#6AnosDoDesde, Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Música, Resenha

Lucas Deluti traz simplicidade e poesia em “Meiga e Grossa”

Lucas Deluti em cena do clipe de Meia e Grossa: temática amorosa e poesia. Imagem: captura de tela

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Você/Tem cheiro de mar de rosa/É minha princesa meiga, grossa/Me enrola e me desdobra/Você/Me deixa estranho, mudo/Parece que gela tudo/É só você chegar/Que eu te adoro, eu te gosto e só você não vê/Meus amigos debocham, minha crush é você/Mesmo se der PT ou não quiser me ver/É certo: eu nunca vou te esquecer“. Esses versos são da música Meiga e Grossa, de autoria de Lucas Deluti, que foi lançada por ele no último sábado, 18 de novembro, com clipe no YouTube. Uma letra simples, que fala de amor não correspondido e que é coerente com as coisas da idade do artista: 15 anos.

É muito bom ver um menino novo, que sofre todas as influências atuais e negativas que tomam conta das letras de algumas músicas populares, fazendo um som que não fala de ostentação, disputa, vingança, baixaria. Em Meiga e Grossa, Lucas fala de amor. Simplesmente. A música tem uma ótima base de reggae, que convida quem ouve a gingar, deixar o corpo seguir na melodia bem marcada do ukulele. A produção musical e o arranjo foram feitos por Luciano Pinto, pai de Lucas e conhecido músico da cena baiana. O clipe segue à risca o que a letra da música diz. É um filmezinho muito bem rodado, simples e poético. Nele, a gente vê o personagem (Lucas) levar o “gelo” da crush e ser zoado pelos amigos. A direção e o roteiro do vídeo foram assinados por Tina Oliveira (mãe de Lucas), Luciano Pinto e Fábio Bahia. Assista ao clipe:

A música gruda, sem usar a tática do refrão fácil e curto. Muito pelo contrário. Meiga e Grossa, para uma música do universo pop, tem refrão incomum, grande. A canção é redondinha e meiga. A prova de que não é preciso partir para a grosseria para ter espaço no campo musical. Um golaço!

Curiosidade

Lucas Deluti, na verdade, é Lucas Oliveira Santos. O “Deluti” do nome artístico é a junção da preposição “de” com as sílabas iniciais dos nomes dos seus genitores. “Lu”, de Luciano; e “Ti”, de Tina. Ele é o Lucas de Lu e Tina. Logo, Deluti. O garoto canta desde a infância.

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O primeiro de Ana

Ana Carolina na capa do seu primeiro CD. A foto é de Greg Vanderlans. Imagem: reprodução do site da artista

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora|| 
Minha garganta estranha, quando não te vejo/Me vem um desejo doido de gritar/Minha garganta arranha a tinta e os azulejos/Do teu quarto, da cozinha, da sala de estar“. Em 1999, esses versos eram bastante populares no Brasil. A responsável por isso foi a cantora e compositora Ana Carolina. O primeiro CD dela, intitulado Ana Carolina (BMG), ecoou com o grito forte de Garganta, música de Totonho Villeroy,  faixa 6 da obra. A canção traz um eu lírico feminino “empoderado” e bastante coerente com os debates dos dias de hoje: “Sei que não sou santa, vezes vou na cara dura/Vezes ajo com candura, pra te conquistar/Mas não sou beata, me criei na rua/E não mudo minha postura só pra te agradar“.

O disco de estreia da mineira de trouxe também a metafórica Tô Saindo (Totonho Villeroy): “[…] Eu tô saindo, eu tô saindo deste buraco/Help! Eu preciso sambar […]“; e Alguém Me Disse (Evaldo Gouveia/Jair Amorim), uma dessas de dor de cotovelo, com melodia agradável, arranjo de bolero e letra interessante: “[…] Se vais beijar/Como eu bem sei/Fazer sonhar/Como eu sonhei/Mas sem ter nunca amor igual/Ao que eu te dei“. A faixa 3, Nada Pra Mim, tocou bastante no rádio. A letra de Jonh Ulhoa (da banda Pato Fu) ganhou força na interpretação de Ana Carolina, ficando ainda mais filosófica. Trancado, a primeira da série de canções da própria Ana que figura no CD, tem eu lírico masculino e mensagem introspectiva: “Eu tranco a porta para todos os gritos/E o silêncio também está lá fora/Agora, a porta está trancada“. Em Armazém (Ana Carolina), a cantora deixa evidente o seu lado de instrumentista. O pandeiro bem marcado ajuda a dar graça à letra simples e descomprometida.

A Canção Tocou Na Hora Errada (Ana Carolina) é a sétima faixa do CD. Tem ótima letra e melodia. É uma das melhores do álbum. Assim como Agora Ou Nunca (Arnaldo Antunes), O Melhor De Mim (Frejat/Paulinho Moska/Dulce Quental), O Avesso Dos Ponteiros (Ana Carolina) e Beatriz (Chico Buarque/Edu Lobo). Aqui, valem algumas ressalvas: Agora Ou Nunca é uma daquelas letras cheias de ludicidade e de espírito filosófico que saem da cabeça de Arnaldo Antunes: “Nunca se responde uma pergunta/Nunca é o Dia de São Nunca“; O Melhor De Mim é uma declaração de amor sem moderação. Beira o ultrarromantismo: “[…] Se amor tivesse um nome/Seria o seu […]“; O Avesso Dos Ponteiros tem poesia rica, que fala de transitoriedade do tempo: “A idade aponta na falha dos cabelos/Outro mês aponta na folha do calendário/As senhoras vão trocando o vestuário/As meninas viram a página do diário/O tempo faz tudo valer a pena/E nem o erro é desperdício/ Tudo cresce/ E o início/Deixa de ser início/E vai chegando ao meio/Aí começo a pensar que nada tem fim/Que nada tem fim“. A melodia é primorosa, com o som dos violinos contribuindo para que a canção fique ainda mais bonita; Beatriz dispensa comentários, não é? A interpretação de Ana é certeira e cheia de personalidade.

Além de regravar Chico (Beatriz) e Tom Jobim (Retrato Em Branco e Preto, parceria dele com Chico Buarque), Ana regravou Lulu Santos (Tudo Bem). Em todas, ela emprestou muito bem a sua identidade musical. Perder Tempo Com Você (Alvin L.) destoa do bom repertório do CD. Foi uma perda de tempo gravá-la. Tô Caindo Fora (Ana Carolina/Marilda Ladeira/Fernando Barreto) fecha com qualidade o primeiro trabalho da cantora. De fato, o disco é muito bom. Escute. A sua garganta não vai estranhar.

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Meus dois minutos e meio de fama!

Em comum: a nacionalidade. Fotos: Djavan (Jairo Goldflus); Seu Jorge (autoria desconhecida)

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Foi numa sexta-feira. Início de junho. Mais precisamente, no dia 2. Em plena rodoviária de Salvador. Sentei numa das cadeiras daquelas lanchonetes que também povoam o lugar. Coincidentemente, estava tocando a música Mina do Condomínio, de Seu Jorge. Avistei um grupo que estava imediatamente na minha frente e percebi o olhar curioso dele sobre mim. Num determinado instante, ouvi alguém dizer: “Seu Jorge! Seu Jorge!”. Fiquei, como sempre, orgulhoso com tal associação. Aí, para reforçar ainda mais a suposta semelhança com o artista, comecei a cantar a música. Quis também evidenciar que conhecia o repertório de Seu Jorge. Entretanto, lembrei que tinha esquecido o livro que levei para ler na viagem no guichê de compra da passagem. Corri para buscar, tendo que abrir mão dos meus dois minutos de fama. Dois mesmo!

Quando retornei, a música ainda estava tocando e eu fiz as vezes de cantor; empunhando, como de praxe no meu cotidiano, um microfone imaginário. Em seguida, já perto de embarcar, senti vontade de ir ao banheiro. Perto do local, encontrei um grupo de garotas. Elas bebiam e comemoravam a vida num café. Assim que me avistaram, falaram: “Djavan! Djavan”. Ao passar bem perto de todas, uma delas me disse: “Canta pra gente!”. Vontade não me faltou, mas, respeitando o ídolo, soltei risonho: “Quem me dera! Eu queria ter a voz dele!”, e segui o meu caminho. O encontro com essas meninas deve ter durado uns 30 segundos. Mais um tempinho de fama para a conta!

Isso [de ser associado a Djavan e a Seu Jorge] sempre acontece comigo. E eu adoro! Certa vez, também numa viagem de ônibus, recebi a alcunha de Seu Jorge por uma ex-famosa cantora de Axé. Não quero revelar o nome dela porque, como todos sabem, hoje em dia, tudo gera processo; mas garanto que a história é verdadeira. Tinha identificado a moça antes de ela entrar no ônibus. Resolvi sentar logo na minha poltrona, para surpreendê-la quando entrasse. Pensei assim: “Não sei se todo mundo lembra dessa cantora. Quando ela entrar, vou fazer algazarra”. Eu queria homenageá-la de alguma forma. Principalmente, por sempre ver que ela aparecia nos programas de TV lamentando da atual situação de vida, da falta de reconhecimento e outras coisas. Fiz mais por pena do que qualquer outra coisa. Pensado e feito. Assim que entrou no carro, eu comecei a gritar o nome dela e a bater palmas. Ao mesmo tempo, convocava o restante da galera. Mas a recepção não foi legal. A cantora passou pelo corredor ensimesmada e de cara fechada. Além disso, nenhum passageiro me acompanhou na algazarra. Fiquei sem graça e na minha. O que eu podia fazer depois daquele papelão?

A cantora sentou numa poltrona bem próxima da que eu estava. Só o corredor nos separava. Durante a viagem, “puxou conversa” comigo. Perguntou o que eu fazia, de onde eu era, para onde estava indo. Num determinado momento, disse que eu parecia Seu Jorge e começou a me chamar assim até eu chegar ao meu destino. Eu bem que podia pedir para ela me chamar pelo meu nome, uma vez que fiquei um pouco desapontado com a atitude dela, mas preferi ser educado ao extremo. A artista me falou sobre um projeto social que mantém no Pelourinho e pediu meus contatos. Até hoje espero a ligação dela. Quem sabe não chego aos famosos quinze minutos de fama? Também dizem que eu pareço Toni Garrido, do Cidade Negra; e Dodô, do Pixote

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En(cruz)ilhada é um soco na cara da sociedade

Leno Sacramento em cena de En(cruz)ilhada. Foto: Rodrigo Veloso

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Sabe todos aqueles estereótipos associados aos negros? Eles serviram de mote para o monólogo En(cruz)ilhada, uma intervenção política mais que necessária para os dias de hoje. Com texto e (boa) atuação de Leno Sacramento (Bando de Teatro Olodum e Ouriçado Produções), o espetáculo faz a gente refletir sobre como a sociedade vê e trata os negros, estabelecendo “lugares” e “limites” para eles.

Em pouco mais de 30 minutos de pouco texto falado, Leno aborda as encruzilhadas pelas quais os negros passam diariamente e põe a lupa em fatos que, para muitas pessoas, podem até passar despercebidos. Como o negro é tratado no ônibus, na loja, na rua, na sociedade? Em qualquer lugar, a cruz sempre pesa. En(cruz)ilhada provoca o público a pensar em como atitudes descabidas e perpetuadas pelo tempo caracterizam o racismo, que ainda tem raízes fincadas no solo brasileiro.

Tudo funciona muito bem na peça. Desde a direção precisa do jovem Roquildes Junior à disposição do cenário, em forma de cruz, ampliando a metáfora que dá título à montagem e mostrando como os negros são encurralados pelos sistemas sociais. A luz de Marcos Dede e a trilha de Gabriel Franco são elementos fundamentais no espetáculo, que chegam a “contracenar” com Sacramento. A poesia de Nelson Maca fecha a costura textual, dando ainda mais substância à dramaturgia.

O monólogo tem que ser visto por todas as pessoas que fazem parte da nossa sociedade. Principalmente, pelas preconceituosas e racistas. O soco tem que doer e fazer efeito. O espetáculo segue em cartaz todas as quartas-feiras (a partir do dia 9/8), no Teatro Gamboa Nova, com apresentações às 16h e às 20h. Os ingressos custam R$ 10 (meia) e R$ 20 (inteira).

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Chico e seus mil e um sentimentos

Cena final de Todo Sentimento. Foto: Iure dos Santos Silva

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

O universo literário e musical de Chico Buarque ganhou mais uma versão para o teatro: o espetáculo Todo Sentimento, que estreou ontem, no Teatro Sesc Casa do Comércio, revelou todas as facetas do artista carioca. A mostra didática da turma de 2016, do Curso Livre de Teatro do Sesc, trouxe um elenco cheio de fôlego e, principalmente, de afinação. Em todos os sentidos. Tanto em cena quanto na parte em que o coro preenche a sala de apresentação. Inclusive, sempre que isso acontece, a peça cresce em dramaturgia.

Durante as ações, o espectador é convidado a pensar nas canções de Chico para além da musicalidade. Os sentimentos presentes em cada obra são evidenciados na encenação, dirigida pelo experiente Ramón Reverendo. Na mostra, é possível ver o Chico amante, malandro, trovador, cronista e, claro, político. Nesse sentido, a reflexão, o choro e o (pouco) riso são as reações que tomam conta da plateia. O espetáculo começa com a necessária (e atual!) Roda Viva e termina com O Meu Guri, uma crônica que denuncia um problema social ainda presente na realidade brasileira. Diante dos fatos que estão acontecendo no Brasil, a montagem serve para nos tirar do ostracismo, convidando a reagir e repetir os dias de luta de outrora.

Para quem conhece a obra de Chico Buarque e está a fim de revisitar e para quem não conhece, Todo Sentimento vale a pena. O drama segue em cartaz hoje e amanhã, às 19h. A entrada é gratuita.

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A nossa “ser humanidade” em Minha Irmã

Lorena Bastos (em pé) e Cássia Domingos, em cena de Minha Irmã. Foto: Eduardo Sena

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Duas irmãs descortinando a vida, num jogo de acusações no qual fica difícil saber quem é mocinha ou quem é vilã. Na verdade, isso não é importante. A força da dramaturgia do espetáculo Minha Irmã está exatamente no caráter realista da história encenada no palco do Teatro Gamboa Nova, pela Companhia Total de Teatro: fala de relação humana, mostrando que “não há nada só bom/nem ninguém é só mau”. Enfim, a peça mexe com os nossos sentidos, evidenciando as nossas imperfeições e fragilidades.

Com texto de Marcos Barbosa e direção de Marcos OliveiraMinha Irmã estreou no Gamboa no dia 5/7 e segue em cartaz até hoje, às 17h. As atrizes Cássia Domingos (Amália) e Lorena Bastos (Emília) estão na mesma altura e densidade em cena, o que não é comum de se ver. A direção de Oliveira fez com que as artistas brilhassem com equilíbrio, numa interpretação em que a naturalidade se faz presente o tempo todo. O espectador vê a relação de dominadora e dominada sem lugares marcados, porque há uma alternância no jogo teatral apresentado. É impossível não destacar o subtexto que grita através dos corpos das personagens. Cássia e Lorena, de fato, emprestaram a casa para que Amália e Emília fizessem morada.

O que é lamentável, e isso é uma realidade do teatro em Salvador, é a forçada curta temporada de que as companhias são vítimas. Para quem tem noção de todo o esforço feito para levar um espetáculo para o palco, é desanimador constatar que um trabalho produzido com até seis meses de antecedência (180 dias) fica, apenas, cinco dias em cartaz. Como diz uma das falas de Amália: “Quem sabe de você, sou eu”. Que Minha Irmã volte numa temporada mais longa.

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#6AnosDoDesde, Cultura, Desde Então: análise de produtos culturais de outrora, Jornalismo Cultural

Ping Pong Records Guinness

Livro Ilustrado lançado pelo chiclete Ping Pong em 1995. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora||

Quase toda criança adora colecionar coisas e o capitalismo sempre esteve de olho nisso. Em 1995, o chiclete Ping Pong lançou mais um de seus inúmeros álbuns: o Ping Pong Records Guinness. Como o nome já entrega, a ideia era divulgar os recordes registrados no então Guinness Book. Hoje, chama-se Guinness World Records. Quase ninguém conseguia completar o livro ilustrado, porque, por mais que se comprasse o chiclete, muitas figurinhas se repetiam. Daí rolava a troca com outros colegas e amigos que também colecionavam. Um hábito muito comum na época.

O livro se destacou pelo caráter informativo que trazia em cada figurinha. Além da vontade de completar o álbum, os colecionadores tinham a curiosidade em saber sobre cada recorde. Era muito interessante. A seguir, veja algumas figurinhas e informações que faziam parte do Ping Pong Record Guinness.


A apresentação com a história do Guinness Book. Naquela época, o livro estava na sua 41ª edição
Contracapa do álbum
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#6AnosDoDesde, Cultura, Jornalismo Cultural, RauLendo: leituras em pauta

O Avesso da Cena: prazer pelos bastidores

Imagem: reprodução do perfil de Romulo Avelar no Facebook

Por Raulino Júnior ||RauLendo: leituras em pauta||

O que um produtor cultural faz? Tem diferença, no que diz respeito ao trabalho que é realizado, entre produtor e gestor cultural? Quais são as etapas de uma produção? Como gerir grupos culturais? Essas e outras perguntas são respondidas no livro O Avesso da Cena: notas sobre produção e gestão cultural, de Romulo Avelar. A obra, lançada em 2008, está na sua 3ª edição e se tornou consulta obrigatória para quem trabalha no universo cultural. Romulo, administrador, produtor e gestor cultural, usa uma linguagem simples para abordar questões fundamentais sobre a área.

O Avesso da Cena é rico em depoimentos de artistas, gestores e produtores de todos os cantos do Brasil. Avelar consegue fazer uma boa costura e mostrar para o leitor como o trabalho dos bastidores é tão importante quanto aquilo que vai para a cena. O autor compartilha as próprias experiências no ramo e, vez ou outra, entrecorta a narrativa com seus artigos reflexivos. Um dos mais interessantes é o intitulado “‘Você sabe com quem está falando?'”, que fala sobre a famosa tradição da carteirada. O livro tem passagens técnicas e discussões necessárias acerca da trajetória da política cultural do país. Quem lê, é obrigado a percorrer outros caminhos, para o processo de leitura fazer ainda mais sentido. A caminhada é muito prazerosa. Siga em frente.

Referência:
 
AVELAR, Romulo. O avesso da cena: notas sobre produção e gestão cultural. 3. ed. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2013.
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Homem no Pop: o funk tropical de Caio Dias

Caio Dias: funk tropical de Maceió. Foto: Manoel Max

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Músicas dançantes, muito suingue e narrativas sobre relacionamento, sedução e desilusão amorosa: esses são os ingredientes do EP Funk Tropical, do cantor e compositor Caio Dias, lançado em março deste ano. O disco tem produção musical assinada por Victor Euzébio e Matheus Damasceno e é composto por quatro faixas, todas de autoria de Caio. Quem gosta da cena pop, vai gostar do som do cantor mineiro de 27 anos, radicado em Maceió. Isso porque Caio Dias segue a gramática exigida para esse gênero e se diferencia por um detalhe: é homem.

No Brasil, já houve até uma tímida tradição de boy bandsSidney Magal e Latino fizeram história. Mas um homem, no universo pop, com a estética proposta por Caio, não tem precedentes por aqui. E isso diferencia o artista, que, antes de enveredar para o pop, fez parte da prestigiada banda Baú Novo, de “samba alternativo”, que ficou em atividade de 2012 a 2015, em Goiânia.

Imagem: José Alves Neto

Em Funk Tropical, Caio mostra a sua faceta mais popular. As músicas têm letras simples e de fácil assimilação. Todas grudam. Só Vai Bastar, que abre o EP, fala de flerte e sedução. O refrão avisa: “Só vai bastar um olhar pra eu te convencer/A ser minha companhia até o amanhecer/Prometo dar uma noite cheia de prazer/E ainda pago a sua bebida“. A música tem uma boa batida de funk e é um convite para dançar. Tanto é que Caio tratou logo de produzir um videoclipe dela, em que propõe uma coreografia um pouco confusa e sem criatividade. A produção já tem mais de 3800 visualizações no YouTube.

Na faixa seguinte, Vírus, o mote é a dominação. O vírus “domina” o ser amado, direciona o desejo dele e sustenta o sentimento de posse, enumerando coisas materiais: “Me olha de relance/Mas finge que esqueceu/Daquela noite suada entre você e eu/Me finjo de amante/Que não te conheceu/Mas chego perto de mansinho/Pra te lembrar o que é meu/Esse teu tênis branco/Teu dinheiro no banco/Esse teu falso encanto/Agora entendeu?/Teu cabelo na moda/Tua fama na roda/Teu desejo agora sou eu/Agora entendeu?“. Vírus é, no que diz respeito à letra, a mais fraca do EP.

Já a divertida Freelance é um bom acerto. Quem escuta, visualiza o que a letra diz e fica com vontade de cantar o refrão junto com Caio: “Virei freelance/Tô vendendo romance/Porções de meia hora de puro prazer/Vi seu recado/Querendo meu serviço/Mas já deixei gravado, pra não te atender“. Além disso, o suingue é envolvente, próprio para pista de dança.

Spell, toda escrita em inglês, é uma praga em forma de música e traz eu-lírico feminino: “I’ll became a witch/I’ll remember your name/I’ll throw you a spell/I’ll win your game“. A música é boa. Ao escutá-la, o ouvinte associa a forma de cantar de Caio e o arranjo a Elvis Presley e seu rockabilly.

O funk tropical de Caio Dias é uma mistura de tudo e atende ao que ele se propõe. Vale a pena escutar. Sem preconceitos.

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A incrível falta do que falar

Imagem: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

A era é do nada e do esvaziamento. Por mais contraditório que pareça, a sociedade da informação vive desinformada. A palavra eleita para preencher essa lacuna? Incrível. Pois é! Tudo é incrível! Ou melhor, quando não se tem o que dizer, diz-se que algo é incrível e ponto. Resolve. Saco vazio, ao contrário do que dizem, fica em pé; e por muito tempo.

Na comunicação, isso é muito comum. Recentemente, um apresentador de TV daqui de Salvador, ao fazer a cobertura ao vivo de um show que unia dois expoentes do forró tradicional, soltou: “O show tem um repertório incrível!”. Limitou-se a isso. Ele não tinha mais o que falar. Ou não sabia, coitado. Talvez, por viver numa era de poucas exigências, nem se preocupou em pesquisar sobre os artistas, a fim de conhecer melhor o universo de cada um. No fundo, não era necessário. Ele sabia que não seria cobrado. Nem pelo público nem pelo seu chefe. O jogo virou. Agora, é a vez da superfície. É incrível!

Na vida, isso está presente o tempo todo. Por exemplo: ao ser convocada para dar uma opinião acerca de um produto cultural, pela falta de repertório não assumida, a pessoa limita-se a resumir tudo num sonoro “incrível”. Falar que não conhece, no pensamento dela, é pior, vale mais ser uma repetidora do adjetivo que caiu nas graças do povo. Outro bom sinal do “incrivilismo” fica evidente quando o espectador sai de um espetáculo de teatro ou dança, cujo conteúdo não ficou, assim, tão compreendido na cabeça e, na falta do que falar quando o amigo que estava em cena indaga sobre o que ele achou, o “incrível” aparece.

De incrível em incrível, a pessoa enche o papo. Fica bem na fita, finge enganar a audiência, que finge acreditar, e tudo permanece como está: incrível!

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