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Documentário que debate jornalismo cultural em Mato Grosso reflete cenário da prática em quase todo o Brasil

Jornalistas, artistas e agentes culturais debatem sobre jornalismo e cultura em curta documentário

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Que o jornalismo cultural precisa se repensar e se renovar, não é dúvida para ninguém. Tanto parte do público quanto parte do pessoal que integra a engrenagem (empresas jornalísticas, jornalistas, produtores culturais, artistas etc.) têm consciência disso. O fato é que muito pouco é feito para que a prática se oxigene e supere a divulgação de eventos e a reprodução de releases. Nesse sentido, o Com_Texto, coletivo mato-grossense de jornalismo independente, deu uma passo já importante: juntou todo mundo no documentário Cultura é Contexto!, que tem roteiro e direção de Beatriz Passos e Marcos Salesse, para refletir sobre o jornalismo cultural feito em Mato Grosso. O curioso é que o resultado da produção reflete o cenário da prática em muitos lugares do Brasil. São as mesmas queixas!

Lançado no dia 5 de julho, no canal do YouTube do coletivo, o curta documentário foi aprovado no Edital Movimentar, da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso. O filme traz pontuais reflexões sobre o que é cultura e sobre como os profissionais do jornalismo podem ampliar esse entendimento, pensando em pautas que contemplem manifestações que fujam do óbvio, que ultrapassem o mais o mesmo.  Inclusive, isso foi uma tônica na fala dos depoentes. O posicionamento da equipe do Com_Texto fica nítido para quem assiste ao audiovisual. Ou seja, é um grito do coletivo mostrando que as coisas não estão boas e que é preciso melhorar. Para isso, convida todo mundo que faz para uma autorreflexão. Esse é o caminho mais importante para a mudança acontecer.

No vídeo, a jornalista Priscila Mendes diz que o jornalismo tem o papel de informar, formar e entreter, mas que, muitas vezes, a produção jornalística para no informar. “O papel de formar é uma das bases, pilares do jornalismo. Permitir a reflexão, permitir que a sociedade pense além do fato”. Para ela, o jornalismo cultural tem que se apropriar disso. José Lucas Salvani, que também é jornalista, levantou um ponto importante ao falar das redações dos jornais tradicionais e do jornalismo independente. Ele lembrou da falta de recursos nos dois universos, mas destacou que, ainda assim, alguns veículos da cena independente conseguem fazer um bom trabalho. “Se o jornalismo independente dá conta, por que uma redação com recursos não dá? É por que ela não quer? É por que ela não quer gastar? E eu acho que o que falta é investimento”. Como o documentário traz, falta mais atenção à editoria de cultura, diversidade nas pautas e na composição das redações, investimento do governo em promoção cultural, uma vivência e domínio de temas culturais por parte do jornalista. “O papel do repórter de cultura também é ser ponte e ser filtro”, enfatiza Priscila Mendes num trecho do curta.

Cultura é Contexto! é um documento necessário para quem se especializou em fazer jornalismo cultural. O filme é um convite à reflexão sobre o que está posto e sobre o que precisa ser feito para mudar. Obviamente, nada do que é dito pelos depoentes é novidade. Em 2007, por exemplo, durante o Colóquio Rumos Jornalismo Cultural, do Itaú Cultural, algumas questões postas no audiovisual foram abordadas. A discussão já tem um tempo e o reforço é sempre bom. Fez falta não ter os depoimentos de donos de empresas jornalísticas e de editores-chefes lá do Mato Grosso, para que trouxessem a visão deles sobre a questão. Para quem quiser sair da mesmice, Cultura é Contexto! indica bons caminhos.

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O visível e o previsível em “Axé – Canto do Povo de um Lugar”

Foto: reprodução do Facebook

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Assim como o trio elétrico no carnaval de Salvador, o documentário Axé – Canto do Povo de um Lugar já está nas ruas. O filme de Chico Kertész estreou no dia 19 de janeiro e pode ser um sucesso, não propriamente pelo conteúdo que veicula, mas por mexer com a memória afetiva de muitas gerações. Afinal de contas, muita gente já “tirou o pé do chão” ao som da Axé Music, vertente da música baiana que ganhou notoriedade a partir de 1985. No documentário, pessoas ligadas ao gênero analisam o início, o ápice e o declínio do movimento musical.

Com a sua obra, Chico consegue recuperar a poesia que já esteve presente na Axé Music. É impossível, para quem gosta do estilo, não se arrepiar em alguns momentos do filme. Principalmente, quando a produção se debruça na origem de tudo. Ouvir Márcia Short falar sobre o ingresso dela na Banda Mel e a qualidade musical do grupo, faz a gente rememorar muita coisa, dá vontade de chorar e é um convite à reflexão: o que aconteceu com a nossa musicalidade? Por que, hoje, ela está no ralo? Aonde vamos parar? As coisas vão mudar? Essa, talvez, seja a maior qualidade de Axé – Canto do Povo de um Lugar. Ou seja, suscita a reflexão e isso já é um grande passo para as coisas começarem a mudar.
O documentarista segue a gramática mais simples para esse tipo de produção cinematográfica, reunindo um amontoado de depoimentos pouco dissonantes. Na verdade, Kertész fez o filme para que ele ficasse na história, e vai ficar, por ser o primeiro dessa magnitude sobre a Axé Music. Nas entrevistas, quando perguntado sobre o que o motivou a fazer o documentário, o cineasta diz que faltava um documento que desse a grandeza do tamanho do movimento (embora haja trabalhos acadêmicos e livros que levantam boas discussões sobre a cena!). Nesse sentido, o que está presente na tela é o óbvio, o que deixa ainda mais evidente a intenção de Chico.
O visível está no documentário. E o previsível também. Não se pode ter a pretensão de falar de um movimento musical sem ouvir os compositores. Nisso, Axé – Canto do Povo de um Lugar peca. Sem compositor, não se faz música, tampouco um gênero. Muitos compositores que contribuíram para o sucesso da Axé Music não foram ouvidos pela produção do filme. Quem vai a uma sessão da obra cinematográfica de Chico Kertész, e não é pesquisador da área, sai sem saber quem é Luciano Gomes (autor de Faraó, Divindade do Egito), Tote Gira (parceiro de Daniela Mercury em O Canto da Cidade) e tantos outros (GuiguioGilson BabilôniaAlain Tavares etc.). De fato, uma falha grande. De qualquer forma, Chico colocou o bloco na rua e o seu lugar na fila já está garantido. Como diz uma música de Axé: “Há interesses? Totais!”.

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Com licença, eu vou à luta: rebeldia com causa

Fernanda Torres e Carlos Augusto Strazzer em cena de Com licença, eu vou à luta. Imagem: Banco de Conteúdos Culturais

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora||
Conflitos entre pais e filhos são sempre ótimos ingredientes para a criação artística. Em 1986, o cineasta Lui Farias apostou nisso e lançou o filme Com licença, eu vou à luta, baseado no livro de mesmo nome de Eliane Maciel. No elenco central, Fernanda TorresMarieta SeveroReginaldo Faria e Carlos Augusto Strazzer.
O drama é a versão cinematográfica da autobiografia lançada por Eliane três anos antes (1983). Na história, Eliane (Fernanda), de 15 anos, se apaixona por Otávio (Strazzer), de 33, e enfrenta toda a sanha de sua própria família. Principalmente de seus pais, Eunice (Marieta) e Milton (Reginaldo).
Antes de o romance entre Eliane e Otávio acontecer, o filme mostra que a relação da protagonista com os pais já não é tão amistosa. Impacientes e nada carinhosos com a filha, Eunice e Milton não demonstram um pingo de preocupação com o bem-estar dela. Por outro lado, a adolescente também não faz nenhuma questão de ser obediente.
Quando o namoro se concretiza, Eliane passa a ser hostilizada pelos pais, com violência física e psicológica, chegando até a viver em cárcere privado. Ainda assim, não abre mão do seu amor por Otávio. A situação se torna insuportável e o casal decide fugir.
O filme tem um roteiro interessante e acertou na escolha do elenco. Fernanda Torres impressiona pela maturidade da atuação. É importante destacar como o cinema nacional já foi mais preocupado em contar boas histórias, que provocam reflexão e deixam algo significativo para quem assiste. Vale a pena conhecer a luta de Eliane.

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A realidade brasileira em “Eles não usam black-tie”

Cena do filme Eles não usam black-tie, de 1981. No registro, Francisco Milani (no centro, de camisa branca), o Sartini; e Milton Gonçalves (na frente, de calça cinza), que interpretou Bráulio. Foto: arquivo da TV Brasil.

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora||
Em 1956, Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006) escreveu a peça Eles não usam black-tie. Em 1958, o Teatro de Arena fez a primeira montagem do texto. Em 1981, Leon Hirszman (1937-1987) levou a obra para o cinema. A transposição do livro para a tela não deixou nada a desejar. O filme retrata um Brasil conflituoso, formado por um povo que luta pelo seu ideal.
O drama, que tem pouco mais de duas horas de duração, mostra o cotidiano de uma típica família de classe média brasileira. O pai e o filho mais velho são operários e convivem com o fantasma da instabilidade do emprego, que se dá, principalmente, pela a ameaça de greve e as consequências que ela pode trazer.
Otávio (Gianfrancesco Guarnieri), o pai, representa o cidadão progressista, que integra o comando de greve porque busca melhoria para todos. Tião (Carlos Alberto Riccelli), o filho, fica concentrado nos seus problemas particulares e não participa do movimento, alegando, de forma não muito convincente, que não pode ser precipitado, uma vez que está prestes a ser pai. Maria (Bete Mendes), a namorada, discorda da postura do futuro marido. Inclusive, a cena que mostra o embate dos dois é tão emblemática quanto a do final do filme, com Romana (Fernanda Montenegro) e Otávio na mesa.
Leon Hirszman fez uma adaptação que conseguiu manter a alma do antológico texto de Guarnieri. O filme é direto, irônico e cheio de alfinetadas à realidade brasileira da época.
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Sem Acordo: arte marcial soteropolitana

Marcus Barbosa, em cena de Sem Acordo. Imagem: captura de tela.

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

O filme Sem Acordo — Ação em Salvador!, do estudante baiano Marcus Barbosa, 21 anos, é uma experiência inovadora na cinematografia da Bahia. Por dois motivos: utiliza um gênero pouco comum ao cinema da terra de Glauber Rocha, o da arte marcial; e foi gravado com câmera digital de fotografia. Marcus, que é estudante do Bacharelado Interdisciplinar em Artes, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), faz, literal e metaforicamente, acrobacias para produzir seus filmes. O resultado é satisfatório, principalmente quando se pensa nas condições de produção.
Sem Acordo é um média-metragem que utiliza todos os ingredientes do gênero de ação: assassinatos, conflitos e muita luta. A propósito, as cenas de luta são impressionantes e convincentes. No final do filme, que está disponível no canal do YouTube de Marcus, dá para ter um pouco de noção de como elas foram feitas, através das cenas de bastidores. O audiovisual é dedicado a Panna Rittikrai e Jackie Chan, ídolos do cineasta baiano.
O elenco do filme é formado por amigos de Marcus, nenhum tem formação em teatro. Talvez, por isso, as atuações tenham, ao mesmo tempo, veracidade e imprecisão. Em algumas cenas, fica evidente que os “atores” apenas se preocuparam em gravar as falas, sem atentar para o subtexto. Por outro lado, eles vivem, na pele, os conflitos sugeridos pelo roteiro.
Falando em roteiro, esse é um dos pontos problemáticos do filme. No final, a impressão que dá é a de que nenhuma história foi contada. Há uma confusão na montagem. Contudo, Sem Acordo é resultado do empreendedorismo cultural de Marcus Barbosa, alguém que quer fazer acontecer. E isso é o que vale.

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Um filme que toca

#VOCÊ VIU? O objetivo da seção “Você viu?” é analisar produtos que já fizeram parte (e ainda fazem, né?) do movimentado mercado cultural do Brasil; sem discriminações. Fique à vontade!

Crédito: Divulgação

O filme Uma onda no ar (Brasil, 2002), dirigido por Helvécio Ratton, poderia muito bem figurar na lista dos indicados ao Oscar. A produção, estrelada por Alexandre Moreno, apresenta um argumento muito convincente e mostra como o cinema nacional pode produzir algo de qualidade sem precisar cair na coisa rasteira de usar o sexo para atrair espectadores.

A obra cinematográfica conta a história de Jorge, um suburbano que ver seu sonho de ser “artista” virar realidade a partir da criação de uma rádio comunitária na favela onde mora. Mas, por causa da burocracia e de uma boa dose de preconceito, a Rádio Favela, criada pelo protagonista e alguns amigos, é impedida de continuar no ar. No entanto, depois de sua prisão e de muitas situações incompreensíveis, a comunidade da qual Jorge é oriundo se organiza para fazer a rádio voltar a funcionar. O filme é entrecortado por muitas críticas implícitas acerca do racismo e da pobreza. Ou seja, mostra como alguns aspectos sociais podem se sobrepor ao talento e dessa forma impossibilitar que ele se manifeste. A rádio tinha como objetivo educar a comunidade carente.

O curioso é a brincadeira, não sei se proposital, que o nome da rádio faz com um gênero que fez muito sucesso no Brasil: a rádionovela. É como se o diretor quisesse mostrar que a posição dos opressores do filme não passava de um teatro. A lei não é a mesma para todos. O tom incisivo usado para impedir a Rádio Favela de funcionar era carregado de implicações discriminatórias.

Enfim, o filme toca nos nossos sentimentos e nos faz refletir sobre temáticas que passam despercebidas. Quantos Jorges estão por aí sendo desrespeitados e tendo os seus talentos tolhidos? Inúmeros! É importante não deixar que a frequência das discussões seja como a frequência de uma rádio: passageira! Espero que todo mundo se toque!

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