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“Tá tudo bem”, mesmo não estando

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Certa vez, propus às minhas turmas do 3º ano do ensino médio que fizéssemos uma exposição, no Instagram, para representar a diferença de estética literária entre Romantismo e Realismo. A ideia era postar uma foto de si próprio(a), na qual se considerasse bonito(a), para fazer alusão ao Romantismo; e outra foto do momento em que acordasse, com a cara inchada, amassada, cabelos desgrenhados e sinais de baba pelo rosto, representando o Realismo. A maioria dos estudantes não quis embarcar na ideia. Compreensível. Mostrar pontos considerados negativos e possíveis “imperfeições” não atende muito à lógica das redes sociais digitais. Nem da vida. Nelas, tudo tem que estar bem, mesmo não estando. Temos que editar a vida só com o lado bom.

A gente se acostumou tanto a falar que está tudo bem que, mesmo não estando, a gente fala. Sempre foi assim. Para o ser humano, é desconfortável mostrar sofrimento e fraqueza em praça pública. Com as redes sociais, tal comportamento se potencializou. Numa sociedade mediatizada, os olhares dos outros são câmeras olhando pra nós. E julgando o tempo todo. Então, você encontra uma pessoa conhecida na rua, ou em qualquer outro lugar, e a pessoa fala: “Que bom te encontrar! Como está? Tudo bem?”. A gente, sem pensar muito, engata: “Está tudo bem. Graças a Deus”. Não queremos expor os nossos problemas porque o pacto social é “performar” um bem-estar constante. É difícil alguém fazer uma pergunta daquela natureza e a gente responder: “Menino, estou com problema no trabalho. Tem um colega me perseguindo, inventando coisas sobre mim e eu estou a ponto de enlouquecer”. Quebrar o pacto gera estranheza no interlocutor, que não espera uma resposta assim. É estranho falar a verdade.

Dizer que tudo está bem é também (eita!) uma tática para repelir pessoas que não são tão confiáveis. Muitas vezes, a gente não quer render conversa com quem não tem importância pra gente nem dar vazão a especulações. É a autopreservação. Sendo assim, largamos que “está tudo bem” e encerramos o assunto. Funciona. Sempre funcionou. E sempre funcionará. Mesmo porque, quando tudo não está bem, essas pessoas são as primeiras a aparecer com falsas comiserações. Argh!

A vida é repleta de altos e baixos. Nem sempre está tudo bem, mas a gente insiste em disfarçar esse estado. Para quem? Com que interesse? A troco de quê? Certamente, a ideia de se mostrar perfeito pode justificar essa mania coletiva. Contudo, se tem uma coisa que não existe é perfeição. E isso é fato! Não adianta disfarçar.

Sigamos.

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