2021: Paulo Freire é 100!, Cultura, DESDEnhas, DEZde, Jornalismo Cultural, Resenha

“O ato de ler implica sempre percepção crítica”, Paulo Freire

    Educador reflete sobre leitura, formação de leitor e alfabetização em obra lançada em 1981

Imagem: reprodução do site da Cortez Editora

Por Raulino Júnior||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

A série 2021: Paulo Freire é 100! tem como objetivo fazer resenhas de algumas obras do educador pernambucano. Ela integra o Pacotão do DEZde, projeto que comemora os dez anos do blog. Hoje, vamos fazer reflexões relacionadas ao livro A Importância do Ato de Ler, cuja primeira edição foi publicada em 1981. Ler é uma prática fundamental para toda e qualquer pessoa que quer se emancipar. Quando pensamos no universo da educação, ela é (e deve ser!) prioritária. Principalmente, evidenciando que professores são profissionais que devem contribuir para o estímulo à leitura. Obviamente que, para isso, eles têm que ler.
De acordo com os dados da 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro, estamos perdendo leitores. Dos 213 milhões de brasileiros, 100 milhões leem. Ou seja, 52% da população. Houve uma queda de 4,6 milhões de leitores, entre 2015 e 2019, ano de referência da pesquisa. As crianças estão lendo mais, os adolescentes e adultos estão lendo menos. É importante ressaltar que a pesquisa considera leitor toda pessoa que leu, na íntegra ou parcialmente, pelo menos um livro  três meses antes de sua realização.
O livro de Paulo Freire é constituído de três artigos, que, como já vem no título da obra, se complementam, pois falam de leitura e de alfabetização. O texto do primeiro capítulo, que dá nome ao livro, foi escrito para ser lido, pois foi tema de uma palestra de Freire. Logo no início, o educador define o ato de ler: “… não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas […] se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente”, p. 9. Sendo assim, tudo pode ser lido e o que se lê no mundo se complementa na leitura da palavra.
Ao longo do texto, Paulo fala de sua formação como leitor, da sua experiência particular no universo da leitura: “Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-neqro; gravetos, o meu giz”, p. 11. Freire critica a lógica de quem acha que passar muitas leituras para os educandos, focando apenas na quantidade, é o caminho para fomentar a leitura. “Creio que muito de nossa insistência, enquanto professoras e professores, em que os estudantes ‘leiam’, num semestre, um sem-número de capítulos de livros, reside na compreensão errônea que às vezes temos do ato de ler. […] A insistência na quantidade de leituras sem o devido adentramento nos textos a serem compreendidos, e não mecanicamente memorizados, revela uma visão mágica da palavra escrita. Visão que urge ser superada. A mesma, ainda que encarnada desde outro ângulo, que se encontra, por exemplo, em quem escreve, quando identifica a possível qualidade de seu trabalho, ou não, com a quantidade de páginas escritas”, p. 12. Tudo que foi dito nesse trecho é posto em prática por muitas universidades, que fazem isso achando que a qualidade de ensino se dá dessa forma. Freire, como escreveu em 1981, discorda.
Durante a leitura do artigo, fica muito evidente a posição de Paulo Freire sobre o ato de ler. Para ele, é sempre uma oportunidade de se libertar, se emancipar e ter percepção crítica. Não é um ato isolado. Está sempre relacionado com as vivências de cada pessoa. A leitura de mundo vai ter ressonância na leitura da palavra. Isso é repetido com insistência no texto.
Ao falar de alfabetização, tema que explora com mais afinco no artigo seguinte, em que trata da alfabetização de adultos e bibliotecas populares, Freire reafirma que alfabetizar, para ele, é um ato político. “…me parece interessante reafirmar que sempre vi a alfabetização de adultos como um ato político e um ato de conhecimento, por isso mesmo, como um ato criador”, p. 14. Ele critica a memorização mecânica e, mais adiante, chama a atenção dos professores, exigindo que o discurso democrático que eles propalam vire, de fato, ação na prática. “Nem sempre, infelizmente, muitos de nós, educadoras e educadores que proclamamos uma opção democrática, temos uma prática em coerência com o nosso discurso avançado. Daí que o nosso discurso, incoerente com a nossa prática, vire puro palavreado”, p. 16.
No terceiro artigo, Paulo Freire fala sobre uma experiência de alfabetização de adultos desenvolvida por ele em São Tomé e Príncipe. Essa parte é um pouco maçante, mas vale destacar o que o educador traz sobre conhecimento, que é algo que todo mundo tem: “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa”., p. 39. Também é significativo o que ele diz sobre o processo de formação, que é contínuo: “Ninguém se forma realmente se não assume responsabilidades no ato de formar-se. O nosso povo não se forma na passividade, mas na ação sempre em unidade com o pensamento”, p. 49.
Ler, formar leitor e alfabetizar são atos políticos. Não podem ser implementados sem esse viés, na superficialidade. É isso que fica evidente quando se conclui a leitura da obra. O ato de ler nos leva além. Sempre.
Referência:
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo).

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Roupa: você repete?

Imagem: reprodução do blog Menos 1 Lixo

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Em dezembro do ano passado, uma famosa teve que explicar (isso mesmo!) por que seu filho repetiu uma roupa que já tinha usado numa outra noite de Natal. Eu pensei: gente, qual é o problema? Quem não repete? Oxe, oxe, oxe. Repetir roupa é natural e, além disso, uma atitude responsável. Ajuda na sustentabilidade do planeta e gera uma boa economia de dinheiro. Repetir roupa é o que há no mundo da moda! Inclusive, é considerado chique!

Claro que, sem ingenuidade, é sabido que o ato de repetir roupa pode causar um desconforto para quem repete. Isso no universo dos famosos fica mais evidente, porque há uma cobrança nesse sentido. Muita gente olha para figuras públicas e cobra atitudes desumanas até. Quem é famoso é gente como a gente, para ficar num clichê. Sendo assim, pode (e deve) repetir roupa. Essa cobrança por uma exclusividade no vestuário é própria de sociedades que se preocupam com coisas que não são importantes. Isso, na verdade, nem deveria ser uma questão.

Os brechós têm ajudado muito nessa consciência do reúso. Muita gente passa nesses locais a fim de adquirir peças que estão num bom estado e que têm identidade com aquilo que quer falar para o mundo. Porque moda é comunicação, não é? Brechó virou tendência. Sem contar que, muitas vezes, a repetição de roupa está atrelada a uma memória afetiva. A roupa ganha outro valor por causa da carga emocional que carrega. Então, a gente usa e abusa também para lembrar do quanto aquela peça significa para a gente.

Tem roupa minha que já vai sozinha para alguns lugares, de tanto que eu repito. E me orgulho de ter peças de 15, 20 anos no meu guarda-roupa, que uso e reúso. Simples assim. Quem repete roupa gasta menos dinheiro. Por exemplo, roupa de casamento, batizado e formatura tem diferença? Não, né? É só usar a mesma nessas ocasiões e ser feliz. A única mudança vai ser a da pose nas fotos.

Sigamos.

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“A Língua Portuguesa é cheia de Charme”

No Dia Nacional da Língua PortuguesaDesde entrevista professor gaúcho que difunde o idioma nas plataformas digitais

Thiago Charme: “Eu sou um defensor ferrenho das variantes da Língua”. Foto: autorretrato

Por Raulino Júnior 

É impossível ter contato com o professor, designer gráfico e escritor Thiago Charme e não brincar com o seu sobrenome, que, usando uma figura de linguagem muito comum na Língua Portuguesa, caiu como uma luva para ele. Inclusive, não foi por acaso que fizemos um trocadilho no título desta entrevista. Luis Thiago do Nascimento Charme tem 38 anos e é natural de Arroio dos Ratos, município do Rio Grande do Sul. Filho de Maria Cleusa do Nascimento Paiva e Gildo Ramires Charme (in memorian), ele é oriundo de uma família grande. Tem quatro irmãos cheios de Charme: RejaneVanderDaniela Willian. O sobrenome incomum é, ao que tudo indica, de origem francesa. “Na verdade, não é um erre ali no meio. O sobrenome mesmo, dos meus avós paternos, é Chalme, com ele”. De acordo com Thiago, há muitas variações do sobrenome. “Nós, irmãos, temos essa diferença também. Todo eles têm o esse no final, menos eu. Pra dizer a verdade, de todos os primos, parentes e tios de quem eu tenho notícia, de mais perto, o único que é realmente Charme sou eu”. O fato é que os Charmes não vieram ao mundo para seguir modelos e tradições. E Thiago personifica isso nas suas vivências e atitudes. Em 2009, quando começou a dar aula, já utilizava as tecnologias da informação e da comunicação como recurso pedagógico. Em 2011, isso se consolidou, participando de projetos de criação de canais de veideoaulas. Daí em diante, não parou mais. Em 2015, criou o TuboAulas. “Era um projeto que abrigava outros professores. Daqui e dali, as coisas foram mudando um pouco de visão. Não houve dedicação de alguns professores. A partir de 2019, comecei a pensar em algumas mudanças no meu formato. A primeira delas, voltar o meu material para Língua Portuguesa e Literatura, que sempre gostei bastante. Não queria que fosse um trabalho maçante, só focado em ENEM, porque o meu intuito sempre foi compartilhar conhecimento, democratizar o conhecimento”. No ano passado, em conversa com alguns amigos, um deles, Jean Azevedo, do canal Geografia com JeanGrafia, sugeriu um novo nome para o novo conceito do projeto: Português com Charme. No canal, Thiago promove processos de ensino e de aprendizagem de forma ampla, nada é à toa. Inclusive, as cores escolhidas para a arte da plataforma. “A cor amarela do canal foi quase que 100% inspirada no álbum AmarElo, de Emicida. Tanto a música quanto o álbum como um todo foi uma transformação para a minha vida. É como se eu estivesse ressurgindo de certa forma e me reconstruindo o tempo todo através de cada uma das músicas do álbum”, confidencia. Toda a identidade do canal foi pensada com a ajuda do namorado, Oliver Luys, que também é designer gráfico e empreendedor. Thiago é formado em Letras com habilitação em Língua Portuguesa, Inglesa e Respectivas Literaturas, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS); e em Publicidade, curso pós-médio que fez na Escola Técnica Estadual Irmão Pedro. Nesta entrevistONA especial, feita por WhatsApp e comemorativa pelo Dia Nacional da Língua PortuguesaThiago Charme diz o que faz para não se tornar uma gramática ambulante, reflete sobre preconceito linguístico, linguagem neutra e pretoguês. Ainda fala de sua relação com Salvador e com o baianês e diz por que a Língua Portuguesa é cheia de charme: “Eu amo todo esse conceito de jogar com as palavras. De trabalhar as palavras em todo o seu sentido”. Leia e fique à vontade.

Desde que eu me entendo por gente – Desde 2011, você usa o YouTube para promover processos de ensino e de aprendizagem na área de Linguagens e seus Códigos. Qual contrapartida tem do público que te acompanha?  

Desde – Qual limite você coloca para não se tornar uma gramática ambulante? Ou seja, como evitar ser um consultor de gramática durante todo o tempo e por todas as pessoas?

Desde – No Behance, você diz que decidiu fazer Letras porque queria se comunicar e escrever bem. O curso, por si só, te trouxe isso? Por quê?

Desde – No livro Preconceito LinguísticoMarcos Bagno faz críticas a profissionais de Letras que dão curso com o objetivo de ensinar a falar e escrever bem a Língua Portuguesa. De acordo com o linguista, isso acontece porque a sociedade elege uma variante da língua como sendo de prestígio. Qual é a sua opinião sobre isso?

Desde – Você é designer gráfico. Se a Língua Portuguesa fosse uma imagem, qual seria?

Desde – Entre abril e junho de 2019, você morou em Salvador. O baianês te encantou? Incorporou algumas expressões ao seu vocabulário?

Desde – Qual poema da Língua Portuguesa mais te comove? Por quê? Declame para os leitores e para as leitoras.

Desde – A Língua Portuguesa, além de ser matriz da nossa cultura, contribui para a nossa atuação política no mundo. A  linguagem neutra é um exemplo disso. Para você, a resistência ao uso dela terá longevidade ou não tem mais jeito?

Desde – O Pretoguês, conceito cunhado por Lélia Gonzalez para falar sobre a  marca de africanização do português falado no Brasil, é também um ato político, porque evita um silenciamento que insiste em prevalecer. Como você incorpora tal discussão na sua prática pedagógica?

Desde – A Língua Portuguesa é cheia de charme? Por quê?

Da Calma e do Silêncio, de Conceição Evaristo, por Thiago Charme

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