13 anos de sorte!, Crônica, Cultura, Desde Já, Jornalismo Cultural

Para tudo, um remédio

Imagem: reprodução do site da Biblioteca Virtual em Saúde.

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

De acordo com uma pesquisa feita pelo Conselho Federal de Farmácia, em 2019, 77% dos brasileiros se automedicam. Um índice extenso e preocupante. Mas, falando a verdade verdadeira, não é nenhuma surpresa. Afinal, todos nós já fizemos ou fomos incentivados a fazer isso. A automedicação é uma coisa natural, arraigada na cultura brasileira. Quando você não faz isso, vira o estranho, uma vez que todo mundo está fazendo. O assunto é sério e é curioso como até as autoridades não estão muito preocupadas com isso. Haja vista que as autorizações de funcionamento de farmácias e drogarias explodem no país e os critérios para a compra não são tão rígidos assim. A gente encontra uma farmácia, literalmente, em cada esquina. Fácil de acessar. E não podemos esquecer que esses estabelecimentos vivem e querem ter lucro. “Tão natural quanto a luz do dia”.

No dia a dia, é comum alguém sempre ter uma solução para aquela dorzinha ou desconforto que a gente sente. “Toma tal remédio, menino, que isso passa”, “Não precisa ir ao médico, é só tomar o remédio ‘X’ que resolve”. É claro que a ida ao médico tem várias questões envolvidas, que, definitivamente, não é o objeto desta crônica, mas a prática da automedicação é e precisamos falar sobre ela. Tem gente que tem uma farmacinha em casa ou carrega vários remédios na bolsa ou na mochila. Quando qualquer sintoma incomum aparece, é só botar aquele remédio para dentro. Preocupante… A pesquisa já citada revelou que os remédios mais utilizados pelos brasileiros na automedicação são, nesta ordem, os antibióticos, os analgésicos, os antitérmicos e os relaxantes musculares. E olhe que há toda uma política para a prescrição e venda de antibióticos!

O ditado “De médico e louco todo mundo tem um pouco” ganha até um sentido literal nesse contexto. Atualmente, todo mundo se acha médico consultando o Google para saber o que pode tomar para melhorar os sintomas da doença X, Y, Z… É mais fácil e prático. E tem profissional de saúde avalizando isso. Certa vez, levei a minha filha num grande hospital de Salvador e a profissional que fez o atendimento recomendou que a gente pesquisasse no Google como fazer uma lavagem nasal. Deu um nó na nossa cabeça. Se ela, que é a profissional da área, não quis nos ensinar, pra quê ter hospital hoje em dia?! Foi só um parêntese revoltado. Voltemos. Também é considerada uma forma de automedicação quando os pacientes, por conta própria, mudam a dosagem dos remédios. Tomam a mais ou a menos. Quando eu disse que todo mundo se acha médico, não estava mentindo…

Nem tudo precisa de remédio, mas nós não estamos habituados a isso. A nossa cultura é a do remédio. Sendo assim, a automedicação ganha espaço, deita e rola. De fato, um assunto pouco discutido e que precisa de mais espaço na sociedade. Algumas notícias dão conta de que o SUS (Sistema Único de Saúde) pretende promover campanhas para combater esse comportamento nocivo e perigoso. Tomara que vingue.

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“Tá tudo bem”, mesmo não estando

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Certa vez, propus às minhas turmas do 3º ano do ensino médio que fizéssemos uma exposição, no Instagram, para representar a diferença de estética literária entre Romantismo e Realismo. A ideia era postar uma foto de si próprio(a), na qual se considerasse bonito(a), para fazer alusão ao Romantismo; e outra foto do momento em que acordasse, com a cara inchada, amassada, cabelos desgrenhados e sinais de baba pelo rosto, representando o Realismo. A maioria dos estudantes não quis embarcar na ideia. Compreensível. Mostrar pontos considerados negativos e possíveis “imperfeições” não atende muito à lógica das redes sociais digitais. Nem da vida. Nelas, tudo tem que estar bem, mesmo não estando. Temos que editar a vida só com o lado bom.

A gente se acostumou tanto a falar que está tudo bem que, mesmo não estando, a gente fala. Sempre foi assim. Para o ser humano, é desconfortável mostrar sofrimento e fraqueza em praça pública. Com as redes sociais, tal comportamento se potencializou. Numa sociedade mediatizada, os olhares dos outros são câmeras olhando pra nós. E julgando o tempo todo. Então, você encontra uma pessoa conhecida na rua, ou em qualquer outro lugar, e a pessoa fala: “Que bom te encontrar! Como está? Tudo bem?”. A gente, sem pensar muito, engata: “Está tudo bem. Graças a Deus”. Não queremos expor os nossos problemas porque o pacto social é “performar” um bem-estar constante. É difícil alguém fazer uma pergunta daquela natureza e a gente responder: “Menino, estou com problema no trabalho. Tem um colega me perseguindo, inventando coisas sobre mim e eu estou a ponto de enlouquecer”. Quebrar o pacto gera estranheza no interlocutor, que não espera uma resposta assim. É estranho falar a verdade.

Dizer que tudo está bem é também (eita!) uma tática para repelir pessoas que não são tão confiáveis. Muitas vezes, a gente não quer render conversa com quem não tem importância pra gente nem dar vazão a especulações. É a autopreservação. Sendo assim, largamos que “está tudo bem” e encerramos o assunto. Funciona. Sempre funcionou. E sempre funcionará. Mesmo porque, quando tudo não está bem, essas pessoas são as primeiras a aparecer com falsas comiserações. Argh!

A vida é repleta de altos e baixos. Nem sempre está tudo bem, mas a gente insiste em disfarçar esse estado. Para quem? Com que interesse? A troco de quê? Certamente, a ideia de se mostrar perfeito pode justificar essa mania coletiva. Contudo, se tem uma coisa que não existe é perfeição. E isso é fato! Não adianta disfarçar.

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“Fulano ficou metido…”

Imagem: reprodução do site da Gazeta do Povo .

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Um dia desses, eu parei e fiquei pensando no que faz uma pessoa ficar metida. Levantei algumas hipóteses e concluí que nem sempre tem a ver com dinheiro. Ter muito dinheiro pode ser um dos motivos pelos quais as pessoas se acham melhor que as outras, acima do bem e do mal, mas não é determinante. Às vezes, a pessoa já é metida por natureza e o poder aquisitivo dela não potencializa nem diminui aquilo que é um traço imanente.

Mas, se o fato de ter muita grana não determina esse estado de putrefação humana, o que contribui para isso? São vários motivos! Ter poder (que, necessariamente, não significa ter dinheiro), ser famoso (e apenas isso! Dar entrevista para o telejornal local de maior audiência já é uma porta de entrada para a “metideza”), ser referência no que faz, ter feito viagens ao exterior (e também para lugares considerados de prestígio dentro do próprio país!), ser artista (e se estiver em ascensão, então! Os iniciantes, muitas vezes, são mais metidos que os consagrados!), conhecer artista renomado, trabalhar com artista conhecido, ter saído de uma cidade pequena para morar numa cidade grande, ir para um emprego prestigiado… A lista é infinita. Vai de usar roupa considerada “de marca” a passar em processos seletivos disputados. Não é todo mundo que fica metido por causa das razões elencadas, mas é muita gente.

As razões para ser metido muda de tempos em tempos. Sempre houve quem influenciasse pessoas, mas, ao que parece, esse poder nunca foi tão rentável quanto hoje. Então, quem faz sucesso nas redes sociais digitais tem um prato cheio para ser metido. E come com farinha! Antigamente, passar no vestibular dava um status de superpoder às pessoas que se iludiam com isso. Hoje, se tornou banal. Quase ninguém mais fica metido porque passou no vestibular. É que, graças a Deus, deixou de ser algo exclusivo, para poucos. As políticas públicas ampliaram o acesso e quase todo mundo agora pode sonhar em ingressar numa instituição de ensino superior. O metido não é muito afeito a inclusão. Só que isso é um caminho sem volta. Que bom!

Claro que dizer que alguém está ou é metido parte de uma visão muito subjetiva, não é? O que é estar metido? Questão filosófica. Às vezes, pode ser um equívoco dos olhos de quem vê. Ou não. Agora, a pergunta que não quer calar: a pessoa fica metida ou só aguarda uma oportunidade da vida para se mostrar como exatamente é? Difícil ter uma resposta exata, porque o homem é também “produto do meio”, mas acredito que o gene da “metideza” já habita o corpo que vai se revelar mais tarde. Tudo é questão de tempo.

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“Rolê” e “lugar” são as palavras da moda

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

De tempos em tempos, algumas palavras e expressões caem no gosto popular e são exaustivamente usadas. “É sobre isso” e “Tá tudo bem”, por exemplo, imperam há, pelo menos, cinco anos e são usadas como “argumentos” em alguns debates. Agora, as palavras da vez são “rolê” e “lugar”. Elas figuram em podcasts, telejornais, programas de entretenimento, instituições de ensino, publicações em redes sociais digitais… Estão em tudo quanto é lugar do rolê! Brincadeiras à parte, é bom acompanhar a riqueza e variação da língua. Estranho mesmo é quando as palavras são deslocadas de seus significados originais e ganham sentidos sem sentido. Vejamos…

“Rolê”, por exemplo, pode ser tudo. E é. Não é difícil, ao assistir a alguns programas de entrevistas, ouvir dos entrevistados frases do tipo: “Esse rolê de estar sempre no combate é cansativo”, “Cada pessoa tá no seu rolê,  buscando o seu”, “É um rolê que está acabando com a minha saúde mental, que eu tenho que cuidar”, “Eu não fiquei sabendo desse rolê. O que aconteceu?”. Tudo é rolê. E rolê não é nada. Claro que estou sendo radical, só para apimentar a crônica, porque sei que o contexto existe e é importante, mas é estranho ouvir algumas pessoas botando rolê em tudo. Às vezes, chega a ser engraçado. Parece que as pessoas não estão refletindo muito sobre o que dizem. Enfim…

Em tempo: tanto “rolê” quanto “rolé” são palavras usadas com o mesmo significado (passeio, volta). Ainda assim, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) registra apenas “rolé” significando “passeio”. No documento, “rolê” é descrito como um movimento de capoeira. A língua é viva e do falante. Daí vem a riqueza. Isso tudo só para dizer que “rolê” e “rolé” são variações usadas no Brasil. Aqui, optei pela forma com acento circunflexo (som fechado), porque foi a que ouvi sendo usada.

E “lugar”? Além de ser usada em todos os períodos, tem os mais diferentes sentidos também: “Não estou nesse lugar. É um lugar que não me pertence e que nem quero” (a pessoa não fala isso se referindo a lugar físico), “Fica num lugar de querer chamar atenção pela polêmica, pela lacração”, “Acaba caindo num lugar de querer resultado imediato, para agora”. É um uso que não é figurado nem denotativo. É um uso presente. E está na moda. Entra num rolê de um lugar muito desgastante, sabe?

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A necessidade de falar sobre tudo e não dizer nada

Imagem: reprodução do site Freepik

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Já reparou que tem gente com necessidade de falar sobre tudo o tempo todo? Nada passa! Se o decano da MPB revela que já teve experiências sexuais com homens, se a máscara antirracista do humorista racista cai, se algum artista nacionalmente famoso morre, se há briga de ego entre os apresentadores do programa matinal da emissora de maior audiência, a pessoa tem que comentar, tem que dizer o que acha, tem que meter o bedelho, tem que falar. E, numa sociedade em que todo mundo está falando, o tempo todo, por meio de vários canais, também é importante ficar calado, quietinho, ouvindo. Isso não significa subserviência nem silenciamento, é só maturidade mesmo, menos ânsia por atenção e likes a torto e a direito.
Na verdade, vivemos numa sociedade que pouco escuta e isso se reflete em todas as nossas ações. O comportamento de falar, falar e falar sobre tudo é um sintoma. A maioria das pessoas quer emitir uma mensagem, quer ser vista e chamar a atenção. Aplicativos de mensagens e de vídeo já têm a opção de acelerar áudios. Certamente, perceberam que as pessoas não querem perder tempo escutando um áudio de dois minutos ou assistindo a um vídeo de cinco. Isso é sintomático. Sem divagações. Voltemos ao cerne da questão.
Falar sempre sobre tudo também evidencia um comportamento pedante. Às vezes, a gente não tem opinião sobre algo, a gente não sabe o que falar e não há problema nenhum nisso. Como entramos numa seara caótica, potencializada pelas redes sociais digitais, tem gente que acha que tem sempre que falar sobre as polêmicas da vez. Não tem, gente. Não tem.
Ninguém é obrigado ou deve opinar sobre tudo, porque, em geral, isso pode evidenciar muito mais a nossa superficialidade diante de uma questão do que contribuir para o debate formador. Às vezes, é muito fru-fru pra pouco vestido. Então, é melhor ficar calado e escutar quem serve de guia e fala com profundidade sobre um assunto. Com isso, obviamente, não estou tirando a possibilidade de as pessoas opinarem, mesmo porque todo mundo é livre e tem gente que opina sobre tudo de forma muito eficaz, só estou dizendo que nem sempre é necessário se colocar. 
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A verdade de cada pessoa

Imagem: reprodução do blog Armazém de Texto

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Recentemente, estive numa cerimônia de formatura de estudantes que concluíram o Fundamental I (anos iniciais) e me chamou a atenção ver, no final da festa, uma mãe distribuindo presentes para cada professora que contribuiu para a formação escolar de sua filha. Achei aquilo lindo e fiquei pensando sobre a verdade de cada pessoa. Explico: a mãe em questão também é professora e tem como marca ser dedicada, carinhosa e adorar presentear. Aquele gesto do final da formatura é uma verdade dela, sem forçação, sem lacre. É dela. Faz parte da natureza dela. Sei porque a conheço e constato isso. A ação não tem nada a ver com ter ou não condições financeiras para comprar os presentes. Talvez, as outras mães até tivessem também, mas aquela atitude não seria uma verdade para elas. Pensar no que é a sua verdade é bem importante, porque te livra de culpas e ajuda muito na saúde. Principalmente, a mental.
Qual é a sua verdade? A minha, não é presentear. Definitivamente. Não sei. Não significa que não dê presentes, mas me sinto desconjuntado ao fazê-lo. Acho sempre que erro na escolha. Até já falei sobre isso por aqui. Contudo, é uma verdade minha publicar vídeos nos meus perfis nas redes sociais digitais cantando músicas que gosto sem me preocupar se estou afinado, se as pessoas acham a minha voz bonita, se elas vão gostar… Não ligo. O meu prazer está em fazer, no processo. Faço e me sinto satisfeito. Não sou cantor profissional. Não vivo disso. Não tenho a obrigação de cantar bem. Na verdade, não tenho obrigação de nada nesse sentido. “Taquarar” é uma verdade minha, que me faz muito bem. Vivo essa verdade. Se as pessoas gostam, fico feliz; se não gostam, não fico triste. É verdade mesmo!
Quando a coisa não tem verdade, não se perpetua. E se for adiante, sempre soa falso. Isso fica  evidente em campos artísticos e religiosos, por exemplo. Tem artista que persegue o oportunismo, que está sempre indo na onda. Não deixa legado. Não deixa nada. Às vezes, só fama. Sem nenhuma verdade. Tem gente que professa uma religião que nunca foi uma verdade na sua vida. Nunca. De uma hora para outra, muda, para atender a exigências sociais, para mostrar que é engajado, militante e coisa e tal. Feião.
Viva nessa vida o que é vida em você. Viva a sua verdade. O que não é verdade para você, não é. Sem culpa. Tem uma música de Peninha que diz o seguinte: “Podemos ser a gente mesmo/Nós não precisamos sorrir sem querer”. Anotado e aprendido.
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O antirracismo nosso de todos os dias

Foto: autorretrato

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Na música Divino, Maravilhoso, Caetano Veloso e Gilberto Gil dizem que “é preciso estar atento e forte”. Quem é negro, no Brasil, leva isso como um mantra. Para combater a violência racista é preciso mesmo estar atento (porque ela se configura de diversas maneiras) e forte (para seguir resistindo). Embora o racismo não seja uma prática da negritude, somos nós, negros, que encapamos as lutas para que ele deixe de existir. Por mais que tenhamos brancos aliados, só a gente sabe onde a dor é mais doída e como a exclusão se perpetua na sociedade e nos atinge apenas por termos a pele escura.

Não tem um dia sequer que a negritude brasileira não sofra racismo. Um dia! Não é exagero e não precisa de pesquisa para evidenciar isso, basta estar atento e forte. E, para toda prática de racismo, um combate. É assim que deve ser. O Disque 100 está aí para ser usado. O artigo 20 da Lei 7.716/1989 também. Por isso, é importante ter muita atenção para as violências disfarçadas de brincadeira que fazem parte do nosso dia a dia. Não podemos esquecer que o racismo é um acordo tácito e, às vezes, explícito de silenciamento de potencialidades. Esse acordo tem várias facetas e brechas. Inventaram a injúria racial, gente! De acordo com a lei, é quando ofende a honra de um indivíduo apenas, não de uma coletividade. Isso dá vazão para discursos como este: “Não fui racista! Pratiquei injúria racial!”. Assim, um bocado de coisa acontece e fica por isso mesmo. 

Uma das práticas mais evidentes do racismo é quando um negro é seguido numa loja. Quem é negro já passou por isso ou conhece alguém que já tenha passado. Esse preconceito está presente nos shoppings e nos comércios de rua de todas as cidades brasileiras. E aí: seria injúria ou seria racismo? Vale a reflexão. 

Na televisão, a gente pouco se vê. Estranho. Num país que tem mais de 50% da população negra, não é possível que não existam pessoas negras a fim de trabalhar na TV. Isso é só mais um traço evidente do racismo, da falta de oportunidades para quem é negro. Brigar por esse espaço deve ser uma constante. Como? Pressionando as emissoras, enviando e-mail, comentando nas redes sociais. Precisamos ser antirracistas todos os dias e ser antirracista é brigar por nossa existência em todos os espaços. O mercado de trabalho precisa se ampliar, ser verdadeiramente diverso. Todo mundo ganha com isso. Equipes formadas por pessoas com vivências diferentes serão sempre mais interessantes. Todos os ambientes sociais devem refletir o país, que é plural.

“Precisamos ser antirracistas todos os dias e ser antirracista é brigar por nossa existência em todos os espaços”

Quantos apelidos a gente ouviu calado? Quantas vezes fomos associados a coisas ruins? Embora a hora de gritar já tenha chegado há muito tempo, com pessoas que vieram antes de nós, temos que gritar sempre! Pedir um basta a tudo que nos violenta! Tudo que é voltado para a cultura negra é alvo de preconceito, de discriminação, de chacota. Negam a nossa existência desde que o Brasil é Brasil. O que temos que fazer? Resistir! Se falam do nosso cabelo, a gente reafirma a nossa identidade! Bota ele pra cima, mostra por que o black é power e segue fazendo revolução. Se desprezam a nossa cultura, a gente a enaltece, mostrando como os povos negros foram precursores e responsáveis por quase tudo que faz parte do nosso cotidiano. A base da música brasileira é o candomblé! Pouca gente reconhece isso. 

O racismo faz a população negra ficar em alerta o tempo todo. Quem vai à padaria da esquina sem o documento de identificação? O branco vai, o negro nem cogita. O negro não pode colocar um guarda-chuva grande na mochila. Caso o faça, é “confundido” com marginal. Isso acontece com frequência e nada é feito para mudar. Lembra daquela conversa de que o racismo é um acordo? É por aí…

Uma reflexão muito apropriada da filósofa estadunidense Angela Davis se popularizou e é usada nas discussões sobre a violência racista. Angela diz o seguinte: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”. É exatamente isso. Não ser racista é ficar num lugar de imobilidade, de continuar aceitando as coisas como elas estão/são. Ser antirracista é buscar a ação, a mudança, porque atitudes valem mais do que discursos bonitos nas redes sociais digitais e fora delas. Estamos de olho! Que a gente esteja sempre atento e forte, porque muita coisa tem que se transformar. Nada ainda está divino, maravilhoso.

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Texto originalmente produzido para o 1° Concurso Literário: Crônicas Antirracismo, promovido pela Editora Telha
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Tem gente que te imita?

Ilustração: reprodução do site Dreamstime

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Toda imitação é admiração. Ninguém duvida disso. E acho até que é indiscutível. Quem imita, gosta tanto da pessoa que começa, automática e calculadamente, a repetir os trejeitos e modos de ser dela. Às vezes, é por osmose mesmo. Fica evidente. Não tem como disfarçar. Quantas vezes a gente já se pegou pensando (e até falando mesmo!): “Essa cantora imita Beltrana”, “Aquele programa é a cópia do outro”, “O cantor Fulano veio na rebarba de Sicrano. É a mesma coisa”. No universo das artes, e se potencializa quando falamos de artistas famosos, a percepção de quem imita e de quem é imitado é mais nítida. Contudo, também há imitação no dia a dia de pessoas que não têm projeção midiática. Será que tem alguém que te imita?
Sim. Porque você também é admirado(a) por alguém. Apura as vistas! Você bota aquela roupa massa numa semana. Na outra, o seu admirador está com peças parecidas, só muda a cor. Você usa uma expressão com frequência, que é a sua cara, olha Beltrano usando também, no mesmo contexto! A sua forma de brincar, de ser e de estar: tudo isso é “imitável”. Tem gente imitando até legenda de rede social. Quem imita, admira, mas também se limita.

Imitar vem do latim imitari, no sentido de retratar, fazer igual. É um esforço mínimo. Imitar é limitar-se. É você pegar aquela referência que tem e não imprimir a sua identidade. Tolhe o seu eu-criativo, te deixa preguiçoso. É uma limitação voluntária! É dizer para o mundo: “Eu não acredito muito em mim, tenho medo de arriscar. Por isso, vou seguir o caminho mais fácil e que já foi aberto por outra pessoa: vou imitá-la!”.

O curioso é que tem artista por aí, principalmente da música, que se acha todo original, o descobridor de tudo. Quando você olha, uma imitação bem desinteressante da referência que ele tem. Falta luz, sobra oportunismo.

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O dia para resolver a vida

Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Todo mundo tem um dia para resolver a vida, não é? É aquele dia que você tira para ver as pendências, marcar consultas médicas, ir ao banco, organizar uma viagem que ainda vai fazer… É sempre um dia muito produtivo, que, quando acaba, a gente senta satisfeito no sofá e respira fundo. Esse respirar tem um misto de agradecimento e orgulho, principalmente por ter cumprido as metas que estabeleceu para aquelas 24 horas.

Esse dia, na verdade, começa na noite anterior, com os planos que a gente faz para o dia seguinte: “Amanhã, vou tirar o dia para resolver a minha vida. Vou fazer isso, aquilo e aquilo outro”. É um compromisso que a gente faz com a gente, depois de protelar “n” vezes o que tinha de ser feito há muito tempo. Em geral, coisas simples, que a internet ainda não dá conta. Alguns serviços públicos, por exemplo, que os telefones disponibilizados nunca são atendidos e os e-mails nunca são respondidos. O negócio é tomar coragem e ir resolver logo a vida.

Nessa decisão, muita coisa boa pode acontecer. No trajeto de ida, a gente pode encontrar aquela pessoa que nunca mais a gente viu (isso, obviamente, se potencializou no contexto da pandemia!). Se for pegar fila em algum momento, é certo de que vai rir, conversar ou, apenas, observar o que se passa e achar tudo muito curioso. Filas são crônicas vivas! Se der sorte, pode até começar uma nova amizade, porque, certamente, vai conhecer alguém que foi resolver um problema semelhante ao seu. Conversa vai, conversa vem: muitas identificações! Match amistoso!

O dia para resolver a vida requer disciplina e muita papelada. Ainda! Mesmo com toda a revolução tecnológica, a burocracia reina e tudo é uma cópia, um comprovante, uma guia… Vixe! Aí você, na noite anterior, revisa trezentas vezes para se certificar de que está com tudo organizado naquele classificador velho de sempre. É muita coisa! No final, com os objetivos alcançados, a gente fica aliviado. Ufa! Valeu o dia!

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Roupa: você repete?

Imagem: reprodução do blog Menos 1 Lixo

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Em dezembro do ano passado, uma famosa teve que explicar (isso mesmo!) por que seu filho repetiu uma roupa que já tinha usado numa outra noite de Natal. Eu pensei: gente, qual é o problema? Quem não repete? Oxe, oxe, oxe. Repetir roupa é natural e, além disso, uma atitude responsável. Ajuda na sustentabilidade do planeta e gera uma boa economia de dinheiro. Repetir roupa é o que há no mundo da moda! Inclusive, é considerado chique!

Claro que, sem ingenuidade, é sabido que o ato de repetir roupa pode causar um desconforto para quem repete. Isso no universo dos famosos fica mais evidente, porque há uma cobrança nesse sentido. Muita gente olha para figuras públicas e cobra atitudes desumanas até. Quem é famoso é gente como a gente, para ficar num clichê. Sendo assim, pode (e deve) repetir roupa. Essa cobrança por uma exclusividade no vestuário é própria de sociedades que se preocupam com coisas que não são importantes. Isso, na verdade, nem deveria ser uma questão.

Os brechós têm ajudado muito nessa consciência do reúso. Muita gente passa nesses locais a fim de adquirir peças que estão num bom estado e que têm identidade com aquilo que quer falar para o mundo. Porque moda é comunicação, não é? Brechó virou tendência. Sem contar que, muitas vezes, a repetição de roupa está atrelada a uma memória afetiva. A roupa ganha outro valor por causa da carga emocional que carrega. Então, a gente usa e abusa também para lembrar do quanto aquela peça significa para a gente.

Tem roupa minha que já vai sozinha para alguns lugares, de tanto que eu repito. E me orgulho de ter peças de 15, 20 anos no meu guarda-roupa, que uso e reúso. Simples assim. Quem repete roupa gasta menos dinheiro. Por exemplo, roupa de casamento, batizado e formatura tem diferença? Não, né? É só usar a mesma nessas ocasiões e ser feliz. A única mudança vai ser a da pose nas fotos.

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É Desde! É Dez! É DEZde!

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