. E também é impossível não fazer comparações entre uma e outra. Ó Paí, Ó 2 estreou ontem em todo o país e foi muito recorrente ouvir as pessoas relatarem, ao sair da sessão, que acharam a continuidade tão boa quanto o primeiro filme ou que gostaram mais da película de agora. O fato é que os roteiristas, os atores e a direção, assinada por Viviane Ferreira, conseguiram manter a mesma verve artística e compromisso com pautas sociais do anterior.

O filme é muito bom. Mesmo porque, estrategicamente, a produção não quis mexer em time que estava ganhando e alguns “tipos de cena” do passado voltaram à tona no presente, gerando identificação, riso, reflexão. Não tem erro. Lembra do esculacho antirracista que o personagem Roque (Lázaro Ramos) dá em Boca (Wagner Moura), no Ó Paí, Ó de 2007? Tem agora, com novo contexto servindo de pano de fundo e outro ator contracenando com o protagonista. A impressão que dá é que o roteiro foi seguindo uma gramática ao modo Ó Paí, Ó de ser, sem muita ousadia, para não correr risco. Como se, na sala de roteiro, a gente ouvisse o tempo todo: “Tem que ter uma cena como essa”, “Como essa aqui também”. E parece que prestou muita atenção ao clamor do público nas redes sociais, trazendo muita coisa que tinha certeza que ia agradar. Deu certo. Menos é mais. Por sinal, as frases feitas, assim como no primeiro, desfilam no segundo. Dessa vez, no enredo, a turma se junta para fazer com que Neuzão volte a ser proprietária do seu famoso bar no Pelourinho. Numa das cenas, Roque exclama: “A gente tá preocupado. A gente só é forte se a gente tiver junto. Se a gente olhar pro lado e se reconhecer”. Há o reforço da importância da coletividade em Ó Paí, Ó 2. Principalmente, como recado às comunidades negras. É preciso sempre se aquilombar.

O filme tem um ritmo lá em cima. É veloz. Não para. Dificilmente, alguém vai dormir ao assisti-lo no escurinho propício do cinema. Nesse sentido, toca em várias pautas importantes. Uma atrás da outra. Na mesma velocidade. Fala de milícias, assassinato de crianças pela mão do Estado, gentrificação, empoderamento feminino, relações homoafetivas, suicídio e saúde mental. Para esse tema, em uma sacada muito boa, é Dona Joana (Luciana Souza) quem mostra como ficou depois do assassinato dos seus filhos na primeira versão. Numa sessão de terapia com Dr. Alfeu (Luis Miranda), ao ser questionada como está por dentro, a personagem responde: “Eu ando oca”. Além dos temas citados, Ó Paí, Ó 2 aborda coisas próprias da cultura de Salvador, como a tomada do comércio no centro da cidade por coreanos, e faz uma necessária crítica à indústria da música baiana, que impede um cantor e compositor negro e talentoso de ascender. No 2, Roque está prestes a lançar sua música, mas, mais uma vez, se torna vítima da crueldade de racistas e do racismo estrutural.

O longa é preciso. Nos dois sentidos da palavra. Diverte, emociona e faz a gente pensar. Uma marca do (e no) trabalho do Bando de Teatro Olodum. O único senão diz respeito a um problema na montagem. As gravações da parte 2 começaram em 2018, na Festa de Iemanjá daquele ano, pois o filme seria lançado em 2019. As cenas foram aproveitadas e a caracterização dos personagens está bem diferente. Reginaldo (Érico Brás), por exemplo, aparece durante todo o filme de dreadlocks e, nessa passagem da história, quando alguns personagens estão no Rio Vermelho, está de cabelo curto. É um grão de areia dentro da grandiosidade do filme, mas que compromete o trabalho da parte técnica. A cena não poderia ser a lembrança de algum personagem sobre a festa passada, pensando na expectativa da festa presente, que é importante na narrativa da segunda parte? Fica a pergunta. O fato é que Ó Paí, Ó 2 deixa todo mundo com vontade de ver o 3, o 4, o 5, o 6…

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Sem Edição| Ada Tem de Tudo, Antiguidades, Arte e Cultura

A descontraída e peculiar Ada Tem de Tudo. Foto: Raulino Júnior

Neste episódio do Sem Edição, conteúdo audiovisual do Desde, a convidada é Iraci Brandão Cajado, a “Ada Tem de Tudo”, figura muito peculiar de Salvador. Na conversa, ela fala sobre a origem do apelido, sobre como começou a colecionar e vender antiguidades. Cita também as participações que fez na televisão e as tietagens ao longo da vida. Para isso, abre, literalmente, o seu álbum de fotografias. Ada conta como é a dinâmica de empréstimo de seus objetos para produções culturais (peças de teatro, filmes, novelas) e fala de sua família em Amargosa, sua cidade de origem. No final, diz qual é o seu sonho mais imediato e mostra algumas das peças de sua loja. Não deixe de ver!

Agradecimentos mais que especiais a Ada! Obrigado pela confiança e disponibilidade! Você é um símbolo de Salvador! Mais sucesso!

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“Tá tudo bem”, mesmo não estando

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Certa vez, propus às minhas turmas do 3º ano do ensino médio que fizéssemos uma exposição, no Instagram, para representar a diferença de estética literária entre Romantismo e Realismo. A ideia era postar uma foto de si próprio(a), na qual se considerasse bonito(a), para fazer alusão ao Romantismo; e outra foto do momento em que acordasse, com a cara inchada, amassada, cabelos desgrenhados e sinais de baba pelo rosto, representando o Realismo. A maioria dos estudantes não quis embarcar na ideia. Compreensível. Mostrar pontos considerados negativos e possíveis “imperfeições” não atende muito à lógica das redes sociais digitais. Nem da vida. Nelas, tudo tem que estar bem, mesmo não estando. Temos que editar a vida só com o lado bom.

A gente se acostumou tanto a falar que está tudo bem que, mesmo não estando, a gente fala. Sempre foi assim. Para o ser humano, é desconfortável mostrar sofrimento e fraqueza em praça pública. Com as redes sociais, tal comportamento se potencializou. Numa sociedade mediatizada, os olhares dos outros são câmeras olhando pra nós. E julgando o tempo todo. Então, você encontra uma pessoa conhecida na rua, ou em qualquer outro lugar, e a pessoa fala: “Que bom te encontrar! Como está? Tudo bem?”. A gente, sem pensar muito, engata: “Está tudo bem. Graças a Deus”. Não queremos expor os nossos problemas porque o pacto social é “performar” um bem-estar constante. É difícil alguém fazer uma pergunta daquela natureza e a gente responder: “Menino, estou com problema no trabalho. Tem um colega me perseguindo, inventando coisas sobre mim e eu estou a ponto de enlouquecer”. Quebrar o pacto gera estranheza no interlocutor, que não espera uma resposta assim. É estranho falar a verdade.

Dizer que tudo está bem é também (eita!) uma tática para repelir pessoas que não são tão confiáveis. Muitas vezes, a gente não quer render conversa com quem não tem importância pra gente nem dar vazão a especulações. É a autopreservação. Sendo assim, largamos que “está tudo bem” e encerramos o assunto. Funciona. Sempre funcionou. E sempre funcionará. Mesmo porque, quando tudo não está bem, essas pessoas são as primeiras a aparecer com falsas comiserações. Argh!

A vida é repleta de altos e baixos. Nem sempre está tudo bem, mas a gente insiste em disfarçar esse estado. Para quem? Com que interesse? A troco de quê? Certamente, a ideia de se mostrar perfeito pode justificar essa mania coletiva. Contudo, se tem uma coisa que não existe é perfeição. E isso é fato! Não adianta disfarçar.

Sigamos.

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“Nosso Sonho” é um filme para todos os faixas

Juan Paiva e Lucas Penteado na pele dos funkeiros Buchecha e Claudinho, respectivamente. Foto: divulgação.

Por Raulino Júnior ||DESDEnhas: as resenhas do Desde|| 

Estreou ontem, em todo o Brasil, o filme Nosso Sonho – A história de Claudinho e Buchecha, que conta a trajetória até o sucesso e a fama da dupla de amigos Claudio Rodrigues de Mattos (Claudinho) e Claucirlei Jovêncio de Sousa (Buchecha). Ou melhor: conta a história dos faixas Claudinho e Buchecha, vividos, respectivamente, pelos atores Lucas Penteado (que dá um show de interpretação!) e Juan Paiva (que está muito bem também, mas o personagem Claudinho tem muito mais camadas para explorar e suplanta a linearidade de Buchecha). Faixa significa “muito amigo, mais que irmão” e era a forma como os dois se tratavam. A cinebiografia é de emocionar e deve fazer muita gente chorar durante e depois de assistir. Não só pelo desfecho que já é sabido por todos, mas porque a obra é repleta de cenas tocantes e poéticas. Quem acompanhou a história da dupla quando ela estava acontecendo, desaba; quem não acompanhou, se identifica. Nosso Sonho celebra as amizades verdadeiras, aquelas em que as pessoas se doam e, mesmo que passem muito tempo sem se ver, a chama amistosa se mantém acesa, intensa e indelével.

O filme é narrado pela ótica do personagem Buchecha, que mostra, a todo tempo, por que considera Claudinho como um anjo em sua vida. Em vários momentos, o faixa o ajudou a superar dificuldades. Claudinho teve a ideia de criar a dupla e sempre impulsionava Buchecha a acreditar. Este, por sua vez, não levava a sério e chegava a afirmar: “A gente é feio demais pra ser artista”. Pensamento que, obviamente, é fruto do racismo e de tudo que ele provoca. A propósito, a temática é abordada na obra de forma sutil, como se o diretor Eduardo Albergaria não quisesse focar nisso. Escolha corajosa e, de certa forma, acertada. O racismo é um assunto presente no cotidiano da população negra, mas não é um limitador. O povo negro não está circunscrito a isso.

A obra pega o espectador também pela memória afetiva. Tem muita música e quem assiste canta junto. É emocionante ver cenas como a da criação da música Rap do Salgueiro (Claudinho/Buchecha) e a da gravação no estúdio da emblemática Nosso Sonho (Claudinho/Buchecha), que batiza o filme. Peca por abordar o sucesso retumbante da música Conquista (Buchecha) de maneira muito tímida. É uma cena em que os familiares estão reunidos e cantam a canção. Dessa forma, não traz a noção do quanto Conquista foi importante na carreira da dupla. Acerta no uso da tecnologia quando faz a inserção de programas de TV que os artistas participaram. Um trecho do extinto Jô Soares Onze e Meia (SBT) é exibido e a edição dá um show de competência.

Caminhando para o desfecho, a gente se pergunta: por que não contextualizaram a história da família de Claudinho? Sobre Buchecha, a gente sabe quem foi o pai (problemático) e a mãe (no sentido amplo da palavra), por exemplo. Claro que é o personagem Buchecha quem narra os acontecimentos, mas o filme se vende como sendo “a história de Claudinho e Buchecha”. Quando os créditos começam a aparecer, a gente lê: “Nosso Sonho – A história de Buchecha com Claudinho”. Título muito mais adequado para o que é narrado. De qualquer modo, Nosso Sonho está à altura do que a dupla Claudinho e Buchecha representou para a cultura brasileira.
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O que é que o BahiaCast tem?

Podcast soteropolitano é uma tribuna aberta para todos os temas, até os controversos

Equipe que faz o BahiaCast acontecer. Da esquerda para a direita: Kabas, Suani Camila, Jorge Billy e Pedro Valente. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 

Em 1938, quando Dorival Caymmi compôs e gravou O que é que a baiana tem, um dos seus sambas mais conhecidos, jamais imaginaria que, anos depois, a ação de perguntar e ouvir a resposta, tal qual acontece na sua canção, seria algo que prenderia a atenção das pessoas na era da explosão tecnológica. É isso que acontece nos podcasts em vídeo (videocasts) que têm o bate-papo como o principal mote da programação. O BahiaCast é um deles. Fundado em Salvador em 19 de julho de 2021, por Jorge Billy, músico e professor, o programa é um espaço de escuta de tudo e de todos. “A ideia do podcast é ouvir. O podcast te ensina a escutar. Eu aprendi coisas aqui no podcast que eu não sabia. Eu só vim entender que eu tinha TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade), por exemplo, há pouco tempo, porque veio uma psicóloga aqui”, confidencia. A inciativa de criar o podcast nasceu durante a pandemia, período em que todas as pessoas foram obrigadas, de acordo com cada realidade, a trabalhar em casa. “Eu dava minha aula e os alunos pediam mais aula durante o dia. Terminava a minha aula e eles pediam para eu fazer lives à tarde. A live começou a cair, cair, cair. Eu comecei a pesquisar para ver o que podia fazer e, coincidentemente, veio um corte de um cara que já me treinou, Caio Carneiro, e Felipe Tito, um podcast que eles fizeram. Eu comecei a me interessar e o YouTube começou a mandar mais, aí veio o Podpah, o Flow e tal, comecei a assistir todos eles. Eu já tinha um ano de atraso. Não sabia nem que existia isso. Aí convidei Serginho (Sergio Nunes, vocalista da Adão Negro, banda da qual Jorge foi guitarrista. Serginho foi o primeiro apresentador do BahiaCast. De acordo com Billy, ele pediu afastamento em julho deste ano devido a outros compromissos profissionais) e Kabas. Serginho falou que era entusiasta e topou. Kabas já conhecia podcast há muito mais tempo e já tinha esse interesse. Só queria transformar para videocast, porque ele é especialista nessa parte do audiovisual, um cara estudioso pra caramba. Autodidata, mas muito competente para o que ele faz. Fizemos, começamos. Chamava a galera, chegava: ‘Vamos entrevistar vocês num podcast’. ‘Aonde? Pod o quê?’. Artistas não sabiam nem o que era podcast”.

Jorge Billy: idealizador e diretor geral do BahiaCast.

O empreendimento cresceu tanto que Billy, que foi professor até março deste ano, trocou de vez a sala de aula pelo estúdio. Formado em Letras e com 50 anos de idade, ele dedicou 28 ao magistério, ensinando em instituições públicas e privadas (a maior parte do tempo). “Não dava para conciliar as coisas”. Se, no início, alguns convidados marcavam e desmarcavam no mesmo dia a ida ao BahiaCast, hoje isso mudou muito. “Antes, a gente se humilhava, se ajoelhava. O cara marcava e, na hora, desmarcava. Hoje em dia, os produtores procuram a gente”. Indagado sobre quais critérios utiliza para aceitar ou não a sugestão de convidados, Billy chama Pedro Valente para a conversa: “Eu acho que tem a ver com a relevância para a nossa audiência. Tem gente que tem uma história extremamente interessante pra contar, mas a pessoa não é interessante pra contar. E, às vezes, é o contrário: a pessoa é uma subcelebridade, alguém que você não daria nada, mas é uma pessoa interessante. Aquela pessoa que, diante de você, sem câmera, sem nada, ela é magnética. Você iria conversar um tempão. Você ia achar o máximo. Ela ia dar umas tiradas incríveis, que iam dar cortes incríveis. Então, é a ciência menos exata que tem é essa aqui. Aí você vai ter os consagrados, não tem erro: Ivete Sangalo. Não tem erro. É uma estrela, consagrada, que é magnética, tem carisma, vai sentar aqui, vai dar cada corte incrível, mas é difícil a gente trazer para o BahiaCast, porque ela está sendo cortejada pela Record, pela Globo, por trezentos milhões de podcasts, enfim… Então, a gente fica nessa ciranda com a nossa agenda. Buscando gente que pode render, que seja interessante, que tenha uma história interessante ou que seja um assunto do momento”.

Atual apresentador

Pedro é o atual apresentador do BahiaCast. Ou, como a equipe trata, o host (anfitrião, em inglês). Em novembro de 2022, ele esteve no podcast como convidado. Logo após, recebeu o convite de Billy para ser c0-host. Dividiu a bancada com Serginho até julho. Depois, assumiu o comando do programa. Ao Desde, ele falou com foi a receptividade do público, uma vez que passou a integrar um projeto que já era bem-sucedido e que já tinha uma identidade. “No início, eu sofri  uma certa resistência dos seguidores antigos do BahiaCast. Porque o BahiaCast trazia pautas muito relevantes, raciais, minorias, e tudo mais, e eu, obviamente, não sou um representante de nenhuma minoria. Sou um cara hétero, sou branco. Então, houve, inicialmente, uma resistência. E até de uma forma agressiva comigo. Eu entendi o processo, segui o meu trabalho e acho que depois essa coisa se abrandou um pouco. De alguma maneira, eu acho que a gente ganhou algumas pessoas que torciam contra. Uma coisa que eu faço questão de fazer é: quando surge uma mensagem negativa e agressiva, eu peço pra botar na tela. Não pra constranger ninguém, é somente pra dizer: ‘Pô. Mas vamos lá: por que você está pensando isso? Será que realmente eu sou isso? Vamos falar sobre isso?’ Aí a pessoa desarma. Eu acho que isso é muito humano. Eu, no lugar dele, também me desarmaria”.

Pedro Valente: atual apresentador do BahiaCast. Foto: Raulino Júnior

Pedro tem 45 anos, é publicitário e influenciador digital. Ganhou notoriedade na pandemia, quando começou a fazer vídeos no Instagram para amenizar a ansiedade potencializada naquele período. A coisa pegou e as marcas começaram a chegar. Com isso, veio uma independência financeira que o fez encerrar uma sociedade que tinha com um amigo numa agência de publicidade. Antes de viralizar no Instagram, já usava a internet para dar as suas opiniões. Ele era um dos integrantes do Solteiropolitanos, que contava ainda com Léo Pirão, Daniel Rabello e Gabriel Dantas. O projeto, que teve início em 2017, tinha como intuito “abrir a caixa preta do universo masculino”. Tanto que o slogan era: “Papo de homem para mulher”. “O Solteiropolitanos era um podcast, só não tinha a mesa. Da experiência que adquiri lá, trouxe para o BahiaCast a atenção na hora de ouvir o convidado, além de ter o cuidado de não atropelar ninguém que está falando”. Pedro não tinha o costume de acompanhar podcasts. Passou a colocar na rotina quando começou a fazer parte da equipe do BahiaCast. Ao falar sobre a função do programa que apresenta, ele é categórico: “É a Bahia traduzida para baianos e para não baianos”.

O cara da técnica

Kabas concentrado durante a exibição do episódio com Igor Kannário, no dia 13 de setembro. Foto: Raulino Júnior

“Eu sou quem opero aqui, basicamente, todo equipamento técnico. Sou eu quem faço os cortes daqui. Sou eu que faço toda a programação das próprias lives. Eu faço, praticamente, a parte técnica toda. Desde  programar a live, que é o início de tudo, até a finalização. E aprontar o episódio do dia seguinte”. Essa foi a resposta de Kabas ao ser questionado sobre qual era a sua função no BahiaCast. Ao acompanhar dois episódios no estúdio, a equipe do Desde percebeu o quanto que o profissional fica ligado em tudo. Áudio, vídeo, posicionamento da câmera e dos objetos. Se qualquer coisa sai do esperado, ele organiza ou se comunica com Pedro Valente e com Jorge Billy, para deixar tudo organizado. “Kabas” é o apelido de Valterson Carvalho. “Kabas vem de El Cabong. Eu sou músico. El Cabong era um desenho antigo. Era um cavalo que atacava os vilões com um violão na cabeça. E meu nick da internet era El Cabong. Eu era El Cabong, há muito tempo, mas acabavam me chamando de Kabas”. Como podcast é um formato mais livre, perguntamos a Kabas se programas dessa natureza têm diretor: “Tem diretor. Na verdade, Billy é chamado diretor, mas aqui, fazemos todos a direção. Vou dando dicas pra ele em tempo real. Tem direção, agora é uma direção muito dinâmica”.

A produtora

Suani Camila: produtora do BahiaCast.

Suani Camila é a produtora do BahiaCast. Para que tudo vá ao ar de maneira satisfatória, ela fica atenta aos detalhes. “Eu sou a responsável pela agenda, por marcar com o pessoal para dar entrevista aqui, montar o estúdio, ver a alimentação e a comunicação também. Recepciono os convidados e as pessoas que vêm com eles. A gente funciona como estúdio de gravação, alugamos o estúdio, e eu fico responsável pela parte de recepcionar os outros podcasts”. Além do BahiaCast, o estúdio abriga o CadyCast, de Daniel Cady; o PodSena, de Darino Sena; e o +1Pod, de Psit Mota. Por isso, Pedro apelidou a empresa de “Projac Baiano dos Podcasts”, numa referência ao antigo nome dos Estúdios Globo. Suani explica a dinâmica para agendar as entrevistas: “Às vezes, o pessoal procura a gente. Antigamente, a gente que procurava. Hoje em dia, estão procurando bastante a gente. Eu olho a agenda, vejo se a do mês está fechada. Se não estiver, eu dou até duas opções de data e horário”.

O formato podcast e o BahiaCast

Registro do bate–papo entre Pedro Valente, Leozito Rocha (anfitrião convidado) e Igor Kannário , durante episódio do BahiaCast. Foto: Rauino Júnior

Embora haja relatos do surgimento de podcasts já na década de 1980, é no final dos anos 90 e início de 2000 que o formato começa a ser difundido com mais ênfase. O ano de 2004 é considerado como um marco na trajetória histórica do podcast. Foi quando o americano Adam Curry e o britânico Dave Winer criaram um programa digital de rádio que podia ser ouvido e baixado de acordo com a vontade dos ouvintes, na hora em que eles quisessem. Inclusive, é isso que caracteriza esse produto midiático. A escuta por demanda é o que também explica o sucesso do podcast. O nome “podcast” vem da junção de iPod, extinto reprodutor de áudio da Apple, com “broadcast”, que significa transmissão. Atualmente, com a popularização, a palavra se refere tanto a programas que disponibilizam apenas o áudio quanto os que são audiovisuais. Cada pessoa opta pela forma que mais lhe agrada. Ou seja, se vai escutar ou se vai assistir.

Independentemente da forma, a audiência do BahiaCast é cativa. De acordo com Billy, os soteropolitanos são os que mais acompanham. Em seguida, nesta ordem, vem os bahiacasters (como o próprio podcast denomina as pessoas que acompanham) de São Paulo e do Rio de Janeiro. Depois, os feirenses e os lauro-freitenses. Ele atribui a popularização dos podcasts à credibilidade que o formato traz. “A galera está creditando uma verdade aos podcasts. Por isso, eles vêm crescendo. Não é nenhum artista que acaba conduzindo as pessoas a um determinado assunto. É um cara igual a mim que está falando, que eu não conhecia, nunca tinha ouvido falar. Então, você acaba acreditando um pouco mais”. Para o diretor, o principal objetivo do BahiaCast é ouvir: “Ouvir várias pessoas, explicando seus pontos de vista, sua forma de viver. A gente teve Aline Castelo Branco, por exemplo, que falou que a mulher não pode pegar peso e tal, que quem tem que fazer isso é o homem. A gente ouviu isso. Ouvir é o nosso papel. Trazer você pra falar de qualquer coisa, qualquer assunto, mesmo que ele seja polêmico. A gente quer ouvir, quer entender. A gente não quer ditar, quer ouvir. A gente debate e não tem a ideia absoluta da coisa. A gente está aqui pra ouvir e pra perguntar”, esclarece.

Além de gostar do Podpah e do Flow, o Inteligência Ltda foi uma grande referência para Billy quando pensou no BahiaCast. Inclusive, se dependesse dele, o programa se chamaria Terceira Via, porque nasceu numa época pré-eleitoral. Contudo, numa votação, a sugestão dele perdeu para a de Kabas, que Serginho endossou. Hoje, ele sabe que a marca BahiaCast ficou forte. Tanto que já teve alguns desdobramentos, como o BahiaCast na Estrada, série de programas que fizeram na Chapada Diamantina. A prefeita de Lençóis já  fez o convite para o tradicional festival de lá. A expansão está acontecendo. “Muitas marcas grandiosas estão chegando. Eu não sei o tamanho do BahiaCast. Eu sei que a gente está trabalhando arduamente e preocupado em jogar conteúdo pra galera”. Billy se dedica quase 24h para o projeto. O seu plantão vai das 8h às 2h da madrugada. Se Deus ajuda quem cedo madruga, como diz o ditado, o céu será o limite para o BahiaCast.

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"Adolescendo Solar", Cultura, Jornalismo Cultural

“Tá Pago!” e com dinheiro vivo!

Exposição convida público a refletir sobre uso de dinheiro em espécie nas feiras livres

Por Raulino Júnior 

Hoje, 25 de agosto, é o Dia do Feirante, e o Desde resolveu fazer uma exposição virtual digital para refletir sobre como o dinheiro em espécie, ou melhor, o dinheiro vivo, ainda é muito usado nas compras feitas pelo público nas feiras livres. Mesmo com todas as opções de pagamento existentes hoje em dia, como cartão e Pix, nas feiras quem reina é a cédula e a moeda. É um traço da nossa cultura. A edição mais recente do Relatório de Economia Bancária (REB), publicação anual do Banco Central do Brasil (BC), que “trata de um amplo espectro de questões atinentes ao Sistema Financeiro Nacional (SFN) e às relações entre instituições e seus clientes”, traz um estudo que constatou que os brasileiros estão usando cada vez menos o papel-moeda em suas transações financeiras. Na considerações finais do boxe Evolução de meios digitais para realização de transações de pagamento no Brasil, o BC informa: “Este boxe apresentou o expressivo crescimento das transações por meio digital (instrumentos de pagamento alternativos ao papel-moeda e ao cheque) durante a última década no Brasil. Essa transformação foi o resultado de inúmeros fatores conjunturais e principalmente estruturais. […] A introdução do Pix pelo BC, um arranjo de pagamento com infraestrutura pública, de baixo custo e acessível a todos os usuários de serviços financeiros, representou importante papel nesse processo. As restrições de mobilidade decorrentes da pandemia da Covid-19 também foram relevantes para a aceleração do processo de digitalização das transações financeiras em curso no país”. Contudo, a feira tem sua dinâmica própria. Por isso, é livre. No dia em que as fotos da exposição foram feitas, vimos apenas uma cliente usando cartão para efetuar o pagamento. Nem ela nem o feirante permitiram que fizéssemos a fotografia.

Dia do Feirante

O Dia do Feirante é comemorado hoje porque faz uma homenagem à primeira feira livre do Brasil, realizada em 25 de agosto de 1914, no Largo General Osório, no bairro Santa Efigênia, na cidade de São Paulo  (Fonte: site da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP)). O Desde entrou em contato com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), “autarquia federal vinculada ao Ministério do Turismo que responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro. Cabe ao Iphan proteger e promover os bens culturais do País, assegurando sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras”, como consta no site oficial da instituição, para saber quais feiras do Brasil eram tombadas. Guilherme Gomes, assessor de comunicação do órgão, esclareceu que há feiras registradas como Patrimônio Cultural Brasileiro no Livro dos Lugares. São elas: a Feira de Caruaru (PE) e a Feira de Campina Grande (PB).

Tá Pago!

O título da exposição faz uma brincadeira com a expressão “Tá pago”, muito utilizada nas redes sociais digitais por adeptos de atividades físicas. Ao concluir o treino do dia, a pessoa informa que “pagou” o que estava “devendo” a si própria, que é o fato de ter a disciplina diária de se exercitar. Os treinos, obviamente, além da busca por um corpo socialmente considerado “bonito”, são sinônimos de vida saudável. A compra de alimentos nas feiras livres também tem o intuito de fazer com que a dieta seja mais saudável, evitando comer enlatados e outros itens industrializados. É na feira que compramos temperos hortaliças, frutas e verduras que são fundamentais para a nossa saúde. Tá pago lá e tá pago cá! E com dinheiro vivo!

Exposição Virtual

Fizemos algumas pesquisas para saber se poderíamos chamar a nossa exposição de “virtual”. Depois de muitas leituras, decidimos batizá-la assim. Em sua tese de doutorado, intitulada O museu que nunca fecha: a exposição virtual digital como um programa de ação educativa, a pesquisadora Alena Rizi Marmo Jahn afirma que “[…] a exposição virtual pode ser realizada sem precisar sair de casa, a qualquer hora do dia ou da noite, tendo facilmente ao alcance um universo inteiro para ser pesquisado e relacionado com o que está sendo exposto”, p.118. O trabalho foi apresentado à Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), em 2016.

A seguir, a nossa exposição virtual digital Tá Pago! As fotos foram feitas no dia 26 de julho de 2023, na feira livre da Avenida Joana Angélica, no centro de Salvador-BA. Todas as fotos foram tiradas por Raulino Júnior.

10 é 2,00!

R$20 na mão!
Moeda de R$1 é batata de encontrar na feira!
Quatro dinheiros!
Onça verde!
Compra e venda!
A preço de banana!
Dinheiro disputado!
Dinheiro melado!
Uva paga!
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"Adolescendo Solar", Crônica, Cultura, Desde Já, Jornalismo Cultural

“Fulano ficou metido…”

Imagem: reprodução do site da Gazeta do Povo .

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Um dia desses, eu parei e fiquei pensando no que faz uma pessoa ficar metida. Levantei algumas hipóteses e concluí que nem sempre tem a ver com dinheiro. Ter muito dinheiro pode ser um dos motivos pelos quais as pessoas se acham melhor que as outras, acima do bem e do mal, mas não é determinante. Às vezes, a pessoa já é metida por natureza e o poder aquisitivo dela não potencializa nem diminui aquilo que é um traço imanente.

Mas, se o fato de ter muita grana não determina esse estado de putrefação humana, o que contribui para isso? São vários motivos! Ter poder (que, necessariamente, não significa ter dinheiro), ser famoso (e apenas isso! Dar entrevista para o telejornal local de maior audiência já é uma porta de entrada para a “metideza”), ser referência no que faz, ter feito viagens ao exterior (e também para lugares considerados de prestígio dentro do próprio país!), ser artista (e se estiver em ascensão, então! Os iniciantes, muitas vezes, são mais metidos que os consagrados!), conhecer artista renomado, trabalhar com artista conhecido, ter saído de uma cidade pequena para morar numa cidade grande, ir para um emprego prestigiado… A lista é infinita. Vai de usar roupa considerada “de marca” a passar em processos seletivos disputados. Não é todo mundo que fica metido por causa das razões elencadas, mas é muita gente.

As razões para ser metido muda de tempos em tempos. Sempre houve quem influenciasse pessoas, mas, ao que parece, esse poder nunca foi tão rentável quanto hoje. Então, quem faz sucesso nas redes sociais digitais tem um prato cheio para ser metido. E come com farinha! Antigamente, passar no vestibular dava um status de superpoder às pessoas que se iludiam com isso. Hoje, se tornou banal. Quase ninguém mais fica metido porque passou no vestibular. É que, graças a Deus, deixou de ser algo exclusivo, para poucos. As políticas públicas ampliaram o acesso e quase todo mundo agora pode sonhar em ingressar numa instituição de ensino superior. O metido não é muito afeito a inclusão. Só que isso é um caminho sem volta. Que bom!

Claro que dizer que alguém está ou é metido parte de uma visão muito subjetiva, não é? O que é estar metido? Questão filosófica. Às vezes, pode ser um equívoco dos olhos de quem vê. Ou não. Agora, a pergunta que não quer calar: a pessoa fica metida ou só aguarda uma oportunidade da vida para se mostrar como exatamente é? Difícil ter uma resposta exata, porque o homem é também “produto do meio”, mas acredito que o gene da “metideza” já habita o corpo que vai se revelar mais tarde. Tudo é questão de tempo.

Sigamos.
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