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A saga de Zé-do-Burro

Foto: reprodução da internet

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora||
Intolerância religiosa, machismo, casamento por interesse, traição, subserviência feminina, fanatismo religioso, imprensa sensacionalista, sincretismo, prostituição, crítica social e política. Todos esses elementos compõem a narrativa da peça O Pagador de Promessas, escrita em 1959 pelo baiano Dias Gomes. O drama em três atos conta a saga de Zé-do-Burro, que faz uma promessa para Santa Bárbara e resolve pagá-la após o burro Nicolau, seu melhor amigo, se restabelecer de um ferimento.

Zé e Rosa, sua mulher, andam sessenta léguas para chegar até a Igreja de Santa Bárbara, em Salvador. Zé faz todo o percurso carregando uma cruz “tão pesada quanto a de Cristo” nos ombros. Ao chegar no destino, ele se depara com preconceito, aproveitadores de todo tipo e a resistência do Padre Olavo. A atitude do padre é provocada por que, ao contar toda a história que lhe levou até ali, Zé afirma ter ido a um terreiro de candomblé, apelar para Iansã. Aí começa todo o conflito religioso, que é a base do texto de Dias Gomes.

A peça estreou no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em São Paulo, no mesmo ano em que foi escrita. Flávio Rangel assinou a direção e o ator Leonardo Villar fez o protagonista. O texto foi adaptado para o cinema (1962), para a TV (1988), traduzido para mais de dez idiomas e vencedor de prêmios importantes, como o Prêmio Melhor Peça Brasileira, em 1960, pela Associação Paulista de Críticos Teatrais.

Dias Gomes consegue reproduzir com propriedade os costumes baianos em O Pagador de Promessas. Há personagens caricatos na obra, mas isso não tira o seu brilho. O clímax é constante na narrativa, repleta de reviravolta. A trama prende o leitor do início ao fim e o convida a refletir sobre a sociedade brasileira da época, e sobre a atual também. Conheça a saga de Zé!

Referência:

GOMES, Dias. O pagador de promessas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

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Kleiton e Kledir de corpo e alma

Kleiton e Kledir. Foto: reprodução da página oficial da dupla no Facebook

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

“Deu pra ti/Baixo-astral/Vou pro show de Kleiton e Kledir/Tchau!”. Um fã dos irmãos Kleiton e Kledir bem que poderia alterar um pouco a letra da famosa canção Deu pra Ti (Kleiton Ramil/Kledir Ramil) e cantar dessa forma aí. Principalmente, após assistir ao show de ontem à noite, no Teatro Sesc Casa do Comércio, em Salvador. É que, durante a apresentação, a dupla de Pelotas fez o público rir o tempo todo com as histórias que contava, além de cantar músicas consagradas da carreira. Não houve mesmo espaço para o baixo-astral.

Com um repertório que evidenciava a trajetória musical deles, os irmãos fizeram um roteiro que agradou a plateia, formada, predominantemente, por pessoas mais maduras. Usando a boa estratégia de cantar as músicas mais conhecidas no primeiro momento do show, Kleiton e Kledir abriram a apresentação com Canção da Meia-Noite (Zé Flávio), da época em que integravam a banda Almôndegas, extinta em 1979. “A gente chegou relembrando a fase paleolítica de Kleiton e Kledir”, brincou Kledir Ramil, com seu peculiar bom humor. A propósito, essa foi a tônica do show, com Kleiton também arrancando boas gargalhadas do público em outras ocasiões.

Em seguida, cantaram Nem Pensar (Kleiton Ramil/Kledir Ramil) e Fonte da Saudade (Kledir Ramil), que contou com o coro dos espectadores. Quando entoaram Viva (Kledir Ramil), a plateia foi levada pela sonoridade da canção, que pareceu sair do repertório d’A Cor do Som e dos Novos Baianos, pelo suingue, letra e qualidade do arranjo.

Como é de praxe em show de duplas, em alguns momentos da apresentação cada um deles protagonizava a cena, ficando sozinho no palco. Foi assim que Kledir cantou aquela que, talvez, seja a música mais conhecida do repertório dos irmãos: Paixão (Kledir Ramil). O público, claro, vibrou e acompanhou cada verso com entusiasmo. Para aproveitar o clima junino, os cantores colocaram Noite de São João (Pery Souza/Kledir Ramil) no roteiro, fazendo a plateia interagir ainda mais com eles.

Do novo CD, intitulado Com Todas as Letras (Biscoito Fino, 2015), entraram a necessária Lado a Lado (Kleiton Ramil/Kledir Ramil/Alcy Cheuiche) e Pingos nos Is (Kleiton Ramil/Kledir Ramil/Martha Medeiros). Lado a Lado é baseada em um fato real e traz o depoimento de um pai (no caso, Alcy Cheuiche) a respeito do namoro da filha homossexual: “Se tu gostas dela, minha bela/O que é que eu posso dizer?/Me emociono ao ver vocês duas/O amor precisa acontecer”. Todas as canções do disco foram feitas em parceria com renomados escritores da literatura gaúcha. Entre os nomes, ainda estão Luis Fernando Verissimo e Claudia Tajes.

Na sua vez de ficar sozinho no palco, Kleiton homenageou Gilberto Gil com Eu Só Quero um Xodó (Dominguinhos/Anastácia), que o baiano gravou no disco Refestança, de 1978. Depois, protagonizou um dos momentos mais sublimes do show: cantou Corpo e Alma, versão de Kledir para Bridge Over Troubled Water, de Paul Simon. A música, que parece uma oração, reflete a nítida sintonia entre eles: “Sei que a vida vai aprontar/E o que vier, azar/A dois é fácil segurar/Se Deus deixar, viu, meu amigo/Vou sempre estar aqui/Junto a ti/Feito corpo e alma/Meu irmão, meu par”. De emocionar.

Nos momentos finais do espetáculo, o romantismo deu lugar à poesia social. Kleiton e Kledir, no intuito de contextualizar o show com ares soteropolitanos, cantaram Guri de Salvador (Kledir Ramil/Kleiton Ramil), que nasceu quando um menino de rua de Salvador reconheceu Kledir e pediu para ele fazer um reggae. Logo após, vieram Tô que Tô (Kleiton Ramil/Kledir Ramil), Vira Virou (Kleiton Ramil) e Deu pra Ti. No tradicional bis, foi a vez de Maria Fumaça (Kleiton Ramil/Kledir Ramil) entrar na trilha.

A apresentação de Kleiton e Kledir foi de surpreender. Os cantores, que também são excelentes instrumentistas, fizeram o concerto sem acompanhamento de banda. Usaram apenas a voz, o violão (Kledir e Kleiton) e o violino (Kleiton). Um show de música com letra e instrumental. Os artistas estavam completamente entregues, de corpo e alma. Superlativos!

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