Crônica, Cultura, Desde Já, Jornalismo Cultural

Manda nudes!

Ilustração: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Joãozinho estava todo empolgado! Acabara de conhecer, como ele dizia, a mulher de sua vida.  A escolhida: Mariazinha. Depois daquele dia, eles nunca mais deixaram de manter contato. Foi um encontro frenético.

Contudo, numa ensolarada manhã de domingo, ao abrir a caixa de e-mail, viu uma mensagem de Mariazinha com o seguinte assunto: “Manda nudes!”. Estranhou a expressão desconhecida e tratou de pesquisar na rede. Encontrou várias explicações, além de notícias falando de um caso recente, envolvendo um ator famoso e sua mulher. Pensou: “A Mariazinha quer que eu envie fotos assim…”.

Como ele não queria sair de careta nem perder a oportunidade de conquistar a moça, sacou o celular e foi para o quarto. Por sorte, o irmão ainda não havia chegado do futebol. Ficou pensando na melhor pose, fez testes no espelho, escolheu o melhor ângulo e apertou o botão. Pronto! Trabalho feito!

Em seguida, voltou para a sala e transferiu os dados para o computador. Escreveu um novo e-mail, cheio expressões picantes e demonstração de carinho. No assunto “Meu nudes!”. Enviou. Aí lembrou que não tinha aberto o e-mail de Mariazinha. Ao clicar na mensagem, leu o seguinte:

“Oi, Jô! Td bem? Viu essa notícia sobre aquele ator de novela? Rsrsrsrs! Cuidado! Ñ fica mandando nudes por aí. Que loucura! Mas kda um faz o q qer, né?! Vou ligar pra vc, pra gente marcar alguma coisa. Bjo!

Little Mary”

Joãozinho ficou em pânico. Esperou a ligação de Mariazinha o dia todo. Não dormiu. Às 7h, quando já estava cochilando, ouviu o sinal no celular. Abriu a  mensagem com euforia: “Vc enlouqueceu?! Me conhece há pouco tempo. E seu eu divulgasse aquilo? Precisamos conversar!!!”.

E Joãozinho decidiu dormir, “pro dia nascer feliz”.
 
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A arte de transitar

Saiba por que Henrique Cruz não fica parado

Henrique Cruz em foto de Jaques Diogo: artista em movimento

Por Raulino Júnior

O título desta entrevista sintetiza de forma contundente o fazer artístico de Henrique Cruz: ele está sempre em trânsito. Literal e metaforicamente. Inquieto, o mineiro, natural de Belo Horizonte (BH), vive entre a capital de Minas e a cidade de São Paulo, na qual, muito em breve, pretende fixar residência. Enquanto se divide entre as duas metrópoles, produz e ensaia um musical infantil, com previsão de estreia para o início de 2016. E não para por aí! Entre os dias 30 e 31 de outubro e 6 e 7 de novembro, apresentará o seu novo show, intitulado Tropical, na inauguração do Espaço Cultural COMPALCO, em BH. “Tenho planos de levar o show para Salvador, mas ainda não sei como isso acontecerá”, afirma. Por sinal, Henrique tem grande admiração pela Bahia. “Nasci gostando. Deve ser coisa de outras vidas”. Em 2012, esteve em Salvador pela primeira vez, para participar do Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia (Filte Bahia). Há três anos, passa o carnaval aqui. Revela ser fanzaço do Ara Ketu, adora Luiz Caldas e fica louco com a batida do samba-reggae. Ficar parado, de fato, não é a dele.

Henrique Álvares Cruz é filho único do casal Alda Lacerda Álvares e Antônio Meirelles Cruz, ambos funcionários públicos.  Ator, cantor, produtor e diretor teatral, transita na arte desde criança. Aos oito anos, já estava em cena. Com 16, estreou o seu primeiro espetáculo profissional, um musical de Pluft, o Fantasminha, sendo indicado na categoria de ator-revelação no Prêmio SESC/SATED (Serviço Social do Comércio/Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões, de Minas Gerais), em 1999. Ao longo da carreira, fez inúmeras peças, já atuou em curtas, integrou o elenco de um episódio do programa Agora é com a gente (canal Futura, em 2001) e participou (e participa) de algumas campanhas publicitárias. Formado em Teatro, pelo Centro de Formação Artística e Tecnológica da Fundação Clóvis Salgado (Cefart), que faz parte do complexo cultural Palácio das Artes, em Minas Gerais; em História, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas); e pós-graduado em Arte Contemporânea, também por essa instituição, Henrique Cruz justifica por que vive se movimentando: “A arte é trânsito, se faz e se desfaz a todo momento”. Na entrevista a seguir, feita por e-mail, o artista fala de carreira, música, teatro e TV.
Desde que eu me entendo por gente: Numa entrevista publicada no YouTube, você disse que a sua mãe o colocou no teatro ainda criança, por te considerar tímido. Você queria fazer teatro?
Henrique Cruz: Provavelmente, sim, mas não posso garantir. Eu era, de fato, uma criança tímida, mas esse olhar para a arte sempre me acompanhou. Segundo conta minha mãe, uma amiga havia dado um toque para que ela me inscrevesse em uma escola de teatro para crianças. Acabei entrando numa turma que tinha gente de várias idades, o que foi bem legal. Coisa que se repetiu em meu curso de formação como ator, no Palácio das Artes; em meu curso de graduação em História, e também em meu curso de especialização em Arte Contemporânea: várias gerações que se encontraram e tiveram de dialogar. Extremamente saudável isso!
Desde: Hoje em dia, o que a sua família acha de sua carreira?
HC: Tenho o  apoio de meus pais, que olham minha profissão com admiração e, ao mesmo tempo, com receios, sobretudo por conta das instabilidades típicas da carreira artística.
Desde: Algum outro integrante da sua família é envolvido com o universo artístico?
HC: Tenho uma prima, por parte de mãe, que é grande artista, chamada Rose Brant. Além de atriz, é uma cantora talentosíssima. Também tive alguns tios-avôs poetas, já falecidos, em Dores do Indaiá (cidade do interior de Minas Gerais, da qual os pais de Henrique são oriundos).
Desde: Onde você estudou teatro?
HC: Como ator, minha formação se deu no Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado (Palácio das Artes), em Belo Horizonte. Mas, ao longo desses anos, também participei de diversos cursos livres de teatro, de menor duração, porém intensos. Dentre os cursos, destaco aqueles ministrados por Cacá Carvalho, por Yara de Novaes e pelo diretor russo Mikhail Chumachenko. Como cantor, não posso deixar de destacar mestres importantíssimos em minha formação, como Babaya MoraisEudósia Acuña QuinteiroAída CoutoEládio Pérez-González, dentre outros. Desde 2013, estudo teoria e prática musical na Fundação de Educação Artística. Também estudei dança com Helena e Lúcia Weber, em São Paulo; e com Adriana Burni, em Belo Horizonte.
Desde: Como foi a sua trajetória no teatro?
HC: Comecei no teatro aos oito anos de idade. Participei de grupos amadores até os 15, quando prestei audição para o SATED/MG e conquistei meu registro profissional. Com 16, estreei meu primeiro trabalho profissional, pelo qual fui indicado ator-revelação no prêmio SESC/SATED. Por dez anos, integrei o Grupo Teatral Encena, dirigido por Wilson Oliveira, onde montamos textos clássicos, entre espetáculos adultos e infantis. Por três anos, integrei a Companhia Clara de Teatro, dirigida por Anderson Aníbal, com a qual viajei por diversas cidades brasileiras, realizando temporadas e participando de festivais importantes. Também integrei elencos de espetáculos produzidos por coletivos artísticos e desenvolvi trabalhos independentes, vários deles premiados.
Desde: Você tem um currículo extenso. Tem alguma peça que não fez, mas tem vontade de fazer?
HC: Tem inúmeras peças teatrais em que tenho vontade de atuar. Mas, às vezes, falta o dinheiro para produzir, ou a equipe mais adequada para determinada produção. Quero ainda vestir muitos personagens, experimentar nuances, conflitos e jogos. Nesse sentido, quero também trabalhar com vários diretores brasileiros que admiro…
Desde: Dos espetáculos de teatro que fez, qual foi o mais marcante?
HC: Na Companhia Clara de Teatro, destaco a peça Coisas Invisíveis (texto de Gustavo Naves Franco e direção de Anderson Aníbal). Um espetáculo delicado e contemporâneo, que marcou a cena teatral em Belo Horizonte nos anos de 2003 e 2004. No Grupo Teatral Encena, destaco a peça Nossa Cidade, um dos textos de teatro mais lindos que já li, um clássico escrito pelo norte-americano Thornton Wilder e dirigido, em 2010, por Wilson Oliveira. Ressalto ainda uma outra montagem: Vereda da Salvação, escrita pelo dramaturgo brasileiro Jorge Andrade e dirigida por Marcelo Bones. Nessa peça, interpretei um dos personagens mais marcantes em minha trajetória até o momento, chamado Joaquim, um jovem que acreditava ser a reencarnação de um messias, fruto de um povoado rural sofrido e que prometia a seus seguidores o caminho para o paraíso.
Desde: Qual é o seu objetivo nas artes cênicas?
HC: Servir à arte, buscando um sentido para a existência. Em cada trabalho, tento um equilíbrio entre as circunstâncias materiais e as realidades por vezes intangíveis e abstratas do fazer artístico, para, enfim, tocar as pessoas, emocioná-las, provocar questionamentos, provocar curas, dialogar. A todo o tempo, sinto que estou testando minha vocação e alimentando a coragem para enfrentar as incertezas.
Desde: Qual ator (ou atriz) mais te impressiona?
HC: Gosto bastante dos atores Cacá Carvalho e Lee Taylor e das atrizes Ana Kfouri e Clarice Niskier. São atores e atrizes extremamente dedicados ao ofício, corajosose o resultado expressivo que conseguem construir, cada qual com seu trabalho, é potente e admirável.
Desde: Conhece as manifestações do teatro baiano? Destacaria alguma coisa?
HC: Conheço algumas expressões, mas, infelizmente, muito do que é produzido atualmente na Bahia não circula, como deveria, pelo país. Quando estive em edições passadas do Filte Bahia, tive o grande prazer de assistir a vários trabalhos de coletivos artísticos de Salvador. A trajetória do Bando de Teatro Olodum é algo admirável. O Balé Folclórico da Bahia, que produz um trabalho de encher nossos olhos e nosso espírito, também merece todos os destaques. Recentemente, assisti a alguns trabalhos do grupo Teatro da Queda e do diretor João Sanches, dos quais gostei bastante.
Desde: No teatro mineiro, há também a “indústria da cortesia”? Ou seja, pessoas que já esperam o ingresso de cortesia para assistir a um espetáculo? Qual é a sua análise sobre isso?
 
HC: Creio que em todo lugar, ao menos no Brasil, as pessoas possuam esse hábito, o que acabou fazendo parte da lista de preocupações da maioria das produções artísticas, infelizmente. As produções menores, que não possuem patrocínios, acabam sofrendo mais com isso. Nesse sentido, é interessante lembrar o que disse a atriz Cacilda Becker: “Não me peça para dar a única coisa que tenho para vender”.
Desde: Na sua opinião, quais são os rumos do teatro no Brasil?
 
HC: Estamos em momentos de crise. Mas, já disseram algo que, de fato, é notório: “Quando é que o teatro não esteve em crise?” (sinaliza riso). E a partir da crise, reergue-se. Então, o teatro está sempre se construindo, se reerguendo, abrindo possibilidades e meios de sobreviver. Afinal, enquanto houver um homem sob a face da Terra, o fazer teatral irá se justificar.
Desde: E novela, tem vontade de fazer?
 
HC: Faço com muito gosto. Novela é uma possibilidade de trabalho incrível, difícil, rentável, e, quando o ator tem a oportunidade de participar de um trabalho artisticamente bem elaborado, certamente se torna um prazer.
Desde: A gente vive num país em que há um padrão de beleza socialmente estabelecido. Qual é a sua opinião sobre isso?
 
HC: Grande parte de nós vivemos sob a pressão desses padrões, que são mutáveis e historicamente construídos. A beleza é relativa, subjetiva. E, a cada momento, temos de nos esforçar para quebrar todos os padrões limitantes e marginalizantes, para ultrapassá-los.

“Tudo vai perecendo”, diz Henrique, sobre padrão de beleza. Foto: Jaques Diogo

Desde: Você se encaixa nesse perfil de padrão de beleza. Como lida com isso? Ajuda ou atrapalha?
HC: É? (sinaliza riso) Bom, o tempo passa rápido e tudo vai perecendo. Tento aceitar essa passagem, mas ainda não consigo parar de brigar contra o tempo, em vários sentidos; embora eu saiba que temos prazo de validade.
Desde: O que gosta de ver na TV?
HC: Tenho visto pouquíssimo TV, mas sou viciado em YouTube. Adoro programas de entrevistas, novelas antigas, Chaves, um ou outro de esporte… Mas raramente assisto.
Desde: Qual é a sua opinião sobre programas de TV com ênfase em disputa musical? Participaria de algum?
HC: Com esses programas, diversos cantores , profissionais ou não, acabam tendo a chance, de certa maneira, de se exercitarem, de “entrarem em choque” com algum julgamento (coisa pela qual um artista passa a vida inteira). Os jurados, na maioria das vezes, são profissionais que têm algo a dizer. Vemos pessoas que atravessam quilômetros, atrás desses programas, em busca de alguma coisa que elas, muitas vezes, nem mesmo sabem, mas, todo esse movimento acaba gerando algum tipo de transformação, por menos aparente que essa transformação seja. E isso é saudável, em minha opinião. Então, ainda que essa indústria midiática produza esse tipo de programa visando somente retorno financeiro (porque não podemos nos esquecer, é claro, de que há uma indústria por trás disso tudo), o que ela provoca é interessante, tanto para quem participa, como para o público que tem a oportunidade de conhecer grandes vozes e grandes talentos de nosso país. Inclusive, um dos cantores mais talentosos das gerações mais recentes, o Diego Moraes, foi revelado para o grande público brasileiro em 2009, quando participou de uma das edições do Ídolos.
Desde: Então, você participaria de um programa dessa natureza?
 
HC: Em princípio, não me vejo participando de um programa de concurso de talentos.
Desde: Em setembro de 2014, você lançou o seu primeiro show, o De Peito Aberto. Como está sendo essa experiência de cantar?
HC: É uma realização muito prazerosa que, ao mesmo tempo, requer de mim uma disponibilidade integral, já que, para se produzir algo bacana, tem de se trabalhar arduamente. Aprendi com um professor que “a arte é ciumenta, pede exclusividade de quem a realiza”. O trabalho como cantor já vinha sendo alimentado por mim há algum tempo. Como ator, comecei estudando técnica vocal e, desde 2008, estudo canto popular. Em 2011, fiz participações como cantor em alguns shows e, em 2013, passei a ter a música como ofício.
Desde: O que o ator emprestou ao cantor?
 
HC: Creio que tudo, inclusive a dúvida. Às vezes, o ator até fala mais alto do que deve (sinaliza riso). Como ator, aprendi a trabalhar a sensibilidade, o valor da palavra, a expressão corporal, a disponibilidade para a dúvida. As experiências e as referências que pude ter, me ensinaram a ter um olhar mais amplo para a criação artística e também para o diálogo entre as artes.
Desde: No show De Peito Aberto, você colocou no repertório músicas de alguns compositores baianos. A musicalidade da Bahia te comove?
HC: Os sincretismos culturais e as sínteses que vários artistas baianos conseguem realizar me comovem, me mobilizam e me estimulam muito. Inclusive, nesse meu novo show, eu tenho comigo diversos compositores baianos, que refletem a diversidade da música brasileira e sua expressão mais rítmica, inteligente e vibrante. Canto músicas de Gilberto GilCaetano VelosoRaul SeixasGerônimoCarlinhos Brown e coisas do Ilê Aiyê.
Desde: Na música, quem são os seus ídolos?
HC: A voz e o senso estético de Zizi Possi, a visceralidade de Elis Regina, a integridade de Maria Bethânia, a inteligência musical de Gilberto Gil, de Djavan e de Caetano Veloso.
Desde: O que você não escuta de jeito nenhum?
 
HC: Ouço de tudo. Estou aberto a escutar todos os gêneros. Cada gênero possui canções bacanas e canções ruins. Cada lugar e cada ocasião merecem suas músicas. E, como profissional, qualquer música tem o potencial para estimular alguma coisa em mim… Uma escuta atenta pode ensinar muitas coisas, independentemente do gênero musical. O lance é deixar fluir, sem preconceitos.
Desde: No próximo dia 30, você estreia o show Tropical. Por que intitulou o espetáculo com esse nome? Qual é o conceito?
HC: Com relação ao título do show, ocorreu espontaneamente, numa conversa que eu estava tendo com Pádua Teixeira, um diretor daqui, que está me ajudando a produzi-lo e que também fará a direção de cena, a partir do que estou trabalhando musicalmente: uma mistura de gêneros de nosso país. Um show que tem no repertório canções que transitam entre algo mais sentimental, existencialista e algo mais rítmico e dançante. Compositores que dão as caras e as cores das nuances de nossa terra, composta por poesia, lágrimas, festas e, SOBRETUDO, por misturas. Essa pesquisa da tropicalidade me interessa muito.
Desde: Artisticamente, você já chegou aonde queria?
HC: Não! Já consegui ter alguns momentos em que me senti realizado nessa minha trajetória, mas a arte é trânsito, se faz e se desfaz a todo momento. Não tem um lugar onde se estacione que se possa ter essa sensação de ponto de chegada. O fazer artístico é sempre um processo de caminhar, de busca.
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Um lugar ao Sol

Prestes a completar 18 anos em atividade, a Casa do Sol é um verdadeiro lar para os moradores de Cajazeira V

Sede da Casa do Sol, em Cajazeira V. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Reportagem Especial|| 
E se quiser saber pra onde eu vou/Pra onde tenha Sol/É pra lá que eu vou“. Esses versos, da música O Sol, do compositor e guitarrista Antônio Júlio Nastácia, poderiam ter sido feitos para a  Casa do Sol Padre Luís Lintner. A ONG (organização não-governamental), que fica no bairro de Cajazeira V,  parece ser a representação fiel da metáfora da canção. Ou seja, é o lugar da esperança de dias melhores.

Fundada em 1997 pelo padre Luís Lintner e pela missionária Pina Rabbiosi, ambos italianos,  a Casa do Sol desenvolve um trabalho educativo de integração e formação de crianças e adolescentes. Isso inclui os seguintes projetosViver e Aprender, creche de ensino regular para crianças de 3 a 5 anos, em tempo integral; Novo Espaço, espécie de reforço escolar, mas que pensa isso de forma mais crítica e abrangente, voltado para crianças de 6 a 12 anos; Adolescentes em Arte-Ação, oficinas artísticas de dança, teatro e música (violão, teclado e percussão), que atende adolescentes de 12 a 18 anos; e a Biblioteca de Ítalo.

Além disso, a Casa do Sol é um dos espaços onde acontecem as aulas do Curso  Popular Quilombo do Orobu, pré-vestibular engajado em temáticas como cidadania e consciência negra, com 16 anos de história.

História e proposta pedagógica

A Casa do Sol iniciou suas atividades muito antes de ter a sede atual, inaugurada em 27 de outubro de 1997. Desde 1994, padre Luís e Pina já se reuniam com pessoas da comunidade, principalmente as mulheres, a fim de saber de suas necessidades e de ser um momento para compartilhar experiências. Os encontros aconteciam em espaços cedidos e até em áreas abertas. “Padre Luís e Pina sempre apostaram na formação da comunidade e de como essa comunidade podia ser protagonista de sua própria história. Isso foi plantado desde o início”, revela Tatá, diretor da unidade.

Em maio de 2002, o padre Luís foi assassinado e Pina, com o apoio de alguns moradores já envolvidos no projeto, ficou com a responsabilidade de dar andamento ao trabalho realizado pela instituição. A missionária mora na Itália, mas continua acompanhando todas as ações desenvolvidas pela Casa do Sol.

Tais ações têm como base pedagógica o ato de viver e aprender.  “O trabalho educativo que é realizado com as crianças visa potencializar as habilidades delas e estimular a capacidade para aprender novas habilidades, além de estimular um olhar crítico sobre a própria realidade em que vivem. Tudo é alicerçado pela pedagogia de Paulo Freire, uma pedagogia mais humanista”, explica Edlamar França, a Dila, 35 anos, coordenadora pedagógica do projeto Adolescentes em Arte-Ação. “A gente aprende a partir das nossas vivências, das experiências que a gente tem. Então, cada situação aqui é entendida como uma situação que vai promover o aprendizado”, completa.

Tapete Vermelho

Os projetos da Casa do Sol não são restritos às crianças e adolescentes residentes em Cajazeira V, eles estão abertos para o público do entorno do bairro, mas Dila pondera: “Cada caso é estudado, em função do deslocamento, das condições financeiras da família”.

Abertura, por sinal, é uma palavra presente no cotidiano do lugar. A Casa do Sol preza pela pluralidade, em todos os sentidos. “Apesar de ter sido fundada por pessoas que tinham afinidade com o catolicismo, ela é aberta. Aqui, quem tem religião, quem não tem; quem é de candomblé, quem é de igreja evangélica, todo mundo participa. É um espaço da comunidade, que precisa ser utilizado pela comunidade. A gente entende que tem muitas coisas para poder melhorar, mas o que é o alicerce daqui é a participação efetiva da comunidade”, esclarece Dila.

Edlamar França, Lilia Raquel e Maria da Conceição do Amor Divino: parte da comunidade da Casa do Sol. Foto: Raulino Júnior

Para reafirmar ainda mais essa característica de não criar muros nem demarcar diferenças, quem vai à Casa do Sol se depara com um tapete vermelho na entrada. De acordo com Dila, “todas as crianças, todas as visitas, quem chega é importante para essa Casa”.

Quem é Ítalo

Biblioteca de Ítalo tem um acervo com mais de oito mil títulos, contando com obras literárias, enciclopédias, periódicos, dicionários e obras acadêmicas. “É uma biblioteca comunitária. As pessoas só precisam fazer o cadastro para pegar os livros. O empréstimo é válido por uma semana, podendo ser renovado”, afirma Lilia Raquel, 25 anos, uma das monitoras da biblioteca. Lilia tem relação com a Casa do Sol desde pequena. “Minha mãe é voluntária daqui. Cresci com o exemplo dela. Sempre quando me chamam, e eu posso, estou aqui. A Casa é um ambiente acolhedor, que me entende”. Aos sábados, Lilia trabalha na portaria da instituição, recebendo os adolescentes que participam das oficinas artísticas.

Lilia Raquel, na Biblioteca de Ítalo. Foto: Raulino Júnior

A biblioteca realiza atividades de mediação de leitura, contação de histórias e saraus de poesia. “A proposta é de uma biblioteca dinâmica, em que você possa fazer atividades culturais relativas ao ato de ler livros”, pontua Dila.

E quem foi Ítalo? “Italo era um jovem italiano que, em vida, queria fazer um trabalho para contribuir com organizações, com projetos sociais,  na África e na América do Sul. Segundo a mãe, ele falava que quando não tivesse mais vida, queria que as suas coisas fossem revertidas para um trabalho que pudesse promover transformação social. Ele morreu devido a um acidente de bicicleta, na Itália. A família, então, fez uma pesquisa e chegou até à Casa do Sol. Para a gente, foi surpreendente, tem um valor muito grande. Por isso, a biblioteca foi batizada com o nome dele”, confidencia Tatá.

Calendário

A Casa do Sol tem um cronograma anual extenso, repleto de atividades de cunho educativo e cultural: Feira de Arte e Cultura (evento que tem bazar e atividades culturais); A Tarde Cultural (é o momento de culminância do projeto Adolescentes em Arte-Ação); e o Seminário (que sempre discute temas de importância para a sociedade). Para Tatá, essas ações são compromissos obrigatórios da instituição: “A gente se sente responsável em oferecer à comunidade momentos de cultura, de arte e de lazer. E é uma provocação para que os jovens e as crianças que estão aqui, trabalhando o ano todo, mostrem para a comunidade o que eles produziram”.

Com a palavra, Tatá

Foto: Raulino Júnior

Altair Honorato Pacheco, o Tatá, tem 36 anos de idade e é formado em Geografia, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Com vasta experiência em movimentos e pastorais sociais, trabalhou no Centro de Estudo e Ação Social (CEAS) e credita sua formação cidadã à Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP). Chegou à Casa do Sol aos 17 anos, participando dos projetos de lá, e foi membro-fundador do Curso Popular Quilombo do Orobu. “O curso é uma experiência revolucionária”. Hoje, dedica-se de forma exclusiva à direção da Casa do Sol, função que exerce desde 2006. Nesta entrevista exclusiva que concedeu ao Desde, Tatá fala sobre os critérios para que um estudante ingresse na instituição, o público atendido e os prêmios recebidos.

Desde que eu me entendo por gente: Como se dá o ingresso dos estudantes na Casa de Sol?

Tatá: Para a educação infantil, como a demanda é maior do que a oferta, a gente faz a divulgação para a comunidade e tem um processo de seleção. Estabelecemos alguns critérios, como: a) a família precisa morar nas redondezas, em Cajazeira V ou nos bairros adjacentes; b) tem um critério que avalia o perfil socioecônomico da família (prioridade para famílias que recebem até um salário mínimo por pessoa), ela deve estar enquadrada dentro dos programas sociais (Cadastro Único); e c) visitas técnicas para confrontar as informações. A gente dá oportunidade às famílias que mais precisam.

Desde: Qual é o número do público atendido e quantos educadores trabalham aqui?

Tatá: Dos dois projetos que a gente tem atividade cotidiana (Viver e Aprender e Novo Espaço), são 150 crianças. Temos uma equipe de 25 educadores e um grupo de voluntários que contribui com o processo. A gente entende que todos na Casa do Sol são educadores, não só quem está em sala de aula. Em cada contato que a gente tem com o educando, a gente está aprendendo e ensinando. Qualquer ação nossa é uma ação educativa.

Parte dos educadores da Casa do Sol (da esquerda para a direita): Edlamar França (Dila), Lilia Raquel, Maria da Conceição do Amor Divino, Ivan Santos, Emanuel Montenegro e Tatá. Foto: Raulino Júnior

Desde: A Casa do Sol é uma instituição premiada. Quais foram os prêmios conquistados ao longo da trajetória?

Tatá: O primeiro prêmio conquistado foi o Prêmio Criança, da Fundação Abrinq, em 2006. Ele condecorou o projeto de educação infantil da Casa do Sol como a melhor experiência de educação infantil do Brasil. Em 2009, apresentamos o projeto Novo Espaço, no Prêmio Itaú-Unicef, e fomos premiados na categoria médio porte. Em 2010, a gente se  inscreveu no FIES, que é o Fundo Itaú Excelência Social, e o projeto de educação infantil foi selecionado.

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