Cultura, Gramática, Jornalismo Cultural, Língua Portuguesa, Leitura, Literatura

Carta aberta aos organizadores da 9ª edição da Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica)

Imagem: captura de tela do site oficial da Flica

Salvador, Bahia, 26 de setembro de 2019
Prezados organizadores,
Escrevo esta carta no intuito de convidá-los a refletir criticamente sobre o nome dado a uma das mesas da edição de 2019 da Flica. Sou professor de Língua Portuguesa e Redação no Colégio Estadual Mário Augusto Teixeira de Freitas e, como tal, interessado em atividades que têm como principal objetivo estimular a prática da leitura. Obviamente, sempre tento criar situações de leitura e escrita em sala de aula, fora dela também. Assim que soube do lançamento da Flica deste ano, corri para o site a fim de conferir a programação. Confesso que fui surpreendido negativamente ao me deparar com o nome da mesa 03, intitulada A leitura não precisa ser essa coisa chata, que terá a participação de Thalita Rebouças e Saulo Dourado, com mediação de Ronaldo Jacobina. Uma mesa com essa temática, no evento literário mais importante do estado, corrobora o discurso muito presente entre alguns educandos, de que a leitura é chata. Sendo assim, penso o quanto que os esforços feitos cotidianamente no ambiente escolar, por mim e por outros professores, para estimular a leitura, vão para o beleléu quando isso é reforçado, mesmo sem intenção, por um evento da relevância e grandiosidade da Festa Literária Internacional de Cachoeira. O título da mesa reforça a ideia que muitos estudantes têm, e parte da sociedade, de que ler é chato. Então, todos os esforços para desconstruir esse estereótipo, na minha opinião, ficam comprometidos. É com se, de fato, ler fosse chato, mas que não precisa ser tanto. Como vocês trabalham com um evento de literatura, certamente, devem acompanhar pesquisas e iniciativas de institutos que levantam dados sobre hábitos de leitura dos brasileiros. A 4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, desenvolvida pelo Instituto Pró-Livro, que considera como “leitor” aquele que leu pelo menos um livro (inteiro ou em partes) nos últimos três meses, revelou que o brasileiro lê, em média, 2, 43 livros por ano. Sei que a Flica quer mobilizar também outras experiências culturais nos participantes, mas, tenho certeza, de que o estímulo à leitura é o que fundamenta a razão de ser do evento. O nome da mesa que critico traz um equívoco semântico que é lamentável. O não-dito do título, tomando como empréstimo um dispositivo da Análise do Discurso, fala mais do que aquilo que é dito. É preciso que seja revisto. Nesse sentido, gostaria de pedir para que vocês levassem em consideração isso que aponto como equívoco. A minha intenção é, apenas, fazer uma contribuição mesmo, para buscar a melhoria. Inclusive, postei alguns comentários nas redes sociais digitais da Flica, falando sobre o assunto que abordo nesta carta, e, no Facebook, o internauta Leandro Queiroz deu uma ótima sugestão de mudança para o nome da mesa, que eu espero que vocês acatem. Reproduzo na captura de tela abaixo.
Vou aguardar a resposta de vocês.
Atenciosamente,
Compositor, professor, jornalista e produtor cultural 
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Em outubro, Salvador recebe curso e lançamento de livro sobre Dorival Caymmi

A obra e o curso têm como foco a relação do cancioneiro e da vida de Dorival com questões raciais

Imagem: divulgação

Há 11 anos, o Brasil perdeu um dos artistas mais importantes da cultura nacional: Dorival Caymmi. Aquele 16 de agosto de 2008 ficou mais triste com a partida de Dorival, aos 94 anos, vítima de um câncer. Como a obra artística serve, entre outras coisas, para imortalizar os seus criadores, com Dorival não seria diferente. Tanto que o interesse pelo seu cancioneiro permanece vivo e contribuindo para que ele se mantenha presente e conhecido pelas novas gerações. Uma ação nesse sentido é o curso Dorival Caymmi: canções, imagens e histórias de um Buda Nagô, que será realizado em Salvador, nos dias 15, 17, 18 (das 18h30 às 21h30) e 19 (das 14h às 17h) de outubro, na Aliança Francesa, que fica na Ladeira da Barra (Avenida Sete de Setembro). O historiador Vítor Queiroz, professor e responsável pelo curso, pretende refletir sobre experiências raciais no Brasil através da vida e da obra de Caymmi. “O objetivo do curso é refletir sobre Dorival, informar sobre Dorival, conhecer sobre o trabalho dele e também refletir sobre experiências raciais  no Brasil a partir desse ângulo. Que ângulo Dorival pode nos colocar para compreendermos essas questões? O que é que a gente pode ver e ouvir através dele e também o que a gente pode aprender com Dorival? O curso vai ser um passeio muito divertido sobre as canções, a gente vai passar pelas as amizades, por todas as pessoas, desde Jorge AmadoCarybéVerger, assim como outras pessoas que levaram adiante essa figura pública. Ou seja, seus regravadores, seus familiares, Gilberto GilCaetano Veloso, enfim, uma série de pessoas que retrabalharam essa figura e recolocaram essa figura”, explica. Os interessados em participar da atividade deverão fazer o investimento de R$ 190, que corresponde ao total de 12 horas de aula. Também será possível fazer aulas avulsas, pagando R$ 60 por dia. Para fazer a inscrição, basta entrar em contato pelo telefone/WhatsApp (71) 99123-9050. As aulas serão ministradas de acordo com cronograma a seguir:
Aula 1 (15/10) – O gênio da raça: imagens de Dorival Caymmi, experiências raciais na velha São Salvador em torno do álbum “Caymmi”, de 1972;
Aula 2  (17/10) – A conquista do Rio de Janeiro: o velho compositor, o início da carreira de Caymmi, críticas, linhagens e homenagens;
Aula 3 (18/10) – Os patriarcas da baianidade: identidade baiana e candomblé: Jorge Amado, Caymmi Pierre Verger e Carybé;
Aula 4 (19/10) – Canções praieiras: estética caymmiana, aprendizagens e influências: canções como fontes e objetos de estudo.
Lançamento de livro
Dias antes do curso (4 de outubro, às 18h30, na Aliança Francesa), os soteropolitanos vão poder conferir o lançamento do livro Dorival Caymmi – A pedra que ronca no meio do mar, de autoria de Vítor. A publicação é oriunda da tese dele, defendida em 2017, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas(IFCH/UNICAMP). O trabalho, intitulado A pedra que ronca no meio do mar: baianidade, silêncio e experiência racial na obra de Dorival Caymmi, foi orientado pela docente Heloísa Pontes e co-orientado por Luiz Gustavo Freitas Rossi. O livro será vendido por R$ 50.

Indagado sobre qual singularidade de Dorival descobriu na sua investigação, algo novo, para além do folclore, Vítor esclarece: “O livro foge de uma perspectiva folclórica, de certa forma. Na verdade, não é um livro de fofoca, não é uma biografia, não é um livro de causos curiosos. Outros trabalhos anteriores já fizeram isso. Fujo desses estereótipos e, por outro lado, analiso esses estereótipos. Então, a singularidade surpreendente de Dorival que eu mostro no livro é que pego a figura de Dorival para pensar sobre raça no Brasil, sobre questões raciais, experiências raciais ao longo do século 20. Eu analiso como Dorival, através de um monte de estereótipos, de um monte de seguidores, releituras de sua obra, e através da agência dele também, obviamente, lidou com essa série de estereótipos e expectativas raciais. O livro olha para Dorival querendo falar de questões raciais e olha para questões raciais falando de Dorival. São as duas coisas juntas e indissociáveis. A singularidade é como ele alinhavou tudo isso com, primeiro, uma maestria muito grande, o que explica o sucesso dele. Na verdade, a pesquisa começa daí. Como ele manteve o sucesso durante quase 70 anos de carreira? Grande parte da resposta é exatamente isso, como ele lidou com esse jogo de expectativas e ambiguidades que formam a figura dele, que formam a figura pública dele, como ele lidou de um jeito magistral. E também como ele lida com tudo isso a partir de uma posição silenciosa. Então, na verdade, a singularidade dele é essa. Como é que uma pessoa lidou com essas questões de uma maneira muito sutil, muito delicada e muito sábia, muito sagaz”.

 Vítor Queiroz

Foto: reprodução do site da Uniccamp

Além de historiador, o soteropolitano Vítor Queiroz é mestre em História Social da Cultura pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutor em Antropologia, também pela Unicamp. Em janeiro de 2018, Vítor ministrou o curso livre de Música Popular Brasileira, oferecido pelo Centro de Formação em Artes (CFA), da Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), em Salvador. Na ocasião, o Desde fez uma cobertura exclusiva e produziu a série de reportagensMúsica Popular Brasileira em Curso, que pode ser lida neste link: MPB em Curso.

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