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A música da Copa
O primeiro de Ana
O disco de estreia da mineira de trouxe também a metafórica Tô Saindo (Totonho Villeroy): “[…] Eu tô saindo, eu tô saindo deste buraco/Help! Eu preciso sambar […]“; e Alguém Me Disse (Evaldo Gouveia/Jair Amorim), uma dessas de dor de cotovelo, com melodia agradável, arranjo de bolero e letra interessante: “[…] Se vais beijar/Como eu bem sei/Fazer sonhar/Como eu sonhei/Mas sem ter nunca amor igual/Ao que eu te dei“. A faixa 3, Nada Pra Mim, tocou bastante no rádio. A letra de Jonh Ulhoa (da banda Pato Fu) ganhou força na interpretação de Ana Carolina, ficando ainda mais filosófica. Trancado, a primeira da série de canções da própria Ana que figura no CD, tem eu lírico masculino e mensagem introspectiva: “Eu tranco a porta para todos os gritos/E o silêncio também está lá fora/Agora, a porta está trancada“. Em Armazém (Ana Carolina), a cantora deixa evidente o seu lado de instrumentista. O pandeiro bem marcado ajuda a dar graça à letra simples e descomprometida.
A Canção Tocou Na Hora Errada (Ana Carolina) é a sétima faixa do CD. Tem ótima letra e melodia. É uma das melhores do álbum. Assim como Agora Ou Nunca (Arnaldo Antunes), O Melhor De Mim (Frejat/Paulinho Moska/Dulce Quental), O Avesso Dos Ponteiros (Ana Carolina) e Beatriz (Chico Buarque/Edu Lobo). Aqui, valem algumas ressalvas: Agora Ou Nunca é uma daquelas letras cheias de ludicidade e de espírito filosófico que saem da cabeça de Arnaldo Antunes: “Nunca se responde uma pergunta/Nunca é o Dia de São Nunca“; O Melhor De Mim é uma declaração de amor sem moderação. Beira o ultrarromantismo: “[…] Se amor tivesse um nome/Seria o seu […]“; O Avesso Dos Ponteiros tem poesia rica, que fala de transitoriedade do tempo: “A idade aponta na falha dos cabelos/Outro mês aponta na folha do calendário/As senhoras vão trocando o vestuário/As meninas viram a página do diário/O tempo faz tudo valer a pena/E nem o erro é desperdício/ Tudo cresce/ E o início/Deixa de ser início/E vai chegando ao meio/Aí começo a pensar que nada tem fim/Que nada tem fim“. A melodia é primorosa, com o som dos violinos contribuindo para que a canção fique ainda mais bonita; Beatriz dispensa comentários, não é? A interpretação de Ana é certeira e cheia de personalidade.
Além de regravar Chico (Beatriz) e Tom Jobim (Retrato Em Branco e Preto, parceria dele com Chico Buarque), Ana regravou Lulu Santos (Tudo Bem). Em todas, ela emprestou muito bem a sua identidade musical. Perder Tempo Com Você (Alvin L.) destoa do bom repertório do CD. Foi uma perda de tempo gravá-la. Tô Caindo Fora (Ana Carolina/Marilda Ladeira/Fernando Barreto) fecha com qualidade o primeiro trabalho da cantora. De fato, o disco é muito bom. Escute. A sua garganta não vai estranhar.
Só Pra Contrariar Só Para Curtir. E muito!
Em 1997, o grupo Só Pra Contrariar (SPC) lançou um CD que ficaria marcado por toda a sua trajetória: Depois do Prazer (BMG). O disco foi produzido pelo então vocalista Alexandre Pires e por Romeu Giosa. A direção artística teve a assinatura de Sérgio de Carvalho. Para quem é romântico e gosta de música que fala de amor e de relacionamento, Depois do Prazer é uma excelente referência.
O CD é repleto de sucessos e, de acordo com informações do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, vendeu mais de três milhões de cópias no Brasil. A obra tem músicas com boas letras e arranjos muito bem executados. A começar pela faixa que dá título ao CD. Composta por Chico Roque e Sérgio Caetano, a música Depois do Prazer mostra a complexidade humana no âmbito dos sentimentos. A letra traz versos que, aparentemente, soariam controversos; mas, no fundo, todo mundo sabe que eles revelam uma verdade muito possível: “Tô fazendo amor com outra pessoa/Mas meu coração vai ser pra sempre teu/[…]/Posso até gostar de alguém/Mas é você que eu amo”. Na faixa seguinte, Tá por Fora (Adalto Magalha/Lourenço), o mote é o desgaste de uma relação, embora o eu lírico não queira dar o ponto final no enlace: “Amor, nosso amor anda meio doente/Dando a impressão que está tudo acabado/Nossa felicidade já não anda contente/E não nos olhamos tão apaixonados/[…]/Dizer adeus a quem se ama/Tá por fora”.
Com Mineirinho (Alexandre Pires/Lourenço), o SPC mostra que o samba é a base do som da banda. Isso se repete em Doido Varrido e Artilheiro do Amor, que também são composições de Alexandre Pires e de Lourenço. Mineirinho tem uma malandragem comum ao universo do samba e a letra reforça o estereótipo do mineiro “come-quieto”: “Eu não tenho culpa de comer quietinho/No meu cantinho, boto pra quebrar/Levo a minha vida, bem do meu jeitinho/Sou de fazer, não sou de falar”. Doido Varrido, como o próprio título já entrega, fala de alguém que está amando de forma exacerbada, que está doido de amor. Para encerrar a trilogia de letras divertidas do CD, eis que surge Artilheiro do Amor. A música usa uma metáfora simples, mas a letra criativa a enriquece: “A galera me disse que nunca viu ela tão empolgada/Mas eles querem saber qual será a minha jogada/Eu sei que esse gol não será fácil de marcar…”.
Quando é Amor (Carla Morais/Chico Roque) apresenta sentimentos típicos de quem está apaixonado e é o retrato de um romantismo próprio do SPC: “A gente sente, é pra valer/O corpo treme todo, a voz não quer sair/Não dá pra disfarçar, os olhos não conseguem mentir”. Minha Metade é uma versão da música Take Me Now, de David Gates, feita pelo compositor Luiz Cláudio. A letra reflexiva mostra um eu lírico em busca de sua metade, com a esperança de não mais sofrer por amor. O arranjo e a melodia são primorosos. Assim como os de Você de Volta (Alexandre Pires/Marquinhos). Contudo, nessa, o mote é outro. O personagem quer ser perdoado porque menosprezou um alguém que vivia aos seus pés: “Amor, não dá pra te esquecer/Tô sem razão, só te fiz sofrer/O teu perdão, pra mim, tem gosto de prazer…”. Em Tem Tudo a Ver (Peninha), o SPC descreve a sensação de quem, sem aviso, é fisgado pelo amor: “[…] Foi, quem sabe, o teu sorriso/Quando esbarrou comigo/Esse amor foi me pegando/Sem aviso”. Com Amor Verdadeiro (Luiz Cláudio/Regis Danese), o CD chega ao ápice do romantismo. É uma declaração de amor daquelas que pouca gente resistiria. Os primeiros versos dizem: “Olhe dentro de mim/Você pode se ver/A todo momento”. Demais, não é?
Caminhando para a parte final do disco, o ouvinte é brindado com Mistérios do Coração (Luiz Cláudio/Regis Danese). O tema é um término de relacionamento: “Só o tempo pra dizer/O que vai acontecer/Minha vida, sem você, como será?”. O arranjo, como o da maioria das músicas, é muito bem feito. A propósito, essa é uma qualidade presente em todo o CD. Pura Verdade (Alexandre Pires/Lourenço) e Nosso Amor (Luiz Barbosa/Reinaldo Barriga) não são propriamente ruins, mas destoam das outras canções da obra. Caí na Real (Luiz Cláudio/Regis Danese), uma das melhores músicas de Depois do Prazer, é outra declaração de amor extremamente romântica; basta apenas um verso para comprovar isso: “Te amo além do que o amor é capaz de amar”. Menina Mulher (Alexandre Pires/Marquinhos) conta a história de alguém que não percebia que era o objeto do desejo de uma menina. Porém, quando ela vira mulher, o amor é notado e correspondido: “Me dá todo amor que sempre escondeu no peito/Foi surpresa, fiquei tão sem jeito/Eu que não via nem o seu olhar/Que sonhava um dia, quem sabe, me amar”. A música é boa e narra algo que, certamente, acontece com frequência no cotidiano.
Depois do Prazer é um clássico na discografia da banda Só Pra Contrariar. Vale a pena escutar as músicas. Se for a dois, é melhor ainda. Depois, você nos confidencia se foi ou não um prazer.
Gabriel O Pensador quebrando a nossa cabeça
2345meia78(Gabriel O Pensador) é uma crônica bem divertida, que narra a agonia de um cara que não quer passar o fim de semana sem uma mulher, no “osso”. Cachimbo da Paz(Gabriel O Pensador/Memê/Bollado Emecê) é uma declarada apologia a um certo “cachimbo”, mas vai além ao tocar em questões como tráfico de drogas, violência e, até, descriminalização: “…e pro índio nada mais faz sentido/Com tantas drogas por que só o seu cachimbo é proibido?”. A acidez de Gabriel prevalece quando ele critica o sistema prisional do Brasil: “Na penitenciária, o ‘índio fora da lei’/Conheceu os criminosos de verdade/Entrando, saindo e voltando cada vez mais perigosos pra sociedade“.
Sem Saúde (Gabriel o Pensador/Memê/Fábio Fonseca), como o título já entrega, critica a insistente situação estrutural da saúde no Brasil: “Emergência! Eu tô passando mal/ Vô morrer aqui na porta do hospital/Era mais fácil eu ter ido direto pro Instituto Médico Legal/Porque isso aqui tá deprimente, doutor/Essa fila tá um caso sério/Já tem doente desistindo de ser atendido e pedindo carona pro cemitério“. Não deixa de falar dos erros médicos e da falta de ética da área, principalmente quando toca na temática do assédio sexual.
Pra Onde Vai? (Gabriel O Pensador/Memê/Alexandre Lucas/Alexandre Dantas) é a parte mais melancólica, triste e reflexiva do CD. Tanto na letra quanto no arranjo. A narrativa, que fala da morte de um jovem, revela um problema que continua atual: “Mais uma vítima de um mundo violento/Se Deus é justo, então quem fez o julgamento?“. +1 Dose (Gabriel O Pensador/Frejat/Rodrigo/Guto/Peninha/Fernando/Tiago/Memê) e Eu e a Tábua (Gabriel O Pensador/André Gomes) estão sobrando no CD. São duas canções insossas, dispensáveis. En La Casa (Gabriel O Pensador/Tito) também não empolga. É bem fraca, diante do bom repertório de toda a obra.
A Dança do Desempregado (Gabriel O Pensador) é uma sátira muito bem feita pelo rapper carioca. Em 1997, no Brasil, tinha dança disso e dança daquilo pra tudo quanto era lado. A Bahia era a principal exportadora. Não foi por acaso que a batida do pandeiro e o suingue do pagode entraram no arranjo. O fato é que Gabriel teve uma ótima sacada e compôs a música, cujo refrão diz: “Essa é a dança do desempregado/Quem ainda não dançou tá na hora de aprender/A nova dança do desempregado/Amanhã o dançarino pode ser você“.
Bala Perdida (Gabriel O Pensador) revela, mais uma vez, o Gabriel crítico e observador da realidade: “Por favor, meu amor, eu não quero encontrar você morta se eu voltar pra casa vivo/Mas se eu não voltar não precisa chorar/Porque levar uma bala perdida hoje em dia é normal/Bem mais comum do que morte natural/Nem dá mais capa de jornal“. Assim, como personaliza o Brasil em Pátria que me Pariu, em Bala Perdida ele também usa essa personificação para dar o seu recado: “Eu gostaria de ser uma bala de mel/Feita com amor, embrulhada num papel/Mas vocês me fizeram pra acabar com a vida/Desde que eu nasci eu sou uma bala perdida/Eu sempre fui perdida, por natureza/Até num suicídio ou em legítima defesa/A maioria ainda nem percebeu: vocês tão muito mais perdidos do que eu“.
Em Festa da Música, os compositores Gabriel O Pensador e Memê mostram toda a criatividade deles. A música é muito boa. O mote é uma noite de festa reunindo os artistas da música brasileira. Detalhe: a festa acontece na rua Antonio Carlos Jobim. No encarte do CD, Gabriel traz a seguinte observação: “Esta obra de ficção é uma homenagem a todos que estiveram, estão ou estarão um dia na festa da música brasileira”. A última música do disco, O Sopro da Cigarra (Gabriel O Pensador) é, basicamente, a parte instrumental de Pátria que me Pariu.
Quebra-Cabeça é um CD que faz a gente refletir sobre vários problemas do Brasil. Dá pra ter ideia de como Gabriel pensa, qual é a sua ideologia e por que critica o que critica e defende o que defende. Se o objetivo do rapper era mexer com a nossa cabeça, ele conseguiu.
Fábio Jr. – Acústico: romantismo em forma de música
Basta o play ser acionado, para o CD arrebatar o ouvinte. A primeira faixa é Em cada amanhecer (Maurício Gasperini/Mauro Gasperini/Juno). A letra fala de arrependimento: “Quando a noite traz o silêncio/Estou sozinho, então, eu penso/Como fui deixar/Você se afastar de mim“. E Fábio, que também é ator, empresta toda a sua experiência dramática para interpretar a canção. O resultado é um golaço! As faixas seguintes, Enrosca (Guilherme Lamounier) e Eu me rendo (Sérgio Sá), desfrutam da mesma emoção. O disco esfria um pouco em Minha outra metade (César Lemos/Fábio Jr.), mas ressurge forte e vibrante na encorajadora 20 e poucos anos. O desabafo egoísta presente na música é um convite à perseverança: “Você já sabe/Me conhece muito bem/Eu sou capaz de ir/Vou muito mais além/Do que você imagina/Eu não desisto assim tão fácil, meu amor/Das coisas que eu quero fazer e ainda não fiz/Na vida tudo tem seu preço, seu valor/E o que eu quero, dessa vida, é ser feliz/Eu não abro mão/Nem por você/Nem por ninguém/Eu me desfaço dos meus planos/Quero saber bem mais que os meus 20 e poucos anos“. É impossível não destacar a balada Caça e caçador (Eric Bulling/Cláudio Rabello). A música contagia pela letra e pelo balanço. A propósito, todos os arranjos do CD foram elaborados com muito cuidado.
Fábio, como sempre, emociona ao cantar Pai (Fábio Jr.), que é uma declaração de amor daquelas bem rasgadas. A gravação ficou no estilo voz e violão, com o instrumento vocal bem marcado. É acústico, não é? Não tinha como ser de outro jeito. O lado de intérprete do cantor paulista é o seu maior trunfo. Fábio sabe usar isso nos momentos certos. Nesse sentido, em Se quiser vai (Simone Saback), o artista chega ao clímax. Em 2006, no seu CD duplo Dois Quartos, a cantora e compositora Ana Carolina regravou a música de Simone, mas, curiosamente, com outro título: Vai. Contudo, o espírito da letra fica bem mais definido na interpretação de Fábio.
A única falha de Fábio Jr. – Acústico foi colocar músicas importantes da carreira de Fábio como pot-pourri. Isso acontece com O que é que há (Fábio Jr./Sérgio Sá), Pareço um menino (César Augusto/Piska), Quando gira o mundo (Rosa Girón/versão: Cláudio Rabello), Sem limites pra sonhar (Rosa Girón/M. Perez Garcia/versão: Cláudio Rabello e Jeremy Brick), Alma gêmea (Peninha) e Felicidade (U.Tozzi/R. Riefoli/G. Bigazzi/versão: Cláudio Rabello). Todas elas mereciam estar isoladas no CD. A execução de cada uma é bem rápida e deixa o ouvinte pedindo um pouco mais. Talvez essa tenha sido a intenção.
O negro som do Cidade
Nos dias 25 e 26 de novembro de 2001, o grupo Cidade Negra gravava o seu CD e DVD da série Acústico MTV, no Rio de Janeiro. Os produtos foram lançados no ano seguinte. O DVD, mote deste texto, chegou ao mercado com 20 faixas, sendo duas inéditas: a metafórica e bem-sucedida Girassol (Toni Garrido/Da Gama/Lazão/Bino Farias/Pedro Luis) e Berlim (Toni Garrido/Da Gama), que soa como um lamento. Além disso, o grupo fez uma versão em português para a música Johnny B. Goode, de Chuck Berry.
A participação de Gilberto Gil é só uma mera participação. Nada demais. Cheia daquelas babações que já estamos acostumados, quando se trata da presença de ícones da música considerados “de peso”. Com Toni, Gil canta Extra, de sua autoria, lançada no disco homônimo de 1983. Antes de chamá-lo ao palco, Garrido baba: “Agora, a gente vai ter, talvez, o momento mais sublime da história, da vida do Cidade Negra. É o momento que você encontra, na realidade, o seu verdadeiro pai, o pai musical do Cidade Negra, o irmão musical do Cidade Negra, o bróder. Aonde [sic] ele chega, por onde ele passa, nascem flores e amores. O homem que cheira flor, que exala perfume de flor: Gilberto Gil“. What?!
A direção artística do Acústico MTV Cidade Negra foi assinada por Liminha e Ronaldo Viana. Um acerto. O DVD retrata com precisão a identidade musical do grupo. Vale muito a pena assistir ao registro!