Cinema, Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Resenha

Sem Acordo: arte marcial soteropolitana

Marcus Barbosa, em cena de Sem Acordo. Imagem: captura de tela.

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

O filme Sem Acordo — Ação em Salvador!, do estudante baiano Marcus Barbosa, 21 anos, é uma experiência inovadora na cinematografia da Bahia. Por dois motivos: utiliza um gênero pouco comum ao cinema da terra de Glauber Rocha, o da arte marcial; e foi gravado com câmera digital de fotografia. Marcus, que é estudante do Bacharelado Interdisciplinar em Artes, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), faz, literal e metaforicamente, acrobacias para produzir seus filmes. O resultado é satisfatório, principalmente quando se pensa nas condições de produção.
Sem Acordo é um média-metragem que utiliza todos os ingredientes do gênero de ação: assassinatos, conflitos e muita luta. A propósito, as cenas de luta são impressionantes e convincentes. No final do filme, que está disponível no canal do YouTube de Marcus, dá para ter um pouco de noção de como elas foram feitas, através das cenas de bastidores. O audiovisual é dedicado a Panna Rittikrai e Jackie Chan, ídolos do cineasta baiano.
O elenco do filme é formado por amigos de Marcus, nenhum tem formação em teatro. Talvez, por isso, as atuações tenham, ao mesmo tempo, veracidade e imprecisão. Em algumas cenas, fica evidente que os “atores” apenas se preocuparam em gravar as falas, sem atentar para o subtexto. Por outro lado, eles vivem, na pele, os conflitos sugeridos pelo roteiro.
Falando em roteiro, esse é um dos pontos problemáticos do filme. No final, a impressão que dá é a de que nenhuma história foi contada. Há uma confusão na montagem. Contudo, Sem Acordo é resultado do empreendedorismo cultural de Marcus Barbosa, alguém que quer fazer acontecer. E isso é o que vale.

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Axé Music, Cultura, Desde Então: análise de produtos culturais de outrora, Jornalismo Cultural, Música

Roda Viva: a coerência artística de Daniela Mercury

https://www.youtube.com/watch?v=6FtKARmClT4

Daniela Mercury, no Roda Viva. Imagem: captura de tela feita em 13 de fevereiro de 2015.

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora||
Em 1º de janeiro de 1996, a TV Culturaexibiu, no tradicional programa Roda Viva, uma entrevista com a cantora e compositora Daniela Mercury. Vale muito a pena assistir! Principalmente, para entender por que a Axé Music se tornou uma música hegemônica no Brasil. A competência e preocupação artística de Daniela já eram evidentes desde lá. Definitivamente, o canto é dela!
Na entrevista, mediada por Matinas Suzuki, Daniela fala sobre sua relação com o dinheiro (“Eu gosto de dinheiro para produzir, para realizar os meus sonhos”), sobre as críticas ao seu trabalho, sobre as dificuldades do início da carreira e outros assuntos que interessam a quem gosta de música e cultura brasileira. Naquele momento, ela estava prestes a lançar o CD Feijão com Arroz, um clássico de sua discografia, e mudando o seu percurso no Carnaval de Salvador: ia desbravar a Barra. Em 1996, Daniela estava completando dez anos de carnaval em Salvador.
Alguns trechos são bastante interessantes e mostram como Daniela é uma artista coerente com o seu público, a sua música e a sua arte. Isso transparece quando a artista fala sobre a sua dedicação aos shows: “Eu faço cada show como se fosse o único e o último da minha vida. Seja onde for, há qualidade, há entrega absoluta, disso eu não abro mão, em hipótese alguma. Mesmo estando até um pouco debilitada fisicamente pelas viagens. Eu não escondo nada, eu não guardo nada. Eu sou completamente intensa na minha relação com o palco”.
A conhecida personalidade forte de Daniela também figurou no Roda Viva. Ao falar sobre a presença da dança nos seus espetáculos, ela solta: “Eu tenho a dança como um outro elemento de comunicação com o público, muito claramente. Eu não uso ela só como um enfeite”. Enfim, a repetição é necessária: vale muito a pena assistir ao programa!

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Crônica, Cultura, Desde Já, Jornalismo Cultural

Assis Valente está me perseguindo. Espia…

Capa da biografia de Assis Valente, de autoria de J. Pimentel. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Ano passado, organizando umas coisas em casa — papéis e revistas para jogar fora —, encontrei, numa edição da extinta revista Bravo!, uma matéria que falava sobre Assis Valente. Até então, não recordo se já tinha ouvido falar no compositor baiano. É bem possível que sim, uma vez que já li coisas sobre Carmem Miranda e ela gravou importantes músicas compostas por ele. A verdade é que já conhecia algumas músicas de Assis, mas não sabia que eram dele. Muitas delas são bem famosas, como E o mundo não se acabouBoas Festas (“Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel…”) e Brasil Pandeiro.

O texto da Bravo! me deixou bastante intrigado. Assis Valente era baiano, era compositor e, dizem, era santamarense. Muita identificação! Além disso, a sua suposta vida transtornada (principalmente, por não saber lidar com a própria homossexualidade), descrita na matéria da revista, que foi assinada pelo crítico de música Pedro Alexandre Sanches, chamou a minha atenção. Vi, ali, um personagem interessante. Corri para a internet a fim de buscar mais informações sobre o cabra e descobri que muito pouco se encontra sobre ele. No seu texto, Pedro apontara isso. Falava sobre a falta de “livros, filmes e minisséries” sobre o autor. Se estivesse vivo, Assis teria completado 100 anos em 2011. Na época, foi pouco lembrado.
O fato é que o compositor vem cruzando o meu caminho. Por acaso. Há pouco dias, caiu no meu colo a biografia dele, de autoria do radialista J. Pimentel. A obra faz parte da coleção Gente da Bahia, uma promoção da Assembleia Legislativa da Bahia. Os livros são distribuídos gratuitamente. Estou saboreando o de Assis. Sei que farei alguma coisa grande envolvendo a história dele. Estou entusiasmadíssimo! Como é bom poder ler!
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Crônica, Cultura, Desde Já, Jornalismo Cultural

30 minutos de Face

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Às vezes, eu penso: “A internet é uma ferramenta maravilhosa, que a gente pode se informar, aprender, fazer cursos e eu a utilizo tão mal”. E é verdade! Por mais que eu leia muito, esteja atento às coisas do jornalismo e da educação, muitas vezes, me sinto tão medíocre, navegando em sites que não acrescentam nadica de nada. É frustrante!
Puxa! A gente tem um recurso riquíssimo nas mãos e não damos o devido valor. Acho que tudo também depende da organização do nosso tempo. Por que, antes de toda essa revolução, a gente tinha tempo para estudar, ler, visitar os amigos e, ainda, dormir cedo? Meu Deus! Hoje, nosso tempo é do Face! É claro que estou sendo bem radical, usando o Facebook como metonímia disso tudo, mas a lógica existe. Quantas vezes eu digo para mim: “Raulino, hoje, você vai ficar apenas 30 minutos no Face”! Quem disse que eu cumpro? Que raiva! E, assim, a briga interna começa:
“Você já está há 15 minutos no Face”, alerta a minha consciência.
“Estou ligado. Só estou vendo as minhas notificações aqui. Saio daqui a pouco”, retruco eu.
“Raulino, você disse que ficaria 30 minutos no Face. Já estamos em 28”.
“Estou saindo”.
“Você tem livros para ler, texto para produzir e, amanhã, tem compromisso cedo”. Aí, beltrana compartilha um link interessante, fulano começa a discutir com ciclano e eu, curioso, quero acompanhar os comentários. Quando vejo, já estou há mais de uma hora e meia na rede. É sério!
Agora, decidi: 30 minutos e não se fala mais nisso! Vou aproveitar o tempo para ler, dar atenção aos meus e fazer um curso de inglês pela internet, é claro! Consciente, sim; mas atenado com o meu tempo, não é?
Sigamos.
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Axé Music, Cultura, Jornalismo Cultural, Música, Reportagem, Reportagem Especial

O Axé dançou?!

Desde visita academias de Salvador para saber se o suingue ainda é baiano e discute a tão falada crise da Axé Music

Aula de suingue baiano, na Pró Saúde Academia, em Paripe. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 

Quando se fala em Axé Music, é natural pensar numa música dançante, feita para pular e que, quase sempre, traz coreografias fáceis de aprender. Neste ano, o gênero, que é apenas mais um segmento artístico dentro do universo musical da Bahia, comemora 30 anos de vida e vê o seu nome associado a uma crise de criação bastante evidente para alguns e não percebida por outros, principalmente artistas e empresários do ramo. A fim de investigar se o estado de crise é real, o Desde resolveu visitar as aulas de suingue baiano de cinco academias de Salvador para saber se, de fato, o suingue ainda é baiano.

Origens

As aulas de suingue baiano se popularizaram no início dos anos 90, do século passado, juntamente com a ascensão e consolidação da Axé Music, vertente da música baiana que ganhou o Brasil a partir de 1985. Sucesso nas academias, as aulas costumam atrair homens e mulheres que querem se exercitar, perder peso ou aprender as coreografias das músicas mais tocadas do momento. Nessa seara das “músicas mais tocadas do momento”, hoje em dia, a Axé Music coexiste com o funk, o sertanejo, o forró, o arrocha e as músicas de artistas internacionais. O repertório das academias é pensado, principalmente, levando em consideração as músicas que estão tocando no rádio ou que fazem parte da trilha sonora das novelas. O professor Eric Araújo, o Pincel, 27 anos, da F4 Academia, que fica no bairro de Nazaré, elenca três pontos primordiais para colocar uma música no seu repertório: “Primeiro, eu busco o lance comercial, as músicas que estão tocando nas rádios; o segundo ponto é buscar coreografias que tenham um lado metodológico, com indicações como ‘direita, esquerda, em cima, embaixo’; por último, é o lado fitness. A gente busca, dentro do repertório, oscilações de ritmos que vão auxiliar na frequência cardíaca do aluno e, consequentemente, num maior gasto calórico”. Ou seja, um prato cheio para o Axé, que, em parte, atende a todos os requisitos citados por Pincel. Contudo, para ele, que dá aulas de suingue baiano há cinco anos e trabalha em seis academias, o Axé Music se modelou negativamente para as aulas de dança. “O axé deixou de ser um show interativo para ser um show expositivo. Antigamente, eram coreografias que induziam o público a dançar e participar do show e isso era muito fácil de a gente reproduzir dentro da sala de aula. O que eu percebo é que o axé se tornou mais expositivo e começou a excluir um pouco a dança participativa para ter uma dança espetáculo. Eu não estou dizendo que isso é ruim, estou dizendo que o axé mudou um pouco a sua raiz”, esclarece.

Eric Araújo, o Pincel, e parte de seus alunos posam após mais uma aula de suingue baiano, na F4 Academia. Da esquerda para a direita: Heliana Conceição, Thawant Teixeira, Pincel e Cíntia Daiana. Foto: Raulino Júnior

F4 Academia foi fundada em 2012 e, desde então, oferece aulas de suingue baiano. De acordo com França Maria, 38 anos, que é administradora do espaço, a decisão de colocar as aulas na grade da academia partiu, principalmente, pela demanda. “No Centro, é muito forte a procura. As pessoas já vêm à academia procurando saber se tem aula de suingue baiano. Então, é o nosso carro-chefe”, admite. Em média, 16 a 18 alunos frequentam a aulana F4. Segundo França, o Axé continua predominando no repertório, mas, na opinião dela, para o gênero se manter em alta no futuro, deve fazer um retrocesso. “Acho que ele chegou a um ponto que evoluiu tanto que, agora, está regredindo, voltando às origens. O É o Tchan está voltando a cantar as músicas antigas, os grupos antigos estão voltando porque eles perceberam que aquele axé, lá do comecinho, fazia e faz muito mais sucesso do que, digamos, a baixaria que estão fazendo hoje em dia. Eu acho um retrocesso bem inteligente e acho que o axé não acaba nunca”.

França Maria, administradora da F4 Academia. “O suingue baiano é o nosso carro-chefe”. Foto: Raulino Júnior

Vivendo do que já foi

A professora Dérica de Assis, 40 anos, que dá aulas em quatro academias, também acha que o Axé não vai acabar, mas pondera: “Nas minhas aulas, o axé predomina, mas eu faço um resgate porque, hoje, os artistas não lançam músicas que contribuam para a gente selecionar um repertório legal e colocar numa aula de 1h. Hoje em dia, realmente, está essa decadência. O axé vive do que já foi”, avalia. Dérica tem 22 anos de profissão e dá aulas de suingue baiano há 15. Na Jump Cat Academia, localizada na Avenida Sete de Setembro, ela é professora de zumba. Por sinal, a Jump Cat é, das cinco academias visitadas, a única cuja aula não recebe a denominação de “suingue baiano”. Mas, o que é a zumba? “É a reunião de vários ritmos latinos, como bachata, merengue, reggaeton e salsa”, afirma Santiago Sales, 23 anos, um dos professores da Jump. Nesse sentido, o suingue da Bahia é incorporado à zumba nas aulas de Dérica, o que tem agradado aos alunos. “Fiz a primeira vez e fiquei apaixonada, porque é dinâmica, divertida e trabalha o corpo todo; principalmente o aeróbico, a coordenação motora e a resistência”, conta a entusiasmada Lindinalva Berlink, de 51 anos, que é professora de educação física e estudante de biomedicina. Ela só não gosta de “pagode baixo-astral”.

Lindinalva Berlink: “Gosto de axé, só não gosto de pagode baixo-astral”. Foto: Raulino Júnior

Na Jump, Dérica dá aula de zumba em parceria com o professor Ubiratan Sá, de 28 anos, que trabalha com suingue baiano desde 2013. Ubiratan é um crítico contumaz da atual cena da Axé Music e diz que, pela experiência que tem, a adesão às aulas dessa natureza foi diminuindo ao longo do tempo. “Está um pouco decadente. Eu estou pegando música antiga, de dois, três anos atrás e nada de baixaria. Hoje em dia, o pagode tem muita baixaria e algumas músicas do axé estão partindo para o lado do pagode”.

Dérica e Ubiratan, professores de zumba da Jump Cat Academia. Foto: Raulino Júnior

O profissional de educação física Charles Fraga, 45 anos, dono e administrador da Jump Cat, decidiu colocar aula de dança na academia porque a modalidade costuma atrair muitos alunos. “Desde o início da academia, há 8 anos, a gente oferece aula de suingue baiano. Há uma ano e três meses, apostamos na zumba. Decidi colocar dança aqui porque atrai muito mais aluno e chama mulher para academia. Nem todo mundo quer fazer musculação”, garante. Cada aula de zumba na Jump Cat tem, em média, cerca de 15 a 20 alunos.

Charles Fraga, dono e administrador da Jump Cat Academia. “As aulas de dança chamam mulher para a academia”. Foto: Raulino Júnior

Suingue misturado

O professor Alex de Oliveira, 37 anos, mais conhecido como Leleco, dá aula de suingue baiano há 10 anos e trabalha em oito academias. Entre elas, a Academia Alabama Fitness, que fica nos Barris. As aulas de Leleco são sempre cheias, com uma média de 25 alunos. O repertório é selecionado tendo como parâmetro as músicas que tocam nas rádios e as que fazem sucesso nas novelas. Embora admita que o axé predomine nas suas aulas, Leleco diz que o suingue não é mais só baiano. “Misturou. A música baiana virou mistura. A essência não é tão forte como era o Olodum, que era o pilar da coisa. O Ilê Aiyê, com aquele suingue gostoso. Hoje, você não vê muito isso. Nas aulas de dança, predomina o ritmo baiano, mas você vê muito funk. O próprio pagode baiano está sendo baseado no funk”. Há nove anos, Leleco mantém o projeto Dance com Leleco, que acontece sempre aos domingos, às 10h, no Farol da Barra. A ação é tão bem-sucedida que já chegou a reunir cerca de 150 pessoas. Hoje, ela integra o projeto Ruas de Lazer, capitaneado pela Prefeitura de Salvador em parceria com o Shopping Barra.

Leleco (na frente, com camisa de manga comprida) e sua turma da Academia Alabama Fitness. Foto: Raulino Júnior

Quem tem uma opinião semelhante à de Leleco é o professor da Espaço 10 Academia, que fica no Campo Grande, André Teixeira, 22 anos. A proposta da aula dele é a de misturar ao máximo os ritmos, mas o pagode e o samba predominam. “O suingue não é mais totalmente baiano. Hoje, você vê o crescimento do sertanejo, que deu uma misturada com o arrocha que surgiu aqui na Bahia. Numa aula, você pode encontrar pagode baiano, axé, ritmos latinos e até hip-hop norte-americano. Com a globalização, músicas que tocam em outros lugares chegam com mais facilidade a nosso estado”. André ainda afirma que, quando começou a dar aulas, em 2010, a música baiana era quase que exclusiva no repertório. “Tinha quase que 100% de música baiana. Mas, como falei, com a globalização, não dá para ficar somente nela”. Ele é professor de suingue baiano das duas unidades da Espaço 10 (Piedade e Campo Grande). Na do Campo Grande, que é a filial, tem uma média de 8 a 12 alunos. Na matriz, a média é de 25 pessoas por aula.

André Teixeira (sentado) e os alunos da Espaço 10 Academia, unidade do Campo Grande: ele aposta na mistura de ritmos. Foto: Raulino Júnior

Desde quando foi fundada, em 2000, a Espaço 10 oferece aula de dança e a modalidade se tornou, como assegura Manoelito Magalhães, de 51 anos, “o carro-chefe da academia”. Manoelito administra a unidade do Campo Grande, que é um pouco mais nova, com oito anos de atividade, e traz um depoimento que revela que as aulas de suingue baiano servem de iscas para os baianos frequentarem a academia. “Quando as pessoas vêm procurar a academia, principalmente o público baiano, a primeira coisa que pergunta é: ‘Tem suingue baiano?'”. Porém, na opinião dele, a Axé Music estagnou. “Não houve renovação, a fórmula ficou a mesma coisa. Os mesmos cantores fazem sucesso. Hoje, se resume a quê: cinco, seis, né?”, questiona.

Manoelito Magalhães, administrador da Espaço 10 Academia: “O Axé não se renovou”. Foto: Raulino Júnior

Para Dhieggo Astral, 30 anos, professor da Pró Saúde Academia, em Paripe, o pagode baiano tomou o espaço do Axé. “O Axé permitiu isso. Não inovou”. Com 11 anos de experiência e, atualmente, dando aula em cinco academias, Dhieggo seleciona o repertório tendo como referência as músicas que tocam no rádio. “Vejo o que está bombando em cada região e faço um repertório eclético, mas boto mais as coisas que rolam aqui na Bahia”. Dhieggo não se considera mais um professor de suingue baiano, mas, sim, de fitdance. “É uma aula de ritmos, mais elaborada”. No Portal FitDance, a modalidade é descrita como “um programa que através dos diversos ritmos musicais torna a prática de atividade física mais divertida através da dança”. Por isso, para o professor da Pró Saúde, o suingue deixou de ser baiano e ganhou o mundo. “O suingue passou a ser mundial porque, se a galera prestar atenção nos sites de vídeo, como o YouTube, vai ver que no mundo todo, hoje, tem aula de suingue baiano; que nasceu justamente aqui na Bahia, aqui no Brasil”.

Dhieggo (o 4º, da primeira fileira, da direita para a esquerda) e os alunos da Pró Saúde Academia: aula de fitdance. Foto: Raulino Júnior

E a crise?

Levando em consideração o universo das academias, com a Axé Music ainda predominando no repertório e as aulas de suingue baiano sendo bastante frequentadas, há alguma razão para falar em crise? Pincel, da F4, pondera: “Só que, hoje, a gente tem a invasão do arrocha, do funk carioca, AnittaNaldo e os alunos cobram a inserção dessas músicas nas aulas, o que vai tomando o espaço do axé. Eu tenho, às vezes, até metade do repertório preenchido por músicas que não são provenientes do axé. Então, isso, eu considero que é um reflexo do que estão chamando de crise”. Dérica, da Jump Cat, vê o aspecto econômico da coisa como justificativa para a atual fase do Axé. “Parece que a Axé Music se prostituiu, no sentido de que só visam o dinheiro e esquecem do poder das letras, da poesia, da nossa cultura e de falar da nossa história, como o Olodum sempre fez. Eu estou bem decepcionada. Pode ser que melhore ou pode ser que não, que continue nessa mesma situação; marketing”, desabafa.

Em enquete promovida pelo site da Espaço 10 Academia, o Axé está em 3º lugar na preferência de qual gênero musical as pessoas gostam de ouvir enquanto malham. Num universo de 67 votantes, obteve 10.4% dos votos, ficando atrás de “Música Eletrônica” (55.2%) e “Outros” (20.9%). Captura de tela feita em 5 de fevereiro de 2015.

Em entrevista concedida pelo Twitter, o cantor e compositor Tierry Coringa, 25 anos, que deixa a banda de pagode Fantasmão após o carnaval para seguir carreira solo, assegura que não há dúvidas de que o Axé esteja em crise. “Sem dúvida, há uma crise na música baiana (Axé) como um todo. Crise financeira e de identidade musical. O momento é crítico. O Axé parou no tempo e sua sonoridade já não agrada mais como antes. Acho que temos que respeitar o tempo. Espero que melhore”. Tierry, que já foi gravado por artistas reconhecidamente da Axé Music, como Claudia LeitteIvete SangaloPsiricoLéo SantanaTimbalada, e Cheiro de Amor, só para citar os de maior expressão na atualidade, pretende unir o ritmo bachata com o groove da Bahia em sua carreira solo.

Vera Lacerda, fundadora do bloco e da banda Ara Ketu, concorda com Tierry no que diz respeito à existência da crise no Axé. Em entrevista via Facebook, ela não poupou palavras para falar sobre a situação do gênero musical. “Não poderia dizer que o axé  não está em crise, pois isso é uma coisa latente no momento. Acho que a música da Bahia passou por um momento de acomodação e isso implicou numa falta de criatividade e mesmice. Graças a Deus que, em meio a crise, as pessoas sentiram a necessidade de investir na criatividade e qualidade do que sabemos fazer. O Ara Ketu, por exemplo, estará investindo nessa mudança, pois estamos trabalhando no resgate cultural do nosso trabalho”, revelou. Vera se refere à nova formação do Ara Ketu, que terá Érico Brás e Tonho Matéria como vocalistas.

A propósito, Tonho Matéria também foi procurado pelo Desde para comentar sobre a tão falada crise da Axé Music. Por e-mail, o cantor e compositor enviou um significativo relato falando sobre a temática. Por questões editoriais, o blogue decidiu reproduzir na íntegra o texto do artista. Dessa forma, o Desde cumpre a sua função de noticiar com ética e responsabilidade. A seguir, o relato de Tonho.

Com a palavra, Tonho Matéria

Foto: Sandra Câmera

“A maior base da Axé Music foi a música dos blocos afro que, com suas letras voltadas ao conhecimento cultural, transformou não só a Bahia, mas o Brasil. Essa música fez diversos artistas e bandas se tornarem de ponta no país, enquanto os blocos afro permaneceram no mesmo lugar, insistindo e acreditando na proposta que tinham, a de conservar a tradição e o legado. 

Depois que as grandes bandas e artistas começaram a fazer sucesso no país, o olhar do empresariado se tornou mercadológico e, assim, fomentou o desejo de ganhar dinheiro. Desse modo, o dinheiro, juntamente com a ambição do quero mais, matou a ‘galinha dos ovos de ouro’. Os grandes compositores deixaram de ser gravados porque produtores e intérpretes passaram a compor. As micaretas espalhadas pelo Brasil passaram a ser festa indoors e, nestes espaços, só entravam artistas que faziam parte do cast de determinadas empresas, ‘grupo de empresários’.

Assim, a crise começou a acontecer. A Axé Music deixou de ser música de interesse mercadológico, porque esses empresários já estavam migrando para outros movimentos, como, por exemplo, o sertanejo, o pagode, o arrocha e tudo que venha a ser universitário. A crise não está só na Axé Music, está em tudo que essa galera [o empresariado] toca. Tanto que, para se fazer um grande show, é preciso juntar dezenas de artistas para lotar um espaço. Com o Axé em alta, um só artista conseguia lotar o espaço com mais de 30 mil pessoas. Então, para mim, não procede dizer que o Axé está em crise. Como um segmento vive em crise com seus artistas ganhando prêmios internacionais e nacionais? No Melhores do Ano, do Domingão do Faustão, a artista Claudia Leitte ganhou como a melhor cantora do ano e, junto com ela, estavam concorrendo Ivete Sangalo e a cantora Paula Fernandes, a única do gênero sertanejo. Então, como é que um gênero desse está em crise? O que acontece é que as pessoas não acreditam mais na força e sinergia do Axé Music, porque foi um gênero que já surgiu renegado e sendo tratado como qualquer coisa por um determinado jornalista aqui na Bahia.

Se hoje existe uma crise no Axé Music, é como em qualquer outro gênero. Mas,  não é uma crise mercadológica e, sim, ideológica. Se as rádios voltarem a tocar esse estilo de música, principalmente aqui na Bahia, acontecerá uma nova revolução. A prova disso é o grupo É o Tchan, que voltou com força total. Por isso, aguardem o Ara Ketu com Tonho Matéria e Érico Brás no comando.

Tonho Matéria”

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Posicionamento do CREF sobre as aulas de suingue baiano

 

De acordo com o presidente do Conselho Regional de Educação Física (CREF)Paulo César Vieira Lima, 60 anos, a aula de suingue baiano é uma atividade física que deve ser ministrada por profissionais de educação física devidamente registrados no sistema CONFEF (Conselho Federal de Educação Física)/CREFs, conforme determina a Lei 9696/98. Segundo Paulo, os profissionais de dança também podem ministrar as aulas, desde que estejam registrados no mesmo sistema citado anteriormente. “O CREF fiscaliza todas as atividades físicas e esportivas e as academias devem ter registro no CREF e um responsável técnico”, alerta. Paulo César preside o CREF desde 2008, eleito pelos profissionais de educação física em três eleições consecutivas.

Desde entrou em contato com a direção da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA) para saber o posicionamento da unidade sobre as aulas de suingue baiano nas academias e, até o fechamento desta reportagem, não obteve resposta.

Hoje em dia, as academias estão bastante preocupadas em atender aos critérios estabelecidos pelos órgãos reguladores e os profissionais da área sabem da importância do aprimoramento. Dérica, da Jump Cat, tem um histórico de cursos de dança no currículo e vai começar a graduação em Educação Física, na Faculdade Social da Bahia. Nessa mesma instituição, estudam Pincel, da F4Leleco, da Alabama Fitness e André, da Espaço 10Dhieggo, da Pró Saúde, fez curso de fitdance, promovido pela empresa FitDanceSantiago, da Jump Cat, se formou em Educação Física no ano passado, pela Universidade Federal da BahiaCharles, o dono da academia, também tem formação na área. Em 2003, concluiu a graduação em educação física na Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia (FACCEBA).

Santiago Sales, da Jump Cat, é profissional de educação física formado pela UFBA. Foto: Raulino Júnior

Carla Marques, 33 anos, administradora da Alabama Fitness desde os 18, faz questão de ressaltar que a academia tem a preocupação de colocar profissionais da área acompanhando os alunos. “Aqui tem vários profissionais de educação física para acompanhar os alunos. Cada turno tem um professor. Temos dois estagiários da área também”. Na mesma linha pensa França Maria, da F4. “Em todos os horários nós temos professores e todos são formados em educação física. Temos alunos de educação física, que estagiam aqui. Além disso, meu irmão, que é sócio da academia, é profissional de educação física”. França é formada em administração, pela Faculdade da Cidade do Salvador.

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Curiosidade: as aulas de suingue baiano são ministradas, predominantemente, por homens e frequentadas, de forma hegemônica, por mulheres. Das cinco academias visitadas pelo Desde, apenas a Jump Cat tem uma mulher coordenando a atividade, Dérica. Mesmo assim, ela dá aula em parceria com Ubiratan.

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Esta reportagem foi produzida no período de 7 a 20 de janeiro de 2015.

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