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Felipe Ferreira lança “Griphos Meus” na Livraria Cultura do Salvador Shopping

Felipe Ferreira e o seu Griphos Meus: “Agora, posso dizer que sou escritor”. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior

Às 19h, desta sexta-feira, 12 de dezembro, o coração de Felipe Ferreira estará batendo ainda mais forte: o escritor lançará seu primeiro livro, Griphos Meus: cinema, literatura, música, cultura, política & outros gozos crônicos, na Livraria Cultura, do Salvador Shopping. A obra é uma produção independente e reúne textos do autor publicados nos sites Cinem(ação)Ambrosia e Publikador, dos quais é colunista. Além disso, o livro traz textos inéditos, como poemas, crônicas e alguns de cunho erótico. Em julho, ao participar da série Perfis do DesdeFelipe revelou o plano de publicar um livro até o final de 2014. Agora, que a ideia virou realidade, ele fala com exclusividade para o Desde. Leia a entrevista!

Desde que eu me entendo por gente: Por que “Griphos”?

Felipe Ferreira: Quando comecei a pensar num nome, para poder criar uma identificação e tentando ver o que resumiria bem essa questão de escrever, de se dedicar à palavra, à escrita, fui caçando por sinônimos, pela etimologia da palavra “grafia”. “Grifo” tem a ver com grafia, escrita. Para diferenciar, ter originalidade e ser o meu grifo, não qualquer grifo, coloquei com “ph”.

Desde que eu me entendo por gente: Os textos do livro têm temáticas predominantes ou falam de tudo?

Felipe Ferreira: Falam de tudo: cotidiano, daquela fadiga do homem moderno e de saudade, de sentir falta do que você não tem mais. Todo mundo tem esse momento saudosista.

O livro como extensão do corpo. Foto: Raulino Júnior

Desde que eu me entendo por gente: Griphos Meus tem prateleira?

Felipe Ferreira: Quando fui fazer o registro do ISBN (International Standard Book Number), eles perguntaram qual era o gênero, para poder catalogar. Eu me questionei: “Qual é o gênero?”. Fui analisando cada segmento e encaixei como ensaios brasileiros. Foi o que mais acolheu a ideia da multifuncionalidade do livro.

Desde que eu me entendo por gente: Quando você escreve, pensa num leitor como foco?

Felipe Ferreira: Pode ser aquela coisa meio segmentada. Uma crítica de cinema pode atingir mais o pessoal de cinema; mas, ao mesmo tempo que atinge o pessoal de cinema, vai atingir quem não é crítico, quem não é da área, quem não produz, mas quem gosta, quem curte, quem assiste sem compromisso. Acho que o ideal é você ter uma abrangência de abordagem e a mensagem passar por várias pessoas, sem ter apartheid. A leitura é universal.

Desde que eu me entendo por gente: Com o livro, você acaba perpetuando as suas ideias. Aonde é que você quer que ele chegue?

Felipe Ferreira: Quanto mais longe você pensar, mais perto do que pensou, você chega. Ao lançá-lo em Salvador, penso em criar um público para a obra em livrarias e pontos culturais. Depois, quem sabe, partir para outros estados: Rio, São Paulo. É um trabalho de formiga. Aos poucos, vou criando um público. Não só no meu estado, mas no Brasil todo. É um trabalho árduo, de formiga, mas tem que ser feito.

Desde que eu me entendo por gente:  Você já pensou nos possíveis desdobramentos dessa obra? Por exemplo: um diretor de teatro se interessar em montar um espetáculo que tenha como base o seu livro?

Felipe Ferreira: É uma coisa que eu penso, mas não fico com isso na cabeça.  É uma coisa natural. Se tiver de acontecer, vai acontecer e será muito bem-vindo. Só teria que avaliar o projeto,  se realmente teria a ver com o perfil  e o objetivo do livro. Seria interessante fazer essa transferência de linguagem das páginas para o palco.

Desde que eu me entendo por gente: Felipe: antes e depois do Griphos. Agora, com o livro impresso. Qual a diferença?

Identidade Griphos. Foto: Raulino Júnior

Felipe Ferreira: Acho que, agora, eu posso dizer que sou escritor. Porque se você é ator, você atua; se é cineasta, você produz cinema. Hoje, eu posso afirmar com todas as letras que sou escritor. É sacramentar o seu ofício. É você concretizar aquilo que está na sua alma, no seu dom, na sua persona.

Desde que eu me entendo por gente: Fazendo um trocadilho com o título do livro: quais são os seus “griphos” para o futuro?

Felipe Ferreira: Escrever sempre. Disso eu não tenho dúvida. Focar bem na venda, na divulgação e fazer reverberar muito o Griphos Meus, meu primeiro livro; e , claro,  já tendo ideias, estímulos  e insights para um próximo livro.

Para colocar na agenda…

Felipe Ferreira. Foto: Raulino Júnior

Lançamento do livro Griphos Meus, de Felipe Ferreira, com sessão de autógrafo

Livraria Cultura, do Salvador Shopping
12 de dezembro, às 19h

O livro custa R$ 29 e vai ser vendido pela internet, no InstagramTwitter ou através do e-mail felipe.grifosmeus@outlook.com.

Felipe Ferreira tem 23 anos e é formado em Letras com Inglês pela Universidade Católica do Salvador. Além de escritor, é roteirista.

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Cultura, Jornalismo, Jornalismo Cultural, Leitura, Resenha

Caminhos do jornalismo cultural

O crítico é um artista frustrado? Daniel Piza (1970-2011) achava que não. De acordo com ele, Marcel Proust, Henry James e Bernard Shaw foram grandes criadores e grandes críticos. Sendo assim, tal tese não se sustenta. Em seu livro Jornalismo Cultural, da Editora Contexto, o jornalista traça um histórico sobre essa vertente jornalística, relata experiências próprias e dá dicas àqueles que pretendem se enveredar pela editoria de cultura. Autor de 17 livros, entre eles uma biografia de Machado de Assis (Machado de Assis – Um Gênio Brasileiro), Piza trabalhou em importantes veículos da imprensa nacional, como O Estado de S. PauloFolha de S. Paulo e a extinta Gazeta Mercantil. Em dezembro de 2011, faleceu em Minas Gerais, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC).

O primeiro capítulo, Pontos luminosos, é, praticamente, uma aula de história sobre os caminhos do jornalismo cultural. O destaque fica na parte em que Daniel fala sobre a prática no Brasil. Ele afirma que a figura do crítico profissional é uma tradição em solo brasileiro e exemplifica citando Lima Barreto, que escreveu As recordações do escrivão Isaías Caminha para criticar o cotidiano dos profissionais de jornalismo. Mário de Andrade, Drummond, Machado de Assis e Carlos Heitor Cony também são lembrados pelo autor de Jornalismo Cultural.

A tônica do segundo capítulo, De polos e tribos, é a dicotomia entre elitismo e populismo. Para alertar o leitor e desmistificar qualquer preconceito, Daniel Piza aconselha: “Qualquer forma de qualificação prévia, assim, é complicada. A cabeça tem de estar aberta ao que se dispõe a assimilar, venha de onde vier. Ao mesmo tempo, pode e deve confiar na experiência; quanto mais se adquire ‘olho’, como se diz na pintura, maior é a capacidade de pré-selecionar o que se irá consumir. A filtragem é mais simples justamente porque os critérios estão mais nítidos, e não o contrário”, p. 50. Ou seja, quem trabalha na editoria de cultura não deve deixar o gosto pessoal sobrepor o que acontece na realidade. A cabeça deve estar aberta.

No terceiro capítulo, Contraclichê, Piza fala sobre alguns gêneros jornalísticos, como perfis e entrevistas, dá dicas para o “jornalista cultural” (é o termo que o autor usa) escrever reportagens, aborda os preconceitos que o profissional que trabalha na editoria de cultura sofre (a suposição de que trabalha menos e de que não gosta de notícia, porque muitos profissionais fazem o “jornalismo de agenda” (divulgação de shows, espetáculos teatrais, exposições e etc.) e da ilusão da doce vida). O fato de o jornalista confundir afinidades pessoais com avaliações estéticas e atacar a pessoa em vez da obra é visto por Piza como “pecado” de quem atua na área de cultura. O autor não deixa de falar da prática do jabá e esclarece: “Não existe (nem deveria existir) uma regra que impeça que críticos e criticados sejam amigos, para além de seus contatos profissionais. Mas é bom, caso aconteça essa amizade, que se deixe claro, para ambos os lados, de que há esses dois níveis de relacionamento – e, se o desentendimento profissional perturbar o pessoal, azar da amizade”, p. 91-92.

O quarto e último capítulo da obra, Aqueles foram os dias, é o momento em que Piza relata algumas experiências próprias, dando ênfase ao trabalho realizado à frente do caderno Fim de Semana, da Gazeta Mercantil. Em seguida, apresenta uma bibliografia comentada e decreta: “O jornalista cultural tem um dever nº 1 consigo próprio: não ter preguiça de ler”. O livro de Daniel é um bom começo e uma boa introdução sobre o assunto.

Fonte: PIZA, Daniel. Jornalismo Cultural. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2011. (Coleção Comunicação), 143p.

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Por que estudantes de jornalismo não leem jornal

“Leia-me, por favor.” |Foto: Raulino Júnior

Casa de ferreiro, espeto de pau. O ditado popular serve de metáfora para um mal que acomete parte dos estudantes de jornalismo: a falta do hábito de ler jornais. Alguns alunos alegam que a razão disso é o fato de ter que priorizar outras obrigações. Dessa forma, deixam de realizar uma atividade básica para a própria formação.

 A postura de parte dos estudantes de jornalismo de não ler jornais é contraditória e, talvez,  seja notícia velha e constante nas faculdades de comunicação Brasil afora. Muitos deles tentam se desculpar e usam a prioridade dada às leituras exigidas pelas disciplinas da graduação e outros compromissos, como estágios e empregos, como justificativa para o baixo índice de leitura de jornal. É óbvio que se trata de uma falácia. Na verdade, os estudantes não veem a leitura desse periódico como algo importante no seu cotidiano. É mais relevante se preocupar, por exemplo, em ser bem-sucedido numa prova do que usar jornais como fonte de informação e como meio de construir intimidade com o texto jornalístico.

Essa realidade apresenta um aspecto bastante negativo, uma vez que os alunos ficam com deficiências na formação e não aprimoram os próprios textos. A leitura frequente de jornais e de outros periódicos auxilia o estudante a perceber características da práxis jornalística e também a não perpetuar padrões textuais inadequados, comumente identificados em textos dos recém-egressos das faculdades.

Contudo, a iniciativa de colocar essa simples prática — a de ler jornais — no dia a dia só pode partir do próprio estudante. Através dela, os futuros profissionais de imprensa vão adquirir o domínio da redação jornalística. Afinal de contas, o hábito faz o monge.

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O pagode desce, que desce, que desce?

O pagode da Bahia se afastou de suas raízes e se transformou numa música estranha até para os precursores do gênero
Gera Samba, que depois se tornou É o Tchan, foi o precursor do pagode na Bahia. Na foto, Débora Brasil, Beto Jamaica, Compadre Washington, Jacaré e Carla Perez. |Crédito: Divulgação
Do Gera Samba à Bronkka. Pode-se afirmar que essa é a linha evolutiva do pagode baiano. De 1994, quando o Gera Samba (que se tornou É o Tchan) estourou com o pout-pourri É o Tchan/Pau que Nasce Torto/Melô do Tchan até 2008, quando A Bronkka surgiu, muita coisa aconteceu no universo musical do gênero oriundo do samba do Recôncavo. Com as transformações, vieram as críticas em relação às letras, à postura de alguns cantores e ao caráter apelativo das bandas. O caminho que o ritmo vai trilhar de agora em diante é uma incógnita para todo mundo. A única certeza é a dúvida contida no seguinte questionamento: será que vai piorar?
Em entrevista concedida através do Facebook, o empresário Cal Adan, 50 anos, acha que não. Mentor de grupos como É o TchanCompanhia do PagodeGang do SambaCafuné, dentre outros, Cal acredita que a tendência será o aparecimento de grupos com a mesma identidade do Gera Samba, que apostava no samba de roda. “Atualmente, o pagode está muito percussivo. Eu não gosto. Sinto falta do cavaco e do pandeiro nas bandas. Os rumos apontam para uma volta do som feito pelo Gera Samba”, avalia. Adan contribuiu para a consolidação do gênero na Bahia e não imaginava que o ritmo fosse ganhar tamanha magnitude. Mas reconhece que há muita coisa de mau gosto nas bandas atuais. “O pagode está desgastadíssimo por causa das baixarias”, critica.

“Retomar a origem é o que vai fortalecer o ritmo”, acredita Caio Coutinho. | Crédito: Tairine Ceuta

O jornalista Caio Coutinho, 29 anos, ex-diretor do programa Universo Axé, da TV Aratu, também concorda no que diz respeito ao desgaste do ritmo. Em entrevista via Twitter, Caio afirmou: “O pagode atravessa um momento difícil. Uma imagem negativa vem sendo vinculada ao gênero por causa dos escândalos envolvendo alguns representantes. No entanto, acho que é uma fase e vai passar. O fortalecimento do ritmo virá com uma retomada da origem, um pagode divertido. Com duplo sentido, sim, mas não tão sexual nem vulgar”. Contudo, Coutinho vê pontos positivos na cena atual.  Para ele, bandas como É o Tchan, Harmonia do Samba e Psirico são bons exemplos de que investir em letras menos apelativas pode ser uma garantia de sucesso. “Edcity é um bom exemplo disso também. Ele faz uma música boa e consegue chegar a emissoras nacionais, como a Globo. Faz música de protesto, quando necessário, e fala de sexo de maneira amena. Igor Kannário é outro. Apesar de se envolver em escândalos, faz uma música em que o sexo não é o tema principal. Ele faz crítica social”, conclui.

Por outro lado, há quem não saiba para aonde o pagode vai. É o caso do vocalista do Terra SambaReinaldo Nascimento, 42 anos. Em entrevista para o Desde, ele foi enfático: “O capitalismo tirou a essência de verdade da nossa música. Não sei, realmente, qual será o futuro do pagode”. Fazendo uma paródia de um dos trechos do poema José, de Carlos Drummond de Andrade, fica a indagação: e agora, o pagode marcha para onde?

Observação: Esta matéria foi originalmente produzida para a disciplina Oficina de Jornalismo Digital, ministrada pela professora Suzana Barbosa, da Faculdade de Comunicação da UFBA.

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“Gosto de pagode. Acho gostoso como gênero”, afirma professor da UFBA

Paulo Miguez faz uma análise sensata do pagode baiano e afirma que o duplo sentido presente nas letras é oriundo de uma tradição do cancioneiro nacional
 
Paulo Miguez, professor da UFBA | Crédito: Lucas Seixas
Paulo Miguez tem 58 anos, é doutor em Comunicação e Culturas Contemporâneas, professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC) e do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal Bahia. O estudioso é referência quando o assunto é música baiana e o carnaval de Salvador. Nesta entrevista, ele se debruça sobre o pagode baiano e coloca as suas impressões acerca do gênero.

Desde Que Eu Me Entendo Por Gente: O que, em sua opinião, contribuiu para ascensão de grupos de pagode como o É o Tchan dentro do mercado brasileiro de música?

Paulo Miguez: Acho que a própria ambiência do carnaval explica isso, que é o lugar onde eles surgem e que vão aparecer para o Brasil e para o mundo. O sucesso do carnaval explica muito o sucesso desses grupos. No finalzinho dos anos 80, o carnaval baiano sofreu um processo de transformação, que ganhou musculatura no início dos anos 90. Logo na sequência, esses grupos de pagode explodem. Na verdade, eles já existiam. Sempre tivemos grupos de pagode e de samba aqui. O pagode, do ponto de vista musical, tem características interessantíssimas. Num certo sentido, ele me sugere a ideia de atualização do samba de roda, numa perspectiva mais eletrônico-aeróbica, porque incorpora os instrumentos eletrônicos e retrabalha toda a forma de dançar do samba, permitindo que essa coreografia mais tradicional seja contaminada pelos movimentos das academias de ginásticas.

DQEMEPG: O declínio veio por falta de manejo dos empresários ou por que esses grupos não atenderam mais às expectativas do público e do próprio mercado?

Crédito: Lucas Seixas

PM: Acho que a gente tem que qualificar melhor essa ideia de que eles entraram em decadência total. Os grupos de pagode podem ter desaparecido do topo da lista de mais vendidos da indústria fonográfica, mas continuam fazendo shows o tempo inteiro. Alguns nomes do pagode baiano continuam tendo lugar de algum destaque no carnaval. Esse pagode de agora, funkeado, que dialoga com outros gêneros, produziu, nos últimos anos, figuras muito interessantes na cena carnavalesca e no show business. Do ponto de vista das carreiras, boa parte desse pessoal que é reconhecido como grande nome da axé continua com a agenda lotada. Eles vendem, por exemplo, mais do que nomes consagrados da música brasileira. Não vendem mais sete milhões porque a indústria do disco não vende mais isso.

DQEMEPG: Os grupos É o Tchan, Terra Samba  e Nossa Juventude, por exemplo, que fizeram sucesso na década de 90, ficaram fora do circuito midiático e voltaram com certo apelo popular. O que explica isso?

PM: O que explica é que eles saem da grande mídia, deixam de ser a bola da vez, e vão ficar acomodados em nichos de consumo cultural que continuam celebrando-os como grandes estrelas. É evidente que quando eram “a bola da vez” a caixa registradora funcionava numa rapidez e numa magnitude maior. Eles podem não aparecer mais na mídia, mas não desaparecem do cardápio de show business Brasil afora.

DQEMEPG: O senhor gosta de pagode?

PM: Gosto! Claro! Adoro! Acho gostoso como gênero. Interessa-me o seu viés como festa carnavalesca baiana.

DQEMEPG: Hoje em dia, a gente vê muitas críticas em relação às letras do pagode. A qualidade nas letras piorou ou não dá nem para mensurar?

Crédito: Lucas Seixas

PM: Piorou em relação ao quê? Fala-se muito que atualmente há críticas em relação a isso, mas sempre teve muita crítica, com teor muito semelhante. As pessoas, às vezes, não se dão contam da bobagem que estão falando quando comparam as letras de agora com as de antigamente. Querem comparar com o quê? Com as marchinhas carnavalescas, por exemplo? Não vejo que sentido de grandeza poética elas tinham. Até porque a intenção, quando se escreve uma letra para um samba que vai tocar na rua ou uma marchinha que vai nos animar no carnaval, é fazer a festa. A gente sempre teve uma longa tradição da canção com sátira, com duplo sentido. Não é uma coisa estranha e não foi inventado pelo pagode. O jeito de dançar, as letras, tudo sempre foi objeto de muita crítica entre os setores, digamos, mais letrados e intelectualizados. Eu não alinho com eles, não. Adoro a molecagem pagode. Adoro o ritmo. Acho bacanérrimo.

DQEMEPG: O pagode baiano é um fenômeno da indústria cultural que é pouco estudado na academia. Nesse sentido, as universidades têm preconceito com o pagode?

PM: Eu diria que não necessariamente com o pagode. Mas, dependendo do lugar da universidade, você vai ver que tem temas que não são, exatamente, os temas mais bem acolhidos. Eu, por exemplo, tive alguma resistência quando, no mestrado em administração, quis estudar o carnaval; porque carnaval é coisa para antropólogo estudar. No máximo, sociólogo ou historiador. Então, algumas das áreas das universidades delimitam um repertório de temas que são eleitos como bons e outros passam a ser temas menores. Essa é uma razão. A outra é quando alguém diz que este é um tema que não pode ser estudado pela universidade, que não tem a dignidade para se transformar em objeto de estudo. Aí é que eu acho complicado. Mas isso também não é incomum, não. Essa coisa do tema maldito, do tema mais difícil de ser absorvido como objeto de estudo, é bastante frequente.

Observação: Esta entrevista foi originalmente produzida para a disciplina Oficina de Jornalismo Digital, ministrada pela professora Suzana Barbosa, da Faculdade de Comunicação da UFBA.

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Terra Samba: o pagode na ótica de quem faz

Reinaldo Nascimento e Mário Ornellas fazem uma análise do pagode baiano e falam sobre o período em que estavam no auge 
 
Reinaldo Nascimento e Mário Ornellas, líderes do Terra Samba. | Crédito: Raulino Júnior
 
O grupo Terra Samba nasceu em 1991, no Engenho Velho da Federação, em Salvador. Ganhou expressiva notoriedade em 1998, com o lançamento do CD Ao Vivo e a Cores (Som Livre), gravado em Belo Horizonte, com mais de 2 milhões de cópias vendidas. Em 2009, Reinaldo Nascimento, 42, saiu do grupo e foi substituído por Mano Moreno, ex-Braga Boys. Porém, o Terra, como é carinhosamente chamado, não teve os mesmos méritos. Reinaldo reassumiu os vocais da banda em 2011 e, junto com o percussionista Mário Ornellas, 48, conversa com o Desde.
 
Desde Que Eu Me Entendo Por Gente: O Terra Samba se intitula como uma banda de pagode? Pergunto isso porque, pela discografia da banda, a gente vê regravações de Cazuza, Cidade Negra, Cássia Eller…
 
 

Reinaldo Nascimento: O Terra Samba é world music. Tem o nome de Terra Samba, mas não ficou preso ao samba. Gravamos samba-reggae, merengue, salsa, misturamos as células. O Terra Samba é assim: tem a célula básica dele, que é o samba, mas a partir disso a gente viaja na música.

 

Mário Ornellas: Nós não nos prendemos a ritmo nenhum. Já gravamos samba em inglês. E, há pouco tempo, gravamos em italiano. A gente tem essa característica de misturar tudo.

 

DQEMEPG: Vocês tiveram ascensão muito grande na década de 90, inclusive chegaram a apresentar o Planeta Xuxa em 1998, quando a apresentadora estava em licença-maternidade. Com a saída de Reinaldo do grupo, houve uma baixa e agora vocês estão de volta, com certa repercussão e apelo popular. O que mudou nesse intervalo, mercadologicamente falando?

 

RN: O samba da nossa linha, voltado para o samba-reggae e para o samba de roda, não existiu nesse intervalo. De lá pra cá, não nasceram grupos como o Terra Samba nem como o É o Tchan. Nós tivemos que voltar para mostrar uma ideologia musical. As coisas se misturaram muito. Misturaram funk com o samba e o sertanejo. Tudo foi se misturando pela falta do samba raiz da Bahia. E isso é natural. A luta pela sobrevivência vai gerando essa nova condição musical. Eu vou condenar? O mercado gerou essa outra forma de fazer suingueira, o chamado groove arrastado. É a evolução musical mesmo que gera isso. Tem gente que faz uma música excelente, tem outros que apelam para outro sentido. E aí a música vai.

 

DQEMEPG: Vocês tiveram muita notoriedade na década de 90. Hoje, os holofotes não estão mais voltados para a banda. O que aconteceu? A fórmula desgastou?

 

MO: Antes, tinha uma coisa muito importante: as gravadoras olhavam para a música baiana e para o samba, o que nos ajudava a fazer uma penetração no eixo Rio-São Paulo e, consequentemente, na mídia. Isso já não tem mais, o que dificulta muito. E também tivemos uma sorte muito grande, porque um grupo foi surgindo atrás do outro. Primeiro, veio o É o Tchan; depois, a gente, a Companhia do Pagode, o Harmonia do Samba, entre outros. Isso nos ajudou.

 

RN: Isso foi uma das coisas, mas fazendo uma autocrítica, acho que a música tem que se renovar, tem que encontrar novos caminhos. Acho que é importante sempre pesquisar, porque a música está sempre em mutação. Eu saí do grupo também, a gente sofreu uma separação. Nessa transformação do mercado, tudo isso, de certa forma, enfraqueceu. Agora, a gente está no reinício, colocando tijolo por tijolo nessa casa para poder retornar no cenário musical.

 

DQEMEPG: O que vocês acham do atual momento da música baiana? Quando falo de música baiana, me refiro a todo o tipo de som produzido aqui, não só o axé music.  Nesse sentido, quero que vocês falem detidamente sobre o pagode.

 

RN: A música feita nos carnavais de dez, 15 anos atrás, era muito melhor do que a que se faz hoje. Nunca mais se teve uma Prefixo de Verãonem uma Milla. O carnaval virou uma festa de objetivos financeiros e perdeu um pouco a arte carnavalesca, a criatividade. O carnaval popular não existe. Hoje, a moda é o carnaval dos camarotes, para uma elite. Tudo isso, de certa forma, transformou o carnaval numa coisa diferente. A música, em si, acaba se tornando a última prioridade. Quanto ao novo cenário do pagode, não gosto nem de comentar, porque são meninos que estão chegando agora. Eles têm uma linguagem do gueto. Outro dia, eu recebi o Igor Kannário num projeto paralelo. Ele cantou as músicas do gueto e eu achei interessante. Algumas coisas são muito legais, outras são desnecessárias. Mas não quero condenar ninguém. Quando os governantes passam a proibir uma determinada música, é porque ela está causando problema. Nós não seguimos essa linha. Fazemos outro tipo de música.

 

MO: É um tipo de música que a gente não faria.

 

DQEMEPG: Quais estratégias vocês utilizam para não ser somente mais uma banda de pagode da Bahia?

 

RN: É o critério, não é? A gente já deixou de gravar coisa que sabia que ia tocar na Bahia, que ia ser sucesso, mas não tinha a identidade do Terra Samba. Nós já erramos em determinadas músicas, mas agora queremos ser mais criteriosos.

 

DQEMEPG: Fazendo um exercício de profecia, para aonde vai o pagode baiano?

 

RN: O capitalismo está imperando na música baiana. Hoje, se fabricam as bandas. Tem artistas que surgem que eu nunca vi na minha vida. Antes, a gente via os artistas ralando. Saulo é um bom exemplo disso. Veio da Chica Fé, passou pela Banda Eva e hoje está aí. E é fantástico. O capitalismo tirou a essência da verdade da nossa música. Sobre o futuro, eu não sei.

 
 
 

Observação: Esta entrevista foi originalmente produzida para a disciplinaOficina de Jornalismo Digital, ministrada pela professora Suzana Barbosa, da Faculdade de Comunicação da UFBA.

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Eles querem ser o Jacaré

Dançarinos da Bahia sonham em conquistar vaga deixada por Jacaré no É o Tchan

“Amo a dança e o Tchan”, confessa Henrique Benn | Crédito: David Guerrieri

Bastou um famoso site de entretenimento publicar a notícia de que o É o Tchan estaria de “novo moreno” (foi essa a expressão usada pelo jornalista Adan Nascimento, que assinou o texto), para o burburinho nas redes sociais começar. Alguns internautas parabenizavam a banda por ter, supostamente, voltado às origens, com o trio de dançarinos. Outros condenavam a atitude e questionavam o motivo pelo qual o grupo não havia selecionado o profissional através de concurso, fórmula comum e desgastada que imperou no Brasil na década de 90 e no início dos anos 2000. Aí, o pagode estava feito.

Se antigamente o foco das atenções era pela vaga das mulheres (a morena e a loira) no grupo, hoje, a coisa mudou e muitos homens anseiam o lugar que um dia foi de Edson Cardoso, o Jacaré. A formação atual do É o Tchan conta com os veteranos Beto Jamaica e Compadre Washington, além das novas dançarinas Joyce Mattos e Elisângela Pereira, que foram escolhidas sem concurso. Jacaré, coreógrafo oficial do grupo na época em que dançava, ficou no É o Tchan durante 12 anos. Em 2006, saiu para seguir a carreira de ator. A partir daí, a esperança de uma possível seleção ficou na cabeça de muitos rapazes. A exemplo do dançarino profissional Henrique Benn, de 29 anos, morador do bairro de Mata Escura, na periferia de Salvador. Henrique dança desde os 13, já fez parte do balé de Nara Costa e no carnaval deste ano dançou com o Terra Samba. O baiano acalenta o sonho de entrar para a “família”, como ele chama, É o Tchan: “Se o Tchan fizesse concurso, eu me inscreveria, sim. Amo a banda e amo dançar. O sonho de qualquer dançarino é fazer parte do É o Tchan”, confessa. Henrique, porém, faz uma ressalva e critica a postura de Cal Adan, empresário-mor do É o Tchan, pelo fato de ele não colocar mais dançarino na banda. “Ele não sabe o erro que está cometendo. O Tchan deveria ter sempre a formação com três dançarinos. Mas Cal não dá oportunidade pra gente”, reclama.
Em entrevista concedida através do Twitter, o ex-dançarino Jacaré, de 40 anos, afirmou que o fato de o É o Tchan voltar a ter um dançarino depende, unicamente, dos atuais interesses do grupo. “Se hoje o grupo quer voltar a ter duas meninas e um menino, por que não? Deu certo no passado e pode dar agora também. Isso vai do interesse do próprio grupo”, pontuou.

Jacaré, entre Carla Perez e Scheila Carvalho, durante a gravação do DVD de 10 anos do É o Tchan, em 2004 | Crédito: Divulgação

Fábio Santana já faz parte de um grupo de dança, mas sonha em dançar no É o Tchan | Crédito: Jaqueline Belo

Quem está doido para que o interesse do grupo seja esse é o baiano Fábio Santana, de 30 anos. Morador de Castro Alves, cidade que fica localizada a 187 km de Salvador, Fábio é coreógrafo e integrante do grupo de dança Pankadão Baiano, que atua há sete anos no município e que já se apresentou em alguns programas de TV, como o Bom D+ com Scheila Carvalho, da TV Itapoan (Record Bahia). Ele dança desde os 13 e diz que o É o Tchan serviu de estímulo para isso. “Sou fã do Tchan desde os 13 anos. Comecei a dançar por causa do grupo. Se tivesse concurso, eu participaria porque tenho um amor muito grande pelo É o Tchan. Seria também uma forma de fortalecer o meu grupo de dança, pois, caso fosse o vencedor, ia tentar conciliar o Tchan com o Pankadão”, fala esperançoso. O dançarino já atuou na banda de forró Selo de Amor e no Compressão, grupo de pagode de Castro Alves.

Contudo, os candidatos à vaga de Jacaré vão ter que esperar mais um pouco, uma vez que a produção do É o Tchan descarta a possibilidade de realização de concurso para tal fim. “O caminho agora é outro”, afirma Cal Adan, 50 anos, dando fim às especulações. Depois do burburinho, o grupo postou uma nota em sua página oficial do Facebook desmentindo a contratação de um novo dançarino. Mas, como no mundo artístico tudo pode acontecer, a esperança é a última que morre mesmo.
Nota oficial publicada pelo É o Tchan, em 4 de março de 2013, no Facebook :
Data de captura da imagem: 11 de março de 2013

Observação: os depoimentos dos dançarinos foram obtidos através de troca de mensagens no Facebook.

Observação 2: Esta matéria foi originalmente produzida para a disciplina Oficina de Jornalismo Digital, ministrada pela professora Suzana Barbosa, da Faculdade de Comunicação da UFBA.

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O jornaleiro cabe no jornal?

Atuando em banca de jornais e revistas ou sob o sol, jornaleiros de Salvador se mostram insatisfeitos com atuais condições de trabalho
Florival Santos, da Banca King’s, localizada no Largo do Campo Grande, em Salvador. Foto: Raulino Júnior
Se alguém perguntasse a você se os jornaleiros participam da atividade jornalística, qual seria a sua resposta? Pois é, muita gente pode até não estar atenta para isso, mas os jornaleiros, assim como os jornalistas, têm importante papel dentro do processo de disseminação de notícias. Esses profissionais fazem parte da cadeia de circulação de jornais e revistas. São eles que fazem a informação chegar, literalmente, até os cidadãos.
Os jornaleiros estão sempre à disposição de pessoas ávidas por notícias e informações. Eles trabalham, em média, de cinco a 15 horas por dia, a depender da categoria. Caso sejam jornaleiros ambulantes (também conhecidos como gazeteiros), a média é de cinco horas de trabalho. Atuando como donos de bancas, a carga horária pode chegar até a 15 horas. E é um esforço que, atualmente, segundo afirmam, não tem valido a pena. “O que está salvando banca de revistas são recargas de celular, balas, refrigerantes e água; revistas e jornais têm vendido muito pouco”, desabafa Florival Santos, 40 anos, dono da Banca King’s, localizada no Largo do Campo Grande, em Salvador.
Florival Santos, da Banca King’s: “Revistas e jornais têm
vendido muito pouco”. Foto: Raulino Júnior
Na profissão há 15 anos, Florival diz que a queda nas vendas de periódicos das bancas se deu, principalmente, por causa da concorrência com supermercados, farmácias e internet. De fato, com o advento das novas tecnologias e com as vendas em outros pontos fixos, fica difícil atrair leitores diante de tantas alternativas. Atualmente, além de poder ler jornais pela web, as pessoas têm as informações na palma da mão, através de celulares, smartphones e tablets.
O Sindicato dos Jornaleiros da Bahia corrobora o que foi dito por Florival. De acordo com o presidente da entidade, Walter Ferreira, 69 anos, a grande dificuldade é a falta do pagamento sindical por parte de supermercados e farmácias. “Esses segmentos passaram a receber registro de jornais sem nenhum compromisso com a atividade do jornaleiro, que tem reconhecimento”, lamenta.
Walter Ferreira, presidente do Sindicato dos Jornaleiros da
Bahia. Foto:  Raulino  Júnior
Para Florival, a ação (ou inação) do Sindicato dos Jornaleiros contribui bastante para que a classe não tenha tanta força. “Acho que a atuação do sindicato fica a muito a desejar. Em época de carnaval, por exemplo, eu tenho sempre que mudar a banca de lugar, ir para o Teatro Castro Alves. Solicito a ajuda da entidade e nunca obtenho resposta favorável. Além disso, os jornaleiros não são unidos. Greve de ônibus todo mundo para; de jornaleiro, não”.
Jornaleiros ambulantes – A realidade dos jornaleiros ambulantes é ainda mais cruel. Embora trabalhem cerca de quatro a cinco horas por dia, eles ficam expostos ao sol e não recebem nenhum equipamento de proteção individual, como protetor solar e sapatos. Segundo Adilson Magalhães, 38 anos, responsável pelo setor de circulação do jornal A Tarde, os gazeteiros que trabalham para a empresa recebem fardamento e lanche. Contudo, a farda se resume a uma camiseta com a logomarca do impresso. Quando se coloca em pauta o aspecto salarial, a situação é ainda pior: os gazeteiros recebem 25% em cima da vendagem do dia. “No A Tarde, além da comissão, os profissionais têm uma bolsa, referente ao volume de venda”, afirma Adilson.
Desde procurou o jornal Correio a fim de saber sobre a política de gestão da empresa com os jornaleiros e, depois de muitas tentativas, Welter Arduini, gestor de vendas da área de Mercado Leitor do periódico, deu informações evasivas. De acordo com Welter, os gazeteiros do Correio são contratados por empresas terceirizadas e o jornal acompanha, apenas, o desempenho de vendas. Nesse sentido, ele disse que não sabe informar como ocorre o pagamento do pessoal, bem como sobre as condições de trabalho.
Ao sair às ruas para entrevistar os gazeteiros, o Desde teve dificuldade de encontrar um profissional disposto a conversar. “Estou trabalhando, não tem como parar”, disse um; “Agora não posso”, desculpou-se outro. Depois de dias de procura, o blogue encontrou uma gazeteira que não teve resistência em falar da própria atividade profissional: Karla*, 57 anos, que trabalha pelo A Tarde há cinco, criticou as condições de trabalho oferecidas e mostrou insatisfação no que diz respeito ao salário. “Nós só recebemos o lanche — iogurte com biscoito — no final da jornada (que começa às 5h), por volta das 10h. Além disso, ganho, apenas, R$ 0,15 a cada jornal vendido. No final do mês, embolso cerca de R$ 200 a R$ 300, a depender da vendagem. Mas nem sempre eu vendo todos os jornais”, conclui. Para incrementar o orçamento, ela trabalha também como diarista e divide as contas de casa com o marido, que é pedreiro. “Ainda bem que os meus dois filhos já estão casados”, fala com alívio. Ela trabalha como gazeteira num dos pontos mais movimentados da capital baiana e pretende, no futuro, abrir o próprio negócio. “Alguma coisa que ganhe dinheiro, na área de vendas também”, planeja.
* O pseudônimo foi usado para proteger a identidade da gazeteira.
Observação: Esta matéria foi originalmente produzida para a disciplina Oficina de Jornalismo Digital, ministrada pela professora Suzana Barbosa, da Faculdade de Comunicação da UFBA.
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Discriminação, Entrevista, Jornalismo, Negritude, Negro, Preconceito, Racismo

ESTUDIOSOS DISCUTEM QUESTÕES LIGADAS À NEGRITUDE

 
Sabrina Gledhill e Jaime Nascimento

|Educação Os professores Sabrina Gledhill e Jaime Nascimento concederam entrevista exclusiva para o Desde que eu me entendo por gente. Na ocasião, eles falaram sobre negritude, preconceito e discriminação. A inglesa Sabrina Gledhill, 55 anos, é bacharel em Letras Inglesas e mestre em Estudos Latinoamericanos. Radicada na Bahia desde 1986, realiza pesquisas históricas e antropológicas. Jaime Nascimento tem 40 anos, é bacharel em História pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL) e mestrando em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
 
Desde que eu me entendo por gente: Negritude é algo que vai muito além da cor da pele? Por quê?
 
Sabrina Gledhill: É uma pergunta que, realmente, eu teria que pensar muito para responder, mas claro que negritude é uma filosofia. É uma questão de amor próprio, de visão de cultura, de história, de ancestralidade. Eu acho que têm muitas pessoas que são consideradas negras e que não têm negritude, no sentido de ter orgulho da cultura dos seus ancestrais negros. Aqui no Brasil se diz que todo mundo tem ancestralidade tripla, mas a ênfase é mais nos europeus. A parte indígena nem se fala. Existem muitos preconceitos e muita falta de informação sobre a África. Algumas pessoas acham até que a África é um país.
 
Jaime Nascimento: Sim. Isso pode ser mais ligado à questão do pertencimento, das pessoas se perceberem como negras ou não. Por exemplo, o nosso Rei do Futebol tem esse entendimento? Alguma vez ele se declarou? Eu não estou falando de ser militante, de carregar bandeira, não; mas de colocar “minha posição é essa”. Infelizmente, tem um monte de gente que não é negra; mas, felizmente, tem muita gente que é. Inclusive, não sendo fenotipicamente negra, mas considerando-se como tal. É questão de pertencimento, de percepção individual de cada um.
 
DQEMEPG: Muita gente costuma confundir preconceito e discriminação. Para esclarecer, diferencie cada conceito.
 
SG: Preconceito é uma questão muito pessoal. Discriminação é o que se faz no dia a dia para oprimir e excluir pessoas. O preconceito é a base de tudo isso. É uma coisa que, infelizmente, as pessoas aprendem no berço e com a televisão. Pode ser até inconsciente. O preconceito fere, mas é a discriminação que realmente perpetua as desigualdades.
 
JN: O preconceito é a sua opinião, positiva ou negativa, em relação à determinada coisa. A discriminação é a sua ação em função disso. Inclusive, o que a lei proíbe é a discriminação. Você não pode tratar as pessoas de forma diferente em função de uma característica física, psicológica, religiosa, sexual, o que for. A não ser que seja uma coisa da própria lei que vise, justamente, a promoção da igualdade. É o que se chama de discriminação positiva. O contrário não pode ser feito: discriminar prejudicando. Ninguém pode fazer isso e se fizer está passível de cumprir as penas que a lei impõe. A diferença básica é essa: a discriminação é a ação em função do preconceito.

# As péssimas fotos foram feitas por Raulino Júnior. Locação: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB).

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