Por Raulino Júnior ||Opinião de Segunda||
Quase um ano depois de suspender as aulas na rede estadual, inicialmente em Salvador, Feira de Santana e Porto Seguro, cidades que, àquela época, 17 de março de 2020, já apresentavam casos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, o governo do Estado estabeleceu a data de hoje, 15 de março, como o início do ano letivo, que terá atividades remotas e currículo contínuo. Ou seja, o processo de ensino e aprendizagem não será presencial e os estudantes vão fazer dois anos em um, até 29 de dezembro. Exemplo: quem estava na 1ª série do ensino médio em 2020 foi, automaticamente, matriculado na 2ª. Na prática, todo mundo passou de ano; na teoria, não. De acordo com os documentos divulgados pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC-BA), o educando vai iniciar o ano aprendendo os conteúdos da série anterior e, gradativamente, avançará para a série seguinte. E quem estava no 3º ano, prestes a concluir essa fase dos estudos? Bem, sobre isso, prefiro nem comentar…
Pouca gente entendeu a demora da SEC-BA em tomar uma providência para garantir o direito de estudar de milhares de estudantes. E, não tem como evitar comparações, fica evidente a falta de diálogo com secretarias de outros estados, que já tinham tomado algumas medidas nesse sentido. Isso serviria para estudar modelos e implantar aqui, evitando esse longo período de aulas suspensas. Alguns colégios enviaram atividades para os estudantes, a fim de garantir o vínculo com eles. Entretanto, ao que tudo indica, esse esforço não será reconhecido pela SEC-BA, pois, como alega a secretaria, não foi uma ação oficial, gerida por ela.
Quase 365 dias depois da suspensão das aulas, a SEC-BA apresenta um pacote de ações confuso, que deixou a comunidade escolar com mais perguntas do que com respostas. Mesmo depois de ouvir os blá-blá-blás proferidos na Pré-Jornada e na Jornada Pedagógica. Essa, inclusive, batizada de Jornada Paulo Freire. Será que o mestre avalizaria o que está posto? Tudo bem que estimular a autonomia dos estudantes é importante, mas, infelizmente, em geral, a gente tem turmas compostas por estudantes que não são tão autônomos assim. São educandos que não têm o hábito de estudar sozinhos, de anotar as dúvidas e perguntar aos professores no dia seguinte. Eles vão ter que se acostumar com isso, assim, de supetão. Presumo que Paulo Freire não ficaria muito feliz com tal cenário.
No pacote utópico da SEC-BA, pensado sem consulta ampla à comunidade escolar nem chamada pública para isso, o estudante vai organizar o seu tempo de estudo em casa, sendo auxiliado pelos professores, que, mais do que nunca, vão atuar como mediadores. Eles vão passar as atividades, direcionar os estudos e estarão disponíveis para explicar o conteúdo e tirar as dúvidas das turmas. Obviamente, cada professor vai se organizar e criar as suas metodologias para isso. Caberá ao estudante, estudar. Mas, agora, estudar mesmo, através dos recursos disponibilizados: livros didáticos e de literatura, cadernos de apoio produzidos pelos professores, salas virtuais e aplicativos. A dinâmica vai exigir muita disciplina, principalmente por parte dos educandos. Quem tem acesso à internet, vai se comunicar com os docentes através das novas tecnologias digitais da informação e da comunicação; quem não tem, vai pegar o material impresso na escola (isso mesmo, em plena pandemia, alguns estudantes vão ter que se arriscar!) e terá que, junto com o professor, criar estratégias para ser acompanhado, para aprender, para ter as dúvidas sanadas. Vai ser que vai!
Se, na modalidade presencial, os programas de aceleração já são, digamos, uma falácia, imagine de forma remota? Claro que esses programas têm a sua importância, contribuem para transformar a vida de muita gente, mas poucos funcionam com a qualidade que deveria. Na real, estão repletos de práticas superficiais, que não despertam a criticidade de quem recebe as informações. O objetivo é, como diz o nome, acelerar e gerar estatística.
Pelo que se desenha, o ano letivo na rede estadual de ensino vai ser um arremedo, um cala-boca. Sem contar a pressão que os professores vão sofrer para transformar conhecimento em números e “passar todo mundo”. Quando a gente lembra que a escola pública é, predominantemente, frequentada por pretos e pobres, não é difícil concluir por que a qualidade do processo de ensino e aprendizagem nunca é pensada como prioridade pelos governantes. Para muitos deles, o tópico educação só é importante como bandeira de campanha política. Fingem ou não querem entender que a educação que é paga com nossos impostos é, sem titubear, o principal alicerce do Brasil. Por isso, tem que ser levada a sério. Não há nenhuma outra instituição que forme mais cidadãos do que a escola pública. Se a maioria do povo brasileiro está ou esteve nela, é ela que é a base desse país. Quando a sociedade acordar e perceber que exigir uma educação pública de qualidade deve ser uma pauta de todo mundo, assim como a luta pela extinção do racismo, da homofobia e do machismo, as coisas poderão ter outro rumo. Enquanto isso não acontece, a famosa frase atribuída a Lima Barreto, cunhada em 1922, continuará fazendo sentido por aqui: “O Brasil não tem povo, apenas público. Povo luta por seus direitos, público só assiste de camarote”.
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