Cultura, DEZde, Jornalismo Cultural, Texto de Quinta

A Bolha da Lacração: pessoas que usam “É sobre isso” e “Paz” como argumento e querem controlar como os outros administram as próprias redes sociais

  Se não for pra lacrar eu nem saio de casa/ Olha, aê/Olha, aê*

Por Raulino Júnior ||Texto de Quinta|| 
Este texto é um diálogo com um artigo de Djamila Ribeiro, publicado no site do jornal Folha de S. Paulo, em 4 de fevereiro de 2021, e intitulado Pessoas mimadas não respeitam quem veio antes em tempos de debates rasos. Nele, a filósofa, professora e escritora chama a atenção para a importância da escuta. Principalmente, o ato de escutar quem é mais velho ou mais experiente no assunto vida (ou quaisquer outros assuntos!). Djamila narra fatos de sua trajetória, mostrando como escutar foi importante para o seu crescimento e critica “uma galera mimada, que não respeita quem veio antes ou adere a um anti-intelectualismo absurdo que não passa das três linhas de Twitter”. No desfecho, traz, na minha opinião, a alma do artigo, quando diz: “Pessoas que não limpam os pés e pedem licença antes de entrar na casa dos outros; acreditam que um post de Instagram dá conta de responder a tudo. Pessoas com 20, 30 anos, e com todas as certezas do mundo, não escutam, agridem, se ofendem se é dito que precisam estudar. Que, sem ler ou conhecer os conceitos mobilizados para a escrita de um livro, julgam que dizer ‘esse livro é uma bosta’ é crítica. Ou que xingar a pessoa de ‘chata, boba e feia’ é argumento. Maldita doxa, diriam os gregos. É a morte do pensamento crítico, do respeito e da falta de humildade para ouvir uns puxões de orelha”.

Concordo com Djamila, embora ache que devemos ter cuidado para não tratar a questão com um viés maniqueísta, caindo no “é melhor”, “é pior”, “é bom”, “é mau”, mas tem, de fato, uma geração que reclama de tudo, que vive patrulhando a vida alheia, que nada está bom e que nada faz para mudar. O lugar dessa geração é o de reclamar. Só e somente só. Se sentem donos de todas as razões, apontam as bolhas e não percebem que eles próprios vivem na Bolha da Lacração. Se acham os maiorais no jardim das ilusões. Não erram! São os mais antenados! Perfeitos! Não têm defeitos! São um poço de simpatia! Sabem viver em comunidade e, quem não segue o padrão estabelecido por eles, é tachado de esquentado, problemático, pessoa que gosta de confusão. Rechaçam qualquer sinal de humanidade em humanos. Só a turma deles presta! Fingem ser do diálogo e progressistas, mas, a qualquer sinal de discordância ou de não atendimento às suas expectativas, cancelam tudo e todos. Inclusive, a cultura do cancelamento é o grande troféu de parte dessa geração, que não debate, não está aberta a debater (muitas vezes, por falta de argumento!) e, por isso, “cancelam”. É mais fácil, não é? É lacração pura!

É uma galera que, certamente, acha que inventou o mundo. O mundo surgiu quando eles nasceram. Nada existia antes. Em sua participação no podcast Podpax, no dia 29 de novembro de 2021, o cantor Pedro Mariano refletiu sobre isso, ao falar da postura das novas gerações no universo da música: “Eu falo sempre pra todas as novas gerações: mas de onde você quer chegar, aproveita a viagem, que a viagem é muito importante, mas não esqueça da onde ‘cê veio e não esqueça quem que deixou o bastão aqui pra você. Eu tenho repetido isso até um pouquinho demais, mas nunca é demais lembrar, que essa nova geração […], parece que o mundo aconteceu num estalo no dia seguinte que eles nasceram, né, que não tinha nada antes, que tudo que ‘tá aqui, ‘tava aqui já, não foi ninguém que fez, ninguém entregou isso aqui, essa parada pronta, entendeu? Se você usa um boné brilhante, ninguém teve a ideia antes, né. Tudo começou agora e eu sou um gênio porque eu inventei tudo. Isso é o lema da nova geração”. Concordo com Pedro. É um povo que acha que inventou a militância, por exemplo. Militância de todas as naturezas. Só a militância deles é a que vale. Ninguém mais milita! Só eles! Inauguraram isso. A militância surgiu com eles.

Em geral, pessoas que fazem graduação, mestrado e doutorado e, por isso, se acham acima de tudo e de todos. Que não têm apenas o rei na barriga, mas o Império todo, num esforço de se aproximar da arrogância de alguns docentes das universidades, que inoculam esse vírus a torto e a direito. É a turma que fala que quer botar o professor universitário no potinho, num puxa-saquismo de enojar qualquer cidadão que tem consciência do seu potencial, que abdica dessa postura para alcançar os seus objetivos. Pessoas que, numa estratégia de alimentar a própria mediocridade, silenciam os outros, não reconhecem a potencialidade alheia, não elogiam. Só criticam. São os bonecos Revoltadinhos da Estrela, que têm um discurso bem bonito de justiça social, mas, na primeira oportunidade, lideram conchavos e malandragens. O povo do “Para além…”, nos debates acadêmicos. Que vomita autores o tempo todo, porque essa é a demonstração máxima de sapiência nos corredores e salas de aula das instituições de ensino superior. E também nos simpósios, congressos e mesas redondas! No fundo, no fundo, pessoas vazias. Se a gente espreme, não cai nem suor. Imediatistas, querem tudo para agora. Não valorizam a caminhada. Iniciam projetos, alguns até superbacanas, mas, como a ação não atende às expectativas traçadas, encerram. Querem ser bem-sucedidos, mas não querem trabalho. Pessoas que acham bonito falar que fazem terapia, porque veem os personagens de suas séries e de suas novelas prediletas falando. Não têm noção do que isso implica, da importância desse tratamento para a saúde dos mais de 20 milhões de brasileiros que fazem consultas dessa natureza (de acordo com dados de uma pesquisa feita pelo Instituto FSB). Para essa bolha, “Eu faço terapia” é quase uma senha para o mundo deles, que são os mais descolados, os conscientes, os mais-mais, as pessoas que têm a solução para tudo no mundo.

A Lacração tem sempre uma diva, rebolativa ou não, para chamar de sua. Quando alguém não curte o que eles curtem, argumentam com o clichezaço propalado na internet: “Aceita que dói menos”. Aceitar o quê, criatura?! Oxe, oxe, oxe! Para aceitar, tem que fazer parte da nossa vida. Tem artistas que estão aí, fazendo o trabalho deles, e a gente não tem nem ideia do que eles estão realizando. Simplesmente porque a gente não acompanha a vida deles. Em outubro, continuando a minha estratégia de ler uma coisa mais leve sempre quando termino de fazer leituras mais densas, resolvi ler a biografia de uma dessas “divas” rebolativas com aspirações internacionais intergaláticas. Ao me deparar com a narrativa do autor, um jornalista que cobre o disse me disse de pessoas famosas, percebi que não sabia metade das coisas citadas. Não conhecia algumas músicas elencadas e classificadas como “hits”. Ficava entre o livro e os sites de busca na internet, para me familiarizar com os personagens citados. Isso não é problema da artista, mas, sim, meu. Como não a acompanhava, não sabia de nada. Então, não tinha como aceitar. Não se aceita aquilo que nem existe para você.

Uma característica comum aos integrantes da Bolha da Lacração é a covardia. Eles não falam nada PARA você, mas DE você. De preferência, em grupos de WhatsApp, onde todos falam para todos e não ultrapassam aquela bolha ilusória da justiça e do bem viver social. É chuva de prints o dia todo! “Olha o que Fulano postou!”, “Vocês viram isso?!”, “Menina, eu tô passada!”. Claro que inventam apelidos bem cruéis para se referir aos alvos de suas críticas! Essa é a geração que vive bradando aos quatros ventos na rede social do momento que quer mudança social. É sobre isso, sabe?!

“É sobre isso” e “Paz”: o máximo de argumentação

A Bolha da Lacração se acha tão original, tão fundadora de tudo, que, obviamente, não se percebe, mesmo quando vai na onda dos modismos de hoje em dia. A gente já está cansado de saber que a língua é viva mesmo, é dos falantes e quais, quais, quais. Isso é indiscutível. Contudo, tem expressões que as pessoas usam apenas porque todo mundo está usando. Elas não refletem sobre o uso. Nos anos 90, foi assim com “a nível de”. Será que o “é sobre isso” é o “a nível de” de agora? Pode ser. O fato é que essa geração que se acha a dona de todas as verdades usa tal expressão para argumentar tudo. Em tempos de objetividade, principalmente a exigida para bombar nas redes sociais digitais, é até compreensível, não é? “Paz” também faz parte do repertório, mas, digamos, está menos frequente nas telas. É sabido que quantidade não determina qualidade, mas argumentar com 13 (É sobre isso!) ou quatro (Paz!) caracteres, de fato, deve ser coisa de iluminados. Quando não se tem nada para falar, largam um “É sobre isso”, que quer dizer, absolutamente, nada. Eu acho fofo quando vem acompanhado do “sabe”: “É sobre isso, sabe?”. Fico imaginando alguém argumentando assim na redação do ENEM. O tema da edição de 2021 foi “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. Oxe! Tasca um “É sobre isso” e fica aliviado! 1000 pontos! Também pensei numa festa de camisa colorida reunindo essa galera da argumentação sintética: “É Sobre Isso Fest!”. Muito original! Ninguém criou algo parecido! Mais uma vez, eles vão inaugurar um filão. Inclusive, parte da Bolha da Lacração que lê este texto, porque eles não têm paciência para textos com mais de dez caracteres, vai desqualificá-lo. Vai dizer que é raso, sem argumento, que é clichê, que eu falo o que qualquer pessoa podia falar. Argumento, de verdade, é o “é sobre isso”, sabe? Paz.

Legisladores das redes sociais

A Bolha da Lacração também se acha no direito, porque eles podem tudo, de dar pitaco sobre como uma pessoa administra e se comporta nas redes sociais digitais. “Fulano posta demais”, “Beltrano não posta nada”, “Sicrano posta as mesmas coisas, em todos os lugares. Que saco!”. Pois é. A nossa liberdade é cerceada pelos lacradores de plantão. No jardim das ilusões em que eles se deitam em berço esplêndido, acham que podem controlar o que quiser, determinar o que pode e o que não pode ser feito. Certa vez, uma desavisada veio me dizer, por mensagem privada no Instagram, que eu não deveria ter feito um comentário (elogioso até!) num post do perfil de uma faculdade de comunicação que frequentei por seis anos. Tratava-se de uma publicação que informava sobre uma roda de conversa que discutiria racismo estrutural na cobertura jornalística. De acordo com “a dona da verdade”, eu não deveria parabenizar uma entidade por fazer algo que é obrigação. E o tom da mensagem era de carão. Imagina?! A sorte é que sou bem educado… Ela só desconsiderou a minha vontade de elogiar a iniciativa, porque quis fazê-lo e fiz. Sou dono da minha liberdade, não é? Inclusive, é bom frisar: eu tinha elogiado “a iniciativa”, não “a instituição”, o que é bem diferente. Mas poderia ter elogiado a instituição, se quisesse e se achasse pertinente. Além de sensatez, faltou à coleguinha (sim! Ela é jornalista, oriunda da mesma faculdade) capacidade de interpretação de texto. Os lacrativos são assim: acham que podem controlar tudo! Até os nossos comentários! Uma menina bem pretensiosa (como muita gente que frequenta e frequentou a referida faculdade!), que não acredita no conceito de antirracismo e que usa “escurecer”, em vez de “esclarecer”, achando, com isso, que milita pela causa negra mais do que todo mundo. Ô dó! Vai fazer carreira na militância…

Bizarro! (argumento 1)

É sobre isso! (argumento 2)

Paz! (argumento 3)

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*Karol K, em Lacrei.

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2021: Paulo Freire é 100!, Cultura, DESDEnhas, DEZde, Jornalismo Cultural, Resenha

“O ato de ler implica sempre percepção crítica”, Paulo Freire

    Educador reflete sobre leitura, formação de leitor e alfabetização em obra lançada em 1981

Imagem: reprodução do site da Cortez Editora

Por Raulino Júnior||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

A série 2021: Paulo Freire é 100! tem como objetivo fazer resenhas de algumas obras do educador pernambucano. Ela integra o Pacotão do DEZde, projeto que comemora os dez anos do blog. Hoje, vamos fazer reflexões relacionadas ao livro A Importância do Ato de Ler, cuja primeira edição foi publicada em 1981. Ler é uma prática fundamental para toda e qualquer pessoa que quer se emancipar. Quando pensamos no universo da educação, ela é (e deve ser!) prioritária. Principalmente, evidenciando que professores são profissionais que devem contribuir para o estímulo à leitura. Obviamente que, para isso, eles têm que ler.
De acordo com os dados da 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro, estamos perdendo leitores. Dos 213 milhões de brasileiros, 100 milhões leem. Ou seja, 52% da população. Houve uma queda de 4,6 milhões de leitores, entre 2015 e 2019, ano de referência da pesquisa. As crianças estão lendo mais, os adolescentes e adultos estão lendo menos. É importante ressaltar que a pesquisa considera leitor toda pessoa que leu, na íntegra ou parcialmente, pelo menos um livro  três meses antes de sua realização.
O livro de Paulo Freire é constituído de três artigos, que, como já vem no título da obra, se complementam, pois falam de leitura e de alfabetização. O texto do primeiro capítulo, que dá nome ao livro, foi escrito para ser lido, pois foi tema de uma palestra de Freire. Logo no início, o educador define o ato de ler: “… não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas […] se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente”, p. 9. Sendo assim, tudo pode ser lido e o que se lê no mundo se complementa na leitura da palavra.
Ao longo do texto, Paulo fala de sua formação como leitor, da sua experiência particular no universo da leitura: “Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-neqro; gravetos, o meu giz”, p. 11. Freire critica a lógica de quem acha que passar muitas leituras para os educandos, focando apenas na quantidade, é o caminho para fomentar a leitura. “Creio que muito de nossa insistência, enquanto professoras e professores, em que os estudantes ‘leiam’, num semestre, um sem-número de capítulos de livros, reside na compreensão errônea que às vezes temos do ato de ler. […] A insistência na quantidade de leituras sem o devido adentramento nos textos a serem compreendidos, e não mecanicamente memorizados, revela uma visão mágica da palavra escrita. Visão que urge ser superada. A mesma, ainda que encarnada desde outro ângulo, que se encontra, por exemplo, em quem escreve, quando identifica a possível qualidade de seu trabalho, ou não, com a quantidade de páginas escritas”, p. 12. Tudo que foi dito nesse trecho é posto em prática por muitas universidades, que fazem isso achando que a qualidade de ensino se dá dessa forma. Freire, como escreveu em 1981, discorda.
Durante a leitura do artigo, fica muito evidente a posição de Paulo Freire sobre o ato de ler. Para ele, é sempre uma oportunidade de se libertar, se emancipar e ter percepção crítica. Não é um ato isolado. Está sempre relacionado com as vivências de cada pessoa. A leitura de mundo vai ter ressonância na leitura da palavra. Isso é repetido com insistência no texto.
Ao falar de alfabetização, tema que explora com mais afinco no artigo seguinte, em que trata da alfabetização de adultos e bibliotecas populares, Freire reafirma que alfabetizar, para ele, é um ato político. “…me parece interessante reafirmar que sempre vi a alfabetização de adultos como um ato político e um ato de conhecimento, por isso mesmo, como um ato criador”, p. 14. Ele critica a memorização mecânica e, mais adiante, chama a atenção dos professores, exigindo que o discurso democrático que eles propalam vire, de fato, ação na prática. “Nem sempre, infelizmente, muitos de nós, educadoras e educadores que proclamamos uma opção democrática, temos uma prática em coerência com o nosso discurso avançado. Daí que o nosso discurso, incoerente com a nossa prática, vire puro palavreado”, p. 16.
No terceiro artigo, Paulo Freire fala sobre uma experiência de alfabetização de adultos desenvolvida por ele em São Tomé e Príncipe. Essa parte é um pouco maçante, mas vale destacar o que o educador traz sobre conhecimento, que é algo que todo mundo tem: “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa”., p. 39. Também é significativo o que ele diz sobre o processo de formação, que é contínuo: “Ninguém se forma realmente se não assume responsabilidades no ato de formar-se. O nosso povo não se forma na passividade, mas na ação sempre em unidade com o pensamento”, p. 49.
Ler, formar leitor e alfabetizar são atos políticos. Não podem ser implementados sem esse viés, na superficialidade. É isso que fica evidente quando se conclui a leitura da obra. O ato de ler nos leva além. Sempre.
Referência:
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo).

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Roupa: você repete?

Imagem: reprodução do blog Menos 1 Lixo

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Em dezembro do ano passado, uma famosa teve que explicar (isso mesmo!) por que seu filho repetiu uma roupa que já tinha usado numa outra noite de Natal. Eu pensei: gente, qual é o problema? Quem não repete? Oxe, oxe, oxe. Repetir roupa é natural e, além disso, uma atitude responsável. Ajuda na sustentabilidade do planeta e gera uma boa economia de dinheiro. Repetir roupa é o que há no mundo da moda! Inclusive, é considerado chique!

Claro que, sem ingenuidade, é sabido que o ato de repetir roupa pode causar um desconforto para quem repete. Isso no universo dos famosos fica mais evidente, porque há uma cobrança nesse sentido. Muita gente olha para figuras públicas e cobra atitudes desumanas até. Quem é famoso é gente como a gente, para ficar num clichê. Sendo assim, pode (e deve) repetir roupa. Essa cobrança por uma exclusividade no vestuário é própria de sociedades que se preocupam com coisas que não são importantes. Isso, na verdade, nem deveria ser uma questão.

Os brechós têm ajudado muito nessa consciência do reúso. Muita gente passa nesses locais a fim de adquirir peças que estão num bom estado e que têm identidade com aquilo que quer falar para o mundo. Porque moda é comunicação, não é? Brechó virou tendência. Sem contar que, muitas vezes, a repetição de roupa está atrelada a uma memória afetiva. A roupa ganha outro valor por causa da carga emocional que carrega. Então, a gente usa e abusa também para lembrar do quanto aquela peça significa para a gente.

Tem roupa minha que já vai sozinha para alguns lugares, de tanto que eu repito. E me orgulho de ter peças de 15, 20 anos no meu guarda-roupa, que uso e reúso. Simples assim. Quem repete roupa gasta menos dinheiro. Por exemplo, roupa de casamento, batizado e formatura tem diferença? Não, né? É só usar a mesma nessas ocasiões e ser feliz. A única mudança vai ser a da pose nas fotos.

Sigamos.

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“A Língua Portuguesa é cheia de Charme”

No Dia Nacional da Língua PortuguesaDesde entrevista professor gaúcho que difunde o idioma nas plataformas digitais

Thiago Charme: “Eu sou um defensor ferrenho das variantes da Língua”. Foto: autorretrato

Por Raulino Júnior 

É impossível ter contato com o professor, designer gráfico e escritor Thiago Charme e não brincar com o seu sobrenome, que, usando uma figura de linguagem muito comum na Língua Portuguesa, caiu como uma luva para ele. Inclusive, não foi por acaso que fizemos um trocadilho no título desta entrevista. Luis Thiago do Nascimento Charme tem 38 anos e é natural de Arroio dos Ratos, município do Rio Grande do Sul. Filho de Maria Cleusa do Nascimento Paiva e Gildo Ramires Charme (in memorian), ele é oriundo de uma família grande. Tem quatro irmãos cheios de Charme: RejaneVanderDaniela Willian. O sobrenome incomum é, ao que tudo indica, de origem francesa. “Na verdade, não é um erre ali no meio. O sobrenome mesmo, dos meus avós paternos, é Chalme, com ele”. De acordo com Thiago, há muitas variações do sobrenome. “Nós, irmãos, temos essa diferença também. Todo eles têm o esse no final, menos eu. Pra dizer a verdade, de todos os primos, parentes e tios de quem eu tenho notícia, de mais perto, o único que é realmente Charme sou eu”. O fato é que os Charmes não vieram ao mundo para seguir modelos e tradições. E Thiago personifica isso nas suas vivências e atitudes. Em 2009, quando começou a dar aula, já utilizava as tecnologias da informação e da comunicação como recurso pedagógico. Em 2011, isso se consolidou, participando de projetos de criação de canais de veideoaulas. Daí em diante, não parou mais. Em 2015, criou o TuboAulas. “Era um projeto que abrigava outros professores. Daqui e dali, as coisas foram mudando um pouco de visão. Não houve dedicação de alguns professores. A partir de 2019, comecei a pensar em algumas mudanças no meu formato. A primeira delas, voltar o meu material para Língua Portuguesa e Literatura, que sempre gostei bastante. Não queria que fosse um trabalho maçante, só focado em ENEM, porque o meu intuito sempre foi compartilhar conhecimento, democratizar o conhecimento”. No ano passado, em conversa com alguns amigos, um deles, Jean Azevedo, do canal Geografia com JeanGrafia, sugeriu um novo nome para o novo conceito do projeto: Português com Charme. No canal, Thiago promove processos de ensino e de aprendizagem de forma ampla, nada é à toa. Inclusive, as cores escolhidas para a arte da plataforma. “A cor amarela do canal foi quase que 100% inspirada no álbum AmarElo, de Emicida. Tanto a música quanto o álbum como um todo foi uma transformação para a minha vida. É como se eu estivesse ressurgindo de certa forma e me reconstruindo o tempo todo através de cada uma das músicas do álbum”, confidencia. Toda a identidade do canal foi pensada com a ajuda do namorado, Oliver Luys, que também é designer gráfico e empreendedor. Thiago é formado em Letras com habilitação em Língua Portuguesa, Inglesa e Respectivas Literaturas, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS); e em Publicidade, curso pós-médio que fez na Escola Técnica Estadual Irmão Pedro. Nesta entrevistONA especial, feita por WhatsApp e comemorativa pelo Dia Nacional da Língua PortuguesaThiago Charme diz o que faz para não se tornar uma gramática ambulante, reflete sobre preconceito linguístico, linguagem neutra e pretoguês. Ainda fala de sua relação com Salvador e com o baianês e diz por que a Língua Portuguesa é cheia de charme: “Eu amo todo esse conceito de jogar com as palavras. De trabalhar as palavras em todo o seu sentido”. Leia e fique à vontade.

Desde que eu me entendo por gente – Desde 2011, você usa o YouTube para promover processos de ensino e de aprendizagem na área de Linguagens e seus Códigos. Qual contrapartida tem do público que te acompanha?  

Desde – Qual limite você coloca para não se tornar uma gramática ambulante? Ou seja, como evitar ser um consultor de gramática durante todo o tempo e por todas as pessoas?

Desde – No Behance, você diz que decidiu fazer Letras porque queria se comunicar e escrever bem. O curso, por si só, te trouxe isso? Por quê?

Desde – No livro Preconceito LinguísticoMarcos Bagno faz críticas a profissionais de Letras que dão curso com o objetivo de ensinar a falar e escrever bem a Língua Portuguesa. De acordo com o linguista, isso acontece porque a sociedade elege uma variante da língua como sendo de prestígio. Qual é a sua opinião sobre isso?

Desde – Você é designer gráfico. Se a Língua Portuguesa fosse uma imagem, qual seria?

Desde – Entre abril e junho de 2019, você morou em Salvador. O baianês te encantou? Incorporou algumas expressões ao seu vocabulário?

Desde – Qual poema da Língua Portuguesa mais te comove? Por quê? Declame para os leitores e para as leitoras.

Desde – A Língua Portuguesa, além de ser matriz da nossa cultura, contribui para a nossa atuação política no mundo. A  linguagem neutra é um exemplo disso. Para você, a resistência ao uso dela terá longevidade ou não tem mais jeito?

Desde – O Pretoguês, conceito cunhado por Lélia Gonzalez para falar sobre a  marca de africanização do português falado no Brasil, é também um ato político, porque evita um silenciamento que insiste em prevalecer. Como você incorpora tal discussão na sua prática pedagógica?

Desde – A Língua Portuguesa é cheia de charme? Por quê?

Da Calma e do Silêncio, de Conceição Evaristo, por Thiago Charme

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Para Paulo Freire, reduzir professora à condição de tia é uma armadilha ideológica

   Em livro publicado em 1993, educador traça caminhos para uma prática pedagógica crítica

Por Raulino Júnior||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Dando continuidade à série 2021: Paulo Freire é 100!, que tem como objetivo fazer resenhas de algumas obras do educador pernambucano, o Desde aborda hoje as ideias contidas no livro Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar, publicado em 1993. A série integra o Pacotão do DEZde, projeto que comemora os dez anos do blog. Na primeira postagem, falamos de uma das cartas presentes no livro, por considerá-la bem importante para o debate sobre educação. Agora, vamos fazer uma reflexão do livro como um todo.
A obra traz um Paulo Freire professor, no sentido mais amplo da palavra. A todo tempo, a impressão é a de que ele está conversando com a gente, pegando na mão, nos guiando. Logo no início, ele justifica o provocativo título: “Recusar a identificação da figura do professor com a da tia não significa, de modo algum, diminuir ou menosprezar a figura da tia, da mesma forma como aceitar a identificação não traduz nenhuma valoração à lei. Significa, pelo contrário, retirar algo fundamental do professor: sua responsabilidade profissional de que faz parte a exigência política por sua formação permanente”, p. 9.
Freire critica a associação de professores e professoras com tios e tias. Para ele, isso  contribui para uma desvalorização profissional. “A tentativa de reduzir a professora à condição de tia é uma ‘inocente’ armadilha ideológica em que, tentando-se dar a ilusão de adocicar a vida da professora o que se tenta é amaciar a sua capacidade de luta ou entretê-la no exercício de tarefas fundamentais”, afirma na página 18.
Depois de uma longa introdução para debater o tema principal do livro, Paulo Freire apresenta aos leitores e às leitoras as dez cartas a quem ousa ensinar. Elas atuam como conselhos do mestre, mostrando o que deve e não deve ser feito na prática pedagógica. Em alguns trechos, reforça o que já tinha dito (“Quanto mais aceitamos ser tias e tios, tanto mais a sociedade estranha que façamos greve e exige que sejamos bem comportados”, p.33); em outros, dá lição de cidadania (“É preciso acompanharmos a atuação da pessoa em que votamos, não importa se para vereador, deputado estadual, federal, prefeito, senador, governador ou presidente; vigiar seus passos, gestos, decisões, declarações, votos, omissão, conivência com a desvergonha. Cobrar suas promessas, avaliá-los com rigor para neles de novo votar ou negar-lhes o nosso voto”, p. 34).
Numa das cartas, elenca as qualidades que, na opinião dele, todo professor deve ter para um melhor desempenho: humildade, amorosidade, coragem, tolerância, decisão, segurança, paciência, impaciência e alegria de viver. O livro tem frases daquelas que os educadores devem levar para a vida, como:
1) “A escola que é aventura, que marcha, que não tem medo do risco, por isso que recusa o imobilismo”, p. 42.
2) “Não há vida nem humana existência sem briga e sem conflito”, p. 42.
3) “Sem intervenção democrática do educador ou da educadora, não há educação progressista”, p. 53.
4) “… é bom admitir que somos todos seres humanos, por isso, inacabados. Não somos perfeitos e infalíveis”, p. 55.
5) “…coerência não é conivência”, p. 72.
6) “Sem limites a vida social seria impossível”, p. 73
7) “O professor deve ensinar. […]. Só que ensinar não é transmitir conhecimento”, p.79.

E tantas outras. No final do livro, ele segue assertivo: “Que o saber tem tudo a ver com o crescer, tem. Mas é preciso, absolutamente preciso, que o saber de minorias dominantes não proíba, não asfixie, não castre o crescer das imensas maiorias dominadas”, p. 84. Professora sim, tia não é uma obra política e, como tal, necessária.

Referência:
 
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Edições Loyola, 1997.

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Carta de Paulo Freire aos Professores alerta para o aprendizado mútuo e fala de formação permanente

  Ensinar é aprender, professor deve estudar sempre, ler é fundamental: ideais freireanos para quem ousa ensinar

Paulo Freire deixou um legado imensurável para a educação. Foto: reprodução do site Brasil de Fato

Por Raulino Júnior||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Hoje, o Desde dá início à série 2021: Paulo Freire é 100!, que tem como objetivo fazer resenhas de algumas obras do educador pernambucano, que, se estivesse vivo, completaria 100 anos neste 19 de setembro de 2021. A ação integra o Pacotão do DEZde, projeto que comemora os dez anos do blog. Íamos começar resenhando o livro Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar, publicado em 1993, mas a potência de uma das cartas presentes no livro é tão grande, que resolvemos falar dela isoladamente. Trata-se da primeira delas, conhecida como Carta de Paulo Freire aos Professores. Nela, o Patrono da Educação Brasileira dá dicas para professores e professoras e explora muitos dos seus ideais para educação. Para quem ousa ensinar, a leitura da carta é indispensável.

Logo no início do texto, Freire afirma: “…não existe ensinar sem aprender”, p. 19. E, assim, reflete sobre a importância de o professor estar aberto para aprender com o educando, de saber que todo mundo tem algo a ensinar e de ter a consciência de que o processo de ensino proporciona um aprendizado mútuo. A ideia de que o professor é quem sabe tudo e o estudante chega na escola ou nos espaços de produção de conhecimento sem saber nada é tão ultrapassada que não deveria nem ser mais pauta de debates. Infelizmente, ainda é necessário reafirmar. Por isso, Paulo Freire alerta: “O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente através da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer”, p. 19.

Nas linhas seguintes, Freire toca numa questão importantíssima, que sempre é debatida: a formação de professores. Tal formação deve ser contínua, para o professor não ensinar o que não sabe e mostrar competência na sua prática. O fato de aprender quando ensina não é prerrogativa para abdicar dos estudos. O recado do mestre é enfático: “O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe. A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. Sua experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer uma formação permanente do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de sua prática”, p. 19.

Para analisar criticamente a sua prática, o professor, além de se capacitar o tempo todo, deve colocar a leitura como prioridade na sua vida. Leitura de tudo. Leitura do mundo. Para Freire, “o ato de estudar implica sempre o de ler, mesmo que neste não se esgote. De ler o mundo, de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita. Mas ler não é puro entretenimento nem tampouco um exercício de memorização mecânica de certos trechos do texto”, p. 20. E arremata: “Estudar é desocultar, é ganhar a compreensão mais exata do objeto, é perceber suas relações com outros objetos. Implica que o estudioso, sujeito do estudo, se arrisque, se aventure, sem o que não cria nem recria”, p. 23. Ou seja, quem ousa ensinar deve ter a consciência de que estudar será uma prática frequente no seu cotidiano. Não se esgota nem chega ao fim. É permanente. É uma retroalimentação, como ler e escrever.

Outro aspecto importante que Paulo Freire destaca na sua carta é sobre a mecanização do ensino. Ensinar não é transferir conhecimento, é possibilitar reflexões críticas acerca de vários assuntos. É formar cidadãos. Para o pernambucano, “ensinar não pode ser um puro processo, […], de transferência de conhecimento do ensinante ao aprendiz. Transferência mecânica de que resulte a memorização maquinal que já critiquei. Ao estudo crítico corresponde um ensino igualmente crítico que demanda necessariamente uma forma crítica de compreender e de realizar a leitura da palavra e a leitura do mundo, leitura do contexto”.

Às vezes, na prática pedagógica, o professor tem pressa, quer que tudo aconteça imediatamente. Paulo Freire afirma que todo o processo que voltado para a educação tem que ser paciente: “…ler, estudar, é um trabalho paciente, desafiador, persistente”, p. 24. Para o educador, a qualidade da educação vai chegar ao ideal quando a prática for feita com alegria e prazer: “Se estudar, para nós, não fosse quase sempre um fardo, se ler não fosse uma obrigação amarga a cumprir, se, pelo contrário, estudar e ler fossem fontes de alegria e de prazer, de que resulta também o indispensável conhecimento com que nos movemos melhor no mundo, teríamos índices melhor reveladores da qualidade de nossa educação”, p. 25-26.

No finalzinho do texto, ao falar sobre a dificuldade que as pessoas dizem ter com a escrita, o patrono da nossa educação diz: “Ninguém escreve se não escrever, assim como ninguém nada se não nadar”, p. 26. Isso vale também para o ensinar. Ninguém ensina se ficar parado, sem buscar aprender, sem ler, sem estudar. Ensinar pressupõe movimento. Em todos os sentidos. Esse é o recado que Paulo Freire deixa para professores e professoras na sua carta. Quem ousa ensinar, tem que se mobilizar. Assim, mobiliza o outro e todo mundo sai do lugar em que estava.

Referência:
 

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Cultura, DEZde, Jornalismo Cultural, Texto de Quinta

Saio do interior/Vou morar na capital/Esqueço as minhas raízes/E me acho o maioral: o ser humano e a sua grande pequenez

 Tem gente que vai pra nunca mais*

Por Raulino Júnior ||Texto de Quinta|| 

“Tem gente que é metido a besta”. Quem é interiorano, já deve ter ouvido essa frase. Os mais velhos costumam dizê-la para se referir às pessoas que mudam de comportamento, de postura e de personalidade quando se mudam, quando vão morar num lugar que é considerado mais desenvolvido do que aquele de origem. Será que a pessoa muda, de fato, ou apenas achou uma oportunidade para botar a asinha de fora? Para mostrar ser quem realmente é? Hum… Questionamentos que dão uma pesquisa de doutorado. De qualquer forma, se achar melhor que os outros a ponto de esquecer de onde veio é de uma pequenez tão grande. Tem gente que só se acha porque não se encontra. Aí, fica perdido.

Quantos exemplos que corroboram o que está sendo dito aqui você tem na cabeça? Não é difícil mesmo encontrar casos. É muito comum. A pergunta que fica é: por quê? Por que uma pessoa, bem-sucedida (e, talvez, seja até por isso!), renega o lugar que contribuiu para a sua formação cidadã e humanística? O lugar de sua base, de suas raízes? O lugar que formou parte de sua identidade? Por quê? Por quê? Por quê? Quem tiver a resposta, sinaliza. Eu não consigo entender.

Buscar uma vida melhor é um direito de todos. Ninguém está no mundo para estacionar, para ser sempre a mesma coisa. Migrar faz parte desse pacote. A gente não encontra mais sentido em continuar no nosso lugar de origem e vai atrás de novos ares, para manter o equilíbrio, a satisfação pessoal e alcançar os nossos objetivos. Legítimo e natural. Isso sempre tem que ser a nossa meta. Contudo, fazer disso um trampolim do esquecimento de onde você veio é tão esquisito que não tem nem o que pensar. É só lamentar.

A sociedade brasileira adora uma diferença, uma escala, uma dicotomia entre “ser melhor” e “ser pior”. Isso explica o comportamento das pessoas que saem do interior para morar na capital e, por isso, se acham superiores. Essa superioridade se configura no desprezo a tudo que se relaciona com a cidade onde nasceu e/ou viveu parte considerável da vida. Há um distanciamento consciente, um silêncio que faz barulho, por dizer muita coisa. Tem gente que, no fundo, acaba sendo de lugar nenhum.

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Meu sapato de palestra

Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Durante muito tempo, ele foi meu companheiro. Não sei precisar com exatidão, mas, com certeza, esteve comigo por mais de dez anos. Quando o evento era especial, lá estava ele nos meus pés (e aos meus pés! Kkkkkk!). Era o meu sapato oficial de palestra. Tanto as que eu dava quanto as que assistia. Se tinha um seminário, não sabia que roupa colocar, mas sabia o que ia calçar. Na verdade, era o sapato de todo evento que eu considerava importante.

Me sentia poderoso com ele. Mais seguro e mais bonito. Primeiro dia de faculdade? Era ele! Congresso? Ele! Passeio para equipamentos culturais? Meu sapatinho sempre comigo! Sabe aquela peça do vestuário que anda sozinha de tanto você usar? Pois é. O meu sapato de palestra andou (e muito!) por Berimbau, Feira de Santana e Salvador. Muitas emoções!

Tenho muitas fotos com ele. E ele combinava com tudo: calça, bermuda, short… Independentemente do estilo! Esportivo, social, clássico. O sapato se adaptava a toda e qualquer situação. Multiuso!

Infelizmente, no dia 8 de dezembro de 2020, tive que me desfazer dele. Velhinho, já não dava o mesmo gás, não cumpria a sua função de proteger os pés. A costura arrebentou, havia um furo na frente, não tinha mais conforto. Quando chovia, entrava água. Literalmente. Resisti até onde pude. Enfim… Ficaram as lembranças.

Sigamos.

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Os artistas-xérox

Imagem: reprodução do site Mercado Livre

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

“Gente, é a cara de Beltrano”, “Oxente! O mesmo trejeito de Fulano”, “Ele fala igual a Sicrano”. Quantas vezes você já se pegou pensando isso sobre alguém que você vê na mídia? Quantos “artistas-xérox” você identifica por aí? Tem artista que faz história, tem artista que é uma paródia medíocre.

Ontem, assistindo a um programa de TV, me deparei com um artista novo (de carreira e de idade!) e pensei que ele já fosse velho. O cara evocava tanto um outro artista do mesmo segmento dele (no caso, sertanejo atual), que ficou impossível não associar a cópia ao original. Vixe!

O Brasil entrou numa era de “artistas-xérox” que meu Deus do céu! Quanta pequenez! Ter uma expressão artística, que é uma cópia de alguém que você admira, é se diminuir demais! Referência é sempre bem-vinda; imitação, não. Eu sempre sinto pena de artistas que ficam na segunda, porque eles abdicam da essência da arte, que é criar.

De tempos em tempos, a gente vê novos “artistas-xérox” surgirem. Virou tendência. Na música, sempre fica mais evidente. Fácil, fácil de perceber. O “lobby” dos empresários pode justificar tal presença, que é ausente o tempo todo. É triste. Eu, de fato, sinto pena. Não tenho outro sentimento. Walter Benjamin não estava brincando quando falou sobre a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. A reprodução é em série. É sério!

Sigamos.

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2021: Paulo Freire é 100!, Cultura, DESDEnhas, DEZde, Jornalismo Cultural, Resenha

“2021: Paulo Freire é 100!”: série comemora 100 anos de Paulo Freire e 10 anos do Desde

 Patrono da Educação Brasileira definiu caminhos das práticas pedagógicas

Por Raulino Júnior

Se estivesse vivo, Paulo Freire (1921-1997) completaria 100 anos em 2021. Mais precisamente, no dia 19 de setembro. Considerado como o Patrono da Educação Brasileira, o pernambucano criou métodos que são seguidos até hoje por educadores. Respeitar os conhecimentos prévios dos educandos e estimular a autonomia neles são alguns elementos da pedagogia freireana. Em setembro, vamos falar de muitos outros na série 2021: Paulo Freire é 100!. O objetivo é fazer resenhas de algumas obras do educador. A ação integra o Pacotão do DEZde, projeto que comemora os dez anos do blog.

Paulo Reglus Neves Freire é uma referência quando o assunto é educação. A experiência de alfabetização que realizou em Angicos (RN), em 1963, se tornou revolucionária e definiu os caminhos das práticas pedagógicas desenvolvidas no Brasil. O Método Paulo Freire consiste em fazer com que os educandos tenham uma leitura crítica do mundo, para interferir na sua dinâmica e transformar a realidade. O saber está atrelado ao fazer. É a educação para a cidadania, emancipadora e contextualizada. Tudo parte do local para o global. Nesse sentido, a experiência que o educando traz é considerada como parte importante do processo de ensino e de aprendizagem. A autonomia é estimulada o tempo todo. Freire foi um ativista da educação de qualidade como um direito humano. Não é por acaso que virou o expoente que virou. Em 2012, através da Lei nº 12.612, ele foi declarado Patrono da Educação Brasileira.

Paulo Freire: um visionário da educação. Arte: Raulino Júnior

A série 2021: Paulo Freire é 100! será publicada a partir de 19 de setembro e se estenderá até 19 de dezembro. Quatro obras serão analisadas criticamente, a fim de provocar reflexões e contribuir para repensar aspectos da educação brasileira da atualidade. O legado de Paulo Freire é importantíssimo e não pode ser visto apenas como uma teoria. Temos que colocar em prática. Sempre.

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