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O que é que o BahiaCast tem?

Podcast soteropolitano é uma tribuna aberta para todos os temas, até os controversos

Equipe que faz o BahiaCast acontecer. Da esquerda para a direita: Kabas, Suani Camila, Jorge Billy e Pedro Valente. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 

Em 1938, quando Dorival Caymmi compôs e gravou O que é que a baiana tem, um dos seus sambas mais conhecidos, jamais imaginaria que, anos depois, a ação de perguntar e ouvir a resposta, tal qual acontece na sua canção, seria algo que prenderia a atenção das pessoas na era da explosão tecnológica. É isso que acontece nos podcasts em vídeo (videocasts) que têm o bate-papo como o principal mote da programação. O BahiaCast é um deles. Fundado em Salvador em 19 de julho de 2021, por Jorge Billy, músico e professor, o programa é um espaço de escuta de tudo e de todos. “A ideia do podcast é ouvir. O podcast te ensina a escutar. Eu aprendi coisas aqui no podcast que eu não sabia. Eu só vim entender que eu tinha TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade), por exemplo, há pouco tempo, porque veio uma psicóloga aqui”, confidencia. A inciativa de criar o podcast nasceu durante a pandemia, período em que todas as pessoas foram obrigadas, de acordo com cada realidade, a trabalhar em casa. “Eu dava minha aula e os alunos pediam mais aula durante o dia. Terminava a minha aula e eles pediam para eu fazer lives à tarde. A live começou a cair, cair, cair. Eu comecei a pesquisar para ver o que podia fazer e, coincidentemente, veio um corte de um cara que já me treinou, Caio Carneiro, e Felipe Tito, um podcast que eles fizeram. Eu comecei a me interessar e o YouTube começou a mandar mais, aí veio o Podpah, o Flow e tal, comecei a assistir todos eles. Eu já tinha um ano de atraso. Não sabia nem que existia isso. Aí convidei Serginho (Sergio Nunes, vocalista da Adão Negro, banda da qual Jorge foi guitarrista. Serginho foi o primeiro apresentador do BahiaCast. De acordo com Billy, ele pediu afastamento em julho deste ano devido a outros compromissos profissionais) e Kabas. Serginho falou que era entusiasta e topou. Kabas já conhecia podcast há muito mais tempo e já tinha esse interesse. Só queria transformar para videocast, porque ele é especialista nessa parte do audiovisual, um cara estudioso pra caramba. Autodidata, mas muito competente para o que ele faz. Fizemos, começamos. Chamava a galera, chegava: ‘Vamos entrevistar vocês num podcast’. ‘Aonde? Pod o quê?’. Artistas não sabiam nem o que era podcast”.

Jorge Billy: idealizador e diretor geral do BahiaCast.

O empreendimento cresceu tanto que Billy, que foi professor até março deste ano, trocou de vez a sala de aula pelo estúdio. Formado em Letras e com 50 anos de idade, ele dedicou 28 ao magistério, ensinando em instituições públicas e privadas (a maior parte do tempo). “Não dava para conciliar as coisas”. Se, no início, alguns convidados marcavam e desmarcavam no mesmo dia a ida ao BahiaCast, hoje isso mudou muito. “Antes, a gente se humilhava, se ajoelhava. O cara marcava e, na hora, desmarcava. Hoje em dia, os produtores procuram a gente”. Indagado sobre quais critérios utiliza para aceitar ou não a sugestão de convidados, Billy chama Pedro Valente para a conversa: “Eu acho que tem a ver com a relevância para a nossa audiência. Tem gente que tem uma história extremamente interessante pra contar, mas a pessoa não é interessante pra contar. E, às vezes, é o contrário: a pessoa é uma subcelebridade, alguém que você não daria nada, mas é uma pessoa interessante. Aquela pessoa que, diante de você, sem câmera, sem nada, ela é magnética. Você iria conversar um tempão. Você ia achar o máximo. Ela ia dar umas tiradas incríveis, que iam dar cortes incríveis. Então, é a ciência menos exata que tem é essa aqui. Aí você vai ter os consagrados, não tem erro: Ivete Sangalo. Não tem erro. É uma estrela, consagrada, que é magnética, tem carisma, vai sentar aqui, vai dar cada corte incrível, mas é difícil a gente trazer para o BahiaCast, porque ela está sendo cortejada pela Record, pela Globo, por trezentos milhões de podcasts, enfim… Então, a gente fica nessa ciranda com a nossa agenda. Buscando gente que pode render, que seja interessante, que tenha uma história interessante ou que seja um assunto do momento”.

Atual apresentador

Pedro é o atual apresentador do BahiaCast. Ou, como a equipe trata, o host (anfitrião, em inglês). Em novembro de 2022, ele esteve no podcast como convidado. Logo após, recebeu o convite de Billy para ser c0-host. Dividiu a bancada com Serginho até julho. Depois, assumiu o comando do programa. Ao Desde, ele falou com foi a receptividade do público, uma vez que passou a integrar um projeto que já era bem-sucedido e que já tinha uma identidade. “No início, eu sofri  uma certa resistência dos seguidores antigos do BahiaCast. Porque o BahiaCast trazia pautas muito relevantes, raciais, minorias, e tudo mais, e eu, obviamente, não sou um representante de nenhuma minoria. Sou um cara hétero, sou branco. Então, houve, inicialmente, uma resistência. E até de uma forma agressiva comigo. Eu entendi o processo, segui o meu trabalho e acho que depois essa coisa se abrandou um pouco. De alguma maneira, eu acho que a gente ganhou algumas pessoas que torciam contra. Uma coisa que eu faço questão de fazer é: quando surge uma mensagem negativa e agressiva, eu peço pra botar na tela. Não pra constranger ninguém, é somente pra dizer: ‘Pô. Mas vamos lá: por que você está pensando isso? Será que realmente eu sou isso? Vamos falar sobre isso?’ Aí a pessoa desarma. Eu acho que isso é muito humano. Eu, no lugar dele, também me desarmaria”.

Pedro Valente: atual apresentador do BahiaCast. Foto: Raulino Júnior

Pedro tem 45 anos, é publicitário e influenciador digital. Ganhou notoriedade na pandemia, quando começou a fazer vídeos no Instagram para amenizar a ansiedade potencializada naquele período. A coisa pegou e as marcas começaram a chegar. Com isso, veio uma independência financeira que o fez encerrar uma sociedade que tinha com um amigo numa agência de publicidade. Antes de viralizar no Instagram, já usava a internet para dar as suas opiniões. Ele era um dos integrantes do Solteiropolitanos, que contava ainda com Léo Pirão, Daniel Rabello e Gabriel Dantas. O projeto, que teve início em 2017, tinha como intuito “abrir a caixa preta do universo masculino”. Tanto que o slogan era: “Papo de homem para mulher”. “O Solteiropolitanos era um podcast, só não tinha a mesa. Da experiência que adquiri lá, trouxe para o BahiaCast a atenção na hora de ouvir o convidado, além de ter o cuidado de não atropelar ninguém que está falando”. Pedro não tinha o costume de acompanhar podcasts. Passou a colocar na rotina quando começou a fazer parte da equipe do BahiaCast. Ao falar sobre a função do programa que apresenta, ele é categórico: “É a Bahia traduzida para baianos e para não baianos”.

O cara da técnica

Kabas concentrado durante a exibição do episódio com Igor Kannário, no dia 13 de setembro. Foto: Raulino Júnior

“Eu sou quem opero aqui, basicamente, todo equipamento técnico. Sou eu quem faço os cortes daqui. Sou eu que faço toda a programação das próprias lives. Eu faço, praticamente, a parte técnica toda. Desde  programar a live, que é o início de tudo, até a finalização. E aprontar o episódio do dia seguinte”. Essa foi a resposta de Kabas ao ser questionado sobre qual era a sua função no BahiaCast. Ao acompanhar dois episódios no estúdio, a equipe do Desde percebeu o quanto que o profissional fica ligado em tudo. Áudio, vídeo, posicionamento da câmera e dos objetos. Se qualquer coisa sai do esperado, ele organiza ou se comunica com Pedro Valente e com Jorge Billy, para deixar tudo organizado. “Kabas” é o apelido de Valterson Carvalho. “Kabas vem de El Cabong. Eu sou músico. El Cabong era um desenho antigo. Era um cavalo que atacava os vilões com um violão na cabeça. E meu nick da internet era El Cabong. Eu era El Cabong, há muito tempo, mas acabavam me chamando de Kabas”. Como podcast é um formato mais livre, perguntamos a Kabas se programas dessa natureza têm diretor: “Tem diretor. Na verdade, Billy é chamado diretor, mas aqui, fazemos todos a direção. Vou dando dicas pra ele em tempo real. Tem direção, agora é uma direção muito dinâmica”.

A produtora

Suani Camila: produtora do BahiaCast.

Suani Camila é a produtora do BahiaCast. Para que tudo vá ao ar de maneira satisfatória, ela fica atenta aos detalhes. “Eu sou a responsável pela agenda, por marcar com o pessoal para dar entrevista aqui, montar o estúdio, ver a alimentação e a comunicação também. Recepciono os convidados e as pessoas que vêm com eles. A gente funciona como estúdio de gravação, alugamos o estúdio, e eu fico responsável pela parte de recepcionar os outros podcasts”. Além do BahiaCast, o estúdio abriga o CadyCast, de Daniel Cady; o PodSena, de Darino Sena; e o +1Pod, de Psit Mota. Por isso, Pedro apelidou a empresa de “Projac Baiano dos Podcasts”, numa referência ao antigo nome dos Estúdios Globo. Suani explica a dinâmica para agendar as entrevistas: “Às vezes, o pessoal procura a gente. Antigamente, a gente que procurava. Hoje em dia, estão procurando bastante a gente. Eu olho a agenda, vejo se a do mês está fechada. Se não estiver, eu dou até duas opções de data e horário”.

O formato podcast e o BahiaCast

Registro do bate–papo entre Pedro Valente, Leozito Rocha (anfitrião convidado) e Igor Kannário , durante episódio do BahiaCast. Foto: Rauino Júnior

Embora haja relatos do surgimento de podcasts já na década de 1980, é no final dos anos 90 e início de 2000 que o formato começa a ser difundido com mais ênfase. O ano de 2004 é considerado como um marco na trajetória histórica do podcast. Foi quando o americano Adam Curry e o britânico Dave Winer criaram um programa digital de rádio que podia ser ouvido e baixado de acordo com a vontade dos ouvintes, na hora em que eles quisessem. Inclusive, é isso que caracteriza esse produto midiático. A escuta por demanda é o que também explica o sucesso do podcast. O nome “podcast” vem da junção de iPod, extinto reprodutor de áudio da Apple, com “broadcast”, que significa transmissão. Atualmente, com a popularização, a palavra se refere tanto a programas que disponibilizam apenas o áudio quanto os que são audiovisuais. Cada pessoa opta pela forma que mais lhe agrada. Ou seja, se vai escutar ou se vai assistir.

Independentemente da forma, a audiência do BahiaCast é cativa. De acordo com Billy, os soteropolitanos são os que mais acompanham. Em seguida, nesta ordem, vem os bahiacasters (como o próprio podcast denomina as pessoas que acompanham) de São Paulo e do Rio de Janeiro. Depois, os feirenses e os lauro-freitenses. Ele atribui a popularização dos podcasts à credibilidade que o formato traz. “A galera está creditando uma verdade aos podcasts. Por isso, eles vêm crescendo. Não é nenhum artista que acaba conduzindo as pessoas a um determinado assunto. É um cara igual a mim que está falando, que eu não conhecia, nunca tinha ouvido falar. Então, você acaba acreditando um pouco mais”. Para o diretor, o principal objetivo do BahiaCast é ouvir: “Ouvir várias pessoas, explicando seus pontos de vista, sua forma de viver. A gente teve Aline Castelo Branco, por exemplo, que falou que a mulher não pode pegar peso e tal, que quem tem que fazer isso é o homem. A gente ouviu isso. Ouvir é o nosso papel. Trazer você pra falar de qualquer coisa, qualquer assunto, mesmo que ele seja polêmico. A gente quer ouvir, quer entender. A gente não quer ditar, quer ouvir. A gente debate e não tem a ideia absoluta da coisa. A gente está aqui pra ouvir e pra perguntar”, esclarece.

Além de gostar do Podpah e do Flow, o Inteligência Ltda foi uma grande referência para Billy quando pensou no BahiaCast. Inclusive, se dependesse dele, o programa se chamaria Terceira Via, porque nasceu numa época pré-eleitoral. Contudo, numa votação, a sugestão dele perdeu para a de Kabas, que Serginho endossou. Hoje, ele sabe que a marca BahiaCast ficou forte. Tanto que já teve alguns desdobramentos, como o BahiaCast na Estrada, série de programas que fizeram na Chapada Diamantina. A prefeita de Lençóis já  fez o convite para o tradicional festival de lá. A expansão está acontecendo. “Muitas marcas grandiosas estão chegando. Eu não sei o tamanho do BahiaCast. Eu sei que a gente está trabalhando arduamente e preocupado em jogar conteúdo pra galera”. Billy se dedica quase 24h para o projeto. O seu plantão vai das 8h às 2h da madrugada. Se Deus ajuda quem cedo madruga, como diz o ditado, o céu será o limite para o BahiaCast.

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MerrECA: cadê as políticas culturais voltadas para adolescentes?

Em Salvador, faltam ações culturais pensadas para os adolescentes e profissionais do setor reconhecem a lacuna

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 

No seu Capítulo IV, ao tratar do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) traz o seguinte: “Art. 59. Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude”. Um pouquinho antes, no artigo 4º, há uma alínea que diz que crianças e adolescentes devem ter “preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas”. Isso, em Salvador, e também considerando o estado da Bahia, não passa de uma falácia. Desde o fim de fevereiro, o Desde apura essa questão para esta reportagem e o resultado de todas as pesquisas feitas é de que há uma lacuna nas ações voltadas para esse público. A ausência de políticas públicas de cultura para adolescentes é evidente e reconhecida por pessoas do setor, como Fernando Guerreiro, atual presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), “órgão vinculado à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (SECULT), que tem como finalidade formular e executar a política cultural do Município de Salvador”, como consta no site. Questionado sobre esse problema, Guerreiro não titubeou: “Recentemente, George [Vladimir], que é hoje é o meu gerente de produção cultural, teve um encontro com Marcone Araponga, que é um grande produtor dessa área infantojuvenil, provocou justamente essa questão e George chegou para mim, semana passada [a entrevista foi feita em 27 de março, durante evento comemorativo pelo aniversário de Salvador, na sede da Associação dos Procuradores do Município do Salvador] com essa demanda: ‘Guerreiro, a gente precisa trabalhar pra esse segmento’. Então, a gente já está estudando como é que a gente vai entrar, dentro dos editais, com especificidade para esse segmento”. O gestor tocou num ponto crucial dentro do debate, que é a formação de público para espetáculos de cultura: “Porque tem um negócio interessante: se a criança não vai ao teatro e o adolescente não vai ao teatro, o adulto não vai. Se ele não está acostumado a ir ao museu, ele não vai quando ficar adulto. Se ele não está acostumado a ir ao cinema, ele

Fernando Guerreiro: “O adolescente fica num limbo quando se trata de política cultural”. Imagem: Arquivo do Desde/Janeiro de 2017

não vai. Então, a coisa tem que começar desde pequeno. Hoje, você já tem teatro para bebê […] e a grande lacuna você sabe onde é? Adolescente. Você tem teatro infantil, mas o segmento adolescente fica num limbo aí. Então você vai, leva o seu filho, quando ele chega aos dez, doze anos ‘Eu não quero ver peça infantil! Coisa ridícula!’, e muitas vezes não quer ir para o adulto. Então, você tem uma lacuna que a gente vai ter que se debruçar. A gente teve um projeto em Salvador brilhante, chamado Cuida Bem de Mim, que foi um projeto criado pelo Liceu de Artes e Ofícios, que circulou durante muito tempo. Wagner Moura passou por lá, Lázaro Ramos passou por lá, que é um projeto, justamente, voltado para esse público, em cima de preservação das escolas. No final do depoimento, o presidente da FGM reforçou a ausência e falou sobre a importância de convocar artistas adolescentes para construírem ações voltadas para eles, uma vez que vão traduzir o que gostam e o que querem ver sendo implementado. “Então, é um segmento que eu acho que a gente precisa ter uma atenção especial. O infantil, mas, principalmente, o adolescente, porque hoje ele está com o celular colado no rosto o dia inteiro. […] Então, é um trabalho que a gente tem que fazer muito passo a passo, para trazer esse público para o teatro. E aí eu venho com o diretor também ligado no público. Ele tem que ser ágil, tem que tocar em temas que interessem, tem que ter a tecnologia no meio, dialogar com eles. Tem que trazer, inclusive, atores adolescentes para construírem isso junto, porque eles vão dizer o que é que eles querem ver. Eles vão colocar ali o que é que vai ser interessante”.

George Vladimir: diálogo aberto com os fazedores de arte para os adolescentes. Imagem: reprodução das redes sociais

O Desde aproveitou o ensejo e conversou também com George Vladimir,  gerente de promoção cultural da FGM, para saber quais, de fato, são as ações que estão sendo pensadas dentro do órgão para o fomento cultural do público em debate e ele citou três ações que estão prestes a ser colocadas em prática. “A gente, por enquanto, ainda está pensando nisso, vendo quais as vertentes de política cultural a gente pode fazer para esse segmento, mas uma coisa a gente já está decidido: a gente vai destinar uma parcela dos contemplados dos nossos editais, exclusivamente, para projetos voltados para infâncias e juventudes. A outra política que a gente tem pensado, é trazer para próximo esse público consumidor para um diálogo. Então, vamos nos reunir com fazedores de arte adolescentes para pensar junto com eles políticas públicas para esse segmento. A outra coisa é garantir, dentro das nossas pautas do programa Boca de Brasa, sempre um percentual fixo destinado para a produção de arte desse segmento. Então, acho que a primeira coisa é a gente garantir a presença desse segmento dentro das políticas que a gente já desenvolve, com uma parcela realmente de foco. E, juntamente com esse público consumidor, com os fazedores de arte voltada para esse público, é chegar no entendimento do que mais a gente pode fazer”.

O blog entrou em contato com a assessoria do atual secretário de Cultura e Turismo de Salvador, Pedro Tourinho, a fim de saber qual é a posição da pasta sobre o assunto, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos resposta. Enviamos três e-mails, nas seguintes datas: 27 de março, 5  e 17 de abril. Nas mensagens, a secretária do gestor pedia para a gente aguardar o retorno, que ainda não chegou. Assim que acontecer, vamos atualizar a reportagem.

O que é política pública

Em linhas gerais, políticas públicas são decisões governamentais (de todas as esferas: municipal, estadual e federal) que têm como objetivo assegurar os direitos dos cidadãos. Tanto para a sociedade como um todo quanto para um determinado segmento, como está sendo discutido aqui. Como já foi colocado no texto, a política pública de cultura é assegurada no ECA, só para citar uma legislação. O infográfico abaixo, copiado do site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), é bem didático ao explicar todo o processo para que uma política pública seja implementada:

Políticas Públicas - Sobre

Em 2021, o Tribunal de Contas da União (TCU), que é, reprodução do site, “responsável pela fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades públicas do país quanto à legalidade, legitimidade e economicidade”, publicou uma cartilha para que a sociedade civil entendesse o que é política pública. Intitulada Política Pública em Dez Passos, a publicação conceitua: “Políticas públicas podem ser definidas como o conjunto de diretrizes e intervenções emanadas do estado, feitas por pessoas físicas e jurídicas, públicas e/ou privadas, com o objetivo de tratar problemas públicos e que requerem, utilizam ou afetam recursos públicos”.

Adolescentes com a palavra

Carla Silva: “Eu acabo indo para os mesmos lugares”. Imagem: reprodução das redes sociais

O Desde, obviamente, foi ouvir os maiores interessados na pauta: os próprios adolescentes. Conversamos com duas meninas, ambas de 17 anos, para saber quais são os anseios delas sobre as ações culturais. As opiniões de cada uma foram bem diferentes. Carla Silva, que é modelo, atriz, poetisa e cantora, acha que Salvador não tem boas opções de atividades culturais para adolescentes. “Salvador é uma cidade conhecida pelos seus talentos, onde você for irá encontrar pessoas movidas pela arte, porém, dificilmente você encontrará locais onde oportunizem crianças e adolescentes a terem uma formação artística. Quando achamos, são projetos sem nenhum apoio governamental. Projetos criados por pessoas que não tiveram oportunidade e resolveram mudar essa rota de falta de acessibilidade”. De acordo com a artista, ela acaba indo sempre aos mesmos lugares, quando quer se divertir. “Mesmo que Salvador seja uma cidade turística, uma cidade que recebe muita gente, para quem mora aqui, acredito que falta investimento cultural. Eu, como adolescente, acabo indo para os mesmo lugares, como o cinema, por exemplo”. Para ela, a cidade deveria valorizar mais os artistas e potencializar projetos de formação artística. “Uma cidade tão bonita e tão potente deveria valorizar a gama de artista que tem; patrocinando peças de teatro (em horários acessíveis também, porque quando surgem são no turno da noite e a cidade infelizmente é muito perigosa), potencializando projetos que formam artistas, criando projetos para incentivar jovens a se descobrir no mundo da arte. A gente cansa de ouvir artistas dizendo que se descobriram na arte por meio de concurso de canto, por exemplo, e acho que seria um investimento bom pra cidade, atrairia essa curiosidade até de quem ainda não está imerso nesse meio, de quem não se reconhece como artista”.

Stephanie Braga: “Gostaria que tivesse mais shows para a nossa faixa etária”. Imagem: reprodução das redes sociais

Stephanie Braga acha que a capital da Bahia tem boas opções de atividades culturais para os adolescentes. “Eu adoro visitar lugares assim aqui em Salvador, mas muitos não possuem tanta visibilidade e acabam ficando meio descuidados ou repetitivos”. Quando sai com os amigos, ela costuma ir ao shopping, para ver algum filme, aos parques ou vai para a Barra só para andar mesmo. Ela queria que a cidade tivesse mais shows voltados para os adolescentes, com preço modesto. “Gostaria que tivesse mais shows para nossa faixa etária, mais atrações em teatros ou em rua mesmo. E também com um preço mais acessível, porque muitas vezes deixamos de ir por serem bem caros”, reclama.

O que o estado (não) tem feito

No estado, a situação não difere muito do município. A Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) foi categórica ao responder o e-mail enviado pelo Desde: “Informamos que está [sic] Fundação não tem nenhum projeto especifico [sic] para o público adolescente, porém temos projetos direcionado para o público infantil que se chama Dança para Infância que terá sua terceira edição em 2023”. A mensagem foi enviada por Aline Lepingard, assessora da diretoria das artes da FUNCEB. Entramos em contato também com a Fundação Pedro Calmon (FPC). Solicitamos, no dia 22 de fevereiro, uma entrevista com o atual diretor geral, Vladimir Pinheiro, não obtendo êxito. Entre as muitas mensagens trocadas, Weslana Azevedo, secretária da Diretoria Geral da FPC, disse, no dia 15 de março, que “ainda não conseguimos ajustar uma possível data”. Ligamos para a fundação no dia 20 de março informando que, na impossibilidade do encontro presencial, mandaríamos as perguntas para Pinheiro responder. Assim foi feito. No dia 27 de março, recebemos um e-mail de Weslana em que ela dizia que as perguntas encaminhadas para o diretor foram respondidas por Tamires Neves Conceição, diretora do sistema estadual de bibliotecas públicas da Bahia. Decidimos reproduzir aqui a íntegra das respostas, para que os leitores tirem as próprias conclusões:

  1. Quais os projetos culturais da FPC pensados para o público adolescente?

A Fundação Pedro Calmon por meio da Diretoria de Bibliotecas Públicas do Estado da Bahia (DIBIP), desenvolve Projetos Culturais, voltados a todos os perfis de públicos. Estes estão categorizados em: projetos temáticos mensais e subprojetos que ocorrem durante todo o ano. 

Tanto nos projetos temáticos, como também nos específicos, existem ações que tem por objetivo atingir o público-alvo que são adolescentes, tais como: Gravidez na Adolescência; Oficinas de Grafite; bate papo com temáticas diversas desde a questão da Mulher na [sic] Adolescente ao Mercado de Trabalho; Oficinas Literárias voltadas ao desenvolvimento de escrita criativa;  Apresentação teatral; Mediação de leitura, entre outros.

Além dos citados, tem também: Aulões nas Bibliotecas (voltados principalmente para o ENEM) e o Projeto Companhia de Teatro da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato que atende ao público de 8 a 17 anos.

  1. Esses projetos acontecem quando? São calendarizados?

Todas as ações culturais são executadas, seguindo como base um Calendário Cultural que é construído anualmente, em conjunto, pelas unidades de bibliotecas. Neste calendário é considerado temáticas guarda-chuva que norteiam grande parte das ações de determinado mês, além de listar datas comemorativas e/ou de conscientização, aniversário de grandes personalidades do mundo da cultura e marcos históricos. Ex: uma palestra no mês de Março pode trazer em seu tema algo relacionado ao Dia das Mulheres, que é comemorado neste mês, bem como em Novembro pode ser realizado um evento que faça referência ao Dia da Consciência Negra. 

Nesse sentido, existem ações que são semanais, outras mensais, ou mesmo anuais, a depender da data, projeto ou subprojeto, o qual está relacionado, como é possível ver abaixo: 

Assim sendo elencamos os Projetos desenvolvidos pela Diretoria de Bibliotecas (DIBIP)

      Projetos Guarda-Chuva

  • Verão Nas Bibliotecas ( janeiro e fevereiro)
  • Março Mulher ( março)
  • Abril do Livro Infantil ( abril)
  • Maio da liberdade ( maio)
  • Festas Juninas ( Junho) 
  • Comemorações ao Dois de Julho ( julho)
  • Cultura Popular (agosto)
  • Leitura para Todos ( setembro)
  • Mês da Criança ( outubro)
  • Novembro Negro ( novembro)
  • Natal Solidário ( dezembro)
Outro Projetos que compõem as DIBIP que acontecem durante todo o ano, independente do mês.
  • Saúde nas Bibliotecas 
  • Aulões nas Bibliotecas
  • Companhia de Teatro da BIML
  • Projeto Encontro com o Escritor
  • Terça do Empoderamento
  1. Há algum documento institucional que embase tais projetos? Ele está disponível? Onde?

Os Projeto são acompanhados internamente pelo Sistema Eletrônico de Informações (SEI) e publicizados por meio do site oficial da FPC: http://www.fpc.ba.gov.br/ o qual contém a programação cultural das bibliotecas públicas estaduais (https://sway.office.com/sEBW4XjnOB3Ga7R4?ref=Link) (https://sway.office.com/BC1KnEPiHEbW2Rbk?ref=Link). 

  1. Em 2023, quais projetos serão, de fato, implementados para esse público? E quando vão acontecer?

Como dito anteriormente, ações culturais tais como palestras, cursos, oficinas entre outros, ocorrem periodicamente nas Bibliotecas Públicas que integram o SEBP. Quanto a especificamente aos Aulões nas Bibliotecas (voltados principalmente para o ENEM)  (abri [sic] a dezembro) e Projeto Companhia de Teatro da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato que atende ao público de 8 a 17 anos. abril a dezembro.

A gerência do Sistema Estadual de Bibliotecas está à disposição nos seguintes contatos: 71 3277-3253/ gesb.programacao@fpc.ba.gov.br/ gesb.fpc@fpc.ba.gov.br

De fato, o público adolescente merece mais atenção dos órgãos de fomento à cultura. Caso contrário, a formação de plateia para os espetáculos ficará comprometida e, quando todo mundo se der conta, será tarde demais para resolver o problema. É preciso cumprir o que está preconizado no ECA. Muitos profissionais do setor, ouvidos para esta reportagem, reconheceram que a lacuna existe. Quais serão as ações planejadas para mudar essa realidade?

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Homenagem a Riachão reforça grandiosidade do artista

Sambista foi homenageado por amigos e admiradores em seminário no IGHB

Riachão: artista ganhou merecida homenagem no IGHB, em Salvador. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
“O samba é Deus e Deus é o samba. O samba é alegria, é vida, é ternura, é tudo de bom. O samba é Deus, Deus é a música. O samba, para mim, é Deus. Nada melhor do que Deus. Então, a música está, realmente, no coração de toda a humanidade”. Foi assim, ao ser indagado o que era o samba, que o próprio Riachão, 97 anos, abriu o seminário Eu sou o Samba, realizado em sua homenagem, na tarde de ontem, no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), em Salvador. Com seu jeito peculiar, o sambista encantou a todos com a alegria e vivacidade de sempre. Para a homenagem, o IGHB reuniu um time de admiradores de Clementino Rodrigues (nome de batismo de Riachão): Roberto MendesAlessandra CarvalhoJuliana RibeiroÊnio Bernardes e Chocolate da Bahia.

Da esquerda para a direita: Alessandra Carvalho, Juliana Ribeiro, Riachão, Roberto Mendes e Enio Bernardes. Foto: Raulino Júnior

Roberto Mendes falou sobre a origem do samba e sobre o samba chula. No final da apresentação, cunhou: “O samba é Deus de barriga cheia”. Concordando, assim, com as palavras do homenageado. Em seguida, foi a vez de Juliana Ribeiro reverenciar o mestre Riachão (a cantora e todos os convidados se referiram assim a ele, o tempo todo). Ela abriu a exposição com um áudio de Retrato da Bahia, uma das composições mais conhecidas do cantor. Enquanto a música era reproduzida, Riachão se balançava na cadeira onde estava sentado, feliz da vida. No seminário, Juliana falou sobre as histórias dela com o artista e os encontros proporcionados pela vida artística. O primeiro, por exemplo, foi em 2009, num show durante a Festa de Santa Bárbara. A cantora destacou a generosidade e vitalidade de Riachão: “Essa vitalidade ele tem sempre. Está sempre disposto, sempre disponível. Ele também é muito generoso. Não existe um momento de cantar. Ele está sempre cantando. Não para nunca”. Além disso, Juliana pontuou o fato de Riachão colocar a mulher, na própria obra e na vida, num lugar sagrado: “Ele tem noção de equidade de gênero e conseguiu transmutar o machismo, lembrando que é um homem que nasceu no início do século 20. Por decisão própria, não canta mais ‘Vá morar com o diabo‘”, explicou. No final, Juliana colocou Até Amanhã para tocar, Riachão deu canja e aproveitou para cantar também Somente Ela.

Chocolate da Bahia (nome artístico de Raimundo Nonato da Cruz) fez uma verdadeira intervenção durante o seminário. Contou histórias de sua vida, falou da importância que Riachão teve para o início de sua carreira e cantou algumas de suas músicas e jingles. No final, entoou Cada Macaco no seu Galho, para alegria do homenageado. Alessandra Carvalho, filha de Chocolate, trouxe um tom mais acadêmico para o seminário, ao apresentar informações da sua dissertação de Mestrado, defendida em 2006. Na ocasião, falou sobre o contexto histórico do nascimento do samba e desmistificou a ideia de que o samba foi prontamente aceito na sociedade da época: “A história que descobri, pesquisando sobre o samba, é uma história de muita luta, exploração, fome e pobreza”, elucidou. Enio Bernardes contou um pouco de sua relação com o samba e mostrou-se preocupado com a preservação desse patrimônio cultural. Ao falar de Riachão, choveu no molhado: “Você chega na casa dele, a primeira coisa que ele fala, depois que a gente cumprimenta, é: ‘Já comeu? Já bebeu?’. É um cuidado, uma generosidade que não tem tamanho”.

Roda de Bambas

Na homenagem, o que não faltou, obviamente, foi samba. Tanto o homenageado quanto os artistas convidados cantaram músicas do gênero e transformaram a sede do IGHB numa típica roda de samba. E roda de samba que se preze tem que ter muitas histórias. Riachão aproveitou para contar as dele. Contou, por exemplo, como fez a sua 1ª composição, em 1936, aos 25 anos de idade: “Saí da alfaiataria com destino à Ladeira da Misericórdia, para comprar material de trabalho. Vi um pedaço de papel de revista no chão, peguei e estava escrito: ‘Se o Rio não escrever, a Bahia não canta’. Aquilo não saiu da minha cabeça. No dia seguinte, compus a música”, recorda. No vídeo abaixo, você escuta trecho do samba, que não tem nome.

Exclusivamente para o Desde, o sambista falou como foi receber a homenagem promovida pelo IGHB.

O cantor e compositor Roberto Mendes falou sobre a marca que Riachão deixa para o mundo, não só para o samba, e revelou: “Se um dia Deus me permitir voltar, quero ser Riachão”. Veja o vídeo abaixo.

Artista, digamos, da nova guarda do samba, a cantora e compositora Juliana Ribeiro disse que participar da homenagem para Riachão foi fundamental. Segundo ela, artistas como Riachão abriram caminho para ela e para tantos outros: “Se não tivesse Riachão, como é que eu estaria aqui?”. No vídeo abaixo, você confere a declaração de Juliana.

Para finalizar o seminário, uma roda de samba só com músicas de Riachão reuniu bambas de todas as etnias, idades, gêneros e credos, como o homenageado gosta.

Homenagem acabou em samba. Foto: Cleide Nunes

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Um olhar mais do que necessário

Em oficina na sede da ABI, jornalista Ednilson Sacramento deu dicas de como fazer a abordagem, na Comunicação, sobre pessoas com deficiência

Ednilson Sacramento: acessibilidade na mídia. Foto: Gabriel Conceição

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
Na manhã de ontem, profissionais de Comunicação e interessados na temática da acessibilidade se reuniram na sede da Associação Bahiana de Imprensa(ABI), em Salvador, para ouvir as dicas e experiências do jornalista Ednilson Sacramento, durante a oficina Pauta eficiente: como abordar a deficiência na imprensa. Idealizada por Ednilson, a atividade é um desdobramento de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), da graduação em Jornalismo, defendido em 2017, na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA). “Falta formação para abordar a pauta na imprensa”, afirmou Sacramento, que abriu a oficina falando sobre a condição da pessoa com deficiência no Brasil e de sua própria história: “Atualmente, curso Produção Cultural na Facom e faço parte do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COMPED). Eu não nasci com a deficiência, adquiri com o tempo”. Ele teve uma perda gradual da visão, ocasionada por uma retinose pigmentar. Aos 33, 35 anos, não sabe dizer ao certo, houve a perda definitiva. Hoje, aos 57, ele usa a experiência de vida e os conhecimentos adquiridos na academia (além de jornalista, é bacharel em Humanidades, pela UFBA, e licenciado em História, pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC)) para elucidar questões sobre como deve ser o tratamento ideal, na imprensa, para pessoas com deficiência.
“Deficiência não significa ineficiência”

Durante o encontro, Ednilson disse que o que se costuma ver nas coberturas jornalísticas é uma abordagem biomédica da pessoa com deficiência, em vez da abordagem social. Na primeira, segundo ele, apenas a doença prevalece; já na segunda, que é a mais adequada, a pessoa é vista como pessoa. Soa até estranho afirmar isso, mas, por incrível que pareça, é necessário enfatizar. Por isso, a primeira recomendação que passou foi voltada para a linguagem utilizada nas matérias. Ela deve ser condizente com as singularidades da pessoa. Em vez de “preso em cadeira de rodas”, o ideal é usar “pessoa em cadeira de rodas”. A pessoa sempre tem que ser colocada em primeiro lugar. “Deficiência não significa ineficiência”, destaca o jornalista. O uso de “cadeirante” é aceito, mas a palavra não é formal. Não se deve usar termos como “deficiente”, “diferente”, “especial”, “aleijado”, “vítima”, “retardado”, “excepcional” e a expressão “portador de necessidades especiais” para se referir a pessoas com deficiência. O adequado é “pessoas com deficiência” mesmo. Para as pessoas que não têm deficiência, o que deve ser usado é “pessoas sem deficiência”, e não “pessoa normal”.O tom, muitas vezes dramático de algumas reportagens em que há o protagonismo de pessoas com deficiência, principalmente no audiovisual, é outra coisa que não faz sentido. “A ideia não é não pautar, é não fazer uso dessa atmosfera dramática”, pontuou Ednilson. Na ocasião, citou o programa Teleton, do SBT. De acordo com ele, a abordagem da edição de 2018 foi um pouco melhor.A importância do uso da janela com interpretação da Língua Brasileiros de Sinais (LIBRAS), legenda para surdos e ensurdecidos e audiodescrição (narração que descreve em palavras as cenas sem diálogos), nas produções audiovisuais, foi destaque na oficina. De acordo com Ednilson, o princípio da redundância, que consiste no fato de repetir uma informação, mesmo que ela esteja posta de forma escrita, é uma medida que auxilia bastante também. Para conteúdos imagéticos, a descrição é a maneira mais adequada para garantir a acessibilidade. Nesse sentido, é importante informar as cores que aparecem na imagem, usar períodos curtos, evitar uso de adjetivos e anunciar o tipo de imagem (card, fotografia, cartaz, ilustração).

Para entrevistar uma pessoa com deficiência, os profissionais de Comunicação devem seguir as mesmas recomendações de quando a entrevista é com uma pessoa sem deficiência. Só precisam se preocupar em perguntar se a fonte vai precisar de alguma acomodação específica ou de um intérprete. Caso o local da entrevista seja desconhecido, é fundamental saber se há estrutura física com acessibilidade.

Destaque para as redes públicas

Quem acompanhou a oficina, achou a atividade bastante significativa. Para I’sis Almeida, 23 anos, bacharela em Artes pela UFBA e estudante de Jornalismo da mesma instituição, a formação preenche uma lacuna constante na academia e na sociedade. “Essa formação é essencial. A gente tem a infelicidade de não ter na nossa graduação, na grade curricular. Não somente o caso das pessoas com deficiência, a gente não tem uma formação em como saber abordar os casos de racismo na mídia, a gente não sabe como lidar com as questões de gênero, com as questões de classe, com as questões LGBTs e uma série de outras questões que dizem respeito, para mim, sobretudo, aos direitos humanos e à dignidade humana. Para mim, a importância é para além da área da Comunicação, mas principalmente para a Comunicação, porque eu acho que a Comunicação é, praticamente, a mãe de tudo. Você não educa uma criança, sem comunicar. Então, eu acho que o jornalista, hoje, precisa ser o profissional que está formado, adaptado pra lidar com os mais diversos níveis de público”. Questionada sobre como pretende usar os conhecimentos adquiridos na oficina, a estudante não titubeia: “Eu tenho um portal que é direcionado para adolescentes e adultas negras e isso já me orientou, me escureceu [por ideologia, ela não costuma usar “esclareceu”] mais como dentro do nosso portal a gente vai poder aplicar estratégias para que o nosso conteúdo seja inclusivo. Mais especificamente, na graduação, acho que a única forma que a gente tem é cobrando à diretoria, à coordenação que isso seja incluído na grade curricular”. O portal a que I’sis se refere é o Black Fem, do qual é uma das coordenadoras.

I’sis Almeida: “A importância é para além da área da Comunicação”. Foto: Raulino Júnior

A jornalista e assessora de imprensa da ABI, Joseanne Guedes, 30 anos, destacou a importância de a entidade abrigar o evento e trazer a temática para a mesa de discussão: “A ABI é uma entidade que reúne os profissionais ligados à atividade da imprensa, à atividade da comunicação e é importante a gente sempre estar ‘linkado’ com essas pautas, uma pauta de relevância extrema, trazida por Ednilson. Nós temos uma deficiência muito grande na nossa formação. Eu acho que a sociedade, de um modo geral, não está acostumada a lidar com essas temáticas. Então, a ABI, nesse sentido, firmou essa parceria com Ednilson como uma forma de trazer essa capacitação para os profissionais. A gente precisa estar sempre atento sobre como utilizar as nomenclaturas corretas e também a dar um tratamento digno e conveniente para essas pessoas com deficiência”.

Na opinião de Ednilson, as redes públicas de comunicação têm feito um trabalho que se aproxima do ideal, quando se trata da cobertura abordando pessoas com deficiência: “Hoje, no Brasil, a gente tem uma cobertura um pouco mais condizente com as novas tendências dos direitos humanos, do respeito à diversidade, nas redes públicas de comunicação. A gente ainda tem uma dificuldade com os veículos privados, que parece que ainda não atentaram para uma cobertura que dê a representação devida a alguns segmentos. Aí vale para pessoas com deficiência, indígenas, quilombolas e outras tantas. O terreno das redes públicas de comunicação tem sido muito mais fértil. A gente tem uma série de veículos que buscam enquadrar um pouco o seu noticiário para essas minorias, mas as redes públicas, sem sombra de dúvidas, têm avançado nesse sentido”, reconhece.

Para Ednilson, levar a oficina para a ABI foi uma forma de dar uma contrapartida para os colegas de profissão e para a sociedade: “Eu acho que esse pequeno contributo que eu tenho trazido é um retorno que eu estou dando, não só para a comunidade como um todo, mas para os profissionais que geram opiniões, que mudam decisões. É uma proposta que atinge não só a sociedade em particular, mas a classe de Comunicação”. Ele pretende lançar um guia para jornalistas, tratando da temática. Enquanto não consegue parceria para editar a obra, multiplicará os conhecimentos através das oficinas.

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Colégio de Berimbau publica livros sobre memórias da cidade

Obras foram originadas de projetos pedagógicos desenvolvidos na comunidade escolar

Livros produzidos pela comunidade escolar do Colégio Estadual Domingos Barros de Azevedo, de Conceição do Jacuípe (Berimbau): resgate histórico, valorização da cultura e manutenção da memória. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
Era uma vez um colégio, localizado no interior da Bahia, que realizou um projeto pedagógico cujo objetivo era fazer com que professores e estudantes conhecessem um pouco mais sobre a cidade em que ele estava situado. Esse projeto, além de trazer muito conhecimento para todos da comunidade escolar, rendeu um fruto que vai ficar marcado na história cultural do município: a publicação de dois livros. Alguém duvida de que o final foi feliz?! Esse conto não é de fadas, é de professoras. A instituição de ensino citada no texto existe, é o Colégio Estadual Domingos Barros de Azevedo (CEDBA). A cidade também: Conceição do Jacuípe (Berimbau). Ainda bem que essa história é real e tomara que ninguém se canse de contá-la.

Em 2017, incentivados pelo projeto “Berimbau, meu pedacinho de Brasil”, os estudantes do 6º ano do CEDBA fizeram entrevistas com moradores de Conceição do Jacuípe a fim de saber a origem dos nomes curiosos e esquisitos das ruas da cidade. A atividade de sala de aula extrapolou todos os muros possíveis e resultou na produção do livro Tem Nome Esquisito Minha Rua: descobrindo a história que há por trás dos nomes “esquisitos” das ruas de Conceição do Jacuípe, organizado pela professora Elizabeth de Jesus Silva. Através da publicação, os moradores e interessados ficaram sabendo por que, por exemplo, a “Rua Mela Rego” tem esse nome. E o que falar de Rua do Cacete, do Garrancho, do Fogo e a Toca do Sapo?! Tudo está explicado no livro. Assim como a origem do apelido “Berimbau”: “Tudo começou por causa de uma feira livre que surgiu na cidade, em 1914. Essa feira era frequentada por trovadores, violeiros, pandeiristas e tocadores de berimbau. Um certo dia, fizeram uma trova que se encerrava com o nome ‘Feira de Berimbau’, surgindo, assim, o segundo nome do município de Conceição do Jacuípe”.

Trecho do livro “Tem Nome Esquisito Minha Rua”: explicação dos apelidos das ruas de Conceição do Jacuípe. Foto: Raulino Júnior

A comunidade escolar gostou tanto da experiência que a repetiu em 2018. Do projeto “Como nosso Berimbau começou a tocar”, nasceu o livro Como esse Berimbau começou a tocar: um passeio pela história de Conceição do Jacuípe. O mote se manteve o mesmo, ou seja, possibilitar que as pessoas conhecessem mais sobre a origem e cultura da cidade. O que mudou é que, com o aprendizado do passado, as autoras da obra – Arali Ferreira de Aquino Oliveira, Elizabeth de Jesus Silva, Maria Paula Batista de Souza e Núbia Leticia Santos de Souza – ousaram ainda mais. O livro ficou com 54 páginas (mais que o dobro do primeiro, que tem 24) e um personagem foi criado para tornar a leitura ainda mais lúdica. Em Como esse Berimbau começou a tocar, João Vitor, o Berimba, tem que fazer uma pesquisa de História sobre o município onde ele mora. Para cumprir com a atividade, ele recorre a Dona Ana, sua avó, e a Seu Antonio, que conhecem Berimbau como ninguém. Ao conversar com eles, Berimba vai organizando o seu trabalho. Nessa viagem, ele aprende sobre aspectos históricos e culturais da cidade. O livro traz ainda a seção “Você Sabia?”, que tem a função de explicar mais a fundo alguns dados presentes na narrativa. No final, uma ótima sacada metalinguística: as autoras sugerem que a pesquisa de Berimba se transforme num livro sobre a cidade. Foi o que aconteceu. Veja o convite de Berimba no vídeo abaixo:

Comunidade escolar e moradores da cidade

Núbia Letícia de Souza, uma das responsáveis pelas produções das obras literárias, além de ter sido estudante do CEDBA, trabalha no colégio desde 2007. É professora de Língua Portuguesa, mas, atualmente, está na vice-direção da unidade de ensino. Em entrevista via WhatsApp, ela falou sobre o sentimento da própria comunidade escolar em relação aos livros publicados: “Enquanto alguns envolvem-se e procuram informações o tempo todo, querendo ajudar a fortalecer o projeto, outros mantêm-se mais desconfiados da utilidade, principalmente porque não é algo comum às escolas públicas a produção de material bibliográfico. Mas, para o grupo de trabalho, o desafio é justamente este: sair da mesmice e produzir conhecimento de um jeito realmente eficaz e útil, não apenas para adquirir uma nota numa avaliação, mas para viver com mais consciência de nós mesmos e de tudo que nos cerca. Conhecer a nossa cidade proporciona isso”.

Para a professora Maria Paula Batista, que está no CEDBA desde a fundação, em 1991, e ensina Matemática para as turmas do 7º e do 9º anos, houve um envolvimento maior da comunidade escolar no segundo livro. Em resposta também enviada pelo WhatsApp, ela afirmou: “Embora tenhamos uma parcela de pais e alunos que ainda não perceberam a importância deste projeto, muitos têm reconhecido e demonstrado interesse. Sabemos que é um trabalho de formiguinha. No desenvolvimento dos trabalhos para o segundo livro, o envolvimento da comunidade escolar foi bem maior que o primeiro. Quase cem por cento”. Maria, que também faz parte da equipe responsável pelas publicações, diz ainda que os moradores da cidade receberam bem a edição dos livros. “Os moradores têm valorizado o nosso trabalho. Isso nos alegra e nos dá incentivo para continuarmos pesquisando e escrevendo sobre a nossa cidade. Percebemos que eles têm sede de conhecimento sobre a terra natal”. Núbia endossa isso: “Diante da confiança que a sociedade conjacuipense já consolidou ao Colégio Estadual Domingos Barros de Azevedo, boa parte dos moradores recebeu muito bem os dois livros publicados. Muitos se surpreendem com a qualidade do material e com o fato de uma escola pública conseguir fazer esse tipo de coisa. Muitos nos sugerem outros temas para fazer novos livros ou reclamam porque não falamos ainda de assuntos que acham importantes. Mas onde temos a chance de explicar a natureza e o propósito dos nossos livros, sempre colhemos elogios, palavras de apoio e o interesse pela aquisição dos materiais. Além da satisfação pessoal e do amadurecimento profissional, o reconhecimento dos munícipes que leem os nossos livros é muito importante para a continuidade do trabalho da escola”, reconhece. As duas produções estão à venda na própria escola e custam R$ 10 (Tem Nome Esquisito Minha Rua) e R$ 25 (Como esse Berimbau começou a tocar).

literatura infantil foi adotada nos dois livros porque “as novas gerações serão multiplicadoras das histórias contadas pelos mais velhos”, como diz um dos textos presentes no preâmbulo de Como esse Berimbau começou a tocar. Falando de nova geração, os estudantes contribuíram bastante com a produção de cada volume. Além de auxiliar no trabalho de pesquisa, alguns deles ilustraram os dois exemplares. As obras valorizam a história oral, algo muito forte na nossa cultura, principalmente pela herança africana; e trabalham com a memória, elemento importante para manter os nossos costumes e tradições sempre vivos. O desafio que fica para a comunidade escolar do CEDBA agora é o seguinte: escrever uma biografia sobre Domingos Barros de Azevedo. Um livro falando sobre quem foi ele, por que o colégio foi batizado com esse nome e qual a relação de Domingos com a cidade. Vamos lá?!

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Esta reportagem foi produzida no período de 30 de dezembro de 2018 a 12 de janeiro de 2019.
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Axé Music, Cultura, Jornalismo Cultural, Música, Reportagem, Reportagem Especial

Axé Music feito no México: o Samba Mestiço da banda Caboclo

Prestes a lançar o primeiro álbum, intitulado Alegría, banda mexicana de Axé Music difunde gênero baiano na América do Norte

Banda Caboclo: Axé Music feito no México. Da esquerda para a direita: Katy Barbosa, Santiago Buck, Omar Diupotex, Lu-Yang Lee, Alfredo Galván, Adrián Sánchez, Hugo Mendoza e José Carlos “Pepillo” de la Rosa. Imagem: montagem feita a partir de fotos de Elizabeth Martínez

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
Nesta quinta-feira, 30 de novembro, terá festa com música baiana na Cidade do México. A responsável por isso é a banda Caboclo, que vai lançar, no espaço cultural Multiforo 246, o seu primeiro álbum, Alegría, uma síntese das pesquisas feitas acerca do gênero Axé Music. Fundada em 2013, por Santiago Buck e Héctor González, com o intuito de integrar o Axé à cena musical do México, atualmente, a Caboclo é formada por Santiago Buck (direção musical e percussão), Katy Barbosa (voz), Omar Diupotex (guitarra), Lu-Yang Lee (teclado), Alfredo Galván (baixo), Adrián Sánchez (surdos), Hugo Mendoza (bateria) e José Carlos “Pepillo” de la Rosa (percussão). Tendo Carlinhos Brown e Ivete Sangalo como as principais influências do Axé Music, a banda bebe na fonte da musicalidade brasileira e extrapola o gênero criado por Luiz Caldas, em 1985. “Minhas influências de música brasileira não são só de Axé Music. Na verdade, sou amante do samba, MPB, rock, pagode, forró. Apenas para citar alguns artistas que eu considero como fonte de inspiração, temos Gilberto GilCaetano VelosoFundo de QuintalArlindo CruzO RappaLuiz Gonzaga e Seu Jorge“, afirma Santiago Buck, que pesquisa música brasileira há mais de dez anos. “Tenho onze anos fazendo música brasileira profissionalmente. Estudei vendo vídeos de Carlinhos Brown, Olodum, Ilê Aiyê etc. Fui ao Brasil, em 2015, com a única intenção de estudar ritmos tradicionais. Comecei a viagem por Recife. Lá, estudei maracatu, afoxé e um pouco de forró. Depois, fui a Salvador, onde estudei com Kinho Santos. Aprendi música de raiz, samba de cabula, samba-duro, samba-reggae. A última parte da viagem foi no Rio de Janeiro, onde estudei samba-enredo”, narra, em entrevista feita por e-mail. O músico cita ainda Chiclete com Banana e Banda Eva como bandas que influenciam o som da Caboclo.

Axé Music feito no México

Santiago conheceu o Axé Music em 2004, quando começou a praticar capoeira no grupo mexicano Capoeira Longe do Mar. Durante as aulas, escutou pela primeira vez as músicas de Caetano Veloso, Daniela MercuryTimbalada etc. “Naquela época, eu não sabia o que era o Axé Music nem tampouco que ele ia definir a minha vida. Foi lá que comecei com a música brasileira, fazendo batucadas. Graças a isso, conheci alguns brasileiros, que me convidaram para tocar com eles. Em 2010, foi criado o Axé Pracatum, com a ideia de ser o primeiro grupo de Axé Music do país, mas acabou por ser um bloco de rua. Em 2013, saí do Axé Pracatum junto com Héctor. Nesse momento, decidimos formar a Caboclo”. Héctor não está mais na banda, mas continua amigo de Santiago e acompanha as ações do grupo.

Arte: Proyecto Patuá Capoeira

Fazer Axé Music no México, de acordo com Buck, é difícil. “Axé Music não existe aqui. Na verdade, as pessoas gostam de ouvir, embora não saibam o que é Axé. Elas não sabem o que fazer com o ritmo. Alguns dançam como se fosse ska ou merengue. Para que seja aceito aqui, temos que fazer adaptações com músicas e ritmos conhecidos”, explica. Ainda assim, o gênero baiano consegue coexistir com a música ranchera e os mariachi, tão comuns e tradicionais na cultura musical mexicana. “O Axé Music é considerado como world music. Isso faz com que não façamos parte de uma cena musical específica e é mais difícil de nos posicionarmos em festivais importantes. Somos considerados músicos exóticos, mas o mexicano escuta de tudo e dança de tudo. Quando ouvem novas músicas tão enérgicas quanto o Axé, curtem demais”.

Samba Mestiço da banda Caboclo

O lançamento do EP Alegría, que se concretizará na próxima quinta-feira, chega para cumprir a meta estabelecida pela Caboclo para 2017. O disco é composto por seis faixas, nas quais fica evidente a qualidade musical e o trabalho de pesquisa que há por trás de cada canção. Caboclo/Besar Tu Boca (Luis Noa Pluma), a primeira do álbum, tem arranjo que lembra as músicas do início do Axé Music, antes de o gênero se tornar amplamente comercial e quando flertava de forma intensa com a lambada. A introdução, intitulada de Caboclo (Santiago Buck), de acordo com Santiago, foi composta “para dar uma visão geral da nossa música e está ligada com Besar Tu Boca, uma mistura de samba-merengue e comparsa cubana”. A faixa Como Te Explico (Juan Alberto Otero Lara) é uma balada romântica, com percussão bem marcada e letra que fala de amor, de relacionamento. Tem Que Diz (Santiago Buck/David Contreras), a terceira, é um forró com letra engajada e cheia de metáforas. “É a primeira composição do grupo e a única música composta em português. Fala dos problemas da gente, do governo e da manipulação da mídia”, pontua Santiago. Alegría de Vivir (Luis Noa Pluma), a música de trabalho, é uma das melhores do EP. A batida, o arranjo e a letra estão em sintonia e lembram muito o que se fazia por aqui, nos áureos tempos do Axé. Tambor (Luis Noa Pluma) é “uma das músicas que mais representam nosso jeito de fazer Axé Music”, destaca Buck. Para fechar o EP, a banda traz uma regravação da música Pata de Perro, da banda Maldita Vecindad y Los Hijos del 5º Patio.

Capa do EP Alegría, da banda Caboclo. Arte: Proyecto Patuá Capoeira

De acordo com Santiago Buck, o processo de produção do álbum foi divertido. “Um experimento do início ao fim”, revela. Cinco músicos foram convidados para colaborar na gravação do disco: Enrique Nativitas (bateria na música Tambor), Saúl Chávez (pandeiro em Alegría de Vivir), Gillo Telo (congas em Tambor e Pata de Perro), Luis Noa Pluma (voz em Alegría de Vivir) e Guilherme Milagres (viola caipira em Tem Que Diz). Guilherme é considerado por Santiago um dos melhores músicos brasileiros presentes no México. O baterista Hugo Mendoza trabalhou de forma intensa para o disco sair com a sonoridade que a banda aspirava, pois, como confidencia Buck, no México não há engenheiro de som que conheça timbaus, surdos, repiques etc. A música Alegría de Vivir mostra o resultado de tanto esforço:

Questionado sobre o que o público mexicano pode esperar do disco, o diretor musical da Caboclo aposta na alegria. “O público mexicano pode esperar músicas com um ritmo novo para eles, mas com um toquezinho de “candela”, que eles já conhecem. Eles poderão dançar, cantar e curtir o Axé Music, o samba mestiza“. E o povo brasileiro? “Nós fizemos uma nova maneira de compor Axé Music, mas com o máximo de respeito. O povo brasileiro pode esperar uma mistura gostosa da sua música, com um toque picante do México”. Quanto ao legado que banda quer deixar com o primeiro álbum, Santiago Buck é categórico: “Todos temos sangue africano, indígena e europeu. O legado é este: aproximar nossos irmãos da música de nossos irmãos”. E essa aproximação pode chegar até aqui, literalmente. Há planos de uma turnê da banda em solo brasileiro: “Quando fundei a banda, tinha o sonho de levar a nossa música para o Brasil, mas isso é complicado, pela falta de recursos. Agora, com o disco pronto, houve muito interesse da comunidade brasileira no México para que isso acontecesse. Graças a isso, a nossa agência de promoção está fazendo contato com a embaixada brasileira e pesquisando meios para que a viagem aconteça”. A gente fica na torcida.

Com a palavra, Katy Barbosa

Foto: Elizabeth Martínez

A atual vocalista da banda CabocloKaty Barbosa, é brasileira e baiana (nascida em Salvador). Santiago a conheceu trabalhando num carnaval. “Ela fazia parte do grupo de dançarinas. No caminho de volta para casa, começou a cantar e, nesse momento, vi que ela poderia ser a voz que precisávamos. O principal aporte que ela deu para o grupo foi a sua energia e presença de palco. Também fez arranjos na voz e nos coros, ensinou novas canções e propôs ritmos para as músicas”, reconhece o diretor.

Katy tem 26 anos, é nascida e criada no bairro Beiru/Tancredo Neves, em Salvador. A música sempre esteve presente em sua casa, pois a mãe é cantora. Começou a cantar aos seis anos, numa comunidade evangélica e, desde então, nunca mais parou. Além de cantar, compõe: “Tenho algumas canções em parceria com duas amigas, mas o mercado é pesado”, avalia. Na capital baiana, teve uma breve experiência na banda Samba Comunidade, da Federação. “Cheguei a gravar DVD com eles, mas somente como vocal”. Aos 19 anos, saiu de Salvador com destino a Fortaleza (Ceará). Em setembro de 2015, deixa Fortaleza e vai para o México. Nesta entrevista exclusiva que concedeu para o Desde, via Instagram, Katy fala sobre o que motivou a ida para o México, como conheceu a Caboclo, quais artistas da Axé Music admira e sobre o apoio que recebe de familiares e amigos para seguir a carreira.

Desde que eu me entendo por gente: o que a fez tentar a carreira no México?

Katy Barbosa: A vontade de crescer e ser independente foi fundamental. Apareceu a oportunidade de mudar para Fortaleza e eu agarrei com unhas e dentes. Lá, vivi por quatro anos e trabalhei em várias bandas de forró. Até então, o México não era um destino. Não foi nada planejado. Quando aconteceu, eu me permiti. Agarrei também a oportunidade e vim sem medo.

Desde: Como conheceu a Caboclo?

KB: A comunidade brasileira no México é muito grande. Na maioria das vezes, todos trabalhamos juntos, brasileiros e mexicanos. Conheci Santiago Buck, fundador e coordenador da Caboclo, numa dessas situações. Ele é uma pessoa maravilhosa.

Desde: Quando e como foi o convite para entrar na banda?

KB: A ex-cantora da Caboclo [Kika Sinatra], que é mexicana e muito minha amiga, decidiu se dedicar à sua vida pessoal. Com isso, a banda precisava de uma cantora para seguir com o projeto. Santiago, como já conhecia o meu trabalho, me convidou e eu logo aceitei.

Desde: Como as pessoas do México recebem o Axé Music?

KB: Os mexicanos são curiosos. Adoram o Brasil e tudo que vem de lá. Não conhecem muito a cultura, é tudo muito novo, mas eles amam. Escutam os tambores e se emocionam. É bonito de ver.

Desde: Quais artistas do Axé Music você admira e tem como referência?

KB: Obviamente, os maiores nomes e referências da nossa música baiana são Ivete Sangalo, Margareth Menezes e Daniela Mercury. Eu não me prendo a um só estilo. Escuto de tudo, aprendo de tudo um pouco, porque música é diversidade.

Desde: Visita o Brasil com frequência?

KB: Estou fora do país há apenas dois anos. Não vou com frequência e a saudade está equilibrada.

Desde: Você recebe apoio de familiares e amigos para continuar na carreira?

KB: Sou filha única. Minha mãe é supercoruja. Tenho primos e amigos que são como irmãos, todos torcem pelo meu sucesso. Eu sou grata a Deus e à vida por ter pessoas assim pertinho, mesmo estando longe.

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Somos todos infratores

Palestra discute direito autoral e mostra as brechas da lei

Ricardo Duarte na Biblioteca Central do Estado da Bahia: direito autoral em pauta. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
Na manhã desta sexta-feira, a Biblioteca Central do Estado da Bahia (BCEB) promoveu, integrando a programação da Semana Nacional do Livro e da Biblioteca, a palestra Direito Autoral e a Cópia de Livro, ministrada por Ricardo Duarte, advogado autoralista e diretor do Instituto Baiano de Direito Intelectual (IBADIN). Na ocasião, Ricardo falou sobre a proteção dos direitos autorais no contexto das novas tecnologias e como o cidadão, muitas vezes sem saber, comete crimes relacionados à propriedade intelectual.
Propriedade Industrial x Direitos Autorais
De forma didática, o advogado fez questão de esclarecer a diferença entre propriedade industrial e direitos autorais. “Não se pode confundir direitos autorais com propriedade industrial. A criação voltada para a indústria não é protegida por direitos autorais”, ressaltou. A propriedade industrial é regulada pela Lei 9.279/96 e diz respeito à concessão de patentes, registros de desenho industrial e marca, repressão às falsas indicações geográficas e à concorrência desleal. Já os direitos autorais são regidos pela Lei 9.610/98 e se referem às obras literárias, artísticas ou científicas.
Para assegurar o direito autoral, o registro da obra não é obrigatório. A redação da Lei, no artigo 18, traz o seguinte: “A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro”. “Para garantir os direitos autorais, mais importante do que o registro, é ter a prova de que sou o autor”, afirma Duarte. Contudo, para a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, é fundamental que o registro seja feito. “Se não fizer, você perde a paternidade, porque outra pessoa pode fazer”, completa.
 
Novas tecnologias e reprodução de “pequenos trechos”
As tecnologias da informação e da comunicação facilitaram os processos de trabalho no mundo inteiro, mas, para os criadores de obras intelectuais, elas trouxeram também muita dor de cabeça. Isso porque até existe a regulação, mas não o devido controle. Na palestra, Ricardo deu exemplo de softwares que facilitaram o acesso a obras, como Napster e Kazaa, mas que não asseguravam, de forma ampla e regulada, os direitos de autor. O advogado citou ainda a licença Creative Commons, na qual o autor, voluntariamente, disponibiliza a sua criação.
A tônica da palestra foi a discussão acerca da reprodução de “pequenos trechos” de obras intelectuais. No artigo 46, quando fala sobre o que não constitui ofensa aos direitos autorais, a lei afirma: “A reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”. Não precisa nem ser da área de direito para perceber que há brechas na afirmação. “O que a lei considera como ‘pequenos trechos’? Num livro de 500 páginas, copiar metade, é um pequeno trecho? Para mim, não. 20 páginas, para mim, já é”, reflete Ricardo. Ou seja, o critério é inconsistente e subjetivo.
Ainda dentro desse debate, o advogado citou as copiadoras presentes em universidades, que, muitas vezes, fazem cópias integrais de livros. “A lei atual está defasada, nesse sentido da cópia privada. A nova lei vai permitir a cópia integral”. Duarte defende a compensação equitativa, que consiste na utilização livre de cópia integral sem visar lucro, desde que haja uma forma coletiva de arrecadação para os autores. “Em Portugal, isso já existe”, assegura.

Vitor Brito: “A autoria não é delegável”. Foto: Raulino Júnior

Durante o encontro, os participantes também tiveram noções sobre a teoria dualista do direito autoral: direitos morais e direitos patrimoniais. Os direitos morais são aqueles que se referem aos direitos da personalidade e são irrenunciáveis. Mesmo que alguém queira, não é permitido abrir mão da autoria da obra. Os direitos patrimoniais são aqueles que permitem o autor lucrar com a utilização de suas obras intelectuais. O autor pode autorizar a exploração econômica da obra por outras pessoas. Os direitos patrimoniais são renunciáveis.
O administrador Vitor Brito, 30 anos, achou as informações passadas na palestra bem interessantes: “Ele trouxe conhecimentos, da área de direito autoral, que eu não conhecia. Para quem tem interesse de ser autor, foi muito bom. A gente tem que se apoderar da nossa criação. A autoria não é delegável a outra pessoa”.
Com a palavra, Ricardo Duarte

Foto: Raulino Júnior

Ricardo Duarte tem 29 anos e é graduado em Direito, pela Faculdade Ruy Barbosa (FRB). Fez especialização em Direito Processual Civil, na Universidade Salvador (UNIFACS), e mestrado em Direito, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). É professor universitário, membro e diretor do Instituto Baiano de Direito Intelectual (IBADIN). Em entrevista exclusiva para o Desde, ele fala sobre garantias do direito do autor, infrações, autoplágio e a principal novidade que consta no projeto da nova lei de direito autoral.

Desde que eu me entendo por gente: O que um cidadão pode fazer para, de fato, garantir os direitos dos autores?

Ricardo Duarte: Em regra, para qualquer tipo de utilização, é preciso requerer a autorização do autor. A melhor forma possível, depende do tipo de obra intelectual. Se for uma música, o que eu sugiro é buscar as associações musicais ou o próprio ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), caso você não saiba quem seja o autor daquela música. Agora, se o sujeito, de forma alguma, consegue encontrar o autor para pedir uma autorização, eu recomendo resguardar a boa-fé. O que é isso? É divulgar em um jornal de grande circulação, ou na TV, ou na rádio.

Desde: Qual é a infração mais comum que as pessoas cometem, sem saber, em relação aos direitos autorais?

RD: Reprodução (pirataria) com fim comercial. O sujeito faz a cópia em série. Às vezes, abre uma empresa para fazer cópias e vender isso de forma ilegal. Acontece muito. Mas o pior não é nem quem faz, é quem adquire. Muitas vezes, a pirataria é alimentada pelo próprio usuário, que não sabe também, muitas vezes, que aquilo é uma pirataria. Mas a gente não pode alegar desconhecimento da lei, para não cumpri-la. A pirataria, sem dúvida, é algo que acontece bastante (a reprodução indevida com fim comercial) e plágio. Eu vejo muito plágio, principalmente na própria academia. O pessoal dando CTRL + C e CTRL+V sem indicar quem é o autor, sem colocar a citação correta ou sem fazer as referências corretamente. Pegando citações de outros textos e utilizando a citação como se fosse do texto original e não do que ele acessou. A pirataria e o plágio, sem dúvida, são as maiores ilicitudes que hoje são cometidas pelas pessoas e, muitas vezes, elas não sabem que estão cometendo. Além também do próprio compartilhamento de arquivos, de forma integral, na internet. Porque hoje as novas tecnologias permitem isso de forma muito fácil e as pessoas acham que isso é normal: compartilhar, fazer cópias integrais de obras. A cópia integral não é permitida, mesmo que não tenha fim lucrativo.

Desde: O autoplágio existe?

RD: Autoplágio não existe. Autoplágio é questão de ética, de moral, de decoro. Ninguém vai cometer um ilícito contra si próprio. Quando eu crio uma obra intelectual e quero criar outras obras, mas que também a minha primeira obra, de alguma forma, faça parte, por uma questão ética e moral, de decoro, eu tenho que fazer a citação da obra originária. Mas se eu não fizer e incluir esse conteúdo na minha obra, eu estarei cometendo algum tipo de ilicitude, crime? Não! Se foi você que criou?! A criação é sua! Você está explorando ali algo que foi você que criou.

Desde: Qual é a principal novidade que consta no projeto da nova lei de direito autoral?

RD: Uma das principais é a que tem relação com a cópia integral. Essa nova lei de direito autoral busca permitir a utilização livre de cópia de um exemplar para uso privado do copista, sem intuito de lucro, mas integral, e não mais em pequenos trechos. Acho que essa é uma das grandes inovações do projeto de lei.

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Todo mundo pode cantar?!

Como e por que os karaokês ainda fazem sucesso nos bares de Salvador

Ana Santos encontrou no karaokê uma ótima diversão para a sua vida. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
Sábado à noite, um bar localizado no Centro de Salvador. O serviço mais pedido? Música. Contudo, a atração não é nenhum “cantor de barzinho” típico, desses que estamos acostumados. Quem brilha mesmo são os cantores de karaokê. É impossível passar pela Estação da Lapa, mais precisamente na Rua Vinte e Quatro de Fevereiro, número 68, e não atentar para a movimentação que toma conta do Bar Karaokê da Lapa. Com nove anos de existência (antes, tinha o nome de Espeto e Cia), o bar aposta no karaokê para atrair a clientela. E a estratégia tem dado certo. “O meu primo, ex-dono daqui, recebeu a indicação de um amigo dele. Para fazer um teste, ele resolveu colocar o karaokê. Pegou e está até hoje. Só sucesso”, entusiasma-se Elson Santana, 39 anos, dono do bar. Lá, o karaokê funciona de quarta a sexta, das 18h à meia-noite; e aos sábados, de 16h à meia-noite. Quem quer soltar a voz, tem que desembolsar R$ 2,50 por música.

Elson Santana, dono do Bar Karaokê da Lapa: karaokê para atrair a clientela. Foto: Raulino Júnior

Quanto ao faturamento relacionado ao karaokê, Elson se reserva e explica: “Isso eu não posso dizer, porque o karaokê é à parte. Quem faz o controle do karaokê é Jorge, que é o responsável. A gente faz o controle do bar. Não tem vínculo do bar com o karaokê. Jorge paga uma porcentagem, uma ajuda de custo, para cobrir algumas despesas”. O “Jorge”, citado por Santana, é Jorge Lobo, 56 anos, que, além de ser dentista, é dono e operador de karaokê. Há 20 anos trabalhando no ramo, Jorge tem na atividade uma forma de relaxar. “É um hobby. Eu frequento outros karaokês e canto também”. Em fevereiro, inaugurou mais um ponto, no Botecão Bar e Restaurante, no Dois de Julho. “Aqui é mais tranquilo do que na Lapa, funciona apenas na sexta. Se o público começar a vir, a gente pretende colocar na quinta”, afirma. No Botecão, a cobrança por música também é de R$ 2,50 e o funcionamento do karaokê começa às 18h e vai, em geral, até a 1h. Em média, oitenta a cem pessoas passam por lá.

Jorge Lobo, no Botecão Bar e Restaurante, no Dois de Julho: o “cara” do karaokê. Foto: Raulino Júnior

Jorge, que é bem conhecido no meio, tem oito aparelhagens de karaokê e faz, há 15 anos, aluguel para aniversários, formaturas, Natal e Ano-Novo. Para alugar, o valor varia de R$ 200 a R$ 600. “Só o aparelho, sai por R$ 200; o aparelho com a TV, R$ 250; completo (aparelho, TV e dois microfones), R$ 300; para uma festa com aparelhos profissionais, microfones sem fio e iluminação, R$ 600. Depende do evento. O preço é mais ‘a combinar'”, revela. Como operador, no bar, Lobo conta que é preciso segurar os ânimos das pessoas que querem cantar: “Tem que ter tato. Tem gente que se sente estrela. Tem que saber lidar”, desabafa. E completa: “Para os operadores, não é muito fácil, porque tem pessoas que são muito egoístas, querem cantar o tempo todo e passar na frente das outras. Então, a gente tem que saber administrar isso”.

DJ Alex: o operador de karaokê do Bar Karaokê da Lapa. Foto: Raulino Júnior

Por isso, embora seja o dono, abdicou da operação do aparelho do Bar Karaokê da Lapa e deixou essa missão para o DJ Alex, 36 anos. Com experiência de três anos trabalhando com karaokê, Alex se vira para satisfazer os pedidos e a ânsia de cantar das mais de cem pessoas que frequentam o local nos dias mais disputados. “Na quarta e na quinta, que são os dias mais fracos, passam por aqui, em média, sessenta a oitenta pessoas; na sexta e no sábado, dias mais movimentados, de cem a 120”, explica. O DJ não se esquiva e fala do faturamento: “Conseguimos faturar uma média de R$ 250, nos finais de semana; e R$ 100, nos dias normais”.

Pedro Chaves, do Bar Lagoa dos Frades: pioneirismo. Foto: Raulino Júnior

No Bar Lagoa dos Frades, no Stiep (sigla originária de “Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Extração de Petróleo”), a realidade não é muito diferente. De acordo com o dono do bar, Pedro Chaves, de 48 anos, por dia, são vendidas, em média, oitenta fichas de karaokê. Lá, o valor para cantar uma música segue a mesma linha dos outros exemplos já citados nesta reportagem: R$ 2,50. “O estilo que o público mais canta é o sertanejo”, assegura. O bar, que tem 23 anos e conta há 18 com karaokê, foi um dos primeiros a colocar a novidade. “Eu fui, praticamente, o pioneiro. Era uma novidade, que percebi que ia dar certo. Graças a Deus, deu mesmo”. No Lagoa dos Frades, o funcionamento do karaokê é de terça a domingo, a partir das 16h. Na sexta e no sábado, vai até 23h30; nos demais dias, até as 22h30.

Cantores de karaokê

Uma das pessoas que contribuem para o faturamento do bar da Lapa é Nazário Nobre, 36 anos, que é, podemos dizer, “cantor profissional de karaokê”. Nazário canta em karaokês há 14 anos e não titubeia quando responde por que gosta tanto da atividade: “Porque, para mim, é expressar os meus sentimentos e transpor o que eu sinto dentro da minha alma. A música faz parte da minha vida”, filosofa. Nobre canta, em geral, músicas internacionais e é conhecido por fazer falsetes. Em média, por dia, gasta R$ 20 com música. Quando adiciona o gasto da consumação, desembolsa o total de R$ 50. Nazário teme se tornar um cantor profissional, porque isso, segundo ele, o distanciaria do público: “Eu tenho medo de chegar a esse extremo, porque o que mais me agrada é o contato físico com as pessoas que me ouvem, olham no fundo dos meus olhos e sentem a minha emoção, assim como também eu posso ver a emoção alheia pelo que eu transmito com a minha voz. Então, particularmente, eu penso que se eu estiver em cima de um palco, cantando para uma multidão de mais de cem ou mil pessoas, vai distanciar um pouco esse contato que eu tanto gosto”. Para que os seus falsetes chegassem a mais pessoas, o cantor criou um canal no YouTube. As performances dele já têm mais de 80 mil visualizações.

Nazário Nobre: profissional de karaokê. Foto: Raulino Júnior

Há quem procure o karaokê apenas para se divertir, sem maiores pretensões. É o caso de Ana Santos, 44 anos. “Eu venho aqui [no Bar Karaokê da Lapa], há quase oito anos, para me divertir. Na verdade, foi a primeira vez que eu comecei a brincar de cantar, porque cantar eu não sei, só sei brincar. Assim, você se distrai, relaxa, faz amizade. É uma forma de espairecer um pouco. É muito bom”. Com música, Ana gasta, em geral, a mesma quantia de Nazário: R$ 20. Ela gosta de cantar músicas populares e, entre os artistas prediletos, estão KátiaLulu SantosPeninhaAlexandre Pires e Belo.

Ana Santos: “Eu venho aqui para me divertir, sem a intenção de me tornar artista profissional”. Foto: Raulino Júnior

Seu Ferreirinha, 75 anos, canta há 26 em karaokês e utiliza a paixão por essa atividade para exercitar a sua profissão: ele é um dos cantores do Paraoano Sai Milhó, tradicional bloco de palhaços que faz história no Carnaval de Salvador desde 1964. “Já cantei em disputas de karaokê no Centro de Convenções. Fui chamado porque já tinha fama de ‘cantor de karaokê'”, orgulha-se o veterano. Frequentador do Botecão Bar e Restaurante, Seu Ferreirinha traz de casa o repertório, já com os códigos de todas as músicas que vai cantar: “Na relação, tem as músicas que ficam melhor na minha voz”, destaca.

Seu Ferreirinha: cantor de karaokê há 26 anos. Foto: Raulino Júnior

O repertório de Seu Ferreirinha. Foto: Raulino Júnior

E tem cantor de karaokê que usa a atividade para fins terapêuticos. O contador Ednelson Mendonça, 61 anos, frequenta o Bar Lagoa dos Frades com esse objetivo: “O karaokê é um projeto que você canta sem ter o compromisso de errar ou acertar. Você canta para se divertir. Só é preciso ter um pouco de noção da harmonia da música. Eu gosto de cantar, tenho sintoma de Parkinson e o canto faz com que eu me exercite, me ajuda a relaxar mais”, confessa.

Ednelson Mendonça: karaokê para tratar sintoma de Parkinson. Foto: Raulino Júnior

Ednelson gasta, em média, R$ 25 com o karaokê e gosta de cantar estilos como MPB, bolero e pop. Ele tem pretensão de cantar profissionalmente. “Estou me aposentando e vou me dedicar à música. Eu estudo canto e violão. Pretendo, sim, cantar profissionalmente”.

Origem

A origem do karaokê tem versões controversas, mas há um ponto em comum entre todas as fontes de informação: foi criado no Japão, na década de 70 do século passado, por Daisuke Inoue. Por escolha editorial, o Desde seguirá a versão constante no site Guia dos Curiosos, do jornalista Marcelo Duarte. O músico Daisuke Inoue tocava em barzinhos, na cidade de Kobe. Alguns clientes subiam ao palco para cantar e, como Inoue não tinha o domínio de todas as músicas, pois não sabia ler partituras, teve que criar uma estratégia para não frustrar os cantores por ocasião. Foi aí que ele gravou as bases de algumas músicas numa fita cassete. Em 1971, de acordo com informações do Guia dos Curiosos, um dos cantores do bar quis contratá-lo para tocar numa viagem da empresa que trabalhava. Como Inoue tocava em vários lugares e não podia deixar as casas sem o seu serviço, “acabou inventando uma máquina semelhante a uma jukebox, com oito bases de músicas gravadas, para quebrar o galho”. Estava criado o karaokê. Segundo o Guia, “o karaokê, cujo nome significa ‘orquestra vazia’, logo se tornou um grande sucesso. Mas Inoue não aproveitou os louros da descoberta. Ele não patenteou sua criação e acabou perdendo um mercado que gera 7,5 milhões de dólares por ano, só no Japão”. O site do Guia dos Curiosos não indica se esses dados financeiros estão atualizados.

O termo “karaokê” se popularizou pelo Brasil como sinônimo de “videokê” também. Tanto é que, em todos os lugares visitados pela reportagem do Desde, o que se via era videokê. A diferença dessa modalidade para o karaokê é que a letra da música a ser cantada aparece numa tela de TV ou numa projeção, para a pessoa acompanhar. Como o uso de “karaokê” é mais comum e plenamente compreensível, a matéria optou por utilizá-lo nas citações feitas ao longo do texto.

Direitos Autorais

Cantar em karaokês é superdivertido, eles têm o poder de aglomerar pessoas que, às vezes, nem se conhecem, mas que partilham de um momento de diversão e prazer. Mas, você já parou para pensar como fica o pagamento dos direitos autorais das músicas que são cantadas? Quando alguém canta num karaokê, executa música publicamente. Além disso, paga uma quantia para cantá-la. Como garantir os direitos dos autores das canções? O Desde entrou em contato com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), instituição privada responsável por centralizar e arrecadar os direitos autorais de execução pública de música, através da seção Fale Conosco do site oficial, e recebeu, por e-mail, a seguinte resposta em relação ao questionamento feito:

A Lei 9.610/98, com as alterações da Lei 12.853/13, regula os direitos autorais e, em seu artigo 68, diz que: “Sem prévia e expressa autorização do autor, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou literomusicais e fonogramas, em representações e execuções públicas”. Como o Ecad é o representante legal dos titulares para realizar a cobrança, garantindo assim os seus direitos, torna-se necessário solicitar esta autorização prévia ao Ecad mediante o pagamento dos devidos direitos autorais.

É vedado ao Ecad conceder quaisquer isenções ou deduções na cobrança de direitos autorais de execução pública, salvo quando expressamente autorizado pelos titulares. Isso significa que o Ecad não tem poderes para deixar de efetuar a cobrança pelo uso de músicas de terceiros.

Não existe na Lei nenhuma exceção para o não pagamento dos direitos autorais, exceto quando a execução musical for realizada no recesso familiar ou para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro. Apesar disso, no Regulamento de Arrecadação determinado pelas associações que administram o Ecad, está previsto uma redução de até 50% do valor da retribuição autoral para eventos beneficentes realizados por entidades comprovadamente filantrópicas.

O Regulamento de Arrecadação leva em conta a importância da música (indispensável, necessária ou secundária) no estabelecimento, a atividade exercida pelo usuário, periodicidade da utilização (se permanente ou eventual) e se a apresentação é feita por música mecânica ou ao vivo, com ou sem dança.

Será que todo mundo pode cantar mesmo? Fica a reflexão.

Rua Vinte e Quatro de Fevereiro. Foto: Raulino Júnior

Esta reportagem foi produzida no período de 4 a 11 de março de 2017. O Desde agradece a todos os participantes, em especial a Nazário Nobre e Jorge Lobo, que contribuíram bastante nas indicações das fontes. Muito obrigado.

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Um lugar ao Sol

Prestes a completar 18 anos em atividade, a Casa do Sol é um verdadeiro lar para os moradores de Cajazeira V

Sede da Casa do Sol, em Cajazeira V. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
E se quiser saber pra onde eu vou/Pra onde tenha Sol/É pra lá que eu vou“. Esses versos, da música O Sol, do compositor e guitarrista Antônio Júlio Nastácia, poderiam ter sido feitos para a  Casa do Sol Padre Luís Lintner. A ONG (organização não-governamental), que fica no bairro de Cajazeira V,  parece ser a representação fiel da metáfora da canção. Ou seja, é o lugar da esperança de dias melhores.

Fundada em 1997 pelo padre Luís Lintner e pela missionária Pina Rabbiosi, ambos italianos,  a Casa do Sol desenvolve um trabalho educativo de integração e formação de crianças e adolescentes. Isso inclui os seguintes projetosViver e Aprender, creche de ensino regular para crianças de 3 a 5 anos, em tempo integral; Novo Espaço, espécie de reforço escolar, mas que pensa isso de forma mais crítica e abrangente, voltado para crianças de 6 a 12 anos; Adolescentes em Arte-Ação, oficinas artísticas de dança, teatro e música (violão, teclado e percussão), que atende adolescentes de 12 a 18 anos; e a Biblioteca de Ítalo.

Além disso, a Casa do Sol é um dos espaços onde acontecem as aulas do Curso  Popular Quilombo do Orobu, pré-vestibular engajado em temáticas como cidadania e consciência negra, com 16 anos de história.

História e proposta pedagógica

A Casa do Sol iniciou suas atividades muito antes de ter a sede atual, inaugurada em 27 de outubro de 1997. Desde 1994, padre Luís e Pina já se reuniam com pessoas da comunidade, principalmente as mulheres, a fim de saber de suas necessidades e de ser um momento para compartilhar experiências. Os encontros aconteciam em espaços cedidos e até em áreas abertas. “Padre Luís e Pina sempre apostaram na formação da comunidade e de como essa comunidade podia ser protagonista de sua própria história. Isso foi plantado desde o início”, revela Tatá, diretor da unidade.

Em maio de 2002, o padre Luís foi assassinado e Pina, com o apoio de alguns moradores já envolvidos no projeto, ficou com a responsabilidade de dar andamento ao trabalho realizado pela instituição. A missionária mora na Itália, mas continua acompanhando todas as ações desenvolvidas pela Casa do Sol.

Tais ações têm como base pedagógica o ato de viver e aprender.  “O trabalho educativo que é realizado com as crianças visa potencializar as habilidades delas e estimular a capacidade para aprender novas habilidades, além de estimular um olhar crítico sobre a própria realidade em que vivem. Tudo é alicerçado pela pedagogia de Paulo Freire, uma pedagogia mais humanista”, explica Edlamar França, a Dila, 35 anos, coordenadora pedagógica do projeto Adolescentes em Arte-Ação. “A gente aprende a partir das nossas vivências, das experiências que a gente tem. Então, cada situação aqui é entendida como uma situação que vai promover o aprendizado”, completa.

Tapete Vermelho

Os projetos da Casa do Sol não são restritos às crianças e adolescentes residentes em Cajazeira V, eles estão abertos para o público do entorno do bairro, mas Dila pondera: “Cada caso é estudado, em função do deslocamento, das condições financeiras da família”.

Abertura, por sinal, é uma palavra presente no cotidiano do lugar. A Casa do Sol preza pela pluralidade, em todos os sentidos. “Apesar de ter sido fundada por pessoas que tinham afinidade com o catolicismo, ela é aberta. Aqui, quem tem religião, quem não tem; quem é de candomblé, quem é de igreja evangélica, todo mundo participa. É um espaço da comunidade, que precisa ser utilizado pela comunidade. A gente entende que tem muitas coisas para poder melhorar, mas o que é o alicerce daqui é a participação efetiva da comunidade”, esclarece Dila.

Edlamar França, Lilia Raquel e Maria da Conceição do Amor Divino: parte da comunidade da Casa do Sol. Foto: Raulino Júnior

Para reafirmar ainda mais essa característica de não criar muros nem demarcar diferenças, quem vai à Casa do Sol se depara com um tapete vermelho na entrada. De acordo com Dila, “todas as crianças, todas as visitas, quem chega é importante para essa Casa”.

Quem é Ítalo

Biblioteca de Ítalo tem um acervo com mais de oito mil títulos, contando com obras literárias, enciclopédias, periódicos, dicionários e obras acadêmicas. “É uma biblioteca comunitária. As pessoas só precisam fazer o cadastro para pegar os livros. O empréstimo é válido por uma semana, podendo ser renovado”, afirma Lilia Raquel, 25 anos, uma das monitoras da biblioteca. Lilia tem relação com a Casa do Sol desde pequena. “Minha mãe é voluntária daqui. Cresci com o exemplo dela. Sempre quando me chamam, e eu posso, estou aqui. A Casa é um ambiente acolhedor, que me entende”. Aos sábados, Lilia trabalha na portaria da instituição, recebendo os adolescentes que participam das oficinas artísticas.

Lilia Raquel, na Biblioteca de Ítalo. Foto: Raulino Júnior

A biblioteca realiza atividades de mediação de leitura, contação de histórias e saraus de poesia. “A proposta é de uma biblioteca dinâmica, em que você possa fazer atividades culturais relativas ao ato de ler livros”, pontua Dila.

E quem foi Ítalo? “Italo era um jovem italiano que, em vida, queria fazer um trabalho para contribuir com organizações, com projetos sociais,  na África e na América do Sul. Segundo a mãe, ele falava que quando não tivesse mais vida, queria que as suas coisas fossem revertidas para um trabalho que pudesse promover transformação social. Ele morreu devido a um acidente de bicicleta, na Itália. A família, então, fez uma pesquisa e chegou até à Casa do Sol. Para a gente, foi surpreendente, tem um valor muito grande. Por isso, a biblioteca foi batizada com o nome dele”, confidencia Tatá.

Calendário

A Casa do Sol tem um cronograma anual extenso, repleto de atividades de cunho educativo e cultural: Feira de Arte e Cultura (evento que tem bazar e atividades culturais); A Tarde Cultural (é o momento de culminância do projeto Adolescentes em Arte-Ação); e o Seminário (que sempre discute temas de importância para a sociedade). Para Tatá, essas ações são compromissos obrigatórios da instituição: “A gente se sente responsável em oferecer à comunidade momentos de cultura, de arte e de lazer. E é uma provocação para que os jovens e as crianças que estão aqui, trabalhando o ano todo, mostrem para a comunidade o que eles produziram”.

Com a palavra, Tatá

Foto: Raulino Júnior

Altair Honorato Pacheco, o Tatá, tem 36 anos de idade e é formado em Geografia, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Com vasta experiência em movimentos e pastorais sociais, trabalhou no Centro de Estudo e Ação Social (CEAS) e credita sua formação cidadã à Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP). Chegou à Casa do Sol aos 17 anos, participando dos projetos de lá, e foi membro-fundador do Curso Popular Quilombo do Orobu. “O curso é uma experiência revolucionária”. Hoje, dedica-se de forma exclusiva à direção da Casa do Sol, função que exerce desde 2006. Nesta entrevista exclusiva que concedeu ao Desde, Tatá fala sobre os critérios para que um estudante ingresse na instituição, o público atendido e os prêmios recebidos.

Desde que eu me entendo por gente: Como se dá o ingresso dos estudantes na Casa de Sol?

Tatá: Para a educação infantil, como a demanda é maior do que a oferta, a gente faz a divulgação para a comunidade e tem um processo de seleção. Estabelecemos alguns critérios, como: a) a família precisa morar nas redondezas, em Cajazeira V ou nos bairros adjacentes; b) tem um critério que avalia o perfil socioecônomico da família (prioridade para famílias que recebem até um salário mínimo por pessoa), ela deve estar enquadrada dentro dos programas sociais (Cadastro Único); e c) visitas técnicas para confrontar as informações. A gente dá oportunidade às famílias que mais precisam.

Desde: Qual é o número do público atendido e quantos educadores trabalham aqui?

Tatá: Dos dois projetos que a gente tem atividade cotidiana (Viver e Aprender e Novo Espaço), são 150 crianças. Temos uma equipe de 25 educadores e um grupo de voluntários que contribui com o processo. A gente entende que todos na Casa do Sol são educadores, não só quem está em sala de aula. Em cada contato que a gente tem com o educando, a gente está aprendendo e ensinando. Qualquer ação nossa é uma ação educativa.

Parte dos educadores da Casa do Sol (da esquerda para a direita): Edlamar França (Dila), Lilia Raquel, Maria da Conceição do Amor Divino, Ivan Santos, Emanuel Montenegro e Tatá. Foto: Raulino Júnior

Desde: A Casa do Sol é uma instituição premiada. Quais foram os prêmios conquistados ao longo da trajetória?

Tatá: O primeiro prêmio conquistado foi o Prêmio Criança, da Fundação Abrinq, em 2006. Ele condecorou o projeto de educação infantil da Casa do Sol como a melhor experiência de educação infantil do Brasil. Em 2009, apresentamos o projeto Novo Espaço, no Prêmio Itaú-Unicef, e fomos premiados na categoria médio porte. Em 2010, a gente se  inscreveu no FIES, que é o Fundo Itaú Excelência Social, e o projeto de educação infantil foi selecionado.

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Mostra Bonfim em Cena movimenta Senhor do Bonfim

Arte: Mariana de Paula

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
“Cidade cultural/Primor da educação/Fator fundamental/Da sua evolução”Esses versos fazem parte de uma música cantada por Del Feliz, que tem Bonfim como temática, e se encaixam muito bem às razões de existir da Mostra Bonfim em Cena. O evento cultural que está movimentando a cidade de Senhor do Bonfim, localizada no centro-norte do estado da Bahia, a 376 Km de Salvador, tem como intuito potencializar as manifestações culturais da Capital Baiana do Forró e apresentar outras linguagens artísticas para a sociedade bonfinense. Concebida pela produtora cultural Adriana Santana, a Mostra foi contemplada pelo edital de Dinamização de Espaços Culturais, da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA). Desde dezembro de 2014, espetáculos de dança, teatro, música e circo entraram em cena no palco do Centro Cultural Ceciliano de Carvalho. A programação segue até o final de maio.
Música e dança

Em cena, a Filarmônica União dos Ferroviários Bonfinenses e os bailarinos do Ballet Sacramentinas. Foto: Darlan Barreto

No último domingo, 5 de abril, os músicos da Filarmônica União dos Ferroviários Bonfinenses voltaram a se apresentar na Mostra Bonfim em Cena. Em dezembro, eles inauguraram o evento, com um concerto especial em tributo a Ceciliano de Carvalho (músico, compositor, maestro, pintor, fotógrafo), artista bonfinense homenageado no nome do Centro Cultural.
Na recente apresentação, que abriu o quinto mês de atividades da Mostra, a Filarmônica fez um concerto popular e prestou homenagem a compositores de Senhor do Bonfim e região. Lúcio Barbosa (autor da música Cidadão, gravada pela primeira vez por Zé Geraldo, em 1979), Zecrinha (que interpretou Cidadão, acompanhado pela Filarmônica, contribuindo para um dos momentos mais marcantes da noite), Daniel GomezTargino Gondim e Tércio Guimarães foram alguns dos homenageados.

Zecrinha canta Cidadão, de Lúcio Barbosa. Ao seu lado, o maestro Tenison Santana. Foto: Gislene Barreto

Zecrinha, de 62 anos, na música há 49, ficou feliz com o convite feito por José Egnaldo Silva, o Miranda, um dos maestros da Filarmônica. “Foi muito legal! Não é, assim, o gênero de música que eu faço; eu faço MPB até mais estudada, mas foi bom. Uma canção de um bonfinense, eu me comprometi a vir aqui e cantar. Eu cantei com a letra, porque não sabia decorada. Mas o convite foi feito por Mirandinha, eu achei legal e vim aqui e dei meu recado. Se vocês gostaram, eu fico muito lisonjeado”.
Ballet Sacramentinas, formado pelos bailarinos Alexandre MagalhãesCleideanne CezárioNara Junqueira e Rafaela Bonfim, fez uma participação especial durante o concerto, apresentando três coreografias. “O Ballet Sacramentinas tem uma história muito bonita, no decorrer desses 16 anos de existência aqui na cidade. Quando eu recebi o convite para trazer o Ballet como representanção de dança, na Mostra Bonfim em Cena, foi uma expectativa tamanha”, declarou Alexandre, 25 anos, ao ser indagado sobre a importância de partcipar do evento.
Quem também reconheceu a Mostra como uma ação importante para a cidade, foi o autônomo Marco Antonio, de 60 anos. “A cultura aqui em Bonfim estava morta, devido aos políticos, que não estavam dando apoio, principalmente o nosso PT, que eliminou a cultura bonfinense. Agora, com esse movimento, está sendo resgatada”, pontuou. Marco também elogiou a apresentação da Filarmônica. “Ela é um espetáculo. Várias gerações, da década de 60 pra cá, não acompanharam isso, não tiveram a oportunidade e, hoje, estão tendo essa oprotunidade de ouvir, aqui na cidade, ao vivo, a música clássica; que poucos jovens estão ouvindo”.

Marco Antonio: “A Mostra resgatou a cultura”. Foto: Raulino Júnior

A Filarmônica

Filarmônica União dos Ferroviários Bonfinenses fará 62 anos de atividade, no mês de junho, e vai continuar comemorando o fato de ser uma das mais renomadas do ramo. Na trajetória, coleciona apresentações em lugares emblemáticos da Bahia, como o palco do Teatro Castro Alves (TCA).

Sede da Filarmônica União dos Ferroviários Bonfinenses, em Senhor do Bonfim. Foto: Raulino Júnior

De acordo com o presidente da sociedade, Rafael Ribeiro, de 29 anos, que está há quase 14 no grupo, a tônica da Filarmônica é, principalmente, formar músicos cidadãos. “A Filarmônica é uma instituição da comunidade. Ela está inserida na sociedade bonfinense para instruir, para formar, para educar; não só musicalmente, mas educar na formação cidadã do jovem bonfinense. Então, tem esse foco, tem esse objetivo. A banda da Filarmônica é só uma parte, mas ela também tem uma escola; e a escola é que é o importante. O objetivo principal é educar através da música”, esclarece. Rafael toca saxofone (alto, barítono, tenor e soprano) e está no início de sua gestão na Filarmônica, para um mandato de dois anos. “Eu só espero contribuir”, fala com confiança.

Rafael Ribeiro: “A Filarmônica é da comunidade”. Foto: Raulino Júnior

A formação cidadã a que Rafael se refere fica evidente quando se escuta o discurso de Lara Camila, 15 anos, que toca clarinete. “A Filarmônica é crucial na vida de todos os adolescentes e jovens, porque ela prega a educação em primeiro lugar. Faz mais de quatro anos que eu estou aqui e é a minha segunda família, meu segundo lar. É como se eu tivesse vários irmãos em um só lugar. A sensação é maravilhosa”, reconhece. Contudo, a adolescente não pretende seguir carreira na música. Eu quero ser médica, só que eu vou ter um hobby“.  A estudante faz questão de destacar que todo o ensinamento que recebe é de graça, bem como os instrumentos e as roupas.

Lara Camila: “Aqui é meu segundo lar, minha segunda família”. Foto: Raulino Júnior

O maestro Tenison Santana, 26 anos, afirma ter sentido “uma satisfação muito grande” ao se apresentar novamente na Mostra Bonfim em Cena. “Poder replicar os conhecimentos que a gente aprende fora daqui de Bonfim com os nossos colegas, como o nosso professor, que é o Miranda, é uma satisfação porque a gente pôde, além de fazer esse trabalho com o pessoal da Filarmônica, citar compositores vivos daqui da cidade, que são nomes bastante conhecidos; com canções bastante conhecidas e poder homenageá-los presentes aqui na plateia. É uma emoção até muito grande para a gente que faz parte da Filarmônica, que está acostumado a tocar peças de compositores que já faleceram. Além de tudo, peças populares, para mostrar que a Filarmônica tem uma grande versatilidade. Tanto toca peças eruditas como toca peças populares também, principalmente o forró, já que estamos tratando da Capital Baiana do Forró”. Tenison é graduado em trombone pela Escola de Música (EMUS) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e está prestes a concluir o mestrado em Educação Musical, também pela EMUS.

E quais serão os pŕoximos acordes da Filarmônica? Rafael Ribeiro responde: “Temos muitos projetos na cabeça e alguns até no papel também. Participamos, agora, de um edital lançado pelo Fórum daqui para rodar a região de Senhor do Bonfim e distritos, levando música para os bairros, para a população mais carente e áreas de maior vulnerabilidade social e maior criminalidade. A gente espera também firmar uma parceria com a ferrovia. Somos uma Filarmônica oriunda dos ferroviários e a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) começou, agora, a despertar para a área social. Então, esperamos nos unir como parceiros para desenvolvermos trabalhos na área de música e de formação de jovens. Esses são os  passos para 2015″.

Com a palavra, Adriana Santana

Foto: Raulino Júnior

Adriana Santana tem 23 anos e é autora do projeto que deu origem à Mostra Bonfim em Cena. Formada em Produção em Comunicação e Cultura, pela Faculdade de Comunicação (FACOM) da UFBA, a bonfinense realizou uma vasta pesquisa, em 2013, sobre gestão e uso de equipamento cultural no interior, tendo o Centro Cultural Ceciliano de Carvalho como objeto. Da apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso à aprovação no edital de Dinamização de Espaços Culturais, da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA), foi um pulo. Em entrevista exclusiva para o Desde, ela conta um pouco sobre a realização da iniciativa.

Desde que eu me entendo por gente: Na sua opinião, como idealizadora do projeto, qual é a importância dele para a cultura de Bonfim?

Adriana Santana: Ele é muito importante para movimentar um espaço cultural da cidade, da região, o único centro de cultura do Território Piemonte Norte do Itapicuru que não tem atividades permanentes de cultura. Tem esse nome de espaço cultural, mas recebe mais atividades de outra natureza do que da natureza artístico-cultural. Então, é muito importante movimentar este espaço. É muito importante promover entretenimento e lazer para o público da cidade, da região. E tem sido muito bacana fazer isso. A gente chegou, agora, à oitava edição neste domingo [dia 5 de abril], aí vamos até maio realizando um monte de coisa.

Desde: O projeto tem atendido às suas expectativas iniciais?

AS: Sim. Acho que a gente tem conseguido trazer programação de muita qualidade, tem sido uma surpresa a cada noite. Porque, quem vê de fora, acha que não tem tanta gente boa fazendo arte aqui na cidade e a gente mostra que não; que é o contrário.

Desde: E qual o legado você quer que a Mostra Bonfim em Cena deixe para a cidade, para a região?

AS: Eu quero que, após seis meses de programação contínua, o Centro Cultural consiga receber atividades contínuas daqui pra frente. Que as pessoas entendam a importância de ter atividades aqui, de realizar atividades, que o poder público entenda a importância disso e continue realizando, não deixe esse espaço parado, como estava antes da Mostra Bonfim em Cena.

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Esta reportagem foi produzida nos dias 05, 06, 07 e 08 de abril de 2015
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