#5AnosDoDesde, Crônica, Cultura, Desde Já, Jornalismo Cultural

O “serto” é ser “falço”?

Foto: Eduardo Dantas

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Viver não é fácil. Isso já foi amplamente dito por aí. Viver e lidar com pessoas é algo mais difícil ainda. E olha que eu adoro gente! Adoro mesmo! Quando passo por locais em que há muitas pessoas reunidas, a vontade que tenho é de falar com todo mundo, saber das histórias, dos rumos da vida. Sou um curioso nato. Gente me estimula. Não é por acaso que o nome do blog é Desde que eu me entendo por GENTE. Contudo, como diz uma famosa música do nosso cancioneiro, “não está sendo fácil/não está sendo fácil viver assim…”. Nesse “assim”, cabe um monte de coisa. Inclusive, ter que fazer tipo para viver. Definitivamente, não é a minha. Não dá. E ponto.

Basta observar algumas relações interpessoais para ter asco. Pelo menos, essa é a minha sensação. Há situações em que, nitidamente, a falsidade serve de mola propulsora para se conseguir algo. Essa, na verdade, é a regra atual. É um elogio aqui, uma adulação ali, um bajulamento acolá. Dessa forma, a vida segue e os objetivos são alcançados. Tudo na base do sorrisinho, abracinho e tapinha nas costas. Enfim, estamos perdidos.

Às vezes, chego a pensar que o certo é ser falso. Dá menos dor de cabeça. Não que eu concorde com isso, mas muita gente já percebeu que esse é o caminho das pedras. Ou melhor: o caminho mais fácil. O das pedras é feito por quem está do outro lado, do embate. Ser combativo não é e nunca vai ser a forma mais agradável de viver em sociedade, mas, apesar de tudo, vale muito a pena. De verdade. É mais honesto. Em todos os sentidos.

Da falsidade e dos conchavos nascem os nossos piores líderes e representantes, e as nossas referências também. Parece que quase ninguém faz essa associação. Inconscientemente (ou com consciência mesmo!), a sociedade perpetua muita coisa que, para manter um discurso bonitinho e apropriado, diz que rechaça. É a vida…

Sigamos.

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#5AnosDoDesde, Cultura, DESDEnhas, Educação, Jornalismo Cultural, Resenha, Teatro

Tradição nordestina no palco do Teatro Martim Gonçalves

Flávia Gaudêncio na pele de Frô: aula-espetáculo sobre tradição nordestina. Foto: Alessandra Nohvais

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

No mês em que se comemora o Dia do Nordestino (8 de outubro), uma boa forma de homenagear e conhecer um pouco mais as manifestações culturais oriundas do Nordeste é prestigiando a aula-espetáculo Trançados de Memória de uma Atriz-Brincante, em cartaz no Teatro Martim Gonçalves (Av. Araújo Pinho, Canela, Salvador-BA), até amanhã. A peça é dirigida por Érico José e foi concebida pela atriz e pesquisadora Flávia Gaudêncio, que atua na montagem. O espetáculo é fruto da pesquisa de mestrado da atriz.

Embora Flávia esteja sozinha no palco, Trançados está muito longe de ser um monólogo. A atriz propõe uma participação efetiva da plateia, que interage com frequência e também contribui para a tessitura da história. Trata-se de um “monólogo dialogado”, com todas as contradições que a expressão carrega. A aula é o encontro do trabalho de atriz de Flávia e a cultura brasileira, principalmente a manifestação do Cavalo-Marinho, tradição popular da Zona da Mata de Pernambuco e do sul da Paraíba. O folguedo recebeu o título da Patrimônio Imaterial do Brasil, em dezembro de 2014.

Ao dar vida a três personagens (AmbrósioVéia do Bambu e Mané Taião), a talentosa Flávia mostra as características e costumes do Cavalo-Marinho. O espetáculo tem um humor no ponto e conta com projeções de vídeo para auxiliar na narrativa. Impressiona a forma como a atriz empresta o corpo para assumir cada identidade no palco. É um trabalho de entrega bem preciso. No desfecho, Flávia brinda a plateia com a carismática Frô, que traz as características mais marcantes dos três personagens citados anteriormente. O único senão diz respeito à sonoplastia, que interferiu, muitas vezes, no momento em que a atriz estava dando o texto. O som e a fala de Flávia ficaram sobrepostos em alguns momentos, prejudicando a escuta do texto falado.

O espetáculo é valido (assim mesmo, sem acento, para brincar com um dos trechos da peça) e terá a última apresentação da temporada amanhã, às 18h. Os ingressos custam R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Quem estuda na Universidade Federal da Bahia (UFBA), não paga. Para isso, basta levar o comprovante de matrícula e um documento oficial com foto.

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Artigo de Opinião, Opinião, Preconceito, Racismo

De ser preterido, em 2016, por ser negro

Por Raulino Júnior

A coisa é seria. Mais séria do que você pensa. Só sendo negro para saber. É claro que não precisa ser negro para saber sobre a situação do negro no Brasil ou para lutar pelos ideais do povo negro. Precisa ser consciente. Mas, ser vítima de preconceito e de discriminação racial, só sendo negro para saber onde e como dói. A coisa é séria. Mais séria do que você pensa.

Qual é?! Foto: arquivo pessoal

Estamos em 2016, mas muitas pessoas agem como se tivéssemos no século XV, quando, ao meu ver, atitudes racistas e discriminatórias já eram um absurdo. É revoltante como o discurso de exclusão está naturalizado. É revoltante ver as desculpazinhas esfarrapadas que as pessoas usam para justificar o injustificável. É revoltante, muitas vezes, não agir de forma apropriada diante de tal situação. Há uma certa paralisia, um não acreditar que aquilo está acontecendo. É revoltante! A coisa é séria. Mais séria do que você pensa.

Estamos na era das seleções: de emprego, de estágio, de atores etc. Nessas seleções, o que deve ser levado em consideração? O que é mais importante: a habilidade para executar o trabalho proposto ou a cor da pele? Em condições normais de temperatura e pressão, seria a primeira opção; mas como vivemos numa sociedade racista, preconceituosa e discriminatória, a segunda prevalece. E prevalece na maior caradura! Com complementos, no final de uma pedrada, do tipo: “Eu adoro negro. Acho lindo esse tom de chocolate, mas…”. Eu não tenho tom de chocolate nem quero ser associado a tal. Não sou objeto. Sou negro. Sou pessoa. Sou humano. A coisa é séria. Mais séria do que você pensa.

Quando isso vai mudar? E vai mudar? Não sou pessimista e não gosto do pessimismo, mas, nesse caso, sou cético. Infelizmente. É duro ser preterido, apenas, por ser negro. É jogar toda a história de um povo no lixo e considerar que ela não valeu de nada. Mas ela valeu, sim! Mais do que nunca, é preciso ocupar, se apropriar, cavucar. A coisa é séria. Mais séria do que você pensa. O nosso enfrentamento também.

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