Por Raulino Júnior ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||
“Deu pra ti/Baixo-astral/Vou pro show de Kleiton e Kledir/Tchau!”. Um fã dos irmãos Kleiton e Kledir bem que poderia alterar um pouco a letra da famosa canção Deu pra Ti (Kleiton Ramil/Kledir Ramil) e cantar dessa forma aí. Principalmente, após assistir ao show de ontem à noite, no Teatro Sesc Casa do Comércio, em Salvador. É que, durante a apresentação, a dupla de Pelotas fez o público rir o tempo todo com as histórias que contava, além de cantar músicas consagradas da carreira. Não houve mesmo espaço para o baixo-astral.
Com um repertório que evidenciava a trajetória musical deles, os irmãos fizeram um roteiro que agradou a plateia, formada, predominantemente, por pessoas mais maduras. Usando a boa estratégia de cantar as músicas mais conhecidas no primeiro momento do show, Kleiton e Kledir abriram a apresentação com
Canção da Meia-Noite (Zé Flávio), da época em que integravam a banda
Almôndegas, extinta em 1979. “A gente chegou relembrando a fase paleolítica de Kleiton e Kledir”, brincou Kledir Ramil, com seu peculiar bom humor. A propósito, essa foi a tônica do show, com Kleiton também arrancando boas gargalhadas do público em outras ocasiões.
Em seguida, cantaram Nem Pensar (Kleiton Ramil/Kledir Ramil) e Fonte da Saudade (Kledir Ramil), que contou com o coro dos espectadores. Quando entoaram Viva (Kledir Ramil), a plateia foi levada pela sonoridade da canção, que pareceu sair do repertório d’A Cor do Som e dos Novos Baianos, pelo suingue, letra e qualidade do arranjo.
Como é de praxe em show de duplas, em alguns momentos da apresentação cada um deles protagonizava a cena, ficando sozinho no palco. Foi assim que Kledir cantou aquela que, talvez, seja a música mais conhecida do repertório dos irmãos: Paixão (Kledir Ramil). O público, claro, vibrou e acompanhou cada verso com entusiasmo. Para aproveitar o clima junino, os cantores colocaram Noite de São João (Pery Souza/Kledir Ramil) no roteiro, fazendo a plateia interagir ainda mais com eles.
Do novo CD, intitulado Com Todas as Letras (Biscoito Fino, 2015), entraram a necessária Lado a Lado (Kleiton Ramil/Kledir Ramil/Alcy Cheuiche) e Pingos nos Is (Kleiton Ramil/Kledir Ramil/Martha Medeiros). Lado a Lado é baseada em um fato real e traz o depoimento de um pai (no caso, Alcy Cheuiche) a respeito do namoro da filha homossexual: “Se tu gostas dela, minha bela/O que é que eu posso dizer?/Me emociono ao ver vocês duas/O amor precisa acontecer”. Todas as canções do disco foram feitas em parceria com renomados escritores da literatura gaúcha. Entre os nomes, ainda estão Luis Fernando Verissimo e Claudia Tajes.
Na sua vez de ficar sozinho no palco, Kleiton homenageou Gilberto Gil com Eu Só Quero um Xodó (Dominguinhos/Anastácia), que o baiano gravou no disco Refestança, de 1978. Depois, protagonizou um dos momentos mais sublimes do show: cantou Corpo e Alma, versão de Kledir para Bridge Over Troubled Water, de Paul Simon. A música, que parece uma oração, reflete a nítida sintonia entre eles: “Sei que a vida vai aprontar/E o que vier, azar/A dois é fácil segurar/Se Deus deixar, viu, meu amigo/Vou sempre estar aqui/Junto a ti/Feito corpo e alma/Meu irmão, meu par”. De emocionar.
Nos momentos finais do espetáculo, o romantismo deu lugar à poesia social. Kleiton e Kledir, no intuito de contextualizar o show com ares soteropolitanos, cantaram Guri de Salvador (Kledir Ramil/Kleiton Ramil), que nasceu quando um menino de rua de Salvador reconheceu Kledir e pediu para ele fazer um reggae. Logo após, vieram Tô que Tô (Kleiton Ramil/Kledir Ramil), Vira Virou (Kleiton Ramil) e Deu pra Ti. No tradicional bis, foi a vez de Maria Fumaça (Kleiton Ramil/Kledir Ramil) entrar na trilha.
A apresentação de Kleiton e Kledir foi de surpreender. Os cantores, que também são excelentes instrumentistas, fizeram o concerto sem acompanhamento de banda. Usaram apenas a voz, o violão (Kledir e Kleiton) e o violino (Kleiton). Um show de música com letra e instrumental. Os artistas estavam completamente entregues, de corpo e alma. Superlativos!