#NoveAnosDoDesde, Cultura, Desde Então, Jornalismo Cultural, Música

O álbum que fez a dupla Claudinho e Buchecha conquistar o Brasil

CD Claudinho & Buchecha, de 1996: qualidade musical e expressão contundente de uma época. Foto: reprodução do site Funk Antigo.

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora|| 
Claudio Rodrigues de Mattos (Claudinho) e Claucirlei Jovêncio de Sousa (Buchecha) fizeram o Brasil balançar em 1996, ao som do funk carioca. O CD Claudinho & Buchecha (MCA, 1996), produzido pelo DJ Memê, foi uma revolução na história do gênero e é lembrado até hoje como um divisor de águas no segmento, tanto pela qualidade sonora quanto pelas letras, que popularizaram o funk melody. O álbum, que recebeu disco de platina triplo pela Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD), hoje Pró-Música Brasil Produtores Fonográficos Associados, expressa toda a vivacidade dos funks de então, com mensagens que falam de amor, de festa e da realidade social de quem está imerso na manifestação cultural própria de “preto, de favelado…”*.
O baile em forma de disco da dupla é aberto com Pra Lembrar de Você (Buchecha), em que os MCs começam fazendo um convite para os ouvintes se divertirem com eles. Nesse sentido, citam algumas regiões e bailes famosos do Rio daquela época. Mas, ao longo da música, o eu lírico percebe que tudo que faz no presente é motivo para lembrar um romance que ficou no passado e deixou saudade. O término se deu por ciúmes e insegurança, mas não ficou ressentimento, como comprovam estes versos: “Minha rainha, foi bom te namorar/E sempre no meu ser, eu vou te coroar”.  Depois, a gente ouve uma versão cheia de identidade do clássico Tempos Modernos (Lulu Santos), que foi gravado por Lulu em 1982, no seu primeiro e homônimo disco. É impossível não ir para a pista com a batida da regravação de Claudinho e Buchecha.
Em Temperamental (Claudinho/Buchecha), os amigos fluminenses elevam ao grau máximo a coisa melodiosa do funk. Na introdução, um trecho instrumental de Nosso Sonho; na letra, uma exposição do que acontece em toda e qualquer relação amorosa: “Temperamental é o nosso amor/Feito de malícia, implicância e dor/Mas contém razão, harmonia e paz/E, além de tudo, isso satisfaz”. O eu lírico pede uma definição para o relacionamento, se vai mudar ou se vai continuar como está. No final, o arremate: “Deixa o coração, Amor, guiar você”Chance (Buchecha) segue a mesma linha de Temperamental. Trata-se de um exemplo emblemático do funk melody de Claudinho e Buchecha. Aqui, o mote da letra é outro. O relacionamento já acabou, o eu lírico reconhece os erros, mas pede uma outra chance: “Sei que errei e você também errou/Te dei tanto amor, será que acabou?”. Destaque para as partes em que Claudinho canta, “rapeando” o funk. A quinta faixa, Nosso Sonho (Claudinho/Buchecha), é uma das músicas mais conhecidas da dupla. Quem, que viveu aquela época, não sabe de cor a marcante introdução? Duvido se tem alguém que não se rendeu ao “Gatinha, quero te encontrar/Vou falar: sou Claudinho/Menina, musa do verão/Você conquistou o meu coração/Tô vidrado/Eu hoje sou um Buchecha apaixonado. Liberta, DJ!”. O DJ libertou e todo mundo entrou no sonho da fã e do ídolo. A música narra uma história de amor iniciada durante um show, mas que não se concretiza, porque a fã é muito mais nova que o ídolo: “Seus doze aninhos permitem somente um olhar”, diz um dos versos. A letra traz ainda duas palavras pouco usadas no nosso cotidiano: “desditoso” (infeliz) e “adjudicar” (que, na música, não tem o sentido de “conceder”, mas de “permitir”). Assim como a introdução, muita gente queria (e conseguiu!) cantar de cor o trecho no qual o eu lírico enumera os possíveis locais em que poderia encontrar a fã, já que no show não foi possível, devido ao tumulto comum da ocasião.
 
Conquista (Buchecha) faz jus ao nome. Com a música, os MCs conquistaram, literalmente, o reconhecimento em todo o Brasil. Com ela, Claudinho e Buchecha se apresentaram em inúmeros programas de TV e ficaram nas paradas de sucesso das rádios. Foi a música de trabalho do disco, a carro-chefe, com clipe e tudo. Ela atendia a todos os ingredientes do mercado da época: tinha uma batida envolvente e suingada, letra interessante, que muita gente se identificava (“Você junto a mim/Nada se compara a esse prazer”), e uma dança que todo mundo queria imitar (um dos passos fazia referência ao jeito de andar de Dino, da Família Dinossauros, série que fez sucesso na TV).

Contracapa do CD Claudinho & Buchecha, de 1996: um sucesso atrás do outro. Foto: reprodução do site Funk Antigo.

Se em Temperamental e Chance a relação estava com problemas, cheia de altos e baixos, em Apaixonados (Buchecha) está tudo azul, como se diz: “Hoje, somos dois apaixonados/Cada dia mais te amo/Sou teu coroão, teu príncipe encantado/Aos delírios eu te chamo”.  A música é muito boa. A única ressalva está nos versos iniciais, que trazem uma ideia que fica sem lógica, por causa do uso da palavra “sonolência”: “Lembro o dia em que você me olhou/’Tá aqui no pensamento/Era o início do nosso amor/Sonolência total no momento”. Em Pedra Preciosa (Claudinho/Buchecha), o eu lírico busca a reconquista e sabe que a mulher ainda gosta dele: “Amor, eu sei que errei/Venho lhe pedir perdão/Não adianta tentar fugir/Sei que você me quer”. É um hino do “só dá valor quando perde”. Por isso, descamba para o romantismo exagerado: “Hoje, tornou-se obsessão/Esse sabor de amor”Teu Olhar (Buchecha) retrata uma paixão ao primeiro olhar. Daquelas em que o apaixonado já começa a fazer planos de algo que ainda não aconteceu: “E vamos seguir/Juntos até que a morte nos separe/Usufruir/A vida enquanto tudo vale”.
 
Carrossel de Emoções (Claudinho/Buchecha) abre a parte rap do álbum. Aqui, já se percebe uma preocupação em emitir mensagens que evocassem a união do lazer com a paz: “Nós viemos ao baile pra nos divertir/A paz no salão tem o dom de nos unir”. Com Barco da Paz (Claudinho/Buchecha) a mensagem ganha maturidade: “As equipes fazem tudo para melhorar/Lutam pela paz, para o show continuar/As gatas vêm ao baile e só querem amor/Mas alguns vacilões vêm brigar, botar terror”. O Rap do Salgueiro (Claudinho/Buchecha) é uma homenagem a São Gonçalo (cidade onde nasceram) e ao Salgueiro (comunidade da qual são oriundos) e fecha a trilogia dos raps. Uma letra mais despojada, mas que insiste na pacificação nos bailes. Nele, está um dos versos mais bonitos da dupla: “No escuro/Eu levo a paz como iluminação”Só Nós Dois (Buchecha) fecha o álbum e destoa totalmente da sonoridade das outras músicas. Trata-se de um pagode/samba romântico. Tem explicação: na época, o gênero estava no auge. Então, Claudinho, Buchecha e a produção do CD não queriam perder o bonde. Foi em vão. A música não se destacou tanto, mas é boa. Segue a gramática do estilo e tem refrão que pega: “Vem acabar com o tormento/Paixão, venha nesse momento/Amar, só nós dois/O amanhã é o talvez/Ou quem sabe depois”.
Infelizmente, no dia 13 de julho de 2002, Claudinho sofreu um acidente de carro e morreu. Dessa forma, chegava ao fim a parceria musical que teve início em 1995. Há um projeto de filme sobre a história da dupla, chamado Nosso Sonho. A previsão é de que o lançamento seja neste ano. Contudo, com a pandemia do novo coronavírus, tudo pode mudar. O nosso sonho mesmo é de que a história de Claudinho e Buchecha nunca seja apagada e continue conquistando fãs. Esse sonho não pode acabar. Segue libertando, DJ!
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* Trecho do funk Som de Preto (MC Amilcka/MC Chocolate/MC Baby).
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A música da Copa

Há 20 anos, o Time Campeão dava voz à música Festa Brasileira. Imagem: Spotify

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora|| 
Em época de Copa, é sempre a mesma coisa: o mercado da música se movimenta para lançar o hit do evento esportivo. No mundial de 1998, que aconteceu na França, não foi diferente. A gravadora PolyGram (hoje, Universal Music) colocou em campo a faixa Festa Brasileira (Mais uma Vez), composta por Seu Jorge e Gabriel Moura. A gravação fez parte do CD Festa Brasileira – Ao Vivo, produzido pela PolyGram e dirigido por Alexandre Agra. O álbum em questão continha 22 faixas, entre elas, a versão em estúdio de Festa Brasileira. O disco está disponível no Spotify. O curioso é que a última faixa, Acabou, com Jheremias Não Bate Corner (embrião do Jammil e Uma Noites) traz uma versão de Festa Brasileira com o Brasil já vitorioso com o pentacampeonato, como aconteceu. Os versos dizem: “Mais uma vez, vamos vestir/A bela camisa amarela/Aquela que é pentacampeã….”. Obviamente, a faixa tinha sido previamente preparada.
O Time Campeão (como os intérpretes foram chamados pela gravadora) que deu voz, literalmente, à música foi formado por Cheiro de Amor (Carla Visi), Banda Eva (Ivete Sangalo), É o Tchan (Beto Jamaica), Netinho e Zeca Pagodinho. Como de praxe em obras dessa natureza, a música convoca a torcida brasileira e o grande destaque da letra é o último verso do refrão, que diz “Eu tô torcendo daqui, mas na verdade eu tô lá”. Ou seja, todo mundo está no espírito da Copa, independentemente de onde esteja. A distância não separa, une. Esse é principal conceito da música feita sob encomenda. Abaixo, você confere a letra completa e o videoclipe oficial, que está disponível no YouTube, no canal DaneTV – Videoclipes.
Festa Brasileira (Mais um Vez)
(Seu Jorge/Gabriel Moura)
Mais uma vez, vamos torcer
E vestir a camisa amarela
Aquela, que é tetracampeã
Aquela, do nosso coração, Brasil
É, galera! Tira o pé do chão, Brasil!
 
Mais uma vez, vamos torcer
E vestir a camisa amarela
Aquela, que é tetracampeã
Aquela, do nosso coração
Brasil!
 
A nossa seleção vai dar as mãos de novo
Balançar a rede
Sacudir o povo
Nosso país com fé, chuteira no pé
E bandeira na mão
Vai ligar a televisão
Se Deus quiser, o caneco vem pra nossa mão
 
Bola na área encobrindo o zagueiro
O Brasil inteiro vai cabecear
Eu sinto cheiro de vitória no ar
Eu tô torcendo daqui, mas na verdade eu tô lá!
 
Bola na área encobrindo o zagueiro
O Brasil inteiro vai cabecear
Eu sinto cheiro de vitória no ar
Eu tô torcendo daqui, mas na verdade eu tô lá!

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O primeiro de Ana

Ana Carolina na capa do seu primeiro CD. A foto é de Greg Vanderlans. Imagem: reprodução do site da artista

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora|| 
Minha garganta estranha, quando não te vejo/Me vem um desejo doido de gritar/Minha garganta arranha a tinta e os azulejos/Do teu quarto, da cozinha, da sala de estar“. Em 1999, esses versos eram bastante populares no Brasil. A responsável por isso foi a cantora e compositora Ana Carolina. O primeiro CD dela, intitulado Ana Carolina (BMG), ecoou com o grito forte de Garganta, música de Totonho Villeroy,  faixa 6 da obra. A canção traz um eu lírico feminino “empoderado” e bastante coerente com os debates dos dias de hoje: “Sei que não sou santa, vezes vou na cara dura/Vezes ajo com candura, pra te conquistar/Mas não sou beata, me criei na rua/E não mudo minha postura só pra te agradar“.

O disco de estreia da mineira de trouxe também a metafórica Tô Saindo (Totonho Villeroy): “[…] Eu tô saindo, eu tô saindo deste buraco/Help! Eu preciso sambar […]“; e Alguém Me Disse (Evaldo Gouveia/Jair Amorim), uma dessas de dor de cotovelo, com melodia agradável, arranjo de bolero e letra interessante: “[…] Se vais beijar/Como eu bem sei/Fazer sonhar/Como eu sonhei/Mas sem ter nunca amor igual/Ao que eu te dei“. A faixa 3, Nada Pra Mim, tocou bastante no rádio. A letra de Jonh Ulhoa (da banda Pato Fu) ganhou força na interpretação de Ana Carolina, ficando ainda mais filosófica. Trancado, a primeira da série de canções da própria Ana que figura no CD, tem eu lírico masculino e mensagem introspectiva: “Eu tranco a porta para todos os gritos/E o silêncio também está lá fora/Agora, a porta está trancada“. Em Armazém (Ana Carolina), a cantora deixa evidente o seu lado de instrumentista. O pandeiro bem marcado ajuda a dar graça à letra simples e descomprometida.

A Canção Tocou Na Hora Errada (Ana Carolina) é a sétima faixa do CD. Tem ótima letra e melodia. É uma das melhores do álbum. Assim como Agora Ou Nunca (Arnaldo Antunes), O Melhor De Mim (Frejat/Paulinho Moska/Dulce Quental), O Avesso Dos Ponteiros (Ana Carolina) e Beatriz (Chico Buarque/Edu Lobo). Aqui, valem algumas ressalvas: Agora Ou Nunca é uma daquelas letras cheias de ludicidade e de espírito filosófico que saem da cabeça de Arnaldo Antunes: “Nunca se responde uma pergunta/Nunca é o Dia de São Nunca“; O Melhor De Mim é uma declaração de amor sem moderação. Beira o ultrarromantismo: “[…] Se amor tivesse um nome/Seria o seu […]“; O Avesso Dos Ponteiros tem poesia rica, que fala de transitoriedade do tempo: “A idade aponta na falha dos cabelos/Outro mês aponta na folha do calendário/As senhoras vão trocando o vestuário/As meninas viram a página do diário/O tempo faz tudo valer a pena/E nem o erro é desperdício/ Tudo cresce/ E o início/Deixa de ser início/E vai chegando ao meio/Aí começo a pensar que nada tem fim/Que nada tem fim“. A melodia é primorosa, com o som dos violinos contribuindo para que a canção fique ainda mais bonita; Beatriz dispensa comentários, não é? A interpretação de Ana é certeira e cheia de personalidade.

Além de regravar Chico (Beatriz) e Tom Jobim (Retrato Em Branco e Preto, parceria dele com Chico Buarque), Ana regravou Lulu Santos (Tudo Bem). Em todas, ela emprestou muito bem a sua identidade musical. Perder Tempo Com Você (Alvin L.) destoa do bom repertório do CD. Foi uma perda de tempo gravá-la. Tô Caindo Fora (Ana Carolina/Marilda Ladeira/Fernando Barreto) fecha com qualidade o primeiro trabalho da cantora. De fato, o disco é muito bom. Escute. A sua garganta não vai estranhar.

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Só Pra Contrariar Só Para Curtir. E muito!

Capa do CD Depois do Prazer, um clássico na discografia do grupo Só Pra Contrariar. Imagem: reprodução do site da banda

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora|| 

Em 1997, o grupo Só Pra Contrariar (SPC) lançou um CD que ficaria marcado por toda a sua trajetória: Depois do Prazer (BMG). O disco foi produzido pelo então vocalista Alexandre Pires e por Romeu Giosa. A direção artística teve a assinatura de Sérgio de Carvalho. Para quem é romântico e gosta de música que fala de amor e de relacionamento, Depois do Prazer é uma excelente referência.

O CD é repleto de sucessos e, de acordo com informações do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, vendeu mais de três milhões de cópias no Brasil. A obra tem músicas com boas letras e arranjos muito bem executados. A começar pela faixa que dá título ao CD. Composta por Chico Roque e Sérgio Caetano, a música Depois do Prazer mostra a complexidade humana no âmbito dos sentimentos. A letra traz versos que, aparentemente, soariam controversos; mas, no fundo, todo mundo sabe que eles revelam uma verdade muito possível: “Tô fazendo amor com outra pessoa/Mas meu coração vai ser pra sempre teu/[…]/Posso até gostar de alguém/Mas é você que eu amo”. Na faixa seguinte, Tá por Fora (Adalto Magalha/Lourenço), o mote é o desgaste de uma relação, embora o eu lírico não queira dar o ponto final no enlace: “Amor, nosso amor anda meio doente/Dando a impressão que está tudo acabado/Nossa felicidade já não anda contente/E não nos olhamos tão apaixonados/[…]/Dizer adeus a quem se ama/Tá por fora”.

Com Mineirinho (Alexandre Pires/Lourenço), o SPC mostra que o samba é a base do som da banda. Isso se repete em Doido Varrido e Artilheiro do Amor, que também são composições de Alexandre Pires e de Lourenço. Mineirinho tem uma malandragem comum ao universo do samba e a letra reforça o estereótipo do mineiro “come-quieto”: “Eu não tenho culpa de comer quietinho/No meu cantinho, boto pra quebrar/Levo a minha vida, bem do meu jeitinho/Sou de fazer, não sou de falar”Doido Varrido, como o próprio título já entrega, fala de alguém que está amando de forma exacerbada, que está doido de amor. Para encerrar a trilogia de letras divertidas do CD, eis que surge Artilheiro do Amor. A música usa uma metáfora simples, mas a letra criativa a enriquece: “A galera me disse que nunca viu ela tão empolgada/Mas eles querem saber qual será a minha jogada/Eu sei que esse gol não será fácil de marcar…”.

Quando é Amor (Carla Morais/Chico Roque) apresenta sentimentos típicos de quem está apaixonado e é o retrato de um romantismo próprio do SPC: “A gente sente, é pra valer/O corpo treme todo, a voz não quer sair/Não dá pra disfarçar, os olhos não conseguem mentir”Minha Metade é uma versão da música Take Me Now, de David Gates, feita pelo compositor Luiz Cláudio. A letra reflexiva mostra um eu lírico em busca de sua metade, com a esperança de não mais sofrer por amor. O arranjo e a melodia são primorosos. Assim como os de Você de Volta (Alexandre Pires/Marquinhos). Contudo, nessa, o mote é outro. O personagem quer ser perdoado porque menosprezou um alguém que vivia aos seus pés: “Amor, não dá pra te esquecer/Tô sem razão, só te fiz sofrer/O teu perdão, pra mim, tem gosto de prazer…”. Em Tem Tudo a Ver (Peninha), o SPC descreve a sensação de quem, sem aviso, é fisgado pelo amor: “[…] Foi, quem sabe, o teu sorriso/Quando esbarrou comigo/Esse amor foi me pegando/Sem aviso”. Com Amor Verdadeiro (Luiz Cláudio/Regis Danese), o CD chega ao ápice do romantismo. É uma declaração de amor daquelas que pouca gente resistiria. Os primeiros versos dizem: “Olhe dentro de mim/Você pode se ver/A todo momento”. Demais, não é?

Caminhando para a parte final do disco, o ouvinte é brindado com Mistérios do Coração (Luiz Cláudio/Regis Danese). O tema é um término de relacionamento: “Só o tempo pra dizer/O que vai acontecer/Minha vida, sem você, como será?”. O arranjo, como o da maioria das músicas, é muito bem feito. A propósito, essa é uma qualidade presente em todo o CD. Pura Verdade (Alexandre Pires/Lourenço) e Nosso Amor (Luiz Barbosa/Reinaldo Barriga) não são propriamente ruins, mas destoam das outras canções da obra. Caí na Real (Luiz Cláudio/Regis Danese), uma das melhores músicas de Depois do Prazer, é outra declaração de amor extremamente romântica; basta apenas um verso para comprovar isso: “Te amo além do que o amor é capaz de amar”Menina Mulher (Alexandre Pires/Marquinhos) conta a história de alguém que não percebia que era o objeto do desejo de uma menina. Porém, quando ela vira mulher, o amor é notado e correspondido: “Me dá todo amor que sempre escondeu no peito/Foi surpresa, fiquei tão sem jeito/Eu que não via nem o seu olhar/Que sonhava um dia, quem sabe, me amar”. A música é boa e narra algo que, certamente, acontece com frequência no cotidiano.

Depois do Prazer é um clássico na discografia da banda Só Pra Contrariar. Vale a pena escutar as músicas. Se for a dois, é melhor ainda. Depois, você nos confidencia se foi ou não um prazer.

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Gabriel O Pensador quebrando a nossa cabeça

Foto: reprodução de imagem do canal oficial do artista no VEVO

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora|| 
Em 1997, todo o Brasil cantava os seguintes refrãos: “2345meia78!/Tá na hora de molhar o biscoito!/Eu tô no osso, mas eu não me canso!/Tá na hora de afogar o ganso!“; “Apaga a fumaça do revólver, da pistola/Manda a fumaça do cachimbo pra cachola/Acende, puxa, prende, passa/Índio quer cachimbo, índio quer fazer fumaça“; e “A festa da música tupiniquim/Que tá rolando aqui na rua Antônio Carlos Jobim/Todo mundo tá presente e não tem hora pra acabar/E muita gente ainda tá pra chegar“.  Eles fazem parte de músicas do CD Quebra-Cabeça (Sony/BMG), de Gabriel O Pensador. O disco foi produzido por Memê, teve direção artística de Ronaldo Vianna e conta com participações especiais de Lulu Santos (Cachimbo da Paz), Barão Vermelho (+1 Dose) e Evandro Mesquita (Eu e a Tábua).
Como é de praxe na discografia de Gabriel, Quebra-Cabeça tem músicas que tocam em temáticas sociais, mas sempre com humor e uma boa dose de ironia. Pátria que me Pariu (Gabriel O Pensador/André Gomes) é quase um soco na nossa cara, quando fala desses filhos do Brasil que não pedem para nascer e são maltratados desde a gestação: “Uma prostituta chamada Brasil se esqueceu de tomar a pílula e a barriga cresceu/Um bebê não estava nos planos dessa pobre meretriz de dezessete anos/Um aborto era uma fortuna e ela sem dinheiro/Teve que tentar fazer um aborto caseiro…“.

2345meia78(Gabriel O Pensador) é uma crônica bem divertida, que narra a agonia de um cara que não quer passar o fim de semana sem uma mulher, no “osso”. Cachimbo da Paz(Gabriel O Pensador/Memê/Bollado Emecê) é uma declarada apologia a um certo “cachimbo”, mas vai além ao tocar em questões como tráfico de drogas, violência e, até, descriminalização: “…e pro índio nada mais faz sentido/Com tantas drogas por que só o seu cachimbo é proibido?”. A acidez de Gabriel prevalece quando ele critica o sistema prisional do Brasil: “Na penitenciária, o ‘índio fora da lei’/Conheceu os criminosos de verdade/Entrando, saindo e voltando cada vez mais perigosos pra sociedade“.

Sem Saúde (Gabriel o Pensador/Memê/Fábio Fonseca), como o título já entrega, critica a insistente situação estrutural da saúde no Brasil: “Emergência! Eu tô passando mal/ Vô morrer aqui na porta do hospital/Era mais fácil eu ter ido direto pro Instituto Médico Legal/Porque isso aqui tá deprimente, doutor/Essa fila tá um caso sério/Já tem doente desistindo de ser atendido e pedindo carona pro cemitério“. Não deixa de falar dos erros médicos e da falta de ética da área, principalmente quando toca na temática do assédio sexual.

Pra Onde Vai? (Gabriel O Pensador/Memê/Alexandre Lucas/Alexandre Dantas) é a parte mais melancólica, triste e reflexiva do CD. Tanto na letra quanto no arranjo. A narrativa, que fala da morte de um jovem, revela um problema que continua atual: “Mais uma vítima de um mundo violento/Se Deus é justo, então quem fez o julgamento?“. +1 Dose (Gabriel O Pensador/Frejat/Rodrigo/Guto/Peninha/Fernando/Tiago/Memê) e Eu e a Tábua (Gabriel O Pensador/André Gomes) estão sobrando no CD. São duas canções insossas, dispensáveis. En La Casa (Gabriel O Pensador/Tito) também não empolga. É bem fraca, diante do bom repertório de toda a obra.

Dança do Desempregado (Gabriel O Pensador) é uma sátira muito bem feita pelo rapper carioca. Em 1997, no Brasil, tinha dança disso e dança daquilo pra tudo quanto era lado. A Bahia era a principal exportadora. Não foi por acaso que a batida do pandeiro e o suingue do pagode entraram no arranjo. O fato é que Gabriel teve uma ótima sacada e compôs a música, cujo refrão diz: “Essa é a dança do desempregado/Quem ainda não dançou tá na hora de aprender/A nova dança do desempregado/Amanhã o dançarino pode ser você“.

Bala Perdida (Gabriel O Pensador) revela, mais uma vez, o Gabriel crítico e observador da realidade: “Por favor, meu amor, eu não quero encontrar você morta se eu voltar pra casa vivo/Mas se eu não voltar não precisa chorar/Porque levar uma bala perdida hoje em dia é normal/Bem mais comum do que morte natural/Nem dá mais capa de jornal“. Assim, como personaliza o Brasil em Pátria que me Pariu, em Bala Perdida ele também usa essa personificação para dar o seu recado: “Eu gostaria de ser uma bala de mel/Feita com amor, embrulhada num papel/Mas vocês me fizeram pra acabar com a vida/Desde que eu nasci eu sou uma bala perdida/Eu sempre fui perdida, por natureza/Até num suicídio ou em legítima defesa/A maioria ainda nem percebeu: vocês tão muito mais perdidos do que eu“.

Em Festa da Música, os compositores Gabriel O Pensador e Memê mostram toda a criatividade deles. A música é muito boa. O mote é uma noite de festa reunindo os artistas da música brasileira. Detalhe: a festa acontece na rua Antonio Carlos Jobim. No encarte do CD, Gabriel traz a seguinte observação: “Esta obra de ficção é uma homenagem a todos que estiveram, estão ou estarão um dia na festa da música brasileira”. A última música do disco, O Sopro da Cigarra (Gabriel O Pensador) é, basicamente, a parte instrumental de Pátria que me Pariu.

Quebra-Cabeça é um CD que faz a gente refletir sobre vários problemas do Brasil. Dá pra ter ideia de como Gabriel pensa, qual é a sua ideologia e por que critica o que critica e defende o que defende. Se o objetivo do rapper era mexer com a nossa cabeça, ele conseguiu.

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Fábio Jr. – Acústico: romantismo em forma de música

Capa do CD Fábio Jr. – Acústico, de 2002: baladas românticas. Foto: reprodução do site oficial do cantor

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora|| 
Que Fábio Jr. é um romântico inveterado, todo mundo sabe. Em 2002, o cantor e compositor lançou o CD Fábio Jr. – Acústico, pela BMG Brasil, e deixou ainda mais evidente essa característica. Produzido por Nilo Romero e César Lemos, a obra traz canções emblemáticas da carreira de Fábio, como 20 e poucos anos (Fábio Jr.) e Só você (Vinícius Cantuária). 

Basta o play ser acionado, para o CD arrebatar o ouvinte. A primeira faixa é Em cada amanhecer (Maurício Gasperini/Mauro Gasperini/Juno). A letra fala de arrependimento: “Quando a noite traz o silêncio/Estou sozinho, então, eu penso/Como fui deixar/Você se afastar de mim“. E Fábio, que também é ator, empresta toda a sua experiência dramática para interpretar a canção. O resultado é um golaço! As faixas seguintes, Enrosca (Guilherme Lamounier) e Eu me rendo (Sérgio Sá), desfrutam da mesma emoção. O disco esfria um pouco em Minha outra metade (César Lemos/Fábio Jr.), mas ressurge forte e vibrante na encorajadora 20 e poucos anos. O desabafo egoísta presente na música é um convite à perseverança: “Você já sabe/Me conhece muito bem/Eu sou capaz de ir/Vou muito mais além/Do que você imagina/Eu não desisto assim tão fácil, meu amor/Das coisas que eu quero fazer e ainda não fiz/Na vida tudo tem seu preço, seu valor/E o que eu quero, dessa vida, é ser feliz/Eu não abro mão/Nem por você/Nem por ninguém/Eu me desfaço dos meus planos/Quero saber bem mais que os meus 20 e poucos anos“. É impossível não destacar a balada Caça e caçador (Eric Bulling/Cláudio Rabello). A música contagia pela letra e pelo balanço. A propósito, todos os arranjos do CD foram elaborados com muito cuidado.

Fábio, como sempre, emociona ao cantar Pai (Fábio Jr.), que é uma declaração de amor daquelas bem rasgadas. A gravação ficou no estilo voz e violão, com o instrumento vocal bem marcado. É acústico, não é? Não tinha como ser de outro jeito. O lado de intérprete do cantor paulista é o seu maior trunfo. Fábio sabe usar isso nos momentos certos. Nesse sentido, em Se quiser vai (Simone Saback), o artista chega ao clímax. Em 2006, no seu CD duplo Dois Quartos, a cantora e compositora Ana Carolina regravou a música de Simone, mas, curiosamente, com outro título: Vai. Contudo, o espírito da letra fica bem mais definido na interpretação de Fábio.

A única falha de Fábio Jr. – Acústico foi colocar músicas importantes da carreira de Fábio como pot-pourri. Isso acontece com O que é que há (Fábio Jr./Sérgio Sá), Pareço um menino (César Augusto/Piska), Quando gira o mundo (Rosa Girón/versão: Cláudio Rabello), Sem limites pra sonhar (Rosa Girón/M. Perez Garcia/versão: Cláudio Rabello e Jeremy Brick), Alma gêmea (Peninha) e Felicidade (U.Tozzi/R. Riefoli/G. Bigazzi/versão: Cláudio Rabello). Todas elas mereciam estar isoladas no CD. A execução de cada uma é bem rápida e deixa o ouvinte pedindo um pouco mais. Talvez essa tenha sido a intenção.

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O negro som do Cidade

Toni Garrido num dos momentos finais do DVD Acústico MTV Cidade Negra. Foto: captura de tela feita em 22 de junho de 2015.

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora|| 

Nos dias 25 e 26 de novembro de 2001, o grupo Cidade Negra gravava o seu CD e DVD da série Acústico MTV, no Rio de Janeiro. Os produtos foram lançados no ano seguinte. O DVD, mote deste texto, chegou ao mercado com 20 faixas, sendo duas inéditas: a metafórica e bem-sucedida Girassol (Toni Garrido/Da Gama/Lazão/Bino Farias/Pedro Luis) e Berlim (Toni Garrido/Da Gama), que soa como um lamento. Além disso, o grupo fez uma versão em português para a música Johnny B. Goode, de Chuck Berry.

O DVD é simples e sem grandes efeitos, porque deixa a música protagonizar o espetáculo. O que é muito positivo. A veia cênica de Toni Garrido dialoga com o cenário que foi criado e com as letras das canções. O cantor é um intérprete de mão-cheia, como se diz. A afinação precisa e a maciez da voz também se destacam. Da Gama (guitarra), Bino (baixo) Lazão (bateria) completam o time vencedor.
O espectador é arrebatado pelo DVD logo no começo: as canções Sombra da Maldade (Toni Garrido/Da Gama), Realidade Virtual (Toni Garrido/Lazão/Da Gama/Bino Farias), Pensamento (Lazão/Ras Bernardo/Da Gama/Bino Farias), GirassolPodes Crer (Toni Garrido/Lazão/Da Gama/Bino Farias) e Doutor (Lazão/Da Gama/Toni Garrido/Bino Farias) são as responsáveis por isso. Como é de praxe, a obra teve como intenção reunir os grandes sucessos do grupo oriundo da Baixada Fluminense. As canções falam de amizade (Podes Crer), de problemas sociais (Doutor, Soldado da Paz [Herbert Viana]), de espiritualidade (Mensagem [Lazão/Da Gama/Ras Bernardo/Bino Farias], que traz o verso “Deus é a vontade de estar feliz”) e de romantismo (Realidade VirtualConciliação [Lazão/Da Gama/Ras Bernardo/Bino Farias], Firmamento [Henry Lawes/Winston Foster, versão: Lazão/Da Gama/Bino Farias/Toni Garrido] , Onde Você Mora? [Nando Reis/Marisa Monte]). Não dá para não destacar o caráter filosófico de Pensamento, uma espécie de autoajuda em forma de música. A emblemática A Estrada (Lazão/Da Gama/Toni Garrido/Bino Farias), que toca em quase todas as cerimônias de formatura, é outro ponto alto do DVD.

A participação de Gilberto Gil é só uma mera participação. Nada demais. Cheia daquelas babações que já estamos acostumados, quando se trata da presença de ícones da música considerados “de peso”. Com Toni, Gil canta Extra, de sua autoria, lançada no disco homônimo de 1983. Antes de chamá-lo ao palco, Garrido baba: “Agora, a gente vai ter, talvez, o momento mais sublime da história, da vida do Cidade Negra. É o momento que você encontra, na realidade, o seu verdadeiro pai, o pai musical do Cidade Negra, o irmão musical do Cidade Negra, o bróder. Aonde [sic] ele chega, por onde ele passa, nascem flores e amores. O homem que cheira flor, que exala perfume de flor: Gilberto Gil“. What?!

A direção artística do Acústico MTV Cidade Negra foi assinada por Liminha e Ronaldo Viana. Um acerto. O DVD retrata com precisão a identidade musical do grupo. Vale muito a pena assistir ao registro!

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